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O CÉU
E AS SUAS MARAVILHAS
E O INFERNO
SEGUNDO O QUE FOI OUVIDO E VISTO
por
Emanuel Swedenborg
1758
1920, 1987
2009
www.anjos-ceu.eu
www.angels-heaven.org
THIS INFORMATIONS IS APPROPRIATE
FOR DISTRIBUTING OF LIGHT
ON THE EARTH AND IN THE UNIVERSE
Traduzido do original latim
De Coelo et ejus mirabilibus, et de Inferno,
ex auditis et visis
pelo
Prof. Levindo Castro de La Fayette
Em 1920
(*)
Sumário
(I)
O CÉU
(1)
O CÉU E O INFERNO Prefácio 5
(2)
O Senhor é o Deus do Céu 6
(3)
É o Divino do Senhor que faz o Céu 8
(4)
No céu, o Divino do Senhor é o amor a Ele e a caridade para com o próximo 10
(5)
O Céu é dividido em dois Reinos 12
(6)
Há três Céus 14
(7)
Os céus consistem em sociedades inúmeras 17
(8)
Cada sociedade angélica é o Céu na menor forma e cada anjo o é na mínima forma 19
(9)
Todo o céu em um só complexo representa um só homem 22
(10)
Cada sociedade nos céus representa um só homem 24
(11)
Portanto, cada anjo é uma perfeita forma humana 25
(12)
É pelo Divino Humano do Senhor que o Céu, no todo e na parte, representa um só homem 27
(13)
Há correspondência de todas as coisas do Céu com todas as coisas do homem 30
(14)
Há correspondência de todas as coisas do Céu com todas as coisas da terra 34
(15)
O Sol no Céu 38
(16)
Da luz e do calor no Céu 41
(17)
Das quatro plagas no Céu 46
(18)
Das mudanças de estado dos anjos no Céu 50
(19)
Do tempo no Céu 52
(20)
Dos representativos e das aparências no Céu 54
(21)
Das vestimentas com que os anjos aparecem vestidos 56
(22)
Das habitações e das moradias dos anjos 58
(23)
Do espaço no céu 60
(24)
Da forma do céu segundo a qual se fazem as consociações e as comunicações 62
(25)
Dos governos no céu 66
(26)
Do culto Divino no céu 68
(27)
Do poder dos anjos no céu 70
(28)
A linguagem dos anjos 72
(29)
Da linguagem dos anjos com o homem 75
(30)
Da escrita no céu 81
(31)
Da sabedoria dos anjos 83
(32)
Do estado de inocência dos anjos no céu 87
(33)
Do estado de paz no céu 90
(34)
Da conjunção do céu com o gênero humano 93
(35)
Da conjunção do céu com o homem pela palavra 96
(36)
O céu e o inferno procedem do gênero humano 100
(37)
Das nações ou povos fora da igreja, no céu 102
(38)
Das crianças no céu 106
(39)
Dos sábios e dos simples no céu 111
(40)
Dos ricos e dos pobres no céu 116
(41)
Dos casamentos no céu 121
(42)
Das funções dos anjos no céu 127
(43)
Da alegria e da felicidade celestes 129
(44)
Da imensidade do céu 136
(II)
DO MUNDO DOS ESPÍRITOS E DO ESTADO DO HOMEM DEPOIS DA MORTE
(45)
O que é o mundo dos espíritos 140
(46)
Todo homem é um espírito quanto aos seus interiores 143
(47)
Da ressurreição do homem dentre os mortos e de sua entrada na vida eterna 147
(48)
O homem, depois da morte, existe em uma perfeita forma humana 149
(49)
O homem, depois da morte, está em todos os sentidos, na memória, no pensamento e na afeição que tinha no mundo, e deixa apenas seu corpo terrestre 153
(50)
O homem é, depois da morte, qual foi a sua vida no mundo 159
(51)
Os prazeres da vida de cada um são mudados, depois da morte, em prazeres correspondentes 167
(52)
Do primeiro estado do homem depois da morte 171
(53)
Do terceiro estado do homem depois da morte, que é o estado de instrução dos que vêm para o céu 172
(54)
Ninguém vem ao céu por imediata misericórdia 176
(55)
Não é tão difícil como se crê praticar a vida que leva ao céu 179
(III)
DO INFERNO
(56)
O Senhor governa os infernos 185
(57)
Ninguém é lançado no inferno pelo Senhor. O próprio espírito é que nele se precipita 188
(58)
Todos os que estão nos infernos estão nos males e, por conseguinte, nos falsos derivados dos amores de si e do mundo 190
(59)
O que é o fogo infernal e o que é o ranger de dentes 196
(60)
Malícia e artes abomináveis dos espíritos infernais 200
(61)
Da aparência, da situação e da pluralidade dos infernos 203
(62)
Do equilíbrio entre o céu e o inferno 206
(63)
O homem está na liberdade pelo equilíbrio entre o céu e o inferno 209
(64)
Extratos dos arcanos celestes sobre a liberdade do homem, sobre o influxo e sobre os espíritos pelos Quais se fazem as comunicações 212
(I)
O
CÉU
(1)
O CÉU E O INFERNO
Prefácio
(1)
O Senhor, falando, na presença de Seus discípulos, sobre
a consumação do século, que é o último tempo da Igreja,
diz, no fim das predições que se referem aos estados sucessivos dela
quanto ao amor e à fé:
“Logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências do céu serão abaladas. Então aparecerá o sinal do Filho do homem no céu, e todas as tribos da terra chorarão e verão o Filho do homem, que virá sobre as nuvens do céu com poder e grande glória. E enviará os Seus anjos com trombetas e grande voz, e ajuntarão os Seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus” (Mateus 24:29 a 31).
Aqueles que entendem essas palavras segundo o sentido da letra crêem simplesmente que todas essas coisas devem ocorrer como estão descritas naquele sentido, no último tempo que é chamado Juízo Final, isto é, que não apenas o sol e a lua escurecerão e as estrelas cairão do céu, mas que o sinal do Senhor aparecerá no céu e Ele Próprio será visto nas nuvens, acompanhado de anjos com trombetas. Ainda, de acordo com aquelas previsões, todo o universo visível haverá de perecer e, depois disso, haverá de surgir um novo céu e uma nova terra. Desta opinião é a maioria das pessoas da atual Igreja (Primeira Igreja Cristã). Mas os que têm essa crença não conhecem os arcanos que se escondem em cada uma das particularidades da Palavra. Com efeito, nas particularidades da Palavra está o sentido interno, no qual são compreendidas não as coisas naturais e do mundo, que são tratadas no sentido da letra, mas as coisas espirituais e celestes. Isto se dá não só com a significação geral de muitas expressões, mas também com cada uma dessas expressões. Pois a Palavra é escrita inteiramente por correspondências, para que em cada uma de suas particularidades esteja o sentido interno. Qual vem a ser esse sentido é o que se pode depreender de tudo o que, sobre o assunto, é dito e mostrado no livro ARCANOS CELESTES e, ainda, nas citações que, ali, aparecem reunidas na explicação contida no opúsculo SOBRE O CAVALO BRANCO, de que se fala no Apocalipse. É segundo esse sentido que terão de ser entendidas as coisas de que fala o Senhor, nas palavras acima citadas, sobre Sua vinda nas nuvens do céu. Assim, pelo “sol” que deve ficar escurecido é significado o Senhor quanto ao amor. Pela “lua” é significado o Senhor quanto à fé. “As estrelas” significam os conhecimentos do bem e da verdade ou do amor e da fé. “O sinal do Filho do homem no céu” significa a manifestação da verdade Divina. Pelas “tribos da terra que chorarão” é significado tudo o que pertence à verdade e ao bem, ou à fé e ao amor. “A vinda do Senhor nas nuvens do céu com poder e grande glória” significa Sua presença na Palavra e a revelação. Por “glória” é significado o sentido interno da Palavra. “Os anjos com trombeta e grande voz” significam o céu, que é a fonte da Divina verdade. Por causa da significação dessas palavras do Senhor, deve-se entender que, no fim daquela Igreja, quando não mais houver o amor e a fé, o Senhor abrirá o sentido interno da Palavra e revelará os arcanos do céu. Os arcanos revelados no que se segue referem-se ao céu e ao inferno e também à vida do homem depois da morte. O homem da Igreja atual dificilmente conhece alguma coisa sobre o céu e o inferno ou sobre a sua vida depois da morte e, entretanto, essas coisas são mencionadas na Palavra. E há ainda mais:
muitos dos que nasceram nas comunidades da Igreja as negam, dizendo em seus corações “Quem veio de lá e nos contou” ? Assim, para que tal espírito negativo, que, especialmente, impera entre os que sabem muitas coisas mundanas, não infecte e corrompa os simples de coração e de fé, foi-me dado estar com os anjos e conversar com eles como um homem conversa com outro homem, e também ver o que está nos céus e o que está nos infernos, e isso durante treze anos. E foi-me dado descrever, agora, o que vi e ouvi, esperando desse modo esclarecer a ignorância e dissipar a incredulidade. Se hoje é concedida uma tal revelação imediata é porque ela é o que é entendido pelo Advento do Senhor.
(2)
O SENHOR É
O DEUS DO CÉU
(2)
A primeira coisa que se deve saber é quem é o Deus do céu,
porque tudo o mais disso depende. Em todo o céu não
se reconhece outro Deus senão o Senhor, só, e lá se diz como Ele
Próprio ensinou:
“Que Ele é um com o Pai, que o Pai está n'Ele e Ele no Pai, que quem O vê também vê o Pai e que tudo que é santo procede d'Ele (João 10:30 e 38; 14:9 a 11; 16:13 a 15).
Falei com os anjos muitas vezes sobre esse assunto e eles se manifestaram firmemente, dizendo que no céu não podiam distinguir o Divino em três, porque sabem e percebem que o Divino é Um e que este Um está no Senhor. Disseram, ainda, que os da igreja que vêm do mundo e têm a idéia de três seres Divinos não podem ser admitidos no céu, pois que o pensamento deles vagueia de um Ser Divino a outro, e lá não é permitido pensar três e dizer um, porque cada um no céu fala pelo pensamento, pois a linguagem lá é o produto imediato do pensamento, ou o pensamento que fala. Assim, os que, no mundo, distinguiram o Divino em três e aceitaram uma idéia diferente de cada um, e não fizeram e concentraram uma idéia una no Senhor, não podem ser recebidos no céu, pois lá há a comunicação de todos os pensamentos; portanto, se para o céu viesse alguém que pensasse em três e falasse um, seria logo conhecido e rejeitado. Deve-se saber, porém, que todos os que não separaram a verdade do bem ou a fé do amor, quando são instruídos na outra vida, recebem e aceitam a idéia celeste do Senhor de que Ele é o Deus do universo. Na verdade, de outro modo ocorre com os que separaram a fé da vida, isto é, com os que não viveram os preceitos de uma verdadeira fé.
(3)
Aqueles que na igreja negaram o Senhor e reconheceram só
o Pai, e se confirmaram nessa fé, estão fora do céu. E, como não
podem receber influxo algum do céu, onde só o Senhor é adorado,
eles perdem gradualmente a capacidade de pensar a verdade sobre
qualquer assunto e finalmente se tornam como se fossem mudos,
perdem o poder de falar, ou falam estupidamente. Eles caminham
sem rumo e seus braços balançam e apresentam vibrações, porque
carecem de força nas juntas. Aqueles que, como os socinianos, negaram
o Divino do Senhor e reconheceram somente o Seu Humano,
semelhantemente estão fora do céu. Eles são levados para uma caverna
um pouco à direita e precipitam-se na profundidade; são,
assim, separados inteiramente dos demais que vêm do mundo cristão.
Finalmente, aqueles que diziam crer em um Divino invisível, que eles
chamam Ente do universo, pelo qual tudo existe, e rejeitam toda a
fé no Senhor, esses são notoriamente descrentes, porque não acreditam
em nenhum Deus, uma vez que o Divino invisível, para eles, pertence
à natureza nos seus primórdios, no que não incide fé nem amor,
porque não pode ser um objeto do pensamento; eles são relegados entre
os que são chamados naturalistas. Não sucede o mesmo com os que
nascem fora da igreja, os quais se chamam gentios; destes
se tratará depois.
(4)
Todas as crianças, que constituem a terça parte do céu, são
iniciadas no conhecimento e na fé que o Senhor é seu Pai e,
além disso, que Ele é o Senhor de todos, assim o Deus
do céu e da terra. Em páginas posteriores, ver-se-á que
as crianças crescem no céu e se aperfeiçoam por meio dos
conhecimentos, até alcançarem a inteligência e a sabedoria angélicas.
(5)
Aqueles que são da igreja não podem duvidar que o Senhor é o
Deus do céu. Ele Próprio ensinou que “todas as coisas do Pai são
d'Ele (Mateus 11:27; João 16:15 e 17:12) e que Ele tem todo
o poder no céu e na terra” (Mateus 28:18). Ele diz “no céu
e na terra”, porque Aquele que governa o céu governa também
a terra, pois um depende do outro. Governar o céu e a
terra significa receber do Senhor todo o bem que pertence ao amor
e toda a verdade que pertence à fé, assim receber toda a inteligência
e sabedoria e, desse modo, toda a felicidade; em resumo,
a vida eterna. Isto o Senhor ensinou, dizendo:
“Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; quem, todavia, não crê no Filho não verá a vida” (João 3:36).
E mais:
“Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim ainda que morra viverá, e qualquer que vive e crê em Mim não morrerá na eternidade” (João 11:25 e 26).
E ainda:
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14:6).
(6)
Havia certos espíritos que, enquanto viviam no mundo, professavam crer
no Pai, mas a respeito do Senhor eles tinham tido a mesma
idéia como de qualquer outro homem e, por isso, não creram que Ele fosse
o Deus do céu. Por isso, lhes foi permitido que andassem por toda
a parte e perguntassem onde quisessem se havia outro céu além
do céu do Senhor. Procuraram por muitos dias, mas em nenhuma
parte encontraram outro. Tais espíritos são os que põem a felicidade
na glória e no domínio. E, como foram incapazes de alcançar
o que eles desejavam, quando lhes foi dito que o céu não consiste
em tais coisas, eles se indignaram e desejaram um céu onde
pudessem dominar os outros e pudessem ser eminentes em glória
como no mundo.
(3)
É O DIVINO
DO SENHOR QUE FAZ O CÉU
(7)
Os anjos, considerados em conjunto, chamam-se céu. Mas o que faz o céu
em geral e em particular é o Divino procedente do Senhor,
que influi nos anjos e é recebido por eles. O Divino procedente
do Senhor é o bem do amor e a verdade da fé;
os anjos são anjos e são o céu na proporção em que
eles recebem os bens e as verdades do Senhor.
(8)
Cada um nos céus sabe e crê, e até percebe, que nada quer
e faz de bem por si mesmo, e que nada pensa e crê
de verdade por si mesmo, mas somente pelo Divino e, portanto, pelo
Senhor; e também que o bem e a verdade que procedem deles próprios
não são bem e verdade, porque estes não têm em si vida alguma
do Divino. Os anjos do céu íntimo também percebem claramente
e sentem o influxo, e quanto mais o recebem mais lhes
parece estarem no céu, porque mais estão no amor e na fé e
na luz da inteligência e da sabedoria, portanto, no gozo
celeste. [Isto] porque todas as coisas procedem do Divino
do Senhor e nelas consiste o céu dos anjos, pois é evidente
que o Divino do Senhor é Quem faz o céu e não
os anjos ou qualquer coisa que pertença a seu próprio. Daí
é que o céu, na Palavra, se chama “habitação
do Senhor” e “Seu Trono”, e aos que estão lá se diz que eles
estão no Senhor. De que modo o Divino procede do Senhor
e enche o céu é o que se dirá depois.
(9)
Os anjos progridem sempre em sua sabedoria. Dizem eles que não somente
todo o bem e toda a verdade procedem do Senhor, mas também
o todo da vida. Eles confirmam isso dizendo que nada pode existir por
si, mas de alguma coisa anterior a si. Por isso, todas as coisas
procedem de um Primeiro, que eles chamam o Ser Mesmo da vida
de todas as coisas. E igualmente, todas as coisas continuam
a existir, porque subsistir é existir perpetuamente, e tudo
o que não estiver em nexo contínuo com o Primeiro perece
imediatamente e é inteiramente dissipado. Eles dizem também que
há unicamente uma Fonte de Vida e que a vida do homem
é um rio dela derivado, que, se não continuar a subsistir
de sua fonte, imediatamente desaparecerá. Do mesmo modo, eles dizem
que dessa Única Fonte de Vida, que é o Senhor, só procedem
o Divino Bem e a Divina Verdade, e que cada um é afetado
por estes, de acordo com a recepção deles. Os que
os recebem na fé e na vida acham o céu neles, enquanto
aqueles que os rejeitam ou os sufocam mudam-nos em inferno,
porque convertem o bem em mal e a verdade em falsidade e,
assim, a vida em morte. Ainda mais, eles dizem que o todo
da vida procede do Senhor e o confirmam do seguinte modo:
que todas as coisas do universo se referem ao bem e à verdade - a vida da vontade do homem, que é a vida de seu amor, ao bem, e a vida de seu entendimento, que é a vida de sua fé, à verdade. E, se todo o bem e toda a verdade procedem de cima, segue-se que tudo da vida deve vir de cima. E como tal é a crença dos anjos, por isso eles recusam todos os agradecimentos pelo bem que fazem, e se indignam e se retiram se alguém lhes atribui o bem. Eles se admiram de que haja alguém que possa crer que é sábio por si mesmo ou possa fazer o bem por si mesmo. [Quando alguém julga] fazer o bem por causa de si, não chamam a isso bem, porque é feito por amor de si; mas fazer o bem por causa do bem dão a isso o nome de bem do Divino. E eles dizem que este bem é que faz o céu, porque este bem é o Senhor.
(10)
Os espíritos que, durante a sua vida no mundo, se confirmaram
na crença de que o bem que fazem ou a verdade em que
crêem procedem de si próprios ou lhes são apropriados como sendo
deles - crença em que estão todos os que atribuem a seu mérito
as boas ações e a justiça que praticam - não são recebidos
no céu. Os anjos se afastam deles e os consideram estúpidos
e ladrões: estúpidos porque eles continuamente têm em vista sua
pessoa e não o Divino, e ladrões porque furtam ao Senhor
o que Lhe pertence. Eles são contrários à crença existente
no céu de que o Divino do Senhor nos anjos é que faz
o céu.
(11)
O Senhor ensina que aqueles que estão no céu e na igreja estão
no Senhor e o Senhor está neles, quando Ele diz:
“Permanecei em Mim e Eu em vós; assim como a vara não pode dar fruto por si mesma, a não ser que permaneça na videira, assim nem vós o podeis dar se não permanecerdes em Mim. Eu sou a videira, vós as varas. Quem permanece em Mim e Eu nele, este dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer” (João 15: 4 e 5).
(12)
Daí se vê, agora, que o Senhor habita nos anjos do céu naquilo
que é Seu, e assim o Senhor é o todo em todas
as coisas do céu. E isso porque o bem oriundo
do Senhor é o Senhor nos anjos, porque aquilo que dimana
do Senhor é o Senhor; por conseguinte, o bem procedente
do Senhor é para os anjos seu céu, e não coisa alguma
do próprio deles.
(4)
NO CÉU,
O DIVINO DO SENHOR É
O AMOR A ELE E A CARIDADE
PARA COM O PRÓXIMO
(13)
O Divino procedente do Senhor chama-se, no céu, a Divina
Verdade; a razão disso será apresentada a seguir. Esta Divina Verdade
flui do Senhor no céu da parte de Seu Divino Amor.
O Divino e, por conseguinte, a Divina Verdade estão em relação
entre si como o fogo do sol e a luz dele no mundo;
o amor é como o fogo do sol e a verdade como
a luz do sol. Daí, pela correspondência, o fogo significa
o amor e a luz a verdade procedente do amor. Daí,
se pode ver qual é a Divina Verdade procedente do Divino Amor
do Senhor, e que é, em sua essência, o Divino Bem conjunto
à Divina Verdade; e, porque ele foi conjunto, ele vivifica todas
as coisas do céu, como o calor do sol unido à luz,
no mundo, como se dá nas estações da primavera e do verão;
não sucede o mesmo quando o calor não foi unido à luz, assim
quando a luz é fria: tudo então entorpece e se extingue. Esse
Divino Bem, que foi comparado ao calor, é o bem do amor nos
anjos; e a Divina Verdade, que foi comparada à luz, é a verdade
pela qual e da qual há o bem do amor.
(14)
No céu, o Divino que o constitui é o amor, porque o amor
é a conjunção espiritual. Ele conjunge os anjos ao Senhor e
os conjunge mutuamente entre si; e os conjunge de tal modo que
eles todos são como um em presença do Senhor. Além disso, o amor
é para cada um o ser mesmo da vida, porque é pelo amor que
o anjo tem vida e que também o homem tem vida. Que do amor
venha o vital íntimo do homem é o que percebe quem refletir,
porque pela presença do amor o homem se aquece, por sua ausência
ele se esfria, e por sua privação ele morre. Mas cumpre saber que,
para cada um, a vida é tal qual é a qualidade de seu amor.
(15)
Há no céu dois amores distintos: o amor para com o Senhor
e o amor para com o próximo. No céu íntimo, ou terceiro
céu, o amor para com o Senhor, e no céu médio ou segundo
céu, o amor pelo próximo; um e outro procedem do Senhor e um
e outro fazem o céu. De que modo esses dois amores
se distinguem, e de que modo eles se conjungem, é o que
se vê com grande evidência no céu, mas somente de um modo
obscuro no mundo. No céu, por amar o Senhor entende-se não
O amar quanto à pessoa, mas amar o bem que procede d'Ele,
e amar o bem é querer e fazer o bem por amor. E por
amar o próximo entende-se não amar seu semelhante quanto à pessoa,
mas amar a verdade que procede da Palavra, e amar a verdade
é querer e fazer o que é verdadeiro. Daí é evidente
que esses dois amores se distinguem como o bem e a verdade. Mas
isso entra dificilmente na idéia do homem que não sabe o que
é o amor, o que é o bem e o que é o próximo.
(16)
Algumas vezes conversei sobre esse assunto com os anjos. Eles disseram que
se admiram de que os homens da igreja não saibam que amar
ao Senhor e amar ao próximo é amar o bem e amar
a verdade e, pelo querer, fazer um e outro; quando, entretanto, eles
podem saber que cada um testemunha seu amor a um outro querendo
e fazendo o que Ele quer, e que, assim, por sua vez, se
é amado e conjunto a ele, e não pelo fato de amá-lo
sem, contudo, fazer a sua vontade, o que em si não é amar.
E que, além disso, eles podem saber que o bem que procede
do Senhor é a semelhança do Senhor, pois que Ele Mesmo está
nesse bem; e que os que fazem que o bem e a verdade
pertençam à sua vida, pelo querer e o fazer, tornam-se semelhanças
do Senhor e são conjuntos a Ele. Querer é também gostar
de fazer. Que isso seja assim é o que o Senhor ensina também
na Palavra, quando diz:
“Quem tem os Meus preceitos e os cumpre, este Me ama. e Eu o amarei. e nele farei morada” (João 14:21 e 23).
E em outra passagem:
“Se cumprirdes os Meus mandamentos, permanecereis no Meu amor” (João 15:10).
(17)
Que o Divino Procedente do Senhor, que afeta os anjos e faz
o céu, seja o amor, é o que prova toda experiência no céu.
Com efeito, todos os que estão no céu são formas do amor e
da caridade. Eles aparecem em uma beleza inexprimível, e o amor
se mostra com brilho em sua face, em sua linguagem, em cada
particularidade de sua vida. Além disso, há esferas espirituais
de vida que procedem de cada anjo e de cada espírito e
se propagam ao redor deles. Por elas se conhece, às vezes,
a uma grande distância, quais eles são quanto às afeições que
pertencem ao amor, porque essas esferas efluem da vida
da afeição e da vida do pensamento, ou da vida do amor
e, portanto, da vida da fé de cada um deles.
As esferas que dimanam dos anjos estão tão cheias de amor que eles
afetam os íntimos da vida daqueles em quem eles estão;
eu próprio as percebi algumas vezes, e elas me afetaram
desse modo. Que seja do amor que os anjos derivam sua vida
é ainda o que para mim foi evidente em virtude do fato
de que, na outra vida, cada um se volta segundo seu amor.
Os que estão no amor para com o Senhor e no amor
ao próximo voltam-se constantemente para o Senhor; ao contrário,
os que estão no amor de si voltam-se constantemente para
o lado oposto ao Senhor. Isso se efetua seja qual for
o sentido em que eles virem seu corpo, porque, na outra vida,
os espaços estão em relação com os estados dos interiores dos
habitantes. Dá-se o mesmo com as plagas [pontos cardeais], que
lá não foram, como no mundo, invariavelmente fixas, mas são
determinadas segundo o aspecto da face dos habitantes. Contudo, não
são os anjos que se voltam para o Senhor, mas é o Senhor
que volta para Ele aqueles cujo amor consiste em fazer o que vem
d'Ele. Sobre este assunto, pormenores mais amplos serão dados quando
se tratar das plagas [pontos cardeais] na outra vida.
(18)
O Divino do Senhor no céu é o amor, porque o amor é o
receptáculo de tudo no céu, que é paz, inteligência, sabedoria
e felicidade. O amor recebe todas e cada das coisas que lhe
convém. Ele as deseja, procura, emprega como por vontade sua, pois quer
continuamente se fartar e se aperfeiçoar por elas. Isto também
é conhecido pelo homem, pois o amor, nele, examina e retira
de sua memória todas as coisas para concordância, reúne-as e
as dispõe em si e sob si; em si para que sejam suas
e sob si para que possam servi-lo. As outras coisas, entretanto,
que não concordam, ele rejeita e extermina. No amor reside toda
a faculdade de receber as verdades que lhe são convenientes
e conjungi-las a si. Isto se tornou patente a mim pelo que
vi claramente nos que foram elevados ao céu, naqueles que, ainda que
simples no mundo, alcançaram a sabedoria angélica e
as felicidades do céu quando se acharam entre os anjos.
O motivo por que foi assim é porque amaram o bem e a
verdade e implantaram essas coisas na sua vida, e por esse modo
tornaram-se capazes de receber o céu com tudo de inexprimível
que ele tem. Os que, entretanto, estão no amor de si e
do mundo, estes não são capazes de receber o bem e a
verdade; eles os repelem, rejeitam e, ao primeiro contato
e influxo, escapolem e se associam no inferno com os que
têm amores semelhantes aos seus. Havia espíritos que duvidavam que tais coisas
existissem no amor celeste e desejavam saber se assim era. Por
isso, foram postos no estado do amor celeste, tendo, então, sido
afastado, nesse intervalo, tudo o que constituísse obstáculo para tal.
Foram tais espíritos levados a uma certa distância, à frente, onde
está o céu angélico e dali falaram comigo, dizendo que percebiam uma
felicidade interior que não podiam exprimir por palavras, sofrendo muito por
terem de voltar ao seu antigo estado. Outros, também, foram elevados
ao céu, e quanto mais foram elevados interiormente ou para cima,
mais eles entraram na inteligência e na sabedoria, a fim
de que pudessem entender as coisas que antes lhes eram
incompreensíveis. Daí é evidente que o amor procedente do Senhor
é o receptáculo do céu e de tudo que está no céu.
(19)
Que o amor ao Senhor e o amor ao próximo compreendam
em si todas as verdades Divinas, pode-se ver pelas palavras que
o próprio Senhor proferiu sobre esses dois amores, dizendo:
“Amarás. teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, que lhe é semelhante, é: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus 22:37 a 40).
A “Lei e os Profetas” são toda a Palavra, assim, toda a verdade Divina.
(5)
O CÉU É DIVIDIDO
EM DOIS REINOS
(20)
Como no céu há variedades infinitas e lá não há uma
só sociedade que seja perfeitamente semelhante a uma outra, nem mesmo
um só anjo igual a um outro anjo, por isso o céu é distinto
no comum, na espécie e na parte. No comum, em dois
reinos; na espécie, em três céus; e na parte, em inúmeras
sociedades. De cada uma dessas distinções tratar-se-á em particular
daqui por diante. São ditos reinos porque o céu é chamado “o reino
de Deus”.
(21)
Há anjos que recebem mais interiormente o Divino procedente do Senhor
e outros que o recebem menos interiormente. Os que
o recebem mais interiormente chamam-se anjos celestiais, e os que
o recebem menos interiormente são chamados anjos espirituais. Por isso,
o céu se divide em dois reinos, dos quais um tem
o nome de reino celestial e o outro de reino
espiritual. universe-people.com
(22)
Os anjos que constituem o reino celestial, recebendo mais interiormente
o Divino do Senhor, chamam-se anjos interiores e os céus que
eles constituem são chamados céus interiores e céus superiores.
(23)
O amor em que estão os [anjos] do reino celestial chama-se amor
celeste, e o amor em que estão os do reino espiritual chama-se
amor espiritual. O amor celeste é o amor para com o Senhor,
e o amor espiritual é o amor para com o próximo. E, como todo
o bem pertence ao amor, porque o que alguém ama é para ele
o bem, é por isso que o bem do primeiro reino se chama
bem celeste e o bem do segundo reino se chama bem espiritual.
Daí se vê claramente em que se distinguem esses dois reinos,
isto é, que eles estão entre si como o bem do amor para com
o Senhor e o bem da caridade para com o próximo; e, uma vez
que o bem do amor para com o Senhor é o bem interior, e esse
é o amor interior, os anjos celestiais são anjos interiores
e são chamados anjos superiores.
(24)
O reino celestial também é chamado reino sacerdotal do Senhor e,
na Palavra, “Seu habitáculo”; e o reino espiritual é chamado Seu
reino régio e, na Palavra, “Seu trono”. Segundo o Divino celeste,
também o Senhor, no mundo, foi chamado Jesus, e segundo
o Divino espiritual foi chamado Cristo.
(25)
Os anjos no reino celeste do Senhor excedem muito em sabedoria e
em glória os anjos que estão no reino espiritual; assim
é porque eles recebem mais interiormente o Divino do Senhor,
pois estão no amor para com Ele e se encontram mais próximos e
em maior conjunção com Ele. Esses anjos celestiais são assim porque
receberam e recebem as verdades Divinas imediatamente na vida,
e não como os espirituais, que as recebem previamente pela
memória e pelo pensamento. Por isso, os anjos celestiais têm essas
verdades Divinas gravadas em seus corações, as percebem e como
que as vêem em si mesmos. Jamais raciocinam a respeito delas
sobre se são ou não verdades. Assim são eles descritos
em Jeremias:
“Porei a Minha Lei na mente deles e a inscreverei no coração deles. Não ensinarão mais, cada um ao seu amigo e cada um a seu irmão, dizendo: Conhecei JEHOVAH.; conhecerão a Mim do menor ao maior deles” (31:33 e 34).
E são chamados em Isaías “os ensinados de JEHOVAH” (54:13).
“Os ensinados de JEHOVAH” são os que o Senhor ensina. E isto é assim dito pelo próprio Senhor em João 6:45 e 46.
(26)
Foi dito que os anjos celestiais se avantajam aos outros
em sabedoria e em glória, porque eles receberam e recebem
as Divinas verdades imediatamente na vida, pois, desde que
as ouvem, eles as querem e fazem, sem pô-las primeiro
em sua memória e sem pensarem depois se são realmente verdades.
Os que são tais sabem logo, pelo influxo do Senhor, se
é verdadeira a verdade que ouvem, porque o Senhor influi
imediatamente no querer do homem e, mediatamente pelo querer,
em seu pensar. Ou, o que é a mesma coisa, o Senhor influi
imediatamente no bem e, mediatamente pelo bem, na verdade, porque
se chama bem àquilo que pertence à vontade e, por conseguinte,
à obra, e se chama verdade àquilo que pertence à memória e, por
conseguinte, ao pensamento. Toda verdade é até mudada em bem
e implantada no amor desde que ela primeiramente entra
na vontade. Mas, enquanto a verdade estiver na memória e, por
conseguinte, no pensamento, ela não se torna um bem, não vive,
e não é apropriada ao homem, porque o homem é homem
pela vontade e, por conseguinte, pelo entendimento, e não pelo
entendimento separado da vontade.
(27)
Como há uma tal diferença entre os anjos do reino celeste e
os anjos do reino espiritual, eles não estão juntos nem
se apresentam em comunidade. Há apenas uma comunicação por
sociedades angélicas intermediárias, que são chamadas celestes-espirituais. Por
elas, o reino celestial influi no reino espiritual. Daí vem que
o céu, posto que haja sido dividido em dois reinos, faz entretanto
um. O Senhor suscita sempre anjos intermediários, pelos quais
há comunicação e conjunção.
(28)
Como se tratará muito, a seguir, dos anjos de um e de outro
reino, por esta razão os aspectos específicos aqui são deixados
à parte.
(6)
HÁ TRÊS CÉUS
(29)
Há três céus e eles são entre si distintíssimos: o íntimo
ou terceiro, o médio ou segundo e o último
ou primeiro. Eles estão em seqüência um ao outro,
e subsistem entre si, como a parte superior do homem, que
se chama cabeça, seu meio, que se chama corpo, e o último, que
é chamado pés, tais como as partes mais alta, média e mais baixa
de uma casa. Em uma tal ordem se acha também o Divino que
procede e desce do Senhor. Daí, por necessidade de ordem,
o céu é dividido em três partes.
(30)
Os interiores do homem, que pertencem à sua mente e ao seu
ânimo, também estão em uma ordem semelhante. Ele tem um íntimo,
um médio e um último, porque no homem, quando ele foi criado,
foram reunidas todas as coisas da ordem Divina, a tal ponto que
ele foi a ordem Divina em forma e, por conseguinte, um céu na menor
efígie. É também por isso que o homem se comunica com
os céus quanto a seus interiores e é também porque ele fica
entre os anjos depois da morte - entre os anjos do céu
íntimo, ou do céu médio, ou do último céu, segundo a recepção,
durante sua vida no mundo, do Divino bem e da Divina verdade que
procedem do Senhor.
(31)
O Divino que eflui do Senhor e que é recebido no terceiro
céu ou céu íntimo chama-se celeste e, por conseguinte, os anjos desse
céu chamam-se anjos celestes. O Divino que eflui do Senhor e que
é recebido no segundo céu ou céu médio chama-se espiritual e,
por conseguinte, os anjos desse céu chamam-se anjos espirituais.
O Divino que eflui do Senhor e que é recebido
no último ou primeiro céu é chamado natural. Contudo,
o natural desse céu não sendo como o natural do mundo, mas tendo
em si o espiritual e o celeste, é chamado
espiritual-natural e celeste-natural e, por isso, os anjos que
o habitam chamam-se espirituais-naturais e celestes-naturais. São
chamados espirituais-naturais os que recebem o influxo do médio
ou segundo céu, que é o céu espiritual, e são chamados
celestes-naturais os que recebem o influxo do céu íntimo
ou terceiro céu, que é o céu celeste. Os anjos
espirituais-naturais e os anjos celestiais-naturais são distintos entre
si, mas sempre constituem um mesmo céu, porque estão no mesmo grau.
(32)
Há em cada céu um interno e um externo. Os anjos que
lá estão no interno são chamados anjos internos e os que estão
no externo são chamados anjos externos. O externo e o interno
nos céus, ou em cada céu, são lá como o voluntário e o
intelectual do voluntário no homem, o interno como voluntário
e o externo com intelectual do voluntário. Todo voluntário tem seu
intelectual, pois um não existe sem o outro. O voluntário pode
ser comparado à chama e o intelectual à luz que procede
da chama.
(33)
Cumpre bem saber que os interiores dos anjos fazem com que eles estejam
em um céu ou em outro, pois, quanto mais os interiores são
abertos para o Senhor, tanto mais eles estão em um céu interior.
Há três graus de interiores, tanto em cada anjo como em cada
espírito e também em cada homem. Aqueles nos quais o terceiro
grau foi aberto estão no céu íntimo. Aqueles que tiveram aberto
o segundo grau estão no céu médio, e os que tiveram aberto
o primeiro grau estão no último céu. Os interiores são abertos
pela recepção do Divino bem e da Divina verdade. Aqueles que são
afetados pelas Divinas verdades e as admitem logo na vida, por
conseguinte na vontade e, por este fato, no ato, estão no céu
íntimo ou terceiro céu, e lá estão segundo a recepção
do bem pela afeição da verdade. Aqueles que, entretanto,
as admitem, não imediatamente na vontade, mas na memória e,
portanto, no entendimento, e depois as querem e fazem,
estão no céu médio ou segundo céu. Aqueles que vivem em sã moral
e crêem no Divino, e não se importam tanto em serem
instruídos, estão no último ou primeiro céu. Daí se pode ver que
os estados dos interiores fazem o céu e que o céu está
dentro e não fora de cada um. É também o que o Senhor ensina,
dizendo:
“Não vem o reino de Deus visivelmente, nem dirão: Ei-lo aqui ou ei-lo ali, porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lucas 17:20 e 21).
(34)
Toda perfeição também cresce para os interiores e decresce para
os exteriores, pois os interiores estão mais perto do Divino
e são em si mesmos mais puros, e os exteriores são mais
afastados do Divino e em si mesmos mais densos. A perfeição
angélica consiste na inteligência, na sabedoria, no amor,
em todo bem e, por conseguinte, na felicidade, mas não
na felicidade sem essas coisas, porque sem elas a felicidade
é externa e não interna. Como os interiores dos anjos
do céu intimo foram abertos no terceiro grau, a sua perfeição
excede em muito à perfeição dos anjos do céu médio, cujos
interiores foram abertos no segundo grau. Do mesmo modo,
a perfeição dos anjos do céu médio excede em muito
à perfeição dos anjos do último céu. www.angels-light.org
(35)
Porque há uma tal diferença, o anjo de um céu não pode vir entre
os anjos de um outro céu, isto é, o de um céu inferior não pode
subir, nem o de um céu superior pode descer. Aquele que sobe de um
céu inferior é acometido por uma ansiedade que vai até a dor,
e não pode ver os que estão no céu superior ao seu, nem,
com mais forte razão, conversar com eles. E aquele que desce de um
céu superior é privado de sua sabedoria, balbucia e chega
ao desespero. Alguns habitantes do último céu, não tendo ainda sido
instruídos que o céu consiste nos interiores do anjo, acreditavam que
chegariam a uma felicidade celeste superior, se entrassem no céu
onde estão os anjos que gozam essa felicidade. Foi-lhes então permitido
entrar lá, mas, quando lá estiveram, eles não viram pessoa alguma,
em qualquer lugar que eles procurassem - apesar de haver lá uma
grande multidão de anjos -, porque os interiores desses estranhos não
haviam sido abertos no mesmo grau que o dos anjos desse céu nem, por
conseguinte, sua vista. Pouco depois, foram acometidos por uma angústia
de coração a tal ponto que dificilmente podiam saber se estavam
ou não com vida. Por isso, trataram logo de voltar para o céu
de onde tinham saído, regozijando-se por se acharem de novo
entre os seus, e prometendo nunca mais desejar coisas mais elevadas
do que as que concordavam com a sua vida. Vi também anjos
que desceram de um céu superior e foram privados de sua
sabedoria a tal ponto que não sabiam qual era o seu céu. Não sucede
o mesmo quando o Senhor eleva anjos de um céu inferior a
um céu superior, para que eles vejam a Sua glória, o que ocorre
freqüentes vezes. Para isso, esses anjos são primeiro preparados e, depois,
acompanhados por anjos intermediários, pelos quais há comunicação. Pelo
que precede, é evidente que esses três céus são muito distintos entre si.
(36)
Em um mesmo céu, cada um pode ser consorciado com qualquer
um que lhe apraz, mas os prazeres da consociação estão
em relação com afinidades do bem em que se está. Este
assunto será desenvolvido nos parágrafos seguintes.
(37)
Ainda que os céus sejam de tal modo distintos que os anjos
de um céu não possam ter relacionamento com os anjos de um
outro, a verdade é que o Senhor conjunge todos os céus por
influxo imediato e por influxo mediato - pelo influxo imediato que procede
d'Ele em todos os céus, e pelo influxo mediato de um céu
em um outro céu- e por esse modo faz com que os três céus sejam
um e que todos sejam ligados do primeiro ao Último, de modo
que nada existe que não seja ligado. O que não é ligado por
intermediários com um Primeiro não subsiste, mas é dissipado e
se torna nulo.
(38)
Quem não sabe de que modo os graus estão relacionados com
a ordem Divina não pode compreender como os céus são distintos, nem
mesmo o que seja o homem interno e o homem externo.
No mundo, a maior parte dos homens não tem noção dos interiores
e dos exteriores, ou dos superiores e dos inferiores, mas
somente do que é contínuo ou coerente por continuidade, desde
o mais puro até o mais espesso. Entretanto, os interiores e
os exteriores estão entre si em uma relação não contínua, mas
discreta. Os graus são de dois gêneros:
há graus contínuos e há graus não contínuos. Os graus contínuos são como os graus do decréscimo da luz, desde a chama até a escuridão, ou como os graus de decréscimo da vista, que da luz passam para a sombra, ou como os graus de pureza da atmosfera, desde sua profundidade até a sua parte mais elevada. As distâncias determinaram esse grau. Ao contrário, os graus não contínuos, mas discretos, foram diferenciados como anteriores e posteriores, como a causa e o efeito, e como o que produz e o que é produzido. Quem examinar a questão verá que em todas as coisas do mundo, tanto em geral como em particular, há graus de produção e de composição, isto é, que de uma coisa procede uma outra e desta uma terceira, e assim por diante. Quem não adquirir para si a percepção desses graus não pode, de modo algum, saber a diferença dos céus, conhecer as distinções das faculdades interiores e exteriores do homem, nem a distinção entre o mundo espiritual e o mundo natural, nem a distinção entre o espírito e o corpo do homem e, por conseguinte, não pode compreender o que são e onde estão as correspondências e as representações, nem de onde elas vêm, nem qual é o influxo. Os homens sensuais não percebem essas distinções, porque os crescimentos e os decréscimos, segundo esses graus, são por eles considerados contínuos. Por esse motivo, eles só podem conceber o espiritual como um natural mais puro. Por isso é que eles ficam também do lado de fora e longe da inteligência.
(39)
É-me permitido, em última lugar, referir, a respeito dos anjos dos
três céus, um arcano que até aqui não ocorreu à mente de pessoa
alguma, porque os graus não foram compreendidos. É o seguinte:
em cada anjo e também em cada homem há um grau íntimo
ou supremo, ou um certo íntimo e supremo, no qual
o Divino do Senhor influi primeiro ou de mais perto
e segundo o qual Ele dispõe os outros interiores que vêm depois,
segundo os graus da ordem no anjo e no homem. Esse íntimo
ou supremo pode ser chamado a entrada do Senhor no anjo e
no homem, e Seu domicílio mesmo neles. É por esse íntimo ou supremo
que o homem é homem e se distingue dos animais brutos, porque
os brutos não o têm. Daí vem que o homem, diferentemente dos
animais, pode, quanto a todos os interiores que pertencem à sua
mente e ao seu ânimo, ser elevado pelo Senhor para o Senhor Mesmo,
crer n'Ele, ser afetado pelo amor para com Ele e, assim, ver o Senhor
Mesmo e poder receber a inteligência e a sabedoria, e falar
segundo a razão. Daí vem também que ele vive eternamente. Contudo,
o que é disposto e provido pelo Senhor nesse íntimo não influi
manifestamente na percepção de anjo algum, porque está acima
de seu pensamento e excede sua sabedoria.
(40)
São essas as coisas comuns aos três céus; no que vai seguir
se tratará de cada céu em particular.
(7)
OS CÉUS CONSISTEM
EM SOCIEDADES INÚMERAS
(41)
Os anjos de cada céu não estão juntos em um lugar, mas reunidos
em sociedades maiores ou menores, segundo as diferenças
do bem do amor e da fé em que eles estão. Os que estão
em um semelhante bem formam uma mesma sociedade. Os bens no céu
são de uma variedade infinita e cada anjo é tal qual é o
seu bem.
(42)
As sociedades angélicas nos céus são também afastadas umas das outras, conforme
diferem os bens no gênero e na espécie, porque
as distâncias, no mundo espiritual, não têm outra origem que não seja
a diferença do estado dos interiores; por conseguinte, nos céus, elas
não têm outra origem senão a diferença dos estados de amor.
Os que diferem muito estão a uma grande distância uns dos outros, e
os que diferem pouco estão a uma pequena distância. A semelhança
faz que eles estejam juntos.
(43)
Em uma mesma sociedade, todos são igualmente distintos entre si. Os que
são mais perfeitos, isto é, que excedem em bem, por conseguinte
em amor, em sabedoria e em inteligência, estão no meio, e
os que excedem menos estão ao redor, a uma distância
proporcional à diminuição de perfeição. É o mesmo que se dá
com a luz, que decresce do centro para a periferia. Os que
estão no meio também estão em maior luz e os que estão
na periferia estão em uma luz cada vez menor.
(44)
Os anjos são como que levados por si próprios para aqueles que
se lhes assemelham, porque eles estão com os seus semelhantes como
com os seus e como em sua casa, ao passo que com
os não semelhantes estão como com estrangeiros e como fora
de suas casas. Quando estão em casa de seus semelhantes, eles
estão em sua liberdade e, por conseguinte, em todo o prazer
da vida.
(45)
Daí é evidente que o bem é que consorcia todos os anjos nos
céus, e que os anjos se distinguem segundo a qualidade
do bem. Todavia, não são eles que formam assim essas associações: é o
Senhor, de Quem procede o bem. Ele Mesmo os conduz, conjunge,
distingue e mantém na liberdade como no bem, cada um na
vida do seu amor, da sua fé, da sua inteligência e da sua
sabedoria e, por isso mesmo, na sua felicidade.
(46)
Todos os que estão em um semelhante bem se conhecem
absolutamente como os homens no mundo conhecem seus parentes, aliados
e amigos. Eles se conhecem mesmo quando nunca se tenham visto
antes. Isso porque, na outra vida, não há parentesco, afinidades
e amizades que não sejam espirituais, as quais, portanto, pertencem
ao amor e à fé. É o que, às vezes, me foi dado ver,
quando eu estava em espírito, por conseguinte desligado
do corpo, e assim em sociedade com os anjos. Então vi alguns
deles que me pareciam conhecidos de infância, enquanto outros eram-me
absolutamente desconhecidos. Os que me pareciam conhecidos desde
a infância eram os que se achavam em um estado semelhante
ao de meu espírito, e os que a mim pareciam desconhecidos
se achavam em um estado diferente.
(47)
Todos os que formam uma mesma sociedade angélica são de uma face
semelhante no comum, mas não semelhante no particular. Pode-se,
de algum modo, apreender alguma coisa sobre o que são essas
semelhanças no comum e essas variedades no particular pelas
semelhanças e variedades que existem no mundo. Sabe-se que cada nação
traz na face e nos olhos uma sorte de semelhança comum, que
a torna conhecida e distinta de uma outra nação, e mais
ainda uma família de uma outra família. No céu, porém, tal fato
se efetua mais distintamente, porque lá todas as afeições
interiores se mostram e brilham na face, visto que lá
a face é a forma externa e representativa das afeições; ter uma
face diferente da de suas afeições não é possível no céu. Foi-me
mostrado como a semelhança comum é particularmente variada nos
indivíduos que estão em uma mesma sociedade: havia uma face como uma face
angélica, que me aparecia, e ela variava segundo as afeições
do bem e da verdade, como são as que estão nos que constituem
uma mesma sociedade. Essas variações duravam muito tempo e eu observava
que, apesar disso, a mesma face comum ficava como um plano,
e todas as outras eram somente derivações e propagações daquela.
Desse modo, por essa face também me foram mostradas as afeições
de toda uma sociedade, afeições pelas quais são variadas as faces dos
que a compõem, porque, como acima se disse, as faces angélicas
são as formas dos interiores dos anjos, assim como as formas das
afeições que pertencem ao amor e à fé.
(48)
Daí resulta também que um anjo que excede em sabedoria
vê instantaneamente pela face a qualidade de um outro anjo.
Lá ninguém pode pelo rosto ocultar os interiores nem dissimular,
e é absolutamente impossível mentir e enganar por astúcia e por
hipocrisia. Sucede, às vezes, que nas sociedades se insinuam hipócritas,
que aprenderam a ocultar os seus interiores, de modo que
aparecem na forma do bem, no qual estão os que compõem
a sociedade, e assim se apresentam como anjos de luz. Mas
eles não podem ficar lá por muito tempo, porque começam a ficar
sufocados interiormente, afligem-se, a face se torna lívida
e ficam como privados de respiração. Eles são assim mudados pela vida
oposta que influi e opera. Por isso eles, de repente,
se precipitam no inferno, onde estão seus semelhantes, e não
mais se arriscam a subir pela segunda vez. Esses espíritos são
representados pelo homem que foi encontrado à mesa entre
os convidados sem estar vestido com o traje nupcial, e que foi
lançado nas trevas exteriores (Mateus 22:11 e seguintes). cosmic-people.com
(49)
Todas as sociedades do céu se comunicam entre si, não por
um contato aberto - porque poucos anjos saem de sua sociedade para
irem a uma outra, pois sair de sua sociedade é como sair
de si próprio ou de sua vida e passar para uma outra vida que
não convém- mas porque todas as sociedades se comunicam pela extensão
da esfera que procede da vida de cada um. A esfera
da vida é a esfera das afeições que pertencem ao amor e à
fé. Essa esfera se estende nas sociedades de todos os lados,
em comprimento e largura, quanto mais as afeições forem
interiores e mais perfeitas. É em razão dessa extensão que
os anjos têm a inteligência e a sabedoria. Os que estão
no céu íntimo - e no meio desse céu- têm uma extensão do céu
inteiro. Daí há comunicação de todos os anjos do céu com
cada um, e de cada um com todos. Mas se tratará dessa extensão
com mais pormenores posteriormente, quando se falar da forma celeste
segundo a qual as sociedades angélicas foram dispostas, e também
da sabedoria e da inteligência dos anjos, porque toda a extensão
das afeições e dos pensamentos se faz segundo essa forma.
(50)
Acima se disse que há nos céus sociedades grandes e pequenas:
as grandes são compostas de miríades de anjos, as pequenas
de alguns milhares e as menores de algumas centenas. Há, também,
anjos que vivem solitários, como por casa e casa, por família
e família. Esses anjos, apesar de viverem assim dispersos, foram
contudo dispostos em uma ordem semelhante àquela que reina nas sociedades,
isto é, os mais sábios dentre eles estão no meio e os mais simples
nos limites. Os que vivem assim estão mais perto do Divino auspício
do Senhor e são os melhores dos anjos.
(8)
CADA SOCIEDADE
ANGÉLICA É O CÉU NA MENOR FORMA
E CADA ANJO O É NA MÍNIMA FORMA
(51)
Cada sociedade é o céu na menor forma e cada anjo o é na mínima
forma, porque o bem do amor e da fé é que faz o céu,
e esse bem está em toda sociedade do céu e em cada anjo
de uma sociedade. Pouco importa que esse bem seja em toda parte
diferente e variado: é sempre um bem do céu.
A diferença consiste somente em que o céu é aqui
de tal modo e acolá de outro modo. Por isso é que
se diz, quando alguém é elevado a uma das sociedades
do céu, que ele vai para o céu; e dos que lá estão
se diz que eles estão no céu, e cada um no seu. É o
que sabem todos os que estão na outra vida. Por isso os que
estão fora ou abaixo do céu, e que olham de longe para onde
há reunião de anjos, dizem que lá está o céu e também
aqui e ali. Dá-se isso, por comparação, como com os governadores,
oficiais e servidores, no mesmo palácio de um rei, ou em
uma mesma corte. Apesar de habitarem separadamente, em seus aposentos
ou em seus quartos, um em cima, outro em baixo, contudo eles
estão em um mesmo palácio ou em uma mesma corte, cada
um exercendo, ali, sua função para o serviço do rei. Vê-se claramente,
por esse fato, o que se entende por estas palavras do Senhor:
“Na casa de Meu Pai há muitas moradas” (João 14:2),
e o que se entende pelos “Habitáculos do céu” e pelos “céus dos céus” de que falam os Profetas.
(52)
Cada sociedade é o céu na menor forma. É também o que
se pode ver no fato de, em cada sociedade, a forma celeste
ser semelhante à do céu inteiro. No céu inteiro, no meio, estão
os que excedem os outros em usos, e ao redor, até
os limites, estão aqueles que, em ordem decrescente, prestem menos
usos, como foi explicado no parágrafo 43. Pode-se, também, ter uma prova
no fato de que o Senhor governa todos os que estão
no céu inteiro como se fossem um só anjo, e igualmente
os que estão em cada sociedade. Assim, uma sociedade angélica inteira
aparece às vezes como um só, na forma de anjo; foi
o que o Senhor me concedeu ver. Quando o Senhor aparece,
no meio dos anjos, Ele aparece, também, não cercado de muitos, mas
como Um só em forma angélica. É por isso que o Senhor,
na Palavra, é chamado Anjo, e que uma sociedade inteira
é chamada anjo. “Miguel”, “Gabriel” e “Rafael” são meramente
sociedades angélicas que foram assim chamadas por causa de suas funções.
(53)
Como uma sociedade inteira é o céu em uma menor forma, do mesmo
modo o anjo é também o céu na mínima forma, porque
o céu não está fora do anjo, mas dentro dele. Com efeito,
os interiores do anjo, que pertencem à sua mente, foram
dispostos na forma do céu, assim para a recepção de todas
as coisa do céu que estão fora dele. Eles as recebem também
segundo a qualidade do bem que está neles pelo Senhor. Por isso
é que o anjo é também o céu.
(54)
Não se pode dizer, de modo algum, que o céu está fora
de alguém, mas se deve dizer que o céu está dentro dele, porque
todo o anjo, segundo o céu que está dentro dele, recebe o céu
que está fora dele. Isso mostra como se engana aquele que crê que vir
ao céu é somente ser elevado entre os anjos, seja qual for
a sua vida interior, e que, assim, o céu seja dado a cada
um por imediata misericórdia, quando o fato é que, se o céu
não estiver dentro de alguém, nada do céu que está fora dele influi
nem é recebido. Há muitos que, por isso mesmo, foram, em virtude
de sua fé, transportados ao céu. Mas, quando eles lá se achavam,
uma vez que sua vida interior era oposta à vida em que estavam
os anjos, começaram, quanto aos seus intelectuais, a ficar cegos
de tal modo que se tornaram idiotas e, quanto aos seus voluntários,
a ficar atormentados de tal modo que procediam como insensatos.
Em uma palavra, os que vivem mal e entram no céu
lá não respiram e são atormentados como peixes fora d’água
e como animais dentro de máquinas pneumáticos no éter, depois
que o ar foi delas extraído. Assim, pode ver-se que o céu está dentro
e não fora de alguém.
(55)
Como todos recebem o céu que está fora deles segundo a qualidade
do céu que está dentro deles, todos recebem, pois, igualmente
o Senhor, porque o Divino do Senhor faz o céu. Daí
é que o Senhor, quando se torna presente em alguma sociedade,
nela aparece segundo a qualidade do bem em que está
a sociedade. Assim, não aparece do mesmo modo em uma sociedade
como aparece em outra. Não que essa diferença esteja no Senhor, mas
porque está nos que O vêem segundo seu bem. A diferença
é segundo o bem dos que O vêem. Eles são afetados à vista do Senhor
segundo a qualidade do seu amor. Os que O amam intimamente
são intimamente afetados, os que O amam menos são menos afetados, e
os maus, que estão fora do céu, ficam atormentados na presença
do Senhor. Quando o Senhor aparece em alguma sociedade, aí aparece
como um Anjo, mas Ele se distingue dos outros anjos pelo Divino que
transluz.
(56)
O céu também está onde Senhor é reconhecido, acreditado e amado.
A variedade de Seu culto, segundo a variedade do bem
em tal ou qual sociedade, não é prejudicial: é vantajosa,
porque a perfeição do céu vem daí. Que a perfeição do céu
venha daí é o que seria difícil fazer compreender sem se recorrer aos
termos consagrados e usados na sociedade culta e pelos quais se explica
como a unidade que é perfeita é formada de coisas variadas.
Toda unidade se compõe de coisas variadas, porque a unidade que
não for composta de coisas variadas não é, não tem forma e, por
conseguinte, não tem qualidade. Mas, quando a unidade é composta
de coisas variadas, e essas coisas estão em uma forma perfeita -
na qual cada uma se junta a uma outra como amiga,
harmonizando-se na série- então a unidade tem uma qualidade perfeita.
O céu é também uma unidade composta de coisas variadas, postas
em ordem na forma mais perfeita, porque a forma celeste é a
mais perfeita de todas as formas. Que toda a perfeição venha daí
é o que se vê claramente por toda a beleza, todo o encanto
e todo o deleite que afetam tanto os sentidos como
os ânimos. Essas qualidades, com efeito, não vêm e não emanam
de outra parte senão do concerto e da harmonia de muitas
coisas que se unem e concordam, quer elas coexistam em ordem,
quer se sigam em ordem. Mas não são, de forma alguma,
o produto de uma unidade sem variedade das partes. Por isso
se diz que a variedade agrada e se sabe que o prazer que
daí resulta está em relação com a qualidade dessa variedade. Pode-se,
portanto, ver, como em um espelho, como a perfeição provém
de coisas variadas, até mesmo no céu. E, pelas coisas que existem no mundo
natural, pode-se ver, como num espelho, as que estão no mundo
espiritual.
(57)
O que se disse a respeito do céu pode ser aplicado
à igreja, porque a igreja é o céu do Senhor na terra.
Há, também, muitas igrejas e, contudo, cada uma chama-se “igreja”,
e também é igreja enquanto nela reinar o bem do amor e
da fé. Aí também o Senhor compõe uma unidade de coisas
variadas e faz de muitas igrejas uma só. O que se diz
da igreja no geral pode também ser aplicado ao homem no particular,
a saber, que a igreja está dentro do homem e não fora dele
e que cada homem, em quem o Senhor está presente no bem
do amor e da fé, é a igreja. O que se disse
do anjo, em quem está o céu, pode também ser aplicado
ao homem em quem está a igreja, a saber, que o homem
é a igreja na mínima forma, como o anjo é o céu na mínima
forma. E mais ainda:
o homem em quem está a igreja é igualmente um céu, do mesmo modo que o anjo, porque o homem foi criado para ir para o céu e para se tornar anjo. Por isso, aquele em quem está o bem procedente do Senhor é um anjo-homem. Cumpre dizer aqui que o homem tem de comum com o anjo e o que ele tem mais que os anjos. O que o homem tem de comum com o anjo é que os seus interiores foram igualmente formados à imagem do céu e se torna também uma imagem do céu enquanto estiver no bem do amor e da fé. O que o homem tem mais que os anjos é que seus exteriores foram formados à imagem do mundo e, enquanto ele estiver no bem, o mundo nele está subordinado ao céu e está a serviço do céu. E, então, o Senhor está presente nele, em um e no outro, como em seu céu. O homem está, com efeito, na ordem Divina de um e de outro lado, porque Deus é a ordem.
(58)
Cumpre lembrar, em último lugar, que aquele que tem o céu em si
tem não só o céu em seus máximos ou gerais, mas também
em seus mínimos ou singulares, e os mínimos nele representam,
em imagem, os máximos. Isso provém de que cada um é seu
amor e é tal qual seu amor reinante... Nos céus, o amor para com
o Senhor é o amor reinante, porque lá o Senhor é amado
acima de tudo. Por isso é que o Senhor lá é tudo em todos.
Ele influi em todos e em cada um, os dispõe e os reveste
com Sua semelhança e faz que o céu esteja onde Ele Mesmo está. Daí,
o anjo é o céu na mínima forma, a sociedade é o céu
em maior forma e todos, conjuntamente, são o céu na máxima
forma. Que o Divino do Senhor faça o céu e que Ele seja
tudo em todos foi explicado anteriormente.
(9)
TODO O CÉU
EM UM SÓ COMPLEXO
REPRESENTA UM SÓ HOMEM
(59)
Que o céu em todo o complexo representa um só homem é
um arcano ainda não conhecido no mundo, porém nos céus é muito
conhecido. A inteligência dos anjos, lá, consiste principalmente
em sabê-lo e em conhecer as suas coisas específicas
e singulares. Daí também dependem muitas coisas que, sem
o conhecimento desse arcano como princípio comum, não entrariam distinta nem
claramente nas idéias da sua mente. Como eles sabem que todos
os céus, com suas sociedades, representam um só homem, por isso
também eles chamam o céu de “o Máximo e Divino
Homem”, Divino porque o Divino do Senhor faz o céu.
(60)
Que as coisas celestes e as coisas espirituais hajam sido dispostas
e conjuntas nessa forma e nessa imagem é o que não podem
perceber aqueles que não têm uma idéia justa dos espirituais nem dos
celestiais. Eles pensam que as coisas terrestres e materiais, que
compõem o último grau do homem, fazem o homem e que, sem
elas, o homem não é homem. Saibam, porém, que o homem
é homem não pelas coisas terrestres e materiais, mas porque ele pode
compreender a verdade e querer o bem; nisso é que consistem
as coisas espirituais e celestes que fazem o homem. O homem
sabe até que um indivíduo é tal qual ele é quanto
ao entendimento e à vontade, e além disso o homem pode
saber que o seu corpo terrestre foi formado para estar ao serviço do seu
entendimento e da sua vontade no mundo e para prestar
convenientemente, por eles, usos na última esfera da natureza.
É até por isso que o corpo nada faz por si próprio, mas age com
uma inteira submissão ao capricho do entendimento e da vontade,
a tal ponto que tudo o que o homem pensa, ele o pronuncia
pela língua e pela boca, e tudo o que ele quer, ele o faz
pelo corpo e pelos membros, de sorte que é o entendimento
e a vontade que fazem, e o corpo nada faz por si próprio. Assim,
é evidente que as coisas intelectuais e voluntárias fazem
o homem, e como atuam nas menores partes do corpo como
o interno atua no externo, por isso é por elas que um homem
é chamado homem interno e espiritual. O céu é um tal homem
na maior e na mais perfeita forma.
(61)
Tal é a idéia dos anjos a respeito do homem. Por isso, eles nunca
se detêm nas coisas que o homem faz pelo corpo, mas sim nas que faz
pela vontade, segundo a qual o corpo atua. Essa vontade é por
eles chamada o homem mesmo, e ao entendimento chamam homem enquanto
o entendimento fizer um com a vontade.
(62)
Os anjos vêem, na verdade, o céu em todo o complexo sob uma
tal forma, porque o céu inteiro não vem ao alcance de anjo
algum, mas eles vêem, às vezes, como fazendo um sob essa forma,
sociedades afastadas que são compostas de muitos milhares de anjos.
E, por uma sociedade como parte, eles concluem, em relação ao geral,
o que é o céu. Porque, desde que se trata de uma forma
perfeitíssima, se dá com os gerais o mesmo que com
as partes, e com as partes o mesmo que com os gerais.
Há somente a diferença que existe entre duas coisas semelhantes, das
quais uma é maior e a outra menor. Sendo assim, eles dizem que
o céu inteiro está sob uma tal forma na presença do Senhor,
porque o Divino vê todas as coisas pelo íntimo e o supremo.
(63)
Por ser o céu tal, resulta também que ele é governado pelo Senhor
como um só homem e, por conseguinte, como sendo um. Sabe-se, com efeito,
que apesar de o homem ser constituído de uma quantidade imensa
de coisas variadas, tanto no todo como na parte - no todo,
de membros, órgãos e vísceras, e na parte, de séries
de fibras, nervos e vasos sangüíneos; assim, de membros por
dentro de membros e de partes por dentro de partes -
a verdade é que, apesar disso, o homem, quando age, age como um.
Tal é o céu sob o auspício e a direção do Senhor.
(64)
Se no homem tantas coisas variadas fazem um, é porque não
há nele uma só coisa que não opere para a coisa geral e não
preencha um uso. O geral preenche o uso para as suas
partes, e as partes preenchem o uso para o geral, porque
o geral existe pelas partes e as partes constituem o geral. Por
isso, elas se consideram reciprocamente, se olham mutuamente
e são conjuntas em uma forma tal, que todas as coisas
em geral e em particular, se referem ao geral e ao bem
geral. Daí vem que elas fazem um. As consociações são semelhantes nos
céus. Lá, eles (os anjos) são unidos segundo os usos em uma
semelhante forma. Por isso, os que não fazem uso para o bem comum são
rejeitados do céu, porque são partes heterogêneas. Preencher um uso
é querer bem aos outros para o bem comum, e não preencher
um uso é não querer bem aos outros, mas somente para si próprio.
São os que não preenchem usos que se amam acima de todas
as coisas, enquanto aqueles que os preenchem são os que amam
o Senhor acima de tudo. Aqueles que fazem um no céu, não
o fazem por si mesmos, mas pelo Senhor, porque eles O consideram
como o Único a Quo (origem de tudo). É isso que
é significado pelas palavras do Senhor:
“Buscai primeiro o reino de Deus e Sua justiça e todas as coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6:33).
“Buscar a justiça do reino de Deus” significa procurar o Seu bem. Aqueles que, no mundo, amam o bem da pátria mais do que o seu próprio bem e amam o bem do próximo como o seu próprio bem são os que, na outra vida, amam e buscam o reino do Senhor, porque lá o reino do Senhor substitui a pátria. E os que amam fazer o bem aos outros, não por causa de si próprios, mas por causa do bem, esses amam o próximo.
(65)
Como todo o céu representa um só homem e, além disso, ele é o
Homem Divino Espiritual na maior forma, também em efígie, resulta que
o céu é, como o homem, disposto em membros e em partes, que
também têm os mesmos nomes. Os anjos sabem até em que membro
se acha tal sociedade e em que membro tal outra, e eles dizem
de uma sociedade que ela está em tal membro ou em tal província
da cabeça; de uma outra, que ela está em tal membro ou em
tal província do peito; e ainda de uma outra que ela está
em tal membro ou em tal província dos lombos; e assim por diante.
Em geral, o céu supremo, ou terceiro céu, forma a cabeça
até o pescoço; o céu médio ou segundo céu, forma os peitos
até os lombos e os joelhos; e o último céu, ou primeiro,
forma os pés até as solas, e também os braços até
os dedos, porque os braços e as mãos são os últimos
do homem, ainda que estejam nos lados. Daí, se vê ainda a razão
por que há três céus.
(66)
Os espíritos que estão por baixo do céu ficam muito admirados quando ouvem
ou vêem que o céu está tanto por baixo como por cima. Com efeito,
do mesmo modo que os homens do mundo, eles estão na crença
e na opinião de que o céu somente se acha em cima,
porque não sabem que a situação dos céus é como a situação dos
membros, dos órgãos e das vísceras no homem, os quais estão
alguns acima e alguns abaixo, e que é como a situação das
partes em cada membro, em cada órgão e em cada víscera, das
quais algumas estão por dentro e algumas estão por fora. Daí
a confusão das idéias a respeito do céu.
(67)
Tais coisas, a respeito do céu como Máximo Homem, foram referidas
porque, sem esse conhecimento prévio, seria impossível compreender
de algum modo o que se vai dizer sobre o céu e não
se formaria idéia alguma distinta da forma do céu,
da conjunção do Senhor com o céu, da conjunção do céu
com o homem, nem do influxo do mundo espiritual no mundo
natural e, finalmente, não se teria idéia alguma da correspondência.
Entretanto, são esses assuntos que devem ser tratados pela ordem nos parágrafos
seguintes. Por isso é que, para lançar luz sobre esses assuntos, tais
preliminares foram dadas.
(10)
CADA SOCIEDADE NOS CÉUS
REPRESENTA UM SÓ HOMEM
(68)
Cada sociedade do céu representa também um só homem, e é
a semelhança de um homem, como me foi permitido ver algumas
vezes. Havia uma sociedade em que se insinuaram muitos espíritos que
tinham sabido simular os anjos de luz, espíritos que eram hipócritas.
Enquanto eles eram separados de junto dos anjos, eu vi que
a sociedade inteira aparecia a princípio como um todo obscuro,
depois gradualmente em forma humana, também de um modo obscuro, e,
finalmente, na luz, como um homem. Aqueles que estavam no homem
e o compunham eram os que estavam no bem dessa sociedade;
os outros que não estavam no homem e não o compunham eram
os hipócritas. Estes foram expulsos e aqueles retidos, e assim
se fez a separação. Hipócritas são os que falam bem e também
agem bem, mas em todas as coisas eles só têm em vista a
si próprios. Eles se exprimem como fazem os anjos sobre
o Senhor, sobre o céu, sobre o amor, sobre a vida celeste,
e também procedem bem, a fim de se apresentarem tal qual
se mostram em sua linguagem. Mas eles pensam de modo diferente.
Não têm crença alguma e querem bem somente a si próprios. O que
eles fazem de bem é para si próprios e, se o fazem para
outros, é com o fim de serem notados e, por conseguinte, para
si próprios igualmente.
(69)
Foi-me permitido ver, também, que uma sociedade inteira aparece como um em
uma forma humana, quando o Senhor Se apresenta. Aparecia
no alto, para o oriente, como uma nuvem de um branco avermelhado
com estrelinhas ao redor. Essa nuvem descia e, gradualmente, à proporção
que descia, tornou-se mais luminosa, e finalmente eu a vi em uma
forma perfeitamente humana. As estrelinhas ao redor da nuvem
eram anjos, que apareciam assim pela luz dimanando do Senhor.
(70)
Cumpre saber que, ainda que todos os que estejam em uma mesma
sociedade do céu apareçam, quando estão juntos, com a semelhança
de um homem, contudo o homem apresentado por uma sociedade não
é semelhante ao homem apresentado por uma outra sociedade. Eles
se distinguem entre si como as faces humanas de uma estirpe.
E isso por um motivo semelhante ao que foi mencionado
anteriormente (parágrafo 47), isto é, porque eles são diversificados, segundo
as variedades do bem em que eles estão e ao qual devem
a sua forma. As sociedades que estão no céu íntimo
ou supremo, e no centro desse céu, aparecem na forma humana mais
perfeita e bela.
(71)
É coisa digna de se lembrar que, quanto mais anjos há formando uma
sociedade do céu fazendo um, mais a forma humana dessa sociedade
é perfeita, porque a variedade disposta em forma celeste faz
a perfeição, como foi mostrado anteriormente (número 56), e a
variedade é maior ali onde houver um maior número. Cada sociedade
do céu aumenta em número cada dia e, à proporção que aumenta,
torna-se mais perfeita. Assim, não só a sociedade é aperfeiçoada,
mais ainda o céu em geral, porque as sociedades constituem
o céu. Por isso o céu é aperfeiçoado por uma multidão crescente,
e se pode ver quanto se enganam aqueles que crêem que o céu está
fechado por plenitude, quando, todavia, acontece o contrário: ele nunca
é fechado por plenitude e uma plenitude cada vez maior
o aperfeiçoa. É por essa razão que os anjos não têm maior desejo
senão o de verem anjos que vêm juntar-se a eles como novos hóspedes.
(72)
Se cada sociedade é a efígie de um homem, quando ela aparece como um,
é porque o céu inteiro tem essa efígie, como foi exposto nos
parágrafos 59 a 67; e na forma mais perfeita, qual é a forma
do céu, há semelhança das partes com o todo e das coisas
menores com a que é maior. As coisas menores e as partes
do céu são as sociedades de que ele se compõe e que
até são céus em uma forma menor (ver os parágrafos 51 a 58).
Há uma tal semelhança perpétua porque nos céus os bens de todos
dimanam de um só amor, por conseguinte de uma só origem.
O amor único, de onde procede a origem de todos
os bens que estão lá, é o amor para com o Senhor e que
procede d'Ele Mesmo. Daí é que o céu inteiro é a semelhança
do Senhor no geral, cada sociedade o é no menos geral,
e cada anjo no particular, como foi mostrado no n.º 58.
(11)
PORTANTO, CADA ANJO É
UMA PERFEITA FORMA HUMANA
(73)
Nos dois artigos precedentes mostrou-se que o céu em todo
o complexo representa um só homem, e que o mesmo sucede
a cada sociedade no céu. Da série de razões apresentadas
segue-se que cada anjo representa igualmente um homem. Como o céu
é Homem na maior forma, e uma sociedade do céu o é
na menor forma, do mesmo modo o anjo é o céu na mínima
forma, porque na forma mais perfeita, qual é a forma do céu,
há semelhança do todo na parte e da parte no todo.
Se tal sucede é porque o céu é uma comunhão, porquanto
comunica a cada um tudo o que ele tem e cada um recebe
dessa comunhão tudo o que possui. O anjo é um receptáculo e, por
conseguinte, é o céu na mínima forma, como foi mostrado
anteriormente. Do mesmo modo, o homem [é um receptáculo]. Quanto
mais ele receber o céu e quanto mais ele for também receptáculo, mais
ele é o céu e mais ele é anjo (ver n.º 57). Isso é assim
descrito no Apocalipse:
“Mediu o muro da santa Jerusalém cento e quarenta e quatro côvados, medida de homem que é medida de anjo” (21:17).
Aí, “Jerusalém” é a igreja do Senhor e, em um sentido mais elevado, o céu; “o muro” é a verdade que protege contra o ataque dos falsos e dos males; o número “cento e quarenta e quatro” são todas as verdades e todos os bens no complexo; “a medida” é a sua qualidade; “o homem” é aquele em que estão todas essas verdades e todos esses bens no geral e na parte, por conseguinte, aquele em quem está o céu. E, como o anjo também é homem segundo essas verdades e esses bens, por isso é dito “medida de homem que é a do anjo”. Tal é o sentido espiritual dessas palavras. Quem poderia, sem esse sentido, compreender que o muro da santa Jerusalém era medida do homem, que é a do anjo ?
(74)
Mas volto agora à experiência. Que os anjos são formas humanas
ou homens é o que vi muitas vezes, pois conversei com eles como
um indivíduo conversa com outro, ora com um só, ora com muitos
em conjunto, e nada vi neles que diferisse do homem quanto
à forma. Fiquei até admirado algumas vezes que assim fosse. E, para que
não se diga que era falácia ou visão de fantasia, foi-me dado
vê-los em plena vigília, ou quando eu estava em todo
o sentido do corpo e em estado de clara percepção.
Eu também contei-lhes muitas vezes que, no mundo cristão,
os homens se acham em tão cega ignorância a respeito dos
anjos e dos espíritos, que eles crêem que são mentes sem forma
e puros pensamentos de que eles não têm idéia alguma, senão como
de alguma coisa etérea, tendo em si o vital. E como não
lhes atribuem coisa alguma do que pertence ao homem, exceto
o cogitativo, eles crêem que os anjos não vêem, porque não têm olhos,
não ouvem porque não têm ouvidos e não falam porque não têm boca nem
língua. Disseram-me os anjos a esse respeito que eles sabiam que tal
crença existe entre um grande número no mundo e que ela reina
entre os eruditos e também - coisa de que se admiravam -
entre os sacerdotes. Eles deram-me também a causa disso. É que
os eruditos, que foram os promotores e, a princípio, emitiram
tal idéia sobre os anjos e os espíritos, pensaram a respeito
deles segundo os sensuais do homem externo e não segundo uma luz
interior nem segundo a idéia comum que foi gravada em cada homem.
Assim, não podem deixar de imaginar tais coisas, pois os sensuais
do homem externo percebem somente as coisas que estão
na natureza, mas não as que estão acima dela nem, por conseguinte,
coisa alguma do que diz respeito ao mundo espiritual.
A falsidade do pensamento a respeito dos anjos passou desses
promotores, como chefes, a outros que pensaram não por si próprios,
mas segundo tais chefes. E os que primeiro pensam segundo os outros
e assim formam a sua fé, e que depois consideram por seu
entendimento as coisas que eles creram, dificilmente podem desprender-se
delas. Por isso é que a maior parte as aceita, confirmando-as.
Disseram-me depois que os simples de fé e de coração não têm tal
idéia sobre os anjos, mas têm a idéia de que os anjos são
homens do céu, e isso porque eles não apagaram pela erudição aquilo
que neles fora gravado do céu, e porque eles nada concebem sem uma
forma. Daí é que, nos templos, os anjos, quer na escultura, quer
na pintura, foram sempre representados como homens. Quanto a esse
conhecimento interno que procede do céu, eles me disseram que
é o Divino influindo nos que estão no bem da fé e da vida.
(75)
De toda a minha experiência, que agora é de muitos anos, posso dizer
e afirmar que os anjos, quanto à sua forma, são absolutamente
homens, tendo uma face, olhos, orelhas, peito, braços, mãos e pés. Eles
se vêem mutuamente, ouvem, conversam entre si. Em uma palavra, nada
lhes falta absolutamente daquilo que constitui o homem, exceto que eles
não são revestidos de um corpo material. Eu os vi em sua luz,
que excede em muitos graus a luz do mundo ao meio-dia, e,
nessa luz, eu discernia toda as suas feições mais distinta
e claramente do que vejo as faces dos homens na terra.
Foi-me também concedido ver o anjo do céu íntimo: ele tinha
a face mais brilhante e mais resplandecente do que os anjos
dos céus inferiores. Eu o examinei e ele tinha a forma humana
em toda a perfeição.
(76)
Mas cumpre saber que os anjos não podem ser vistos pelos olhos
do corpo do homem, mas pelos olhos de seu espírito, porque
o espírito do homem está no mundo espiritual e todas
as partes de seu corpo estão no mundo material.
O semelhante vê o semelhante em razão da similitude. Além
disso, o órgão da vista do corpo, que é o olho, é tão
grosseiro que ele certamente não vê as coisas menores da natureza sem
ser com o auxílio de instrumentos de ótica, como todos sabem. E,
com mais forte razão, não pode ver as coisas que estão acima
da esfera da natureza, como todas aquelas do mundo espiritual.
Mas a verdade é que essas coisas são vistas pelo homem quando ele
é desligado da vista do corpo e a vista de seu
espírito é aberta, o que se faz em um momento, se
o Senhor deseja que tais coisas sejam vistas. E então o homem
não sabe outra coisa senão que ele as vê pelos próprios olhos
do corpo. Assim foram vistos os anjos por Abrahão, por Loth, Manoá
e pelos profetas. Assim foi visto o Senhor, depois
da ressurreição, pelos discípulos, e foi também desse modo que
os anjos foram vistos por mim. Como os profetas assim viram, por isso
é que eles foram chamados “videntes” e “homens de olhos abertos”
(I Samuel 9:9, Números 24:3). Fazer ver assim foi chamado “abrir
os olhos”, como se deu com o moço de Eliseu,
a cujo respeito se lê:
“Eliseu disse:
JEHOVAH, abre, peço, os olhos dele para que veja. E abrindo JEHOVAH
os olhos do moço, este viu, e eis aquele monte cheio
de cavalos e de carros de fogo ao redor de Eliseu” (II Reis 6:17).
(77)
Espíritos probos, com os quais também conversei a respeito disso,
lastimaram de coração que tal ignorância existisse na Igreja sobre
o estado do céu e sobre os espíritos e os anjos e,
indignados, diziam que eu devia positivamente declarar que
os espíritos e os anjos não são mentes sem forma nem sopros etéreos,
mas homens em forma humana, e que eles vêem, ouvem e sentem
do mesmo modo que os que estão no mundo.
(12)
É PELO DIVINO HUMANO
DO SENHOR QUE O CÉU,
NO TODO E NA PARTE,
REPRESENTA UM SÓ HOMEM
(78)
Que seja pelo Divino Humano do Senhor que o céu, no todo e
na parte, representa um só Homem é o que se conclui
de tudo o que foi dito e mostrado precedentemente. Nos
parágrafos precedentes, mostrou-se: [nos nºs 2 a 6] que “o Senhor
é o Deus do céu”; [nos nºs 7 a 12] que “é o Divino
do Senhor que faz o céu”; [nos nºs 41 a 50] que
“os céus consistem em sociedades inúmeras”; [nos nºs 51
a 58] que “cada sociedade é o céu na menor forma”; [nos nºs
59 a 67] que “todo o céu em um só complexo representa
um só Homem”; [nos nºs 68 a 72] que “cada sociedade nos céus
representa um só homem”; [nos nºs 73 a 77] que “portanto, cada
anjo é uma perfeita forma humana”. Todas essas proposições levam
à conclusão de que o Divino, porque faz o céu,
é Humano na forma. Que seja o Divino Humano do Senhor
é o que pode ser visto ainda mais claramente nos extratos do livro
ARCANOS CELESTES, que foram reunidos como sumário e serão publicados
no fim. Que o Humano do Senhor seja Divino, e não como
se crê na Igreja que o Seu Humano não seja Divino, é também
o que se pode ver por esses extratos, e também na obra
DOUTRINA CELESTE DA NOVA JERUSALÉM, no fim, onde se trata do Senhor.
angels-light.org
(79)
Que assim seja é o que me foi provado por um grande número
de experiências, de que se dirá alguma coisa. Todos
os anjos que estão nos céus não percebem o Divino sob outra forma
senão a forma Humana. E, o que é admirável, os que estão
nos céus superiores não podem pensar de outra forma a respeito
do Divino. O que os leva a essa necessidade
de pensamento é o Divino Mesmo que influi, e é também
a forma do céu, segundo a qual seus pensamentos se estendem
ao redor deles, porque todos os pensamentos que pertencem aos anjos
têm uma extensão no céu. E, segundo essa extensão, eles têm
a inteligência e a sabedoria. Por isso é que lá todos
reconhecem o Senhor, porque o Divino Humano só existe
no Senhor. Essas coisas não somente me foram ditas pelos anjos, mas
também me foi concedido percebê-las, quando eu era elevado
na esfera interior do céu. Assim, é evidente que, quanto mais
os anjos são sábios, mais eles percebem isso com clareza. Daí vem que
o Senhor lhes aparece em uma forma Divina angélica, que é a
forma Humana, aos que reconhecem e crêem no Divino visível, mas não
aparece aos que crêem que Ele é invisível. Os primeiros podem, com
efeito, ver o Seu Divino, enquanto os últimos não o podem.
(80)
Como os anjos percebem não um Divino invisível, que eles chamam
Divino sem a forma, mas o Divino visível em forma Humana, para
eles é comum dizerem que só o Senhor é Homem, e que eles
próprios são homens por Ele, e que cada um é homem na proporção
que recebe o Senhor. Receber o Senhor é, para os anjos, receber
o bem e a verdade que procedem d'Ele, pois que o Senhor está
em Seu Bem e em Sua Verdade. A isso eles também chamam
de sabedoria e inteligência, pois eles dizem que cada um sabe
que a inteligência e a sabedoria fazem o homem e que, sem
elas, não há face. Que isso seja assim é ainda o que
se torna patente pelos anjos dos céus interiores. Tais anjos, estando pelo
Senhor no bem e na verdade e, por conseguinte, na sabedoria e
na inteligência, estão na mais bela e na mais perfeita forma
humana. Os anjos dos céus inferiores estão em uma forma menos perfeita
e menos bela. Porém, no inferno tudo é oposto. Os que
lá estão aparecem à luz do céu dificilmente como homens, mas
como monstros. Com efeito, eles estão no mal e no falso e não
no bem e na verdade. Eles estão, por conseguinte, nos opostos
da sabedoria e da inteligência; e é até por isso que a sua
vida se chama não vida, mas morte espiritual.
(81)
Como o céu no todo e na parte representa um homem pelo
Divino Humano do Senhor, por isso os anjos dizem que eles estão
no Senhor, e alguns acrescentam que eles estão no corpo d'Ele,
o que significa que eles estão no bem do Seu amor. E é
também o que o Senhor Mesmo ensina, dizendo:
“Permanecei em Mim e Eu em vós. Como a vara não pode dar fruto de si mesma, se não estiver na videira, assim nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em Mim. pois sem Mim nada podeis fazer. Permanecei no Meu amor. Se guardardes os Meus mandamentos, permanecereis no Meu amor”. (João 15:4 a 10).
(82)
Como tal é no céu a percepção a respeito do Divino, por
isso é que foi gravado em cada homem que recebe algum influxo
do céu pensar em Deus sob uma aparência humana. É o que fizeram
os antigos, é o que fazem também os homens de hoje, tanto
fora como dentro da igreja. Os simples O vêem pelo pensamento
como um ancião, em um esplendor brilhante. Mas todos aqueles que
afastaram o influxo do céu pela própria inteligência e pela vida
do mal extinguiram esse ínsito (conhecimento interno). Os que
o extinguiram pela própria inteligência querem um Deus invisível, e os que
o extinguiram pela vida do mal não querem nenhum Deus: uns
e outros não sabem que existe um tal ínsito, porque [esse
conhecimento interno] não existe neles. Entretanto, este ínsito é o
próprio Divino celeste, o primeiro a influir do céu
no homem, porque o homem nasceu para o céu, e ninguém vem
ao céu sem a idéia do Divino.
(83)
Por isso é que aquele que não está na idéia do céu, isto é,
na idéia do Divino do qual o céu procede, não pode ser
elevado à primeira entrada do céu; desde que ele lá chega,
encontra resistência e uma forte repulsão. A causa disso é que
nele os interiores, que deveriam receber o céu, foram fechados,
porque eles não estão na forma do céu. E até quanto mais ele
se aproxima do céu, tanto mais esses interiores são estreitamente
fechados. Tal é a sorte dos que dentro da igreja negam o Senhor
e, como os socinianos, negam o Seu Divino. Quanto à sorte dos
que nasceram fora da igreja e não conhecem o Senhor, porque não
têm a Palavra, tratar-se-á deles mais tarde.
(84)
Que os antigos hajam tido a idéia do Humano a respeito do Divino,
isso é evidente pelas aparições do Divino diante de Abrahão,
Lot, Josué, Gedeão, Manoá, sua esposa e outros, que, ainda que hajam visto
Deus como Homem, entretanto O adoraram como Deus do universo,
chamando-O Deus do céu e da terra e JEHOVAH. Que foi
o Senhor que foi visto por Abrahão, Ele próprio nos ensina em João
8:56. Que também os outros O viram, isso é evidente, segundo
essas palavras do Senhor:
“Ninguém jamais
viu a Deus:
o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é Quem
o revelou. o Pai que Me enviou. Jamais tendes ouvido a Sua
voz nem visto a Sua forma” (João 1:18; 5:37).
(85)
Mas que Deus é Homem é o que dificilmente pode ser entendido pelos
que julgam todas as coisas pelos sensuais do homem externo.
O homem sensual não pode, com efeito, pensar a respeito
do Divino a não ser pelo mundo e pelas coisas que nele estão.
Assim, ele não pode pensar do Divino e do homem espiritual a não
ser como de um homem corporal e natural. Ele conclui daí que, se Deus
fosse homem, Ele seria em tamanho como o universo e,
se governasse o céu e a terra, seria por meio de muitos,
segundo o modo dos reis do mundo. E, se lhe fosse dito que
no céu não há extensão nem espaço como no mundo, tal coisa seria
absolutamente incompreensível para ele, porque quem pensa segundo
a natureza e unicamente pela luz da natureza não pode deixar
de pensar segundo uma extensão tal qual se apresenta a seus
olhos. Mas quanto se enganam os que assim pensam a respeito
do céu ! A extensão que existe no céu não é como
a extensão no mundo. No mundo, a extensão
é determinada e, por conseguinte, mensurável; no céu,
ao contrário, a extensão não é determinada e, por conseguinte,
não é mensurável. Mas tratar-se-á da extensão do céu nos
parágrafos seguintes, onde se falará do espaço e do tempo
no mundo espiritual. Além disso, todos sabem a que ponto
se estende a vista dos olhos, porque ela vai até ao sol
e até às estrelas, que estão a uma tão grande distância. Aquele
que pensa mais profundamente sabe também que a vista interna, que pertence
ao pensamento, tem uma extensão ainda mais ampla e, por conseguinte, uma
vista ainda mais interior. Qual deve ser, pois, a vista Divina, que
é a vista mais íntima de todas e a vista suprema ? Como
os pensamentos são de uma tal extensão, daí resulta que a cada
um no céu são comunicadas todas as coisas do céu e, por
conseguinte, todas as coisas do Divino que faz o céu e o
enche, como foi exposto nos parágrafos precedentes.
(86)
Os que estão no céu admiram-se de que os homens, que pensam
em Deus, pensem em um ser invisível, isto é, incompreensível sob
alguma forma, e que se julguem inteligentes e que chamem
de falhos de inteligência e até simples aos que pensam
de outro modo, quando a verdade é justamente o contrário.
Os anjos dizem aos que se julgam assim inteligentes: Examinem-se
e observem se em vez de Deus não estão vendo
a natureza ?. [Perguntam também] se não estão cegos de tal
modo que não saibam o que é Deus, o que é um anjo,
o que é um espírito, o que vem a ser sua alma que deve
viver depois da morte, o que á a vida do céu
no homem ? Assim também muitas outras coisas que pertencem
à inteligência. Entretanto, todas essas coisas são conhecidas a seu
modo por aqueles a quem eles chamam simples. Os simples têm
de seu Deus a idéia de que Ele é Divino em forma humana;
do anjo, a idéia de que é um homem celeste; de sua
alma, a idéia de que ela deve viver depois da morte, e, assim,
a idéia de que ela é como um anjo; e da vida
do céu, a idéia de que ela consiste em viver segundo
os preceitos de Deus. Por isso, os anjos chamam a esses
de inteligentes e preparados para o céu, mas aos outros,
entretanto, eles chamam de não inteligentes.
(13)
HÁ CORRESPONDÊNCIA
DE TODAS AS COISAS DO CÉU
COM TODAS AS COISAS DO HOMEM
(87)
Hoje não se sabe o que é a correspondência. Há muitas razões
para essa ignorância, e a principal é que o homem
se afastou do céu pelo amor de si e do mundo. Com efeito,
quem ama a si e ao mundo acima de todas as coisas
só considera os objetos mundanos, porque eles lisonjeiam os seus
sentidos externos e são agradáveis às suas inclinações. Não presta
atenção alguma aos espirituais, porque estes lisonjeiam somente
os sentidos internos e só alegram a mente. Por isso,
os homens os rejeitam para longe de si, dizendo que eles são por
demais elevados para serem do domínio do pensamento. Os antigos
procederam de outro modo. A ciência das correspondências foi para
eles a principal de todas as ciências. Por ela eles receberam
a inteligência e a sabedoria, e por ela os que eram
da igreja tiveram comunicação com o céu. Porque a ciência das
correspondências é a ciência angélica. Os antiqüíssimos, que eram
homens celestes, pensavam como os anjos, segundo a correspondência
mesma. Por isso, eles conversavam com os anjos e o Senhor Se mostrava
a eles freqüentemente, e os instruía. Mas hoje essa ciência está tão
completamente perdida, que não se sabe o que é uma
correspondência.
(88)
Ora, como sem a percepção do que é uma correspondência não
se pode ter idéia alguma, clara, do mundo espiritual, nem do seu
influxo no mundo natural, nem, até, do que é o espiritual
respectivamente ao natural, nem noção alguma, clara, do espírito
do homem depois da morte, cumpre dizer, portanto, o que é a
correspondência e qual ela é. Será, por conseguinte, preparar também
o caminho para o que deve seguir.
(89)
Primeiramente se dirá o que é uma correspondência. Todo
o mundo natural corresponde ao mundo espiritual, e não só
o mundo natural no geral, como também em cada uma das coisas que
o compõem. É por isso que cada coisa que existe no mundo natural
existe por uma coisa espiritual, e diz-se correspondente. Portanto, cumpre
saber que o mundo natural existe e subsiste pelo mundo espiritual,
absolutamente como o efeito segundo sua causa eficiente. Chama-se mundo
natural toda essa extensão que está debaixo de um sol e recebe dele
o calor e a luz, e a esse mundo pertencem todas as coisas
que daí subsistem; mas o mundo espiritual é o céu, e a este
mundo pertence tudo que está nos céus.
(90)
Como o homem é o céu e também o mundo na mínima forma,
à imagem do Máximo (ver parágrafo 57), há, por conseguinte, nele
um mundo espiritual e um mundo natural. Os interiores, que
pertencem à sua mente e se referem ao entendimento e à
vontade, fazem o seu mundo espiritual, e os exteriores, que pertencem
ao seu corpo e se referem aos sentidos e às ações do corpo,
fazem o seu mundo natural. Tudo, pois, que em seu mundo natural,
em seu corpo e nos sentidos, bem como nas ações do corpo, existe
pelo mundo espiritual, isto é, por sua mente e pelo entendimento e a
vontade da mente, chama-se correspondente.
(91)
O que é a correspondência, pode-se ver no homem pela sua face.
Em uma face que não foi instruída para dissimular, todas as afeições
da mente se apresentam à vista em uma forma natural como
em seu tipo. Daí a face é tida como o índice da mente,
como o mundo espiritual do homem em seu mundo natural,
do mesmo modo que o que pertence ao entendimento
se manifesta na linguagem, e o que pertence à vontade
se manifesta nos gestos do corpo. As coisas, pois, que
se operam no corpo, quer seja na face ou na linguagem, quer
nos gestos, chamam-se correspondências.
(92)
Por aí pode-se ver também o que é o homem interno e o que
é o homem externo, isto é, que o homem interno é aquele que
é chamado homem espiritual, e o homem externo aquele que é chamado
homem natural. Pode-se ver ainda que um é distinto do outro, como
o céu é distinto do mundo, e que todas as coisas que
se fazem e existem no homem externo ou natural
se fazem e existem pelo homem interno ou espiritual.
(93)
Isto se disse a respeito da correspondência do homem
interno ou espiritual com seu homem externo ou natural; mas
no que vai seguir se falará da correspondência de todo
o céu com todas as partes do homem.
(94)
Mostrou-se que o céu no geral representa um só homem, que é
um homem em imagem e que, em conseqüência, é chamado
Máximo Homem. Mostrou-se também que, por isso, as sociedades angélicas,
de que se compõe o céu, foram dispostas como o são
no homem os membros, os órgãos e as vísceras. que, assim,
as sociedades estão, umas na cabeça, outras no peito, outras nos
braços, e outras em cada uma das outras partes (ver parágrafos 59
a 72). As sociedades que estão em um determinado membro
do Máximo Homem correspondem, pois, ao membro semelhante no homem.
Por exemplo, as que lá estão na cabeça correspondem
à cabeça no homem; as que lá estão no peito
correspondem ao peito no homem; as que lá estão nos braços
correspondem aos braços ; e assim as outras. É por essa
correspondência que o homem subsiste, porque o homem somente subsiste
pelo céu.
(95)
Que o céu seja dividido em dois reinos, dos quais um se chama
reino celeste e o outro reino espiritual, é o que se viu nos
números 20 a 28. O reino celeste corresponde em geral
ao coração e a tudo o que depende do coração em todo
o corpo. E o reino espiritual corresponde ao pulmão e a
tudo o que dele depende em todo o corpo. O coração e o
pulmão constituem também dois reinos no homem. O coração nele reina
pelas artérias e veias, e o pulmão pelas fibras nervosas
e motrizes. Um e outro em cada força e em cada ação.
Em cada homem, em seu mundo espiritual, que se chama homem
espiritual, há também dois reinos:
um pertence à vontade e o outro ao entendimento. A vontade reina pelas afeições do bem e o entendimento pelas afeições das verdades. Esses reinos correspondem também aos reinos do coração e do pulmão no corpo. Dá-se o mesmo nos céus: o reino celeste é o voluntário do céu e lá reina o bem do amor, e o resino espiritual é o intelectual do céu e lá reina a verdade. São estas coisas que correspondem às funções do coração e do pulmão no homem. É por essa correspondência que o coração, na Palavra, significa a vontade e o bem do amor, e que o sopro pulmonar significa o entendimento e a verdade da fé. É daí que as afeições são atribuídas ao coração, embora elas não estejam nele e não procedam dele.
(96)
A correspondência dos dois reinos do céu com o coração e o
pulmão é a correspondência comum do céu com o homem. Mas
há uma correspondência menos comum com cada um de seus membros,
de seus órgãos e de suas vísceras. Dir-se-á também qual é essa
correspondência. No Máximo Homem, que é o céu, os que estão
na cabeça estão mais do que todos os outros em todo
o bem, porque eles estão no amor, na paz, na inocência,
na sabedoria, na inteligência e, por conseguinte, na alegria e
na felicidade. Estes [elementos] influem no homem na cabeça e
em todas as partes da cabeça, e correspondem a essas
partes. Por outro lado, no Máximo Homem, que é o céu, os que
estão no peito estão no bem da caridade e da fé que influem
também no peito do homem e correspondem a essa parte.
Aqueles ainda que, no Máximo Homem, que é o céu, estão nos lombos
e nos órgãos destinados à geração estão no amor conjugal.
Os que estão nos pés [do Máximo Homem] estão no bem último
do céu, que se chama bem natural-espiritual. Os que estão nos
braços e nas mãos [do Máximo Homem] estão no poder
da verdade pelo bem. Os que estão nos olhos estão
no entendimento. Os que estão nas orelhas estão na atenção e
na obediência. Os que estão nas narinas estão na percepção.
Os que estão na boca e na língua estão na elocução pelo
entendimento e pela percepção. Os que estão nos rins estão
na verdade que examina, distingue e corrige. Os que estão
no fígado, no pâncreas e no baço estão em diferentes
purificações do bem e da verdade. Assim, de modo diverso para
todas as outras partes. Eles influem nas funções semelhantes dos homens
e correspondem a elas. O influxo do céu está nas funções
e nos usos dos membros, e os usos, que procedem do mundo
espiritual, realizam-se em coisas semelhantes que estão no mundo
natural e, assim, se fixam no efeito. Daí vem a correspondência.
(97)
É por isso que esses mesmos membros, órgãos e vísceras significam
na Palavra coisas semelhantes, pois na Palavra tudo tem uma
significação segundo as correspondências. Assim, por “cabeça”
se entende a inteligência e a sabedoria, por “peito”
a caridade, pelos “lombos” o amor conjugal, pelos “braços” e “mãos”
o poder da verdade, pelos “pés” o natural, pelos “olhos”
o entendimento, pelas “narinas” a percepção, pelas “orelhas”
a obediência, pelos “rins” o exame da verdade, e assim por
diante. É daí também que se tornou familiar dizer-se daquele que
é inteligente e sábio que ele tem cabeça; daquele que está
na caridade que ele é amigo do peito; daquele que está
na percepção que ele tem o nariz apurado; daquele que está
na inteligência que ele tem vista penetrante; daquele que é poderoso
que ele tem braços compridos; daquele que deseja com amor que ele deseja
de coração. Tais locuções e muitas outras que o homem emprega
existem pela correspondência, porque tais expressões vêm do mundo
espiritual, ainda que se ignore esse fato.
(98)
Que haja tal correspondência de tudo que pertence ao céu com tudo que
pertence ao homem é o que me foi mostrado por experiências
múltiplas e tão múltiplas que adquiri a confirmação como uma coisa
evidente e fora de dúvida. Entretanto, é impossível referir aqui
todas essas experiências, pois não poderia fazê-lo por causa do grande
número. Elas estão referidas no livro ARCANOS CELESTES, nos lugares onde
se trata das correspondências, das representações, do influxo
do mundo espiritual no mundo natural e do intercurso
da alma e do corpo.
(99)
Mas, ainda que tudo que pertença ao homem, quanto ao corpo,
corresponda a tudo o que pertence ao céu, contudo o homem
não é imagem do céu quanto à forma externa, mas o é quanto
à forma interna, porque os interiores do homem recebem
o céu e seus exteriores recebem o mundo. Quanto mais, pois, seus
interiores recebem o céu, mais o homem, quanto a eles, é
um céu na mínima forma à imagem do Máximo Homem. Mas,
quanto mais seus interiores não recebem o céu, na mesma proporção ele
não é um céu nem a imagem do Máximo (Homem). entretanto, seus
exteriores que recebem o mundo podem estar, pela forma, segundo
a ordem do mundo e, por conseguinte, em uma beleza variada,
porque a beleza externa, que pertence ao corpo, tira sua causa dos
pais e da formação no útero e é conservada depois pelo influxo
comum que emana do mundo. Daí resulta que a forma natural
do homem difere da forma de seu homem espiritual. Algumas vezes,
me foi mostrado qual era em sua forma o espírito de um
homem e vi que, em alguns homens de bela fisionomia,
o espírito era disforme, negro e monstruoso, de sorte que o tomariam
por uma imagem do inferno e não do céu. [Outras vezes, vi]
em alguns, que eram sem beleza, que seu espírito era belo, branco
e angélico. O espírito do homem, depois da morte, aparece
também como ele tinha sido no corpo, quando vivia no mundo.
(100)
Mas a correspondência não se limita ao homem; ela se estende
ainda mais longe. Com efeito, há correspondência dos três céus entre si.
Ao terceiro ou céu íntimo corresponde o segundo ou céu
médio; ao segundo ou céu médio corresponde o primeiro
ou último céu; e este corresponde, no homem, às formas
corporais que se chamam membros, órgãos e vísceras. Assim, é
no corporal do homem que o céu termina em último lugar,
e ele subsiste sobre esse corporal como sua base. Mas este arcano terá,
em outro lugar, maior desenvolvimento.
(101)
É bom saber que toda a correspondência que existe com o céu existe
também com o Divino Humano do Senhor, porque é por Ele que
o céu existe e Ele Mesmo é o céu, como foi exposto
em parágrafos precedentes. Porque, se o Divino Humano não influísse
em todas as coisas do céu e, segundo as correspondências,
em todas as coisas do mundo, não haveria anjo e não haveria
homem. Daí se vê, de novo, porque o Senhor Se fez Homem
e revestiu Seu Divino com o Humano, do primeiro ao último
[grau].
(102)
Os anjos ficam estupefatos quando ouvem dizer que há homens que atribuem
tudo à natureza e nada ao Divino, crendo também que o seu
corpo, no qual foram reunidas tantas coisas admiráveis do céu, foi
composto pela natureza, e crendo ainda que até o racional do homem
procede também dela, quando, entretanto, tudo do homem procede
do Divino e não da natureza, que foi criada unicamente para
revestir o espiritual e para apresentá-lo correspondente
no último da ordem. Os anjos comparam tais homens
às corujas, que vêem nas trevas e nada avistam na luz.
(14)
HÁ CORRESPONDÊNCIA
DE TODAS AS COISAS DO CÉU
COM TODAS AS COISAS DA TERRA
(103)
No capítulo precedente, se disse o que é a correspondência e,
além disso, mostrou-se que todas as partes do corpo animal são,
em geral e em particular, correspondências. Agora, deve-se, segundo
a ordem, mostrar que todas as coisas da terra e, em geral,
todas as coisas do universo são correspondências.
(104)
Todas as coisas que pertencem à terra distinguem-se em três
gêneros, chamados reinos, a saber, reino animal, reino vegetal
e reino mineral. As do reino animal são correspondências
no primeiro grau, porque elas vivem. As do reino vegetal são
correspondências no segundo grau, porque elas crescem somente. As do
reino mineral são correspondências no terceiro grau, porque não vivem nem
crescem. São correspondências no reino animal os entes animados
de diferentes gêneros, tanto os que andam e rastejam
na terra, como os que voam nos ares; é inútil nomear
as espécies, porque são conhecidas. São correspondências no reino
vegetal todas as coisas que, nos jardins, nas matas, campos
e campinas, crescem e florescem; também é inútil nomeá-las,
porque são conhecidas. São correspondências no reino mineral
os metais nobres e os menos nobres em diversos graus, as pedras
preciosas e não preciosas, as terras de diferentes gêneros
e também as águas. Além de todas essas coisas, são ainda
correspondências as que são delas elaboradas pela indústria humana para
os usos, como todo gênero de alimentos, vestimentas, casas, edifícios
e muitas outras coisas.
(105)
As coisas que estão acima da terra, como o sol, a lua e
as estrelas, e também as que estão nas atmosferas, como
as nuvens, a neblina, as chuvas, os relâmpagos,
os trovões, são também correspondências. As que procedem do sol,
de sua presença e de sua ausência, como a luz e a sombra,
o calor e o frio, são também correspondências; dá-se o mesmo com
as que daí procedem, como as estações do ano, denominadas
primavera, verão, outono e inverno, e as partes do dia, que
se chamam manhã, meio-dia, tarde e noite.
(106)
Em uma palavra, todas as coisas que existem na natureza, desde
a menor até a maior, são correspondências. Elas são correspondências
porque o mundo natural, com tudo o que o constitui, existe
e subsiste pelo mundo espiritual, e um e outro pelo Divino. Diz-se
também que ele subsiste, porque tudo subsiste segundo aquilo que existe, porque
a subsistência é uma perpétua existência, e porque nada pode
subsistir por si mesmo, mas toda coisa subsiste por uma anterior
a si, assim por um Primeiro, do qual ela não pode, por
conseguinte, ser separada sem perecer e sem se dissipar inteiramente.
(107)
Tudo aquilo que na natureza existe e subsiste pela ordem Divina
é o Divino Bem que procede do Senhor. Ela começa por Ele, porque
d'Ele desce pelos céus sucessivamente no mundo e termina nos últimos
deste. As coisas que nele estão segundo a ordem são correspondências.
São segundo a ordem todas as coisas que são boas e perfeitas
para o uso, porque todo bem é um bem segundo o uso; a forma
se refere à verdade, porque a verdade é a forma
do bem. Daí é que todas as coisas que, no mundo inteiro e
na natureza do mundo, estão na ordem Divina se referem
ao bem e à verdade.
(108)
Que todas as coisas que estão no mundo existem pelo Divino
e sejam revestidas por coisas na natureza, pelas quais possam estar
ali e fazer usos e, assim, corresponder, vê-se claramente em cada
coisa particular que aparece, tanto no reino animal como no reino
vegetal. Em um e no outro há particularidades tais que qualquer
um que pensa interiormente pode ver que elas procedem do céu. Entre
essas inúmeras particularidades, algumas serão lembradas para ilustração.
Primeiramente, algumas do reino animal. Muitos sabem que cada animal
possui a sua ciência, que foi como que gravada nele. As abelhas sabem
recolher o mel das flores, construir com a cera as células nas
quais guardam o mel e prover, assim, para si e para
os seus, o alimento para o inverno que deve vir. As fêmeas
põem ovos e outras, que estão a seu serviço, os cobrem com
um revestimento para que deles nasçam novas proles. Todas elas vivem sob
uma certa forma de governo, a qual conhecem pelo seu ínsito
(conhecimento interno). Conservam as companheiras úteis e expulsam
as inúteis, privando-as de suas asas. Há, além disso, em seu
governo, outras coisas maravilhosas que lhes vêm do céu, em vista
do uso [que prestam]. Com efeito, a cera que produzem
é utilizada em toda a terra pelo gênero humano e o mel
serve para preparar alimentos. Quantas coisas não se vêem nos vermes que,
no reino animal, estão no mais baixo grau ? Eles sabem
alimentar-se com o suco das folhas que lhes são próprias e depois,
decorrido o tempo necessário, cercam-se com um envoltório, como
se fora um útero, e dão nascimento a uma posteridade
de sua espécie. Alguns transformam-se em ninfas e em crisálidas,
produzem fios e, terminado esse trabalho, revestem-se de outro corpo,
ornamentam-se de asas, voam no ar como em seu céu, celebram
casamentos, põem ovos e provêem sua posteridade. Além destes animais,
todos os que, em geral, voam no ar conhecem os alimentos
com que se nutrem, sabem não somente quais são eles, mas ainda onde são
encontrados. Sabem construir ninhos diferentes para cada espécie, sabem pôr
ovos neles, chocar esses ovos, retirar deles seus filhos, alimentá-los e,
quando estes puderem viver por si mesmos, expulsá-los do ninho. Sabem
quais são os inimigos que devem ser evitados, bem como os amigos aos
quais se associam; e isso desde a primeira infância. Sem falar
das maravilhas que seus ovos apresentam. Neles estão preparados, em sua
ordem, todas as coisas necessárias à formação e à nutrição
do filho no estado de embrião. Deixo de falar
de inúmeros outros fatos. Qual o homem que, pensando com uma razão
sã, pode jamais dizer que essas maravilhas venham de outra parte que não
seja o mundo espiritual, ao qual o mundo natural serve para
envolver e apresentar materialmente no efeito o que
é espiritual em sua causa ? Que os animais da terra e
as aves do céu nasçam em toda a sua ciência, e não
o homem, que, entretanto, se avantaja muito a eles, é porque
os animais estão na ordem de sua vida e não puderam
destruir o que possuem do mundo espiritual, porque não têm
racionalidade. Não se dá o mesmo com o homem, que pensa pelo
mundo espiritual. Como ele perverteu essa faculdade por uma vida contra
a ordem, perversão favorecida pelo racional, ele não pode, por
conseguinte, deixar de nascer em um estado de mera ignorância e,
depois, por meios Divinos, ser reintegrado na ordem do céu.
(109)
Quanto às coisas que pertencem ao reino vegetal, pode-se ver, por
muitas particularidades, de que modo elas correspondem. Por exemplo:
as sementes crescem em árvores, dão folhas, produzem flores e,
depois, frutos, em que depositam de novo sementes. E isso
se faz sucessivamente e se apresenta ao mesmo tempo em uma
ordem tão admirável, que não se pode descrever em poucas palavras,
somente em volumes. Ainda assim, os arcanos interiores que
se referem, mais de perto, a seus usos não podem ser esgotados
pela ciência. Como essas produções dimanam também do mundo espiritual,
ou do céu que é a forma do homem, como foi exposto
anteriormente, daí resulta que nesse reino todos os objetos têm uma certa
relação com as coisas análogas que estão no homem. Isso até foi
reconhecido por muitos no mundo sábio. Que todas as coisas que estão
nesse reino sejam também correspondências é o que se tornou evidente
para mim por numerosas experiências. Pois muitíssimas vezes, quando
eu estive em jardins e ali examinei as árvores,
os frutos, as flores e os legumes, notei
as correspondências no céu, e conversei com aqueles em quem
elas estavam, e fui instruído de onde elas provinham e quais
eram.
(110)
Mas, conhecer as coisas espirituais, que estão no céu, às quais
correspondem as coisas naturais que estão no mundo, ninguém hoje pode
conseguir, exceto se for pelo céu, porque a ciência das
correspondências está hoje inteiramente perdida. Entretanto, eu gostaria
de ilustrar com alguns exemplos qual é a correspondência das coisas
espirituais com as naturais. Os animais da terra correspondem,
em geral, às afeições; os que são mansos e úteis
correspondem às afeições boas, e os que são selvagens e inúteis
correspondem às afeições más. Em particular, os bois e
os bezerros correspondem às afeições da mente natural;
as ovelhas e os cordeiros correspondem às afeições da mente
espiritual; e as aves, segundo suas espécies, correspondem aos
intelectuais de uma e outra mente. Daí é que diversos animais,
tais como os bois, bezerros, carneiros, ovelhas, cabras, bodes, cordeiros
e cordeiras, e também as pombas e as rolas tinham sido
admitidos para um uso santo na Igreja Israelita, que era uma Igreja
representativa. Com tais animais se faziam os sacrifícios e
os holocaustos. Nesse uso, eles correspondiam efetivamente às coisas
espirituais, que eram compreendidas no céu segundo as correspondências.
Que os animais, segundo os seus gêneros e as suas espécies,
sejam mesmo afeições, é porque eles vivem e cada só tem vida
pela afeição e segundo a afeição. Daí é que cada animal tem uma
ciência inata segundo a afeição de sua vida. O homem também
é semelhante aos animais quanto ao seu homem natural. É por isso
que é uso geral, na linguagem, compará-lo a animais. Por
exemplo: diz-se que ele é uma ovelha ou um cordeiro se é manso;
que é um urso ou um lobo se é feroz; que é uma raposa
ou uma serpente se á astucioso, e assim, por diante.
(111)
Há uma semelhante correspondência com as coisas que estão no reino
vegetal. Um jardim, em geral corresponde ao céu quanto
à inteligência e à sabedoria. Por isso é que o céu
é chamado “jardim de Deus” e “Paraíso” e também, pelo homem,
Paraíso celeste. As árvores, segundo as suas espécies, correspondem
às percepções e aos conhecimentos do bem e da verdade, dos
quais procedem a inteligência e a sabedoria. Por isso é que
os antigos, que estavam na ciência das correspondências, tinham
o seu culto santo nas florestas. Daí é que na Palavra
se fala, tantas vezes, de árvores e que, no céu,
a Igreja e o homem são comparados a árvores: à vide,
à oliveira, ao cedro e a outras. Também as boas obras são
comparadas a frutos. Os alimentos que procedem delas, mormente
os que são tirados das sementes da colheita dos campos, correspondem
às afeições do bem e da verdade, porque essas afeições nutrem
a vida espiritual, como os alimentos terrestres nutrem a vida
natural. Daí, o pão, em geral, corresponde à afeição
de todo o bem, porque o pão, mais que todos os outros
alimentos, sustenta a vida, e porque por ele se entende todo
alimento. É por causa dessa correspondência que o Senhor
Se chama “o Pão da vida”. É também pela mesma razão que
os pães foram de uso santo na Igreja Israelita, pois eles eram
postos na mesa do tabernáculo e se chamavam “pães das faces”.
É ainda pela mesma razão que todo o culto Divino, que se fazia
por sacrifícios e holocaustos, se chamava “pão”. É até por causa
dessa correspondência que, na Igreja Cristã, o ato mais santo
do culto é a Santa Ceia, na qual são dados pão e vinho. Por
esses pouco exemplos, pode-se ver qual é a correspondência.
(112)
Dir-se-á também, em poucas palavras, como a conjunção do céu com
o mundo se faz pelas correspondências:o reino do Senhor é o
reino dos fins que são usos ou, o que á mesma coisa, o reino dos
usos que são fins. É por isso que o universo foi criado
e formado pelo Divino, de tal sorte que os usos possam
em toda parte ser revestidos de coisas pelas quais eles sejam
apresentados em ato ou em efeito; primeiro no céu e depois
no mundo, por graus e sucessivamente, até os últimos
da natureza. Daí é evidente que a correspondência das coisas
naturais com as espirituais, ou do mundo com o céu se faz
pelos usos, e que os usos conjungem. As formas com que
os usos foram revestidos são correspondências e conjunções somente
tanto quanto foram formas dos usos. Na natureza do mundo, em seu
tríplice reino, todas as coisas que aí existem segundo a ordem
são formas de usos ou efeitos formados pelo uso e para
o uso. É por isso que as coisas que nele estão são
correspondências. Mas no homem, quanto mais ele vive segundo a ordem
Divina, por conseguinte no amor ao Senhor e na caridade para com
o próximo, mais seus atos são usos em uma forma, e são
correspondências pelas quais ele é conjungido ao céu. Amar
o Senhor e o próximo é, em geral, prestar usos. Além disso,
é necessário que se saiba que é pelo homem que o mundo
natural é unido ao mundo espiritual, ou que o homem
é o meio de conjunção, porque nele há o mundo natural e
há também o mundo espiritual (ver n.º 57). Assim, quanto mais
o homem é espiritual, mais ele é meio de conjunção; mas
quanto mais ele é natural e não é espiritual, menos é
um meio de conjunção. Todavia, o influxo Divino sem
a intermediação do homem persiste no mundo e também nas
coisas do mundo que estão no homem, mas não persiste em sua
faculdade racional.
(113)
Do mesmo modo que todas as coisas que existem segundo a ordem Divina
correspondem ao céu, do mesmo modo todas as que são contra
a ordem Divina correspondem ao inferno. As que correspondem
ao céu se referem todas ao bem e à verdade, e as que
correspondem ao inferno se referem todas ao mal e à
falsidade.
(114)
Agora se dirá alguma coisa sobre a ciência das correspondências
e sobre o seu uso. Acima se disse que o mundo espiritual,
que é o céu, foi unido ao mundo natural pelas correspondências. Daí
resulta que, pelas correspondências, o homem tem comunicação com
o céu. Com efeito, os anjos do céu não pensam, como
o homem, pelas coisas naturais. É por isso que, quando o homem
está na ciência das correspondências, ele pode ser um com
os anjos quanto aos pensamentos de sua mente e, assim, estar conjunto
a eles quanto ao seu homem espiritual ou interno. É para
que haja conjunção do céu com o homem que a Palavra foi escrita
por puras correspondências, porque todas e cada uma das coisas que estão
na Palavra correspondem. Se, pois, o homem estivesse na ciência
das correspondências, ele compreenderia a Palavra segundo o seu
sentido espiritual e, por esse modo, ser-lhe-ia dado conhecer arcanos
do que ele não vê vestígio algum no sentido da letra. Há,
com efeito, na Palavra um sentido literal e um sentido
espiritual. O sentido literal consiste nas coisas que estão no mundo,
mas o sentido espiritual consiste nas coisas que estão no céu. E,
como a conjunção do céu com o mundo existe pelas
correspondências, é por isso que foi dada uma tal Palavra, na qual
tudo, até um iota, corresponde [a alguma coisa].
(115)
Fui instruído do céu que, em nossa terra, os antiqüíssimos, que
eram homens celestes, pensavam pelas correspondências mesmas, e as coisas
naturais do mundo, que estavam sob seus olhos, lhes serviam de meios
de pensar assim. [Fui instruído ainda] que esses homens, sendo tais,
tinham sido consociados aos anjos com os quais tinham também conversações,
de modo que o céu tinha sido por eles ligado ao mundo. Daí
é que esse tempo foi chamado “Idade do Ouro”. Os escritores
da antigüidade dizem até, falando dessa época, que os habitantes dos
céus moravam com os homens e tinham com eles laços íntimos como
amigos com amigos. Depois dos tempos desses homens, os que
os substituíram pensavam não pelas correspondências mesmas, mas pela
ciência das correspondências, existindo ainda uma conjunção do céu com
o homem, mas não tão íntima; esse tempo foi chamado “Idade da Prata”.
[Fui também instruído] que mais tarde vieram outros homens que conheciam,
na verdade, as correspondências mas não pensavam pela ciência das
correspondências e isso porque eles estavam no bem natural
e não, como seus predecessores, no bem espiritual; esse tempo foi
chamado “Idade do Bronze”. [Fui finalmente instruído] que, depois
da Idade do Bronze, o homem tornou-se sucessivamente externo e,
finalmente, corporal. Então, a ciência das correspondências ficou
inteiramente perdida e com ela o conhecimento do céu e
de um grande número de coisas que pertencem ao céu. Foi segundo
a correspondência que aqueles tempos foram chamados Idade do Ouro,
Idade da Prata e Idade do Bronze porque, pelas correspondências,
o ouro significa o bem celeste em que estavam
os antiqüíssimos, a prata significa o bem espiritual em que
estavam o antigos que vieram depois, e o bronze significa o bem
natural em que vivia a posteridade imediata. O ferro, que deu
seu nome à última idade, significa uma verdade rígida, privada
do bem.
(15)
O SOL NO CÉU
(116)
No céu não aparece o sol do mundo nem coisa alguma que provenha desse
sol, pois tudo isso é natural, porquanto a natureza principia por
esse sol e tudo o que é produzido por ele é chamado
natural. Ora, o espiritual, no qual está o céu, fica acima
da natureza e é absolutamente distinto do natural. Eles
só se comunicam entre si pelas correspondências. A distinção
entre o espiritual e o natural pode ser compreendida segundo
o que foi referido a respeito dos graus (n.º 38) e a comunicação
entre o espiritual e o natural pode ser compreendida pelo que foi
dito sobre as correspondências nos dois capítulos precedentes (XII
e XIII).
(117)
Mas, posto que no céu não aparece o sol do mundo nem coisa
alguma que provenha desse sol, a verdade é que no céu há um
Sol, uma luz e um calor, há todas as coisas que há no mundo
e muitas outras em número infindo; contudo não são de uma
semelhante origem. As coisas que estão nos céus são espirituais e
as que estão no mundo são naturais. O sol do céu é o
Senhor, a luz lá é a Divina Verdade e o calor é o Divino
Bem, ambos procedendo do Senhor como Sol. Dessa origem provêm todas
as coisas que existem e aparecem nos céus. Mas sobre a luz
e o calor e sobre as coisas que, por eles, existem no céu,
se dirá nos capítulos seguintes. Aqui, se falará somente do sol.
Se o Senhor no céu aparece como sol é porque ele é o Divino
Amor, pelo qual existem todas as coisas espirituais e, por meio
do sol do mundo, existem todas as coisas naturais.
(118)
Que o Senhor apareça realmente no céu como Sol é não somente
o que me disseram os anjos mas também é o que me foi
permitido ver algumas vezes. vou, pois, descrever aqui, em algumas
palavras, o que aprendi e vi a respeito do Senhor como sol.
O Senhor aparece como sol, não no céu, mas no alto, acima dos
céus; não por cima da cabeça ou no zênite, mas perante a face
dos anjos em uma altura média [entre o zênite e o horizonte].
Ele aparece em dois lugares: em um, diante do olho direito,
no outro diante do olho esquerdo, a uma distância nítida. Diante
do olho direito, Ele aparece absolutamente como um sol, com
um fogo quase semelhante ao fogo do sol do mundo e com
semelhante grandeza. Diante do olho esquerdo, Ele aparece não como sol,
mas como lua, de uma brancura semelhante à da lua de nossa
terra, contudo mais brilhante e de semelhante grandeza. essa lua, porém,
aparece cercada de muitas pequenas luas, cada uma das quais tem uma semelhante
brancura e um igual brilho. Se o Senhor aparece em dois lugares
com tal diferença é porque Ele aparece a cada um segundo
o modo pelo qual ele é recebido, e assim de um modo aos que
O recebem pelo bem do amor e de outro modo aos que
O recebem pelo bem da fé. aos que O recebem pelo bem
do amor ele aparece como um sol ígneo e inflamado conforme
a recepção. Esses estão em Seu reino celeste. Mas aos que
O recebem pelo bem da fé Ele aparece como uma lua de uma
brancura e de um brilho segundo a recepção. Esses estão em Seu
reino espiritual. Assim acontece porque o bem do amor corresponde
ao fogo, de onde vem que o fogo, no sentido espiritual,
é o amor, e porque o bem da fé corresponde à luz, e a
luz, no sentido espiritual, é a fé. Ele aparece diante dos olhos
[do observador] porque os interiores, que pertencem à mente,
vêem pelos olhos: segundo o bem do amor pelo olho direito,
e segundo o bem da fé pelo olho esquerdo. Pois todas
as coisas que estão na parte direita no anjo, e também
no homem, correspondem ao bem do qual procede a verdade,
e todas as coisas que estão na parte esquerda correspondem
à verdade que procede do bem. O bem da fé é, em sua
essência, a verdade que procede do bem. angels-heaven.org
(119)
Por isso é que, na Palavra, o Senhor quanto ao amor
é comparado ao sol e quanto à fé é comparado à lua.
É também daí que o amor, que vem do Senhor, é significado
pelo sol, e que a fé. que vem do Senhor, é significada pela
lua, como nas seguintes passagens:
“Será a luz da lua como a luz do sol; a luz do sol, porém, será sétupla, como a luz de sete dias” (Isaías 30:26).
“Cobrirei, quando extinguir-te, os céus, e escurecerei as estrelas; cobrirei o sol com a nuvem e a lua não fará luzir a sua luz. Escurecerei sobre ti todas as luminárias da luz nos céus, e porei trevas sobre a tua terra”. (Ezequiel 32:7 e 8).
“Escurecerei o sol à sua saída e a lua não fará resplandecer a sua luz” (Isaías 13:10).
“O sol e a lua serão escurecidos, e as estrelas retirarão o seu esplendor. O sol se mudará em trevas e a lua em sangue” (Joel 2:2, 10 e 31 - Joel 3:15).
“O sol tornou-se negro como um saco de pelo, e a lua tornou-se como sangue; e as estrelas caíram na terra” (Apocalipse 8:12 e 13).
“E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu” (Mateus 24:29).
E em outras passagens. Nesses lugares, pelo “sol” é significado o amor, pela “lua” a fé e pelas “estrelas” os conhecimentos do bem e da verdade, que são ditos ficarem enegrecidos, perderem a luz e caírem do céu, quando não mais houver amor nem fé nem conhecimento do bem e da verdade. Que o Senhor como sol aparece no céu, vê-se também por Sua transfiguração diante de Pedro, Tiago e João:
“A face d'Ele resplandeceu como o sol” (Mateus 17:2).
Assim foi visto o Senhor por aqueles discípulos quando eles estavam retirados do corpo e na luz do céu. Era por isso que os antigos, entre os quais a igreja era representativa, voltavam a face para o sol no oriente, quando estavam no culto Divino. É deles que vem o costume de se porem os templos voltados para o oriente.
(120)
Quanto é grande o Divino Amor e qual ele é pode-se ver
comparando-o ao sol do mundo. Esse amor é ardentíssimo e,
se quiserem crê-lo, muito mais ardente que esse sol. Por isso,
o Senhor como Sol não influi imediatamente nos céus, mas o ardor
de Seu amor é regulado em caminho por graus; as composições
aparecem como cinturas radiosas ao redor do sol. Além disso,
os anjos são velados por uma leve nuvem adequada, a fim de não
serem ofendidos pelo influxo. Por causa disso, os céus estão distantes
segundo a recepção: os céus superiores, estando no bem
do amor, estão mais perto do Senhor como Sol, e os céus
inferiores, estando no bem da fé, estão mais afastados d’Ele. Mas
os que não estão em bem algum, como os que estão
no inferno, são os mais afastados, e lá o afastamento
é tanto maior quanto mais eles são opostos ao bem.
(121)
Quando, porém, o Senhor aparece no céu, o que sucede muitíssimas
vezes, Ele aparece não cercado pelo Sol, mas em uma forma angélica distinta
da dos anjos, em virtude do Divino que brilha através
de sua face. Isto porque Ele não está ali em pessoa - pois
o Senhor em pessoa está constantemente cercado pelo Sol - mas está
em presença por aparência. De fato, no céu é comum que
se apareça como presente no lugar onde a aparência pára
ou acaba, posto que seja muito longe do lugar onde realmente está.
Essa presença se chama presença da vista interna, de que
se falará depois. O Senhor apareceu-me também fora do Sol,
em uma forma angélica, um pouco abaixo do Sol, no alto. Eu
O vi também de perto em uma forma semelhante, com a face
resplandecente. Uma vez mesmo eu O vi no meio dos anjos, brilhando com
o esplendor da chama.
(122)
O sol do mundo aparece aos anjos como alguma coisa obscura, diametralmente
oposta ao Sol do céu, e a lua aparece como alguma coisa
tenebrosa, diametralmente oposta à luz do céu, e isto
constantemente. Assim sucede porque o ígneo do mundo corresponde
ao amor de si e o luminoso que procede desse ígneo corresponde
à falsidade proveniente de tal amor. Ora, o amor de si
é absolutamente oposto ao Divino Amor e a falsidade proveniente
do amor de si é absolutamente oposta à Divina Verdade.
E o que é oposto ao Divino Amor e à Divina Verdade
é escuridão para os anjos. Daí é que, na Palavra, adorar
o sol do mundo e a lua do mundo e prostrar-se diante
deles significa amar a si próprio e amar as falsidades que
provêm do amor de si; e os que agiam assim eram exterminados
(Deuteronômio 4:19 e 16:3 a 5 - Jeremias 8:1 e 2 - Ezequiel
8:15,16 e 18 - Apocalipse 16:8 - Mateus 13:6).
(123)
Porque o Senhor aparece no céu como Sol pelo Divino Amor que está
n`Ele e que procede d’Ele, por isso mesmo todos os que estão nos céus
se voltam constantemente para Ele. Os que estão no reino celeste
se voltam para Ele como sol e os que estão no reino espiritual
se voltam para Ele como lua. Mas os que estão no inferno
se voltam para o escuro e o tenebroso, que são diametralmente
opostos, e assim, voltam as costas ao Senhor; isso porque todos
os que estão no inferno estão no amor de si e do mundo
e são, por conseguinte, opostos ao Senhor. Os que se voltam
para o escuro que está no lugar do sol do mundo estão nos
infernos situados para trás e são chamados gênios. Os que
se voltam para o tenebroso que está no lugar da lua estão
nos infernos situados na frente e são chamados espíritos. É daí
que se diz que os habitantes dos infernos estão nas trevas e que
os habitantes dos céus estão na luz. As “trevas” significam
a falsidade do mal e a “luz” significa a verdade
do bem. Se eles se voltam assim é porque:
a) na outra vida, todos fixam seus olhares nas coisas que reinam em seus interiores, assim nos seus amores;
b) os interiores constituem a face do anjo e dos espírito;
c) no mundo espiritual as plagas não são fixas como no mundo natural, mas é a face que as determina.
O homem, também, quanto ao seu espírito, se volta igualmente: aquele que está no amor de si e do mundo volta as costas ao Senhor, e aquele que está no amor para amor para com o Senhor e para o próximo volta a face para o Senhor. Mas o homem não tem consciência disso, porque ele está no mundo natural, onde as plagas (pontos cardeais) são determinadas segundo o nascer e o pôr do sol. Contudo, como isso dificilmente pode ser compreendido pelo homem, este assunto será ilustrado ulteriormente, quando se tratar das plagas, do espaço e do tempo no céu.
(124)
Pois que o Senhor é o Sol do céu e que todas as coisas
que procedem d’Ele são voltadas para Ele, resulta que Ele é o centro comum
do qual provém toda direção e toda determinação. Daí também resulta
que, em sua presença e sob o Seu auspício, estão todas
as coisas que se acham por baixo, quer as que estão nos céus,
quer as que estão nas terras.
(125)
De tudo isso, pode-se ver agora, em luz mais clara, o que
se disse e o que se expôs sobre o Senhor em capítulos
precedentes, a saber:
1) O Senhor é o Deus do céu (itens 2 a 6);
2) É o Divino do Senhor que faz o céu (itens 7 a 12);
3) No céu, o Divino do Senhor é o amor a Ele e a caridade para com o próximo (itens 13 a 19);
12) Há correspondência de todas as coisas do céu com todas as coisas do homem (itens 87 a 102);
13) Há correspondência do céu com todas as coisas da terra (itens 103 a 115).
(16)
DA LUZ E DO CALOR NO CÉU
(126)
Que haja uma luz nos céus, é o que não podem compreender aqueles que
pensam somente segundo a natureza. Entretanto, há nos céus uma luz
tão grande que excede em muitos graus a luz do meio-dia
no mundo. Eu a vi muitas vezes, mesmo de tarde e de noite.
A princípio, fiquei admirado quando ouvi os anjos dizerem que
a luz do mundo é apenas uma sombra relativamente à luz
do céu. Como, porém, eu a vi, posso atestá-la; sua brancura
e seu brilho são tais que é impossível descrevê-los. As coisas
que vi nos céus, eu as vi nessa luz, assim mais claramente
e mais distintamente do que as que estão no mundo.
(127)
A luz do céu não é natural como a luz do mundo, mas
é espiritual, porque procede do Senhor como sol, e esse sol
é o Divino amor, como se mostrou no artigo precedente.
O que procede do Senhor como sol é chamado nos céus Divina
verdade. Entretanto, em sua essência, é o Divino bem unido
à Divina verdade; daí há para os anjos a luz e o
calor. Pela Divina verdade, os anjos têm a luz, e pelo Divino
bem eles têm o calor. Por isso pode-se ver que a luz do céu,
tendo uma tal origem, é espiritual e não natural, e que
o mesmo se dá com o calor (').
(128)
Se a Divina verdade é para os anjos a luz, é porque
os anjos são espirituais e não naturais. Os espirituais vêem
pelo seu sol, e os naturais pelo seu. Ora, é da Divina verdade que
procede o entendimento dos anjos, e o entendimento é sua vista
interna que influi em sua vista externa e a produz. Por isso,
as coisas que aparecem no céu pelo Senhor como sol, aparecem
na luz ('). Como esta é a origem da luz no céu, essa
luz lá é variada segundo a recepção da Divina verdade que
procede do Senhor, ou, o que é a mesma coisa, segundo
a inteligência e a sabedoria em que estão os anjos. Assim,
a luz no reino celeste é diferente da luz no reino
espiritual, e diferente é ela também em cada sociedade
no reino celeste; lá, a luz aparece como chama, porque os anjos
que lá estão recebem a luz procedente do Senhor como Sol; mas
no reino espiritual a luz é cândida, de um branco
brilhante, porque os anjos que lá estão recebem a luz procedente
do Senhor como lua (ver acima n.º 188). A luz não é também
a mesma em uma sociedade como em uma outra; ela difere, mesmo
em cada sociedade. Os que estão no centro têm uma maior luz, e
os que estão ao redor têm uma luz menor (ver n.º 43). Em uma
palavra, os anjos têm a luz no mesmo grau em que eles
recebem a Divina verdade, isto é, no mesmo grau em que eles
estão na inteligência e na sabedoria procedente do Senhor
(‘). Por isso, os anjos do céu chamam-se anjos de luz.
(129)
Como o Senhor nos céus é a Divina verdade, e a Divina verdade lá
é luz, por isso o Senhor, na Palavra, é chamado Luz,
e toda verdade que procede d'Ele é igualmente chamada luz, como
nestas passagens:
Jesus disse:
“Eu sou a luz do mundo; quem Me segue não andará
em trevas, mas terá a luz da vida" (João 8:12).
"Enquanto no mundo estou, a luz do mundo sou” (João 9:5).
Jesus disse:
“Um pouco ainda a luz está convosco; andai enquanto tendes luz para
que as trevas não vos envolvam... enquanto é de vós a luz, crede
na luz, para que filhos da luz sejais... Eu, Luz, ao mundo vim
para que aquele que crê em Mim, em trevas não fique” (João 12:35, 36, 46).
"A luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz" (João 3:19).
João, falando
do Senhor, disse:
“Este é a Luz verdadeira, que alumia todo homem” (João 1:4, 9).
"O povo que está assentado nas trevas viu uma grande luz, e aos que estavam assentados na sombra da morte, uma luz surgiu" (Mat. 4:16).
"Dar-te-ei como aliança do povo, como luz nas nações" (Isa. 42:6)
“Constituí-Te como Luz das nações, para que sejais a Minha salvação até ao extremo da terra” (Isa. 49:6).
“As nações que forem salvas caminharão para a luz d'Ele" (Apoc. 21:24).
"Envia a Tua luz e a Tua verdade, elas me conduzirão" (Sal. 43:3).
Nessas passagens e em outras, o Senhor é chamado “Luz” pela Divina verdade que procede d'Ele; igualmente, a Verdade mesma chama-se luz. Como nos céus a luz vem do Senhor como sol, por isso, quando o Senhor Se transfigurou diante de Pedro, Tiago e João, "Sua face apareceu como sol, e as vestimentas d'Ele como luz",... "resplandecentes e brancas como a neve, quais não pode um lavandeiro na terra branquear” (Mat. 17:2; Mar. 9:3).
As vestes do Senhor apareceram assim porque elas representavam a Divina verdade que procede d’Ele nos céus; as “vestimentas", na Palavra, significam também as verdades (4). Daí é que se diz em Davi:
“Ó JEHOVAH, (Tu) Te cobres de luz como uma veste” (Sal. 104:2).
(130)
Que a luz nos céus seja espiritual e que essa luz seja a Divina
verdade, é até o que se pode concluir do fato de que
para o homem há também uma luz espiritual, e que por essa luz
há nele iluminação enquanto ele está na inteligência e
na sabedoria pela Divina verdade. A luz espiritual do homem
é a luz do seu entendimento, cujos objetos são as verdades, que
ele dispõe analiticamente em ordens, que ele forma em razões,
e segundo as quais ele conclui coisas em série. Que a luz,
pela qual o entendimento vê tais coisas, seja uma luz real, é o
que o homem natural ignora porque não a vê com os olhos
e nem a percebe pelo pensamento. Mas muitos até a conheceram,
e também a distinguem da luz natural em que estão aqueles
que pensam naturalmente e não espiritualmente. Aqueles que dirigem
os seus olhares somente para o mundo e atribuem tudo
à natureza pensam naturalmente. Mas os que dirigem seus olhares para
o céu e atribuem tudo ao Divino, pensam espiritualmente. Que
seja verdadeira a luz que ilumina a mente e inteiramente
distinta da luz que é chamada luz natural, é o que me foi
permitido perceber e também ver. Fui interiormente elevado nessa luz, por
graus; e, à proporção que eu era elevado, meu entendimento era
iluminado a tal ponto, que eu percebia coisas que não tinha percebido
antes, e finalmente coisas que não poderiam até ser compreendidas pelo
pensamento segundo a luz natural. Às vezes eu me indignava
de que elas não eram compreendidas, quando, todavia, tinham sido
percebidas clara e plenamente na luz celeste. Visto que há uma
luz para o entendimento, dele se diz do mesmo modo que
se diz para os olhos, que ele vê e que ele está na luz
quando percebe, e que ele está nas trevas e na sombra quando não
percebe; e outras coisas semelhantes.
(131)
Como a luz do céu é a Divina verdade, por isso essa luz
é também a Divina sabedoria e a Divina inteligência; portanto,
uma mesma coisa se entende por ser elevado na luz do céu, ser
elevado na inteligência e na sabedoria e ser iluminado.
É por isso que a luz dos anjos está absolutamente no me"
mo grau que a sua inteligência e a sua sabedoria. Corno
a luz no céu é a Divina sabedoria, nessa luz todos são
conhecidos tais quais eles são. Os interiores de cada um, lá, são
estampados na face absolutamente quais eles são, e sem que
a menor coisa se oculte. Os anjos interiores gostam de que
tudo neles seja descoberto, porque querem apenas o bem. Mas não se dá
o mesmo com os que estão por baixo do céu e não querem
o bem; por isso eles receiam muito serem vistos na luz do céu,
e – coisa admirável ! – os que estão no inferno aparecem entre
si como homens, mas na luz do céu, como monstros, com uma face
horrível e um corpo horrendo, absolutamente na forma de seu mal
(’). Do mesmo modo aparece o homem quanto a seu espírito, quando
é olha-do pelos anjos: se é bom, aparece como um homem cuja
beleza está em relação com seu bem; e se é mau, como um monstro,
deformado segundo o seu mal. Daí é evidente que todas as coisas
são manifestas na luz do céu; elas são manifestas porque a luz
do céu é a Divina verdade.
(132)
Como a Divina verdade é a luz nos céus, é por isso que todas
as verdades, em toda a parte onde elas estejam, quer dentro
ou fora do anjo, quer nos céus ou fora deles, emitem luz.
Entretanto, as verdades por fora dos céus não projetam uma luz igual
a das verdades dentro dos céus. As verdades fora do céu brilham
de modo frio, com uma alvura de neve que vem sem calor, porque não
tiram sua essência do bem, como as verdades dentro dos céus.
k até por isso que essa luz fria se dissipa à penetração
da luz do céu e é transformada em trevas se um mal
está por baixo. Algumas vezes vi isso, e também muitas outras coisas
memoráveis a respeito da luz produzida pelas verdades, de que
não falarei aqui.
(133)
Agora se vai dizer alguma coisa sobre o calor no céu.
O calor no céu é, em sua essência, o amor. Ele procede
do Senhor como Sol, o qual é o Divino Amor no Senhor
e pelo Senhor, como se mostrou no Capítulo XIV. Sendo assim,
é evidente que o calor do céu é espiritual como a luz
do céu, porque tem a mesma origem. Há duas coisas que procedem
do Senhor como Sol: a Divina Verdade e o Divino Bem.
A Divina Verdade manifesta-se nos céus como luz e o Divino Bem como
calor; mas a Divina Verdade e o Divino Bem são de tal sorte
unidos que não são dois, mas um. Entretanto, a verdade é que nos
anjos eles foram separados: porque há anjos que recebem o Divino Bem
mais do que a Divina Verdade e há anjos que recebem
a Divina Verdade mais do que o Divino Bem. Os que recebem
mais o Divino Bem estão no reino celeste do Senhor e os que
recebem mais a Divina Verdade estão no reino espiritual
do Senhor. Os anjos mais perfeitos são os que recebem um
e outro no mesmo grau.
(134)
O calor do céu, como a luz do céu, é em toda parte variado:
um no reino celeste, outro no reino espiritual e também outro
em cada sociedade desses reinos. Ele difere não só pelo grau como
ainda pela qualidade; é mais intenso e mais puro no reino
celeste do Senhor, porque os anjos lá recebem mais o Divino
Bem; menos intenso e menos puro no reino espiritual, porque
os anjos lá recebem mais a Divina Verdade. Em cada
sociedade ele difere ainda segundo a recepção. Há também
um calor nos infernos, mas ele é imundo. É o calor do céu
que se entende pelo fogo sagrado e celeste, e é o calor
do inferno que se entende pelo fogo profano e infernal.
E por um e outro fogo se entende o amor; pelo fogo celeste
o amor ao Senhor e o amor para com o próximo e toda
afeição que pertence a esses amores; e pelo fogo infernal o amor
de si e o amor do mundo, e toda concupiscência que pertence
a esses amores. Que o amor seja um calor de origem
espiritual é o que se evidencia pelo aquecimento que
se experimenta em razão do amor, pois o homem
se inflama e se aquece segundo a grandeza e a qualidade
de seu amor, e seu ardor é manifesto quando é combatido.
Daí vem, também, que se empregam as expressões aquecer-se, quando
se trata das afeições que pertencem ao amor do bem e também
quando se trata das concupiscências que pertencem ao amor
do mal.
(135)
Se o amor que procede do Senhor como Sol é sentido no céu
como calor, é porque os interiores dos anjos estão no amor pelo
Divino Bem procedente do Senhor, e por isso os exteriores que
se aquecem estão no calor. Daí é que no céu o calor
e o amor se correspondem mutuamente, de modo que lá cada
um está no calor na proporção do amor que ele tem, como
acaba de ser dito acima. O calor do mundo não entra
de forma alguma nos céus, porque é muito grosseiro e é natural
e não espiritual. Mas não sucede o mesmo nos homens, porque eles
estão não somente no mundo espiritual como no mundo natural. Quanto
ao seu espírito, eles se aquecem absolutamente segundo seus amores, mas
quanto ao seu corpo, eles se aquecem por um e outro, tanto pelo
calor de seu espírito como pelo calor do mundo. O primeiro
influi no segundo, porque eles se correspondem. Pode-se ver qual
é a correspondência desses calores pelos animais, pois que seus amores,
cujo principal é procriar uma prole de sua espécie,
se manifestam e operam segundo a presença e o afluxo
do calor do sol no mundo, calor que existe somente
na estação da primavera e do verão. Enganam-se muito aqueles que
crêem que o calor do mundo, influindo, excita os amores, porque
não há influxo do natural no espiritual, mas há influxo
do espiritual no natural. Este último influxo é segundo
a ordem Divina, o outro, porém, é contra a ordem Divina.
(136)
Os anjos têm, como os homens, um entendimento e uma vontade.
A luz do céu constitui a vida de seu entendimento, porque
a luz do céu é a Divina Verdade e, por conseguinte,
a Divina Sabedoria. O calor do céu constitui a vida
de sua vontade, porque o calor do céu é o Divino Bem, por
conseguinte, o Divino Amor. A vida mesma dos anjos procede
do calor, e não da luz, exceto se o calor estiver nela. Que
a vida procede do calor é o que é evidente, porque sendo
retirado este, a vida perece. Semelhantemente dá-se com a fé sem
o amor, ou a verdade sem o bem, porque a verdade que
se chama verdade da fé é a luz, e o bem que se chama
bem do amor é o calor. Essas coisas tornam-se ainda mais evidentes
pelo calor e pela luz do mundo, aos quais o calor e a luz
do céu correspondem. Pelo calor do mundo unido à luz, tudo na terra
é vivificado e floresce; essa conjunção efetua-se na estação
da primavera e do verão. Mas, pela luz separada do calor, nada
é vivificado nem floresce, mas tudo se entorpece e definha. Essa
falta de conjunção tem lugar no tempo do inverno; então o calor
está ausente e a luz fica. É por essa correspondência que o céu
é chamado paraíso, porque a verdade lá é unida ao bem, ou a
fé ao amor, como nas terras a luz é unida ao calor
na primavera. Daí se pode ver, agora, com maior clareza, esta verdade
explicada acima, nos números 13 a 19:
“No céu, o Divino do Senhor é o amor a Ele e a caridade para com o próximo”.
(137)
Em João se diz:
“No princípio era o Verbo (Palavra), e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez. A vida estava n`Ele, e a vida era a luz dos homens. Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a Sua glória” (João 1:1,3,4,10,14).
Que seja o Senhor que se entende pela Palavra (Verbo) é evidente, pois se diz que a Palavra se fez carne. Mas o que é especialmente ensinado pela Palavra ainda se ignora. Cumpre, pois, dizê-lo: nesta passagem, a Palavra é a Divina Verdade que está no Senhor e procede do Senhor. Por isso é que ela também é chamada Luz, que é a Divina Verdade como se mostrou no princípio deste Capítulo. Que todas as coisas hajam sido feitas e criadas pela Divina Verdade é o que vai ser agora explicado. No céu, todo o poder pertence à Divina Verdade e sem ela não há absolutamente poder algum. Todos os anjos se chamam potências por causa da Divina Verdade e, quanto mais eles são recepções ou receptáculos dessa Verdade, mais eles são potências. Eles têm, pela Divina Verdade, poder sobre os infernos e sobre todos os que se opõem a eles. Mil inimigos lá não sustentam um simples raio de luz do céu, emanado da Divina Verdade. Porque os anjos são anjos pela recepção da Divina Verdade, segue-se que todo o céu provém só da Divina Verdade, porque são os anjos que constituem o céu. Que haja tão grande poder na Divina Verdade é o que não podem crer aqueles que não têm outra idéia da Verdade senão a de um pensamento ou de uma linguagem, nos quais não há poder em si, a não ser quando outros, por obediência, executam. Mas na Divina Verdade há o poder em si, e um poder tal que por ela foi criado o mundo com tudo o que nele existe. Que haja na Divina Verdade tal poder é o que se pode ilustrar por duas comparações, isto é, pelo poder da verdade e do bem no homem, e pelo poder da luz e do calor provenientes do sol do mundo. Pelo poder da verdade e do bem no homem: todas as coisas que o homem faz, ele as faz pelo entendimento e pela vontade. Pela vontade, ele age pelo bem, e pelo entendimento ele age pela verdade. Com efeito, todas as coisas que estão na vontade se referem ao bem, e todas as coisas que estão no entendimento se referem à verdade. É, pois, pelo bem e pela verdade que o homem move todo o corpo, e que milhares de coisas dele se precipitam junta e espontaneamente para fazerem a sua vontade e prazer. Daí é evidente que todo o corpo foi formado para estar à disposição do bem e da verdade, por conseguinte, para agir segundo o bem e a verdade. Pelo poder do calor e da luz provenientes do sol do mundo: todas as coisas que crescem no mundo, como árvores, searas, flores, ervas, frutos e sementes, existem unicamente pelo calor e pela luz do sol. Vê-se, pois, o poder de produzir que há nesse calor e nessa luz. Que grande poder não deve, pois, haver na Divina Luz, que é a Divina Verdade, e no Divino Calor, que é o Divino Bem ? Uma vez que o céu existe por causa deles, por causa deles também existe o mundo, pois é pelo céu que o mundo existe, como já foi mostrado anteriormente. Pode-se ver, por esse modo, como se deve entender que “pela Palavra todas as coisas foram feitas”, que “sem Ela nada do que foi feito se fez” e que “o mundo foi feito por Ela”, isto é, pela Divina Verdade procedente do Senhor. É também daí que, no livro de Gênesis, se fala em primeiro lugar da luz e, depois, das coisas que procedem da luz (Gênesis 1:3 e 4). É ainda por isso que todas as coisas do Universo, tanto do céu como do mundo, se referem ao bem e à verdade e à sua conjunção, da qual procedem todas as coisas criadas.
(139)
Cumpre saber que o Divino Bem e a Divina Verdade, que estão nos céus
pelo Senhor como Sol, não estão no Senhor, mas procedem do Senhor.
No Senhor está somente o Divino Amor, que é o Ser pelo qual
existem aquele Bem e aquela Verdade. Existir pelo Ser é o que
se entende por “proceder”. Pode-se também ilustrar isso por uma comparação
com o sol do mundo: o calor e a luz que estão no mundo
não estão no sol, mas procedem do sol. No sol há somente
fogo e, por esse fogo, existem e procedem esse calor e essa luz.
(140)
Porque o Senhor como Sol é o Divino Amor, e o Divino Amor
é o Divino Bem Mesmo, é por isso que o Divino que procede
do Senhor, o qual é o Seu Divino no céu, é chamado,
por causa da distinção, Divina Verdade, posto que Ele seja o Divino
Bem unido à Divina Verdade. É essa Divina Verdade que é chamada
o Santo procedente do Senhor.
(17)
DAS QUATRO PLAGAS NO CÉU
(141)
No céu, como no mundo, há quatro plagas (pontos cardeais):
o oriente, o sul, o ocidente e o norte. Essas quatro plagas são determinadas, no céu e no mundo, pelo sol respectivo: no céu, pelo Sol do céu, que é o Senhor e, no mundo, pelo sol do mundo. Há, porém, entre as plagas no céu e as plagas no mundo, muitas diferenças. A primeira diferença é que no mundo se chama meio-dia (sul) o ponto em que o sol está em sua maior altura acima da terra; chama-se norte o ponto em que o sol está em uma posição oposta, abaixo da terra; chama-se oriente o ponto em que o sol nasce nos equinócios; e chama-se ocidente o ponto em que o sol se deita; assim, no mundo, todas as plagas são determinadas pelo meio dia. Mas no céu chama-se oriente o ponto onde o Senhor aparece como Sol; no ponto diametralmente oposto está o ocidente; à direita no céu está o meio dia (sul); e à esquerda está o norte; e isso [não muda para os anjos] seja qual for a direção para a qual eles voltem sua face e seu corpo. Assim, no céu, todas as plagas são determinadas pelo oriente. Chama-se oriente o ponto em que o Senhor aparece como Sol, porque toda a origem da vida vem d’Ele como Sol. Além disso, quanto mais os anjos recebem calor e luz, ou amor e inteligência, procedentes do Senhor, mais se diz que o Senhor Se levanta neles. É também por isso que o Senhor é chamado Oriente na Palavra.
(142)
A outra diferença é que os anjos têm sempre na frente
o oriente, nas costas o ocidente, à direita o sul e à
esquerda o norte [como foi dito acima]. O que ocorre com
os anjos dificilmente pode ser compreendido neste mundo, uma vez que
o homem volta sua face para todos os pontos. Em face dessa incompreensão,
a diferença vai ser explicada. Todo o céu se volta para
o Senhor como para seu centro comum; assim, todos os anjos
se voltam para esse centro. Que toda direção, mesmo na terra, tenda
para um centro comum, é notório; mas a direção no céu difere
da direção no mundo, porque no céu os interiores são
voltados para seu centro comum, enquanto no mundo são voltados para esse
centro os exteriores, [que vêem numa só direção].
(143)
Mas o fato de os anjos terem em sua frente o oriente, seja
qual for o modo que voltem sua face e seu corpo, é o que pode
ainda ser mais dificilmente compreendido no mundo, uma vez que
o homem tem em sua frente um ponto cardeal diferente, sempre que
se volta para cada ponto. Diante da dificuldade apontada, vou
explicar esse fato. Os anjos, do mesmo modo que os homens,
voltam e viram suas faces e seus corpos para qualquer lado que
queiram. Mas a mudança da face e do corpo dos anjos não são como
a mudança da face e do corpo dos homens; as mudanças dos
anjos têm origem diferente daquela que regula as mudanças nos homens.
Parece, na verdade, que elas são semelhantes, mas não são. [Nos anjos],
o amor reinante é a origem; é deste amor vêm todas
as determinações nos anjos e nos espíritos, porque, como foi dito
há pouco, seus interiores foram, na realidade, voltados para
o seu centro comum no céu, que é o Senhor como o Sol.
É por isso que, como o amor está continuamente diante de seus
interiores, e como a face se apresenta segundo
os interiores, resulta que eles tem sempre diante da face esse amor
reinante; e nos céus este amor é o Senhor como Sol, de onde lhes
vem o referido amor. E como o Senhor Mesmo está em Seu amor
nos anjos, é portanto o Senhor que faz com que eles O olhem
de qualquer direção para onde estejam voltados. Esse assunto não pode ser
mais esclarecido aqui; todavia, nos capítulos seguintes, especialmente quando
se tratar das representações e das aparências e também
do tempo, e do espaço no céu, ele se manifestará com mais
evidência do entendimento. Que os anjos tenham constantemente
o Senhor diante de Sua face é o que me foi permitido saber
e também perceber por um grande número de experiências, porque,
todas as vezes que estive em companhia dos anjos, notei diante
de minha face a presença do Senhor que, ainda que não fosse visto,
era, contudo, percebido na luz. Que assim suceda é o que
os anjos me atestaram muitas vezes. É porque o Senhor está
constantemente diante da face dos anjos que se diz, no mundo,
que os que crêem n'Ele e que O amam têm Deus diante dos olhos e diante
da face e que eles O olham e O vêem. O homem se exprime
assim segundo o mundo espiritual, porque na linguagem humana
há muitas expressões que procedem de lá, ainda que o homem não
saiba.
(144)
Essa conversão da face e do corpo para o Senhor é uma das
maravilhas do céu. Porque lá muitos podem estar em um mesmo
lugar e voltar a face e o corpo, uns de um lado e
os outros de outro, e todos vêem, contudo, o Senhor diante
deles, e cada um tem à sua direita o sul, à sua
esquerda o norte, e atrás de si o ocidente. No número
das maravilhas existe também esta: ainda que todo olhar dos anjos seja para
o oriente, entretanto, eles também têm um olhar para os outros
três pontos, mas os olham segundo sua vista interior, que pertence
ao pensamento. No número das maravilhas há, ainda, esta: não
é permitido a pessoa alguma no céu ficar por detrás de uma
outra nem olhar para o seu occipital, porque, se isso sucede,
o influxo do bem e da verdade, que vem do Senhor,
é perturbado.
(145)
Os anjos olham o Senhor de um modo, e o Senhor olha
os anjos de um outro modo. Os anjos olham o Senhor pelos
olhos, mas o Senhor olha os anjos na testa. A razão
é que a testa corresponde ao amor, e o Senhor, pelo amor,
influi na vontade deles, fazendo com que Ele seja visto pelo entendimento
ao qual correspondem os olhos.
(146)
Mas as plagas que nos céus constituem o reino celeste do Senhor
diferem das plagas nos céus que constituem o Seu reino espiritual.
A razão é que o Senhor aparece como Sol aos anjos que estão
em Seu reino celeste, mas aparece como Lua aos anjos que estão em Seu
reino espiritual; e o oriente lá é onde aparece o Senhor.
A distância entre o Sol e a Lua é, no céu, de trinta
graus; por conseqüência, há uma distância semelhante entre as plagas
dos dois reinos. Que o céu foi dividido em dois reinos, que
se chamam reino celeste e reino espiritual, é o que se vê
no capítulo onde se trata dessa distinção (nºs 20 a 28),
e que o Senhor aparece como Sol no reino celeste e como Lua
no reino espiritual é o que se vê no capítulo XV (n.º
118). Mas as plagas do céu nem por isso são indistintas, pois que
os anjos espirituais não podem subir para os anjos celestes nem estes
podem descer para os anjos espirituais (ver n.º 35).
(147)
Daí fica evidente qual é a presença do Senhor nos céus, isto é, que
ela está em toda a parte e em cada um no bem e na verdade
que procedem do Senhor. Assim, Ele está no que Lhe pertence nos
anjos, como se disse no capítulo II (n.º 12). A percepção
da presença do Senhor está em seus interiores, segundo
os quais seus olhos vêem. Assim, eles O vêem fora deles, porque
há continuidade. Por ser assim, pode-se ver como se deve entender que
o Senhor está neles e que eles estão no Senhor, segundo
as palavras do Senhor em João 15:4:
“Permanecei em Mim e Eu em vós”
e no mesmo
João 6:56:
“Quem come Minha carne e bebe Meu sangue habita em Mim e
Eu nele”.
A carne do Senhor representa o Divino Bem e o sangue do Senhor representa a Divina Verdade.
(148)
Nos céus, todos habitam distintamente segundo as plagas. No oriente e
no ocidente habitam os que estão no bem do amor;
no oriente os que têm uma percepção clara desse bem, e
no ocidente os que dele têm uma percepção obscura. No sul e
no norte habitam os que estão na luz da sabedoria:
no sul os que estão na luz clara da sabedoria, e no norte os que estão em uma luz obscura da sabedoria. Os anjos que estão no reino espiritual do Senhor habitam do mesmo modo que os anjos que estão em seu reino celestial, com uma diferença, todavia, segundo o bem, porque o amor no reino celeste é o amor para com o Senhor, e a luz da verdade que daí procede é a sabedoria. O amor no reino espiritual, entretanto, é o amor para com o próximo, que é chamado caridade, e a luz da verdade que dele procede é a inteligência, que também é chamada fé (ver n.º 23). Eles diferem ainda quanto às plagas, porque as plagas em um e outro reino têm entre si uma distância de trinta graus, como se disse acima (n.º 146).
(149)
Assim habitam os anjos entre si em cada sociedade do céu:
no oriente estão os que se acham em um maior grau
de amor e de caridade; no ocidente estão os que se acham
em um menor grau de amor e de caridade; no sul estão
os que se encontram em uma luz maior de sabedoria e
de inteligência; e no norte os que se encontram em uma
luz menor. Se habitam assim distintamente é porque cada sociedade
representa o céu e também é o céu numa forma menor (ver n.º 51
a 58). Sucede o mesmo nas assembléias. Eles são dispostos nessa ordem
por causa da forma do céu, pela qual cada um conhece seu lugar.
O Senhor providencia para que em cada sociedade haja anjos
de todo o gênero, a fim de que o céu seja, quanto
à forma, semelhante a Si mesmo em toda parte. Mas
a ordenação do céu inteiro difere da ordenação de uma
sociedade, como o geral difere do particular. Pois as sociedades
que estão no oriente excedem em muito as sociedades
do ocidente, e as sociedades do sul excedem as do norte.
(150)
Por causa disto, as plagas nos céus significam coisas iguais às que
estão em seus habitantes, a saber: o oriente significa
o amor e o bem do amor em uma percepção clara;
o ocidente significa as mesmas coisas em uma percepção obscura;
o sul significa a sabedoria a inteligência em uma luz
clara; e o norte significa as mesmas coisas em uma luz obscura.
E como tais coisas são significadas nos céus por essas plagas, elas têm,
por isso, a mesma significação no sentido interno ou espiritual
da Palavra, porque o sentido interno ou espiritual
da Palavra é inteiramente conforme as coisas que estão
no céu.
(151)
Dá-se o contrário com os que estão nos infernos. Aqueles que
lá estão não dirigem seus olhares para o Senhor como Sol ou como
Lua, mas olham para a lado oposto ao Senhor, para alguma coisa
de escuro que está no lugar do sol do mundo, e para
alguma coisa de tenebroso que está no lugar da lua
da terra. Os que são denominados gênios olham para o escuro que
está no lugar do sol do mundo, e os que são denominados
espíritos olham para o tenebroso que está no lugar da lua
na terra. Que o sol do mundo e a lua da terra não
apareçam no mundo espiritual, mas em vez desse sol apareça alguma
coisa de obscuro diametralmente oposta ao Sol do céu, e
em vez dessa lua alguma coisa de tenebroso diametralmente oposta
à Lua do céu, vê-se no n.º 122. Daí é que eles [que vivem
no inferno] têm plagas opostas às plagas do céu: seu oriente
está onde se acha o escuro; seu ocidente onde se acha
o tenebroso; seu sul à direita e seu norte à esquerda. Para
qualquer lado que voltem seu corpo têm sempre a mesma visão, porque toda
direção de seus interiores e toda determinação resultante
se dirigem para aquele lado [para aquelas plagas]. Que a direção dos
interiores e, por conseguinte, a determinação efetiva de todos
os que estão na outra vida sejam segundo o amor, vê-se
no n.º 143. O amor dos que estão nos infernos é o amor
de si e o amor do mundo, e esses amores são significados
pelo sol do mundo e pela lua da terra (ver n.º 122). Além disso,
esses amores são opostos ao amor para com o Senhor e o amor para
com o próximo. Daí vem que eles [os que habitam os infernos]
se voltam para essas escuridões e trevas diametralmente opostas
ao Senhor. Aqueles que estão nos infernos são distribuídos também segundo
as suas plagas: os que estão nos males pelo amor de si habitam
desde seu oriente até seu ocidente; os que estão nos falsos do mal
[pelo amor do mundo] habitam desde seu sul até seu norte. Adiante
se falará mais a respeito, quando se tratar dos infernos.
(152)
Quando algum mau espírito vem entre os bons, as plagas ficam tão
confundidas que os bons com dificuldade sabem onde está seu oriente.
Algumas vezes percebi esse fato e também vi espíritos falarem a respeito
e se queixaram disso.
(153)
Às vezes, maus espíritos aparecem voltados para as plagas do céu
e então têm a inteligência e a percepção da verdade, mas
não têm afeição alguma ao bem. Por isso, desde que eles voltam para suas
plagas, não têm mais inteligência alguma nem percepção alguma da verdade,
dizendo então que as verdades que eles ouviram e perceberam não são
verdades, mas falsos, e querem até que os falsos sejam verdades. Fui
informado a respeito dessa conversão, isto é, que nos maus o intelectual
pode ser assim voltado, mas não o voluntário, e que isso foi provido
pelo Senhor, a fim de que cada pessoa possa ver e reconhecer
as verdades. Mas as verdades somente podem ser recebidas por aqueles
que estiverem no bem, porque o bem recebe as verdades e o
mal nunca as recebe. O Senhor provê as verdades ao homem
para que ele possa ser reformado, mas essa reforma só se processa
na proporção em que ele está no bem. Se ele
se reforma, volta-se para o Senhor; mas se ele estiver
no mal quanto à vida, ele volta as costas ao Senhor
e confirma em si os falsos de seu mal contra
as verdades que ele compreendeu e viu, e isso faz quando
em si ele pensa segundo seu interior.
(18)
DAS MUDANÇAS
DE ESTADO DOS ANJOS NO CÉU
(154)
Pelas mudanças de estado dos anjos no céu se entendem suas
mudanças quanto ao amor e à fé, e daí quanto à sabedoria
e à inteligência e, por conseguinte, quanto aos estados de sua vida.
Os estados se dizem da vida e das coisas que pertencem
à vida; e como a vida angélica é a vida do amor e
da fé, e por esse motivo a vida da sabedoria e
da inteligência, os estados são, portanto, ditos pertencerem
a essas coisas e se chamam estados do amor e da fé,
e estados da sabedoria e da inteligência. Agora será dito aqui
como esses estados se mudam nos anjos.
(155)
Os anjos não se acham constantemente no mesmo estado quanto
ao amor nem, por conseguinte, no mesmo estado quanto
à sabedoria, porque toda sabedoria lhes vem do amor e conforme
o amor. Às vezes eles se acham no estado de um amor
imenso, às vezes no estado de um amor sem intensidade. Esse amor
decresce às vezes por graus desde seu máximo até seu mínimo. Quando eles
estão no maior grau de amor, então estão na luz e no calor
de sua vida, ou em sua claridade e em seu prazer; mas quando
estão no menor grau, eles estão na sombra e no frio, ou em
seu obscuro e seu descontentamento. Do último estado voltam
de novo ao primeiro e assim por diante; essas voltas efetuam-se
sucessivamente com variedade. Esses estados se sucedem como
as variações de estado da luz e da sombra, do calor e
do frio, ou como a manhã, o meio dia, a tarde e a
noite se sucedem a cada dia no mundo, com variedade perpétua
durante o ano. Eles correspondem também: a manhã, ao estado
de seu amor no claro; o meio dia, ao estado de sua
sabedoria no claro; a tarde, ao estado de sua sabedoria
no escuro; e a noite, ao estado de amor nulo e
de nenhuma sabedoria. Mas cumpre saber que não há correspondência
da noite com os estados de vida dos que estão no céu, mas
há correspondência do alvorecer que precede a manhã;
a correspondência da noite é para os que estão
no inferno. É segundo essa correspondência que o “dia” e o
“ano” na Palavra significam os estados da vida
em geral; o “calor” e a “luz” significam o amor e a
sabedoria; a “manhã” significa o primeiro e supremo grau
do amor; o “meio dia” significa a sabedoria em sua
luz; a “tarde”, a sabedoria em sua sombra; o “amanhecer”,
o obscuro que precede a manhã; e a “noite”, a perversão
total do amor e da sabedoria.
(156)
Com o estado dos interiores que pertencem ao amor e à sabedoria
dos anjos são também mudados os estados de diversas coisas que estão
fora deles e aparecem diante de seus olhos, porque as coisas que
estão fora deles tomam uma aparência segundo as que estão dentro deles.
Mas, quais são essas coisas exteriores e em que elas consistem é o
que se dirá nos números seguintes [capítulo XIX], onde se tratará dos
representativos e das aparências no céu.
(157)
Cada anjo suporta e percorre tais mudanças de estado, e também
cada sociedade em geral; contudo, cada um de modo diferente
de um outro, pela razão que todos diferem em amor e
em sabedoria, pois os que estão no meio se acham em um
estado mais perfeito do que os que estão ao redor até aos
limites (ver nºs 43 e 128). Explicar as diferenças seria prolixo,
porque cada um sofre mudanças segundo a qualidade de seu amor e
de sua fé. De onde sucede que um está em sua claridade e
em seu prazer, quando o outro está em sua obscuridade e
em seu desprazer; e isso ao mesmo tempo, dentro da mesma
sociedade; e também em uma sociedade de modo diferente
do que em outra; e nas sociedades do reino celeste
de modo diferente do que nas sociedades do reino espiritual.
As diferenças das mudanças de seu estado em geral são como
as variações do estado dos dias nos diversos climas na terra,
porque na terra há para alguns a manhã quando outros têm
a tarde, e há também os que têm calor quando outros têm
o frio, e vice-versa.
(158)
Fui informado do céu porque ali há tais mudanças de estado;
os anjos disseram-me que há várias causas. A primeira é que
o prazer da vida e do céu, de que eles gozam pelo amor
e pela sabedoria que procedem do Senhor, tornar-se-ia gradualmente
insípido se eles ficassem continuamente nesse prazer, como sucede aos que
permanecem sem variedade nas delícias e nos divertimentos. A segunda
causa é que eles têm, como os homens, um próprio e esse
próprio consiste em se amar. Todos os que estão no céu são
desviados desse próprio e, quanto mais são desviados dele pelo Senhor, mais
eles estão no amor e na sabedoria; mas, quanto menos são desviados
dele, mais estão no amor de si próprios; e, como cada um ama
o seu próprio, é atraído por ele; por isso é que eles têm
mudanças de estados ou voltas sucessivas. A terceira causa é que
assim eles são aperfeiçoados, porque assim ficam habituados a serem
desviados do amor de si próprios. E, além disso, pelos retrocessos
de prazer e de desprazer, a percepção e a sensação
do bem tornam-se mais deliciosas. Eles acrescentaram que não é o Senhor
quem produz as mudanças de seu estado, porque o Senhor como Sol
influi sempre com calor e luz, isto é, com amor e sabedoria, mas que
eles próprios são a causa disso, porque amam o seu próprio que
os arrasta continuamente. Era isso ilustrado por uma comparação com o sol
do mundo, pelo fato de que não é nele que está a causa das
mudanças de estado de calor e de frio, de luz e
de sombra, cada ano e cada dia, porquanto ele permanece imóvel, mas
a causa está na terra. www.cosmic-people.com
(159)
Mostraram-me como o Senhor, como Sol, aparece aos anjos do reino
celeste em seu primeiro estado, como aparece em seu segundo estado
e como aparece no terceiro. O Senhor apareceu como Sol
primeiramente ardente e brilhando com tal esplendor que é impossível
descrevê-lo; foi dito que o Senhor como Sol aparece assim aos anjos
em seu primeiro estado. Depois, foi visto ao redor do Sol
um grande cinto escuro, pelo qual o primeiro ardor e o primeiro
brilho, que produziam tanto esplendor, começaram a enfraquecer; foi dito
que o Sol lhes aparece assim em seu segundo estado. Depois foi visto
o cinto escurecer ainda mais e o Sol parecer menos ardente,
e isso gradualmente até se tornar, enfim, como de um branco
brilhante; foi dito que o Sol lhes aparece assim em seu terceiro
estado. Depois disso, vi o branco brilhante andar para a esquerda
em direção à Lua do céu e unir-se à sua luz,
o que fez então resplandecer a Lua muito além de seu brilho; foi
dito que esse era o quarto estado para os que estão no reino
celeste e o primeiro estado para os que estão no reino
espiritual; e que as mudanças de estado em um e outro
reino alternam assim as voltas, não porém no todo, mas nas
sociedades, uma depois da outra; e que essas voltas são regulares,
mas sobrevêm mais lentamente ou mais rapidamente sem que os anjos
o saibam. Além disso, eles disseram que o Sol em si mesmo não
é mudado assim nem caminha assim; contudo, aparece dessa forma segundo
as progressões sucessivas dos estados neles, porque o Senhor aparece
a cada um segundo a qualidade de seu estado, por
conseguinte ardente para eles quando estão na intensidade do amor,
menos ardente, e finalmente de um branco brilhante quando o amor
diminui. A qualidade de seu estado foi representada por esse cinto
escuro que dava ao sol essas variações aparentes quanto à chama
e quanto à luz. ashtar-sheran.org
(160)
Quando os anjos estão no último estado, que existe quanto estão
em seu próprio, eles começam a ficar tristes. Conversei com eles
quando se achavam nesse estado e vi a sua tristeza; mas eles
me diziam que tinham esperança de voltar em breve ao seu
primeiro estado e, assim, de novo ao céu, porque o céu para eles
é ser desviado do próprio.
(161)
Há mudanças de estado também nos infernos, mas dessas coisas
se falará a respeito quando se tratar do inferno.
(19)
DO TEMPO NO CÉU
(162)
Posto que todas as coisa se sucedem e progridem no céu como
no mundo, a verdade é que os anjos não têm noção nem idéia
alguma do tempo e do espaço. E até ignoram completamente
o que é o tempo e o que é o espaço. Do tempo
no céu se tratará agora, e mais tarde se falará
do espaço, em um capítulo especial.
(163)
Os anjos não sabem o que é o tempo, embora todas as coisas andem
em progressões sucessivas como no mundo, com tanta semelhança que não
há diferença alguma. Isto porque no céu não há anos nem dias,
mas há mudanças de estado. Ora, onde há anos e dias,
há tempos; e onde há mudanças de estado, há estados.
(164)
Se há tempos no mundo é porque o sol aparentemente anda
sucessivamente de um grau a outro e faz os tempos que são
chamados estações do ano. E, além disso, ele aparentemente anda
ao redor da terra e faz os tempos que são chamados partes
dos dias, e tanto uns como outros por voltas regulares. Não se dá
o mesmo com o Sol do céu; ele não faz anos nem dias por progressões
e circunvoluções sucessivas, mas faz em aparência mudanças
de estado. E essas mudanças ele não as faz por períodos
regulares, como foi mostrado no capítulo precedente. Daí é que
os anjos não podem ter idéia alguma do tempo mas, em vez disso,
eles têm a idéia de estado. O que é o estado vê-se
no n.º 154.
(165)
Como os anjos não têm idéia alguma tirada do tempo, como têm
os homens no mundo, eles não têm, por conseguinte, idéia alguma
relativa ao tempo e às coisas que pertencem ao tempo e até
não conhecem as coisas que são próprias do tempo, como o ano,
o mês, o dia, a hora, hoje, amanhã e ontem. Quando
os anjos ouvem do homem tais coisas (pois há sempre anjos
adjuntos ao homem pelo Senhor), em vez dessas divisões do tempo
eles percebem estados e coisas que dizem respeito ao estado. Assim,
a idéia natural do homem é mudada em uma idéia espiritual
nos anjos. Daí vem que os tempos, na Palavra, significam estados
e que as coisas que são próprias do tempo, tais como
as divisões acima mencionadas, significam os espirituais que lhes
correspondem.
(166)
Dá-se o mesmo com todas as coisas que existem pelo tempo, como
as quatro estações do ano, denominadas primavera, verão, outono
e inverno; as quatro partes do dia, chamadas manhã, meio dia,
tarde e noite; as quatro idades do homem, que se chamam
infância, adolescência, virilidade e velhice; e todas as outras
coisas que, ou existem pelo tempo, ou se sucedem segundo
o tempo. O homem pensa segundo o tempo quando pensa nessas
coisas, mas o anjo pensa segundo o estado; por isso, o que
há nelas segundo o tempo do homem, se muda em idéia
do estado no anjo; a primavera e a manhã mudam-se
na idéia de um estado de amor e de sabedoria, quais são
o amor e a sabedoria no primeiro estado dos anjos; o verão e o
meio dia são mudados em idéia de amor e sabedoria, quais eles
são no segundo estado dos anjos; o outono e a tarde são mudados
quais eles são no terceiro estado; o inverno e a noite são
mudados em idéia de um estado qual existe no inferno. Daí vem
que semelhantes coisas são significadas por esses tempos na Palavra (ver
n.º 155). Vê-se claramente, por esse modo, como os naturais, que estão
no pensamento do homem, se tornam espirituais nos anjos que
estão no homem.
(167)
Como os anjos não têm noção alguma do tempo, eles têm
da eternidade uma idéia diversa da dos homens da terra. Por
eternidade os anjos percebem um estado infinito e não
um tempo infinito. Um dia, eu pensava sobre a eternidade e,
pela idéia do tempo, pude perceber o que era a eternidade
(in aeternum), isto é, que era sem fim, mas não o que era
de toda a eternidade (ab aeterno), nem por conseguinte
o que Deus antes da criação tinha feito de toda
a eternidade. Como daí resultasse ansiedade para mim, fui elevado
na esfera do céu e na percepção em que estão os anjos sobre
a eternidade e vi, então, claramente, que se deve pensar sobre
a eternidade não segundo o tempo, mas segundo o estado,
e que então se percebe o que é de toda a eternidade;
é também o que eu próprio percebi.
(168)
Os anjos que conversam com os homens nunca falam pelas idéias naturais,
próprias do homem, as quais se derivam todas do tempo,
do espaço, do material e das coisas que lhes são análogas, mas
se exprimem pelas idéias espirituais, que se derivam todas dos
estados e das diversas mudanças do estado dentro e fora dos
anjos. Todavia, quando as idéias angélicas, que são espirituais, influem
nos homens, elas se mudam por si próprias em idéias naturais
próprias dos homens, inteiramente correspondentes às espirituais. Que isso
se faça assim, os anjos não sabem e tampouco os homens. Tal
é também todo influxo do céu no homem. Havia anjos que tinham
sido admitidos mais perto em meus pensamentos, e até em meus
pensamentos naturais, em que havia muitas coisas provenientes
do tempo e do espaço, mas, como eles então não compreendessem coisa
alguma, logo se retiraram; e, depois que se retiraram, os ouvi
falar e dizer que eles tinham estado nas trevas.
[2] Foi-me dado saber por experiências qual é a ignorância dos anjos a respeito do tempo. Havia um habitante do céu que era tal que podia também ser introduzido nas idéias naturais como as do homem. Quando, pois, percebi isso, conversei com ele como um homem com outro homem. A princípio ele não soube o que era aquilo que eu chamava de tempo; por isso, fui obrigado a informar-lhe que o sol parece girar ao redor de nossa terra, fazendo os anos e os dias; como também que os anos são constituídos por quatro estações e por meses e semanas; e, ainda, que os dias têm vinte e quatro horas. Informei-lhe que esses tempos se efetuam por voltas regulares e que é por essas voltas que há tempos. Quando ele ouviu estas explicações, ficou admirado e disse-me que ignorava tais coisas; mas sabia o que eram os estados. Enquanto conversava com ele, eu lhe disse também que no mundo se sabia que não há tempo no céu; os homens falam, com efeito, como tendo ciência disso, pois dizem dos que morrem que “eles deixam as coisas temporais” e que “saem do tempo” e, por esse modo, eles compreendem o que é sair do mundo. Disse-lhe também que havia alguns homens que sabiam que os tempos em sua origem são estados, pois que são conformes aos estados das afeições em que eles se acham; estados curtos para os que se acham em estado de prazer e de alegria; estados longos para os que se acham em estado de desgosto e de tristeza; e estados variáveis para os que se encontram em estado de esperança e de expectativa...
(169)
O homem natural pode crer que não haveria pensamento algum se as idéias
de tempo, de espaço e das coisas materiais lhe fossem tiradas,
porque é sobre essas idéias que se funda todo o pensamento do homem.
Mas ele deve saber que os pensamentos são tanto mais finitos
e reduzidos quanto mais participarem do tempo, do espaço e
do material, e tanto mais vastos e amplos quanto menos
participarem deles, porque a mente é tanto mais elevada quanto mais
está acima das coisas corporais e mundanas. É daí que os anjos
possuem a sabedoria, e sabedoria tal que se diz incompreensível,
porque não entram nas idéias de tempo, de espaço e das coisas
naturais.
(20)
DOS REPRESENTATIVOS
E DAS APARÊNCIAS NO CÉU
(170)
O homem que pensa unicamente segundo a luz natural não pode compreender
que haja no céu alguma coisa semelhante ao que existe no mundo,
e isso porque pela luz natural ele pensou e se confirmou
no pensamento de que os anjos são apenas mentes, e que
as mentes são como sopros etéreos. Sendo assim, os anjos não têm
os sentidos que os homens possuem, por conseguinte não têm olhos e,
se não têm olhos, no céu também não há objetos. Mas
a verdade é que os anjos têm todos os sentidos que
o homem possui e os têm até muito mais apurados; e até
a luz em que vêem os objetos é muito mais brilhante que
a luz pela qual os homens vêem neste mundo. Que os anjos sejam
homens na forma perfeita e gozem de todos os sentidos,
vê-se nos números 73 a 77, e que no céu a luz seja mais brilhante
que no mundo, vê-se nos números 126 a 132.
(171)
É impossível descrever em poucas palavras quais são as coisas que
aparecem aos anjos nos céus. Elas são, na maior parte, semelhantes
às que existem na terra mas, quanto à forma, são mais perfeitas
e em maior número do que na terra. Que haja tais coisas nos céus
é o que é evidente pelas coisas que foram vistas pelos profetas, como
as que foram vistas por Ezequiel a respeito do novo templo e
da nova terra, descritas nos capítulos 40 a 48 de seu livro, como
as que foram vistas por Daniel, descritas nos capítulos 7 a 12,
e como as que foram vistas por João e descritas em todos
os capítulos do Apocalipse. Além dessas, outros as viram e
as descreveram nos livros históricos e proféticos da Palavra.
Essas coisas foram vistas por eles quando os céus lhes foram abertos, e
os céus são abertos para a vista interior, que é a vista
do espírito do homem. As coisas que estão nos céus não podem ser
vistas pelos olhos do corpo do homem, mas podem sê-lo pelos olhos
do espírito. Quando apraz ao Senhor, os olhos do espírito
são abertos e o homem é retirado da luz natural em que está
pelos sentidos do corpo e elevado à luz espiritual em que
está por seu espírito. Foi nessa luz que me foram mostradas as coisas
que estão nos céus.
(172)
Mas as coisas que aparecem nos céus, posto que na maior parte sejam
semelhantes às que estão na terra, não são semelhantes quanto
à essência. Porque as coisas que estão nos céus existem pelo Sol
do céu e as que estão na terra existem pelo sol do mundo.
As que existem pelo Sol do céu são ditas espirituais e as que
existem pelo sol do mundo são ditas naturais.
(173)
As coisas que existem nos céus não existem do mesmo modo que as que
existem nas terras. No céu, todas as coisas existem pelo Senhor, segundo
as correspondências pelos interiores dos anjos. As coisas que estão
em seus interiores referem-se todas ao amor e à fé, assim
à vontade e ao entendimento, porque a vontade e o
entendimento são seus receptáculos. Os anjos têm interiores
e exteriores. Que os exteriores correspondem aos interiores vê-se nos
números 87 a 115. Pode-se ilustrar isso pelo que se disse acima sobre
o calor e a luz do céu, porque os anjos têm o calor
segundo a qualidade de seu amor e têm a luz segundo
a qualidade de sua sabedoria (ver os números 128 a 135).
Dá-se o mesmo com todas as outras coisas que aparecem diante dos
sentidos dos anjos.
(174)
Quando me foi permitido estar em associação com os anjos,
vi as coisas que estão no céu do mesmo modo como vejo
as coisas que estão no mundo, e as vi tão claramente que não
podia deixar de crer que eu estava no mundo e na corte
de um rei. Conversei com os anjos como um homem conversa com
outro homem.
(175)
Como todas as coisas que correspondem aos interiores também
o representam, é por isso que elas se chamam “representativos”.
Como variam conforme o estado dos interiores dos anjos, é por isso
que elas se chamam “aparências”. Contudo, as coisas que aparecem
diante dos olhos dos anjos nos céus, e são percebidas por seus sentidos,
aparecem e são percebidas com uma aparência e com uma percepção tão
vivas como as que estão na terra são vistas e percebidas pelo
homem, e até com muito mais clareza e percepção. As aparências,
que, nos céus, procedem dessa origem chamam-se “aparências reais”, porque
elas existem realmente. Há também “aparências não reais”, que são
coisas que aparecem mas não correspondem aos interiores. Delas falar-se-á
depois.
(176)
Para mostrar aquilo que aparece aos anjos nos céus, segundo
as correspondências, gostaria de dar aqui só um exemplo. Diante
dos que estão na inteligência aparecem jardins e parques cheios
de árvores e flores de toda a espécie. As árvores ali
são plantadas em uma ordem belíssima, combinadas de modo a formarem,
com galhos entrelaçados, avenidas e passeios cobertos, tudo isso com
beleza tal, que não há palavras para descrevê-la. Os que estão
na inteligência passeiam por tais lugares, colhem flores e fazem
grinaldas com que enfeitam as crianças. Há também nos jardins
espécies de árvores e de flores que nunca foram vistas no mundo
nem existem aqui. Nas árvores existem frutos segundo o bem do amor
no qual estão os inteligentes. Estes vêem tais coisas porque
o jardim e o paraíso, e também as árvores frutíferas e as flores,
correspondem à inteligência e à sabedoria. Que haja nos céus tais
coisas é conhecido na terra, mas somente pelos que estão no bem
e por aqueles em quem a luz do céu não foi apagada pela luz
natural e pelas ilusões dessa luz.
(21)
DAS VESTIMENTAS
COM QUE OS ANJOS
APARECEM VESTIDOS
(177)
Como os anjos são homens e vivem entre si como vivem
os homens da terra entre si, por isso eles têm vestimentas,
domicílios e muitas outras coisas semelhantes, com a diferença
de que, para eles, todas essas coisas são mais perfeitas, porque
se acham em um estado mais perfeito. Porque, do mesmo modo que
a sabedoria angélica excede a sabedoria humana em um grau tal
que se diz inefável, do mesmo modo acontece também a todas
as coisas que são percebidas pelos anjos e que lhes aparecem, pois
todas as coisas que os anjos percebem e que lhes aparecem
correspondem à sua sabedoria (ver n.º 173).
(178)
As vestimentas que os anjos usam correspondem [aos seus interiores],
do mesmo modo que todo o resto; e, porque correspondem, elas existem
também realmente (ver n.º 175). Suas vestimentas correspondem à sua
inteligência. É por isso que todos, nos céus, aparecem vestidos segundo
a inteligência. E como um excede ao outro
em inteligência (nºs 43 e 128), é evidente que
as vestimentas de um são melhores do que as do outro;
os mais inteligentes têm vestimentas irradiantes como chama e outros
há que as possuem resplandecentes de luz; os que são menos
inteligentes têm vestimentas deslumbrantes e brancura sem lustre; e
os que são menos inteligentes ainda têm vestimentas de diversas
cores. Os anjos do céu íntima, entretanto, são nus.
(179)
Como as vestimentas dos anjos correspondem à inteligência
de cada um, elas também correspondem à verdade, pois toda
inteligência procede da Divina Verdade. Por isso, dizer que os anjos
são vestidos segundo a inteligência ou dizer que são vestidos segundo
a Divina Verdade é a mesma coisa. Que as vestimentas de uns
irradiam como se viessem da chama e as de outros resplandecem
como se viessem da luz, é porque a chama corresponde
ao bem e a luz corresponde à verdade segundo o bem.
Se outros têm vestimentas brilhantes e brancas sem esplendor
e outros ainda as têm de diversas cores, é porque
o Divino Bem e a Divina Verdade brilham menos e são também
recebidos diversamente entre os que são menos inteligentes. O branco
cintilante e o branco sem brilho correspondem também à verdade, e
as cores correspondem às variedades da verdade. Os anjos
são nus no céu íntimo, porque eles estão na inocência e a
inocência corresponde à nudez.
(180)
Como os anjos se vestem no céu, é por isso que os que
foram vistos no mundo apareceram também vestidos, como por exemplo,
os que apareceram aos profetas e também os que foram vistos
no sepulcro do Senhor: as vestes deles eram cintilantes
e brancas (Mateus 28:3; Marcos 16:5; Lucas 24:4 e João 20:13). Também
eram de linho e brancas as descritas por João no Apocalipse
(4:4 e 19:4). Visto que é da Divina Verdade que procede
a inteligência, as vestimentas do Senhor, quando Ele
Se transfigurou, eram resplandecentes e brilhantes como a luz
(Mateus 17:2; Marcos 9:3 e Lucas 9:29). Que a luz seja a Divina
verdade procedente do Senhor é o que se vê no n.º 129. Daí
vem que “vestimentas” na Palavra significam verdades e, segundo
as verdades, a inteligência, como em João:
“As pessoas que não poluíram suas vestimentas andarão de branco comigo, porque são dignas; quem vencer será vestido de vestimentas brancas” (Apocalipse 3:4 e 5).
E a respeito de Jerusalém, pela qual se entende a Igreja que está na verdade, em Isaías 52:1:
“Desperta, reveste-te da tua força, ó Sião; põe as vestes da tua dignidade, ó Jerusalém”.
(181)
Que as vestes dos anjos não aprecem somente como vestimentas, mas que
sejam realmente vestuários, isso é evidente, pois que não somente eles
as vêem como também as sentem no tato, e também porque eles
têm muitos vestuários, e os despem e tornam a vesti-los, guardam
os de que não fazem uso e os vestem de novo, desde que devam
usá-los. Que eles trajam vestimentas diferentes é o que vi mil vezes.
Perguntei-lhes de onde vinham as vestes e eles me disseram
que vinham do Senhor; que elas lhes eram dadas e que às vezes
elas lhes eram vestidas sem que o percebessem. Disseram-me, também, que
suas vestimentas são mudadas: no primeiro e no segundo estado elas
são resplandecentes e brilhantes, e no terceiro e quarto estados
são um pouco mais obscuras. Disseram também que isso é segundo
as correspondências, porque há neles mudanças de estado quanto
à inteligência e à sabedoria. Ver a respeito das mudanças
de estado os números 154 a 161 (Capítulo 17).
(182)
Como cada um no mundo espiritual tem vestimentas segundo
a inteligência, assim, segundo as verdades de onde provém
a inteligência, os que estão nos infernos, não tendo verdades,
aparecem também cobertos de vestimentas, mas rasgadas, sujas
e pretas, cada um segundo a sua loucura, e não podem vestir
outras. O Senhor concede-lhes estarem vestidos para que não apareçam nus.
(22)
DAS HABITAÇÕES
E DAS MORADIAS DOS ANJOS
(183)
Como no céu há sociedades em que os anjos vivem como
homens, por isso eles têm habitações, e estas são diferentes conforme
o estado de vida de cada um: magnífica para os que
se acham em um estado mais digno e menos magníficas para
os que se acham em um estado inferior. Por várias vezes, falei
com os anjos a respeito das habitações que existem no céu
e lhes dizia que hoje é difícil encontrar alguém que possa crer que
os anjos tenham habitações e moradias: uns porque não as vêem;
outros porque não sabem que os anjos são homens; e outros porque
pensam que o céu angélico é o céu que eles vêem com seus olhos e,
como tal céu parece vazio, concluem que os anjos vivem no éter. Além
disso, eles não concebem que haja, no mundo espiritual, coisas que sejam
iguais às do mundo natural, pois não têm noção alguma do que
é espiritual. Os anjos responderam-me que eles sabiam que uma tal
ignorância reina hoje no mundo e que aquilo de que mais
se admiravam era o fato de tal ignorância reinar principalmente
dentro da Igreja e, aí, muito mais nos inteligentes do que nos que são
chamados simples. Eles acrescentaram que se podia saber pela Palavra que
os anjos são homens, porquanto os que foram vistos o foram como
homens; que o mesmo se deu com o Senhor, que levou com Ele todo
o Seu Humano. E porque os anjos são homens, eles têm moradas
e habitações; e, contrariamente à opinião ignorante de alguns
homens, eles não voam no ar nem são sopros, embora sejam chamados
espíritos. É possível conceber-se isso, contanto que se pense
independentemente dos princípios que se formaram erroneamente a respeito
dos anjos e dos espíritos...
(184)
Mas é melhor apresentar os ensinos da experiência. Todas
as vezes que falei com os anjos face a face, eu estava com
eles em seus habitáculos. Seus habitáculos são inteiramente como
na terra as habitações que se chamam casas, contudo são mais
belas. Nelas há um grande número de salas, gabinetes e quartos
de dormir; há pátios e, ao redor, jardins, canteiros
e prados. Onde os anjos foram consociados, os prédios são
contíguos, um perto do outro, dispostos em forma de cidade,
com praças, ruas e mercados, absolutamente à semelhança das cidades
em nosso mundo. Foi-me permitido percorrê-las, examiná-las em todos
os sentidos e, às vezes, entrar nas casas. Isso se deu
em plena vigília, quando minha vista interior tinha sido aberta.
(185)
Vi palácios no céu que eram tão magníficos que não podem ser descritos;
no alto eles brilhavam como se fossem de ouro puro,
em baixo como se fossem de pedra preciosa; esses palácios eram
um mais esplêndido que o outro. Por dentro sucedia a mesma
coisa: os aposentos eram ornados de tal sorte, que nem expressões nem
artes bastam para descrevê-los. No lado que dava para o sul, havia
jardins paradisíacos, onde tudo igualmente resplandecia; e, em certos
lugares, as folhas eram como prata e os frutos como ouro; e
as flores nos canteiros por suas cores apresentavam-se como íris. Nas
extremidades dos jardins, viam-se novamente palácios onde a vista
se perdia. Os monumentos arquitetônicos do céu são tais que
se diria que a arte de lá é a verdadeira arte. Isto não
deve causar admiração, porque a verdadeira arte procede do céu.
Os anjos dizem que estas coisas, e outras inumeráveis ainda mais
perfeitas, são postas pelo Senhor diante de seus olhos e que alegram
mais as suas mentes do que os seus olhos; e isso porque
em cada uma eles vêem correspondências e, pelas correspondências, coisas
divinas.
(186)
Quanto às correspondências, os anjos me informaram também que
não só os palácios e as casas, mas também todas as coisas
em geral e em particular, dentro e fora dos palácios
e casas, correspondem aos interiores que estão pelo Senhor dentro deles.
A casa mesma, em geral, corresponde ao bem deles; tudo
o que está dentro das casas corresponde às diferentes coisas
de que se compõe o bem, e tudo o que está fora das
casas corresponde às verdades que procedem do bem, bem como
às percepções e aos conhecimentos. E como a casa
e suas dependências correspondem aos bens e às verdades que estão
neles pelo Senhor, segue-se que elas correspondem ao seu amor e, por
conseguinte, à sua sabedoria e à sua inteligência, porque o amor
pertence ao bem, a sabedoria pertence ao bem e à verdade,
e a inteligência pertence à verdade do bem. Como tais são
as coisas que os anjos percebem quando olham tais objetos, é por
isso que os objetos deleitam e afetam mais suas mentes do que
seus olhos.
(187)
De tudo isso fica evidente porque o Senhor Se chamou o Templo
que estava em Jerusalém (João 2:19 e 21), bem como porque a Nova
Jerusalém foi vista de ouro puro, tendo suas portas de pérolas
e seus fundamentos de pedras preciosas (Apocalipse 21). O Templo
representa o Divino Humano do Senhor e a Nova Jerusalém
significa a igreja que devia ser instaurada depois. As doze portas
de pérola significam as verdades que conduzem ao bem, e
os fundamentos de pedras preciosas significam as verdades em que
ela está fundada.
(188)
Os anjos de que se compõe o reino celestial do Senhor
habitam normalmente em lugares elevadíssimos, que aparecem como montanhas
formadas de húmus. Os anjos de que se compõe o reino
espiritual do Senhor habitam em lugares menos elevados, que aparecem
como colinas. Mas os anjos que estão nas partes mais baixas do céu
habitam em lugares que aparecem como lajes de pedra. Essas coisas
existem segundo a correspondência. Com efeito, os interiores correspondem
aos superiores e os exteriores aos inferiores; é daí que,
na Palavra, as montanhas significam o amor celeste,
as colinas significam o amor espiritual e as pedras significam
a fé.
(189)
Há também anjos que não vivem consociados, mas separados casa a casa.
Estes habitam no meio do céu, porque são os melhores dos anjos.
(190)
As casas em que os anjos habitam não são construídas como
as casas no mundo, mas lhes são dadas gratuitamente pelo Senhor,
a cada um segundo a recepção do bem e da verdade.
Essas casas também variam um pouco segundo as mudanças de estado
dos interiores dos anjos (ver os números 154 a 160). Tudo aquilo que
os anjos possuem, eles dizem tê-lo recebido do Senhor e tudo
de que carecem lhes é dado gratuitamente.
(23)
DO ESPAÇO NO CÉU
(191)
Ainda que no céu tudo apareça absolutamente como no mundo, em um
lugar e em um espaço, contudo os anjos não têm noção alguma nem idéia
alguma de lugar nem de espaço. Como isso parece um paradoxo, vou
trazer à luz este assunto, porque ele é de grande importância.
(192)
Todas as progressões no mundo espiritual se fazem por mudanças
de estado dos interiores, de sorte que as progressões são apenas
mudanças de estado. É também por esse modo que fui conduzido pelo
Senhor aos céus e também às terras que estão no Universo,
e isso quanto ao espírito, ficando o corpo no mesmo lugar.
Assim se movem todos os anjos. Daí, não há distância para eles
nem também espaços, mas, em vez das distâncias e dos espaços,
há estados e mudanças de estados.
(193)
Como as mudanças de lugar se fazem assim, é evidente que
as aproximações são semelhanças quanto ao estado dos interiores e
os afastamentos são dessemelhanças. Daí, os que se acham
em um estado semelhante estão perto uns dos outros, e os que
se acham em um estado dessemelhante estão afastados uns dos outros.
Os espaços no céu são apenas estados externos que correspondem
a estados internos. Não é de outro modo que os céus entre
si são distintos, bem como as sociedades de cada céu e cada
um em sua sociedade. Daí vem também que os infernos foram
inteiramente separados dos céus, porque eles se acham em um estado
oposto.
(194)
É por essa mesma razão que, no mundo espiritual, um está presente
diante de um outro desde que deseje com intensidade a sua presença,
porque assim ele o vê pelo pensamento e se põe em seu estado; e,
vice-versa, um é afastado do outro conforme tem aversão por ele. E,
como toda aversão vem da contrariedade das afeições e da dissensão
dos pensamentos, disso resulta que muitos que lá estão em um mesmo
lugar são visíveis uns aos outros enquanto estiverem de acordo, mas não
se vêem mais desde o instante em que são de sentimento
oposto.
(195)
Quando, também, alguém vai de um a outro lugar, quer seja em sua
cidade,,, ou a outros lugares fora da sua sociedade, ele chega mais
cedo se assim o deseja e mais tarde quando não o deseja;
o próprio caminho, posto que seja o mesmo, aumenta ou diminui
conforme o desejo. É o que vi muitas vezes e fiquei
admirado. Daí, é ainda evidente que as distâncias e, por conseguinte,
os espaços são absolutamente segundo os estados dos interiores dos
anjos e que, sendo assim, eles não têm a noção e idéia
do espaço...
(196)
Isso pode ser esclarecido pelos próprios pensamentos do homem, porque para
seus pensamentos não há espaço, visto que as coisas para
as quais o homem dirige com intensidade o pensamento lhe são
como presentes. Quem reflete percebe que, para sua vista, não há espaços,
exceto se reflete nos intermediários ou se, ao refletir, coloca
os objetos à distância. Dá-se isso porque há continuidade e
no contínuo o distante somente se manifesta pelas coisas que não
são contínuas. Com mais forte razão isso acontece nos anjos, porque sua vista
faz um com seu pensamento e o pensamento faz um com
a afeição, e os objetos próximos e afastados aparecem
e também variam segundo os estados de seus interiores, como
se disse acima.
(197)
Daí é que, na Palavra, os lugares e os espaços, e tudo
que tira alguma coisa do espaço, significam coisas análogas que pertencem
ao estado. Tais são, por exemplo, as distâncias, o perto,
o longe, os caminhos, as marchas, as viagens,
as milhas, os estádios, os campos, as campinas,
os jardins, as cidades, as praças, os movimentos,
as medidas de diversos gêneros, o longo, o largo, o alto
e o profundo, e uma infinidade de outras coisas, porque
a maior parte das que, no homem, vêm do mundo a seu
pensamento tiram alguma idéia do espaço e do tempo. Vou expor
unicamente o que, na Palavra, significam o comprimento,
a largura e a altura. No mundo, chama-se comprido e largo
o que é comprido e largo segundo o espaço; o mesmo
se dá com o alto; mas no céu, onde não se pensa segundo
o espaço, pelo comprimento se entende o estado do bem, pela
largura o estado da verdade, e pela altura a diferença
desses estados segundo os graus (ver n.º 38). Se tais coisas são
entendidas por essas três dimensões é porque o comprido, no céu,
é do oriente ao ocidente e aí residem os que estão
no bem do amor; o largo, no céu, é do norte
ao sul e aí residem os que estão na verdade pelo bem (ver
n.º 148); e o alto, no céu, é um e outro segundo os graus.
Por isso é que, na Palavra, o comprimento, a largura
e a altura têm tais significações, como em Ezequiel, desde
o capítulo 40 até o capítulo 48, onde, pelas medidas indicadas
se descrevem o Novo Templo e a Nova Terra, com os adros,
quartos, portas, entradas, janelas e dependência, pelos quais
é significada a Nova Igreja e também os bens
e verdades que ela encerra. se assim não fosse, para que serviriam
todas essas medidas ? A Nova Jerusalém é igualmente descrita
no Apocalipse por essas palavras:
“A cidade é quadrangular e seu comprimento igual à sua largura; e ele mediu a cidade, com a cana, até doze mil estádios; e são o comprimento, a largura e a altura iguais” (21:16).
Aqui, a Nova Jerusalém significa a Nova Igreja e as medidas são significadas pelas coisas que pertencem à Igreja. Pelo “comprimento” é significado o bem de seu amor; pela “largura” é significada a verdade segundo esse bem; pela “altura”, o bem e a verdade quanto aos graus; pelos “doze mil estádios”, todo o bem e toda a verdade no complexo. Com efeito, que poderia ser um altura de doze mil estádios igual ao comprimento e à largura ? Que, na Palavra, a largura significa a verdade, isso é evidente em David:
“E não me entregaste nas mãos do inimigo; puseste os meus pés em um lugar largo” (Salmo 31:8);
“Invoquei o Senhor na angústia; o Senhor me ouviu e me pôs em um lugar largo” (Salmo 118:5);
além de outras passagens como Isaías 8:8, Habacuque 1:6 e muitas outras.
(198)
De tudo isso, pode ver-se que, no céu, ainda que haja espaços como no mundo,
contudo nada lá é estimado segundo os estados. É por isso que
os espaços não podem ser medidos como no mundo, mas são vistos
unicamente pelo estado e segundo o estado dos interiores dos que ali
estão.
(199)
A causa principal é que o Senhor está presente em cada
um segundo o amor e a fé, e todas as coisas aparecem
perto ou longe segundo Sua presença, porque é daí que foram
determinadas todas as coisas que estão nos céus. É também por isso
que os anjos têm sabedoria, pois é por esse fato que existe a extensão
dos pensamentos e a comunicação de todas as coisas que estão nos
céus. Em uma palavra, é por isso que eles têm a faculdade
de pensar espiritualmente e não naturalmente como os homens.
(24)
DA FORMA DO CÉU SEGUNDO
A QUAL SE FAZEM AS CONSOCIAÇÕES
E AS COMUNICAÇÕES
(200)
A forma do céu foi mostrada nos capítulos precedentes como, por exemplo,
que o céu é semelhante a si mesmo nos máximos e nos mínimos
(n.º 72); que assim cada sociedade é o céu na menor forma e cada
anjo o é na mínima forma (nºs 51 a 58); que, como todo
o céu representa um só homem, assim também toda sociedade do céu
representa um homem na menor forma, e cada anjo representa
na mínima forma (nºs 59 a 77); que no meio habitam os que
são sapientíssimos e ao redor, até os limites, os que são menos
sábios; e que o mesmo sucede em cada sociedade (n 43); que
do oriente ao ocidente no céu habitam os que estão
no bem do amor, e do sul ao norte habitam os que estão
nas verdades do bem; e que o mesmo sucede em toda sociedade
(nºs 148 e 149). Todas essas coisas são segundo a forma do céu.
Por elas pode-se, pois, concluir qual é sua forma no geral.
(201)
É da maior importância saber qual é a forma da céu, pois que não
somente todos os anjos foram consociados segundo ela, mas também
é por ela que se faz toda comunicação. Como toda comunicação
se faz segundo essa forma, é também por ela que se faz toda
propagação dos pensamentos e das afeições; daí existe toda inteligência
e toda sabedoria dos anjos. Por conseguinte, quanto mais alguém está
na forma do céu, tanto mais é sábio. Quer se diga
na forma do céu ou na ordem do céu, isso significa
a mesma coisa, porque a forma de cada coisa provém da ordem
e é segundo a ordem.
(202)
Aqui se dirá, em primeiro lugar, o que é estar
na forma do céu. O homem foi criado à imagem do céu
e à imagem do mundo; seu interno foi criado à imagem do céu
e seu externo à imagem do mundo (ver n.º 57); quer se diga
“à imagem” ou “segundo a forma” é a mesma coisa. Como,
porém, o homem, pelos males de sua vontade e, por conseguinte, pelos
falsos de seu pensamento, destruiu em si mesmo a imagem
do céu, por conseguinte a forma do céu, e pôs em lugar
dela uma imagem e uma forma do inferno, daí resulta que seu interno,
desde o primeiro nascimento, foi fechado. Eis o que faz o homem
nascer em completa ignorância, coisa que não se dá com
os animais de todo gênero. Ora, para que a imagem ou
a forma do céu seja restaurada nele é necessário que ele seja
instruído nas coisas que pertencem à ordem, porque a forma
é segundo a ordem, como foi dito. A Palavra contém todas
as leis da Ordem Divina, porque as leis da Ordem Divina são
os preceitos que ela encerra. Assim, quanto mais o homem conhecer
esses preceitos e viver segundo eles, mais seu interno está aberto e
aí é, de novo, formada a ordem ou a imagem do céu.
Assim se vê o que é estar na forma do céu, isto é, que
é viver segundo os preceitos que estão na Palavra.
(203)
Quanto mais alguém está na forma do céu, tanto mais está no céu
e, por conseguinte, mais ele é o céu na mínima forma (n.º 57), e assim
mais está na inteligência e na sabedoria, porque, como foi dito, todo
pensamento que pertence ao seu entendimento e toda afeição que
pertence à sua vontade se estendem de todos os lados
no céu segundo a sua forma e se comunicam de modo
maravilhoso com as sociedades que lá estão e estas
reciprocamente se comunicam com o portador dos pensamentos
e afeições. Há pessoas que crêem que os pensamentos e
as afeições não se propagam ao redor, mas estão dentro delas,
isso porque o que elas pensam elas o vêem interiormente em si
e não fora delas. Mas é um engano, porque como a vista dos olhos
tem uma extensão para os objetos afastados e é afetada segundo
a ordem das coisas que ela vê nessa extensão, do mesmo modo também
a vista interior do homem, que pertence ao entendimento, tem uma
extensão no mundo espiritual, posto que o homem não perceba isso...
Há somente esta diferença: a vista dos olhos é afetada
naturalmente, enquanto a vista do entendimento é afetada espiritualmente,
porque ela é afetada pelas coisas que estão no mundo espiritual,
as quais se referem ao bem e à verdade. Se o homem não
sabe que sucede assim, é porque ele não sabe que existe uma luz que
esclarece o entendimento; e, no entanto, sem ela é absolutamente
impossível ao homem pensar. A respeito dessa luz, ver os números
126 a 132. Havia um espírito que acreditava pensar por
si próprio, isto é, sem propagação de sua parte e sem
comunicação com as sociedades que estavam fora dele. Para que ele soubesse
que estava errado, a comunicação com as sociedades mais próximas lhe
foi tirada. Então, ele ficou privado do pensamento e caiu como
inanimado, embora agitasse os braços como um recém-nascido. Depois
de certo tempo, a comunicação lhe foi restituída, ele tornou
a pensar novamente. Outros espíritos que viram essa prova confessaram
depois que todo pensamento e toda afeição influem segundo
a comunicação. Como assim sucede a todo pensamento e a toda
afeição, do mesmo modo sucede com tudo o que pertence à vida,
pois o todo da vida do homem consiste em que ele pode
pensar e ser movido pela afeição ou, o que é a mesma coisa,
consiste no que ele pode compreender e querer.
(204)
Mas é bom saber que em cada um a inteligência e a sabedoria
variam conforme a comunicação. Para aqueles cuja inteligência e cuja
sabedoria foram formados por verdades e por bens genuínos
há comunicação com as sociedades segundo a forma do céu.
Para aqueles cuja inteligência e cuja sabedoria não foram formadas
de verdades e bens genuínos... há uma comunicação rota, porque
tal comunicação não existe com as sociedades na série em que
está a forma do céu... A propagação está em relação com
a quantidade de sua confirmação. Cumpre, ainda, saber que essa
comunicação com as sociedades não é uma comunicação com elas
ao ponto de haver percepção manifesta daqueles que as compõem,
mas é uma comunicação com a qualidade em que eles estão
e que procede deles.
(205)
No céu, todos foram consociados segundo as afinidades espirituais que,
em sua ordem, pertencem ao bem e à verdade. Sucede o mesmo
em todo o céu, assim em cada sociedade e também
em cada casa. É daí que os anjos que estão em um semelhante
bem e em uma semelhante verdade se conhecem como consangüíneos
e afins nas terras, absolutamente e do mesmo modo como se se
conhecessem desde a infância. Os bens e as verdades que
constituem a sabedoria e a inteligência em cada anjo foram
igualmente consociados. Eles se conhecem igualmente e, do mesmo modo
que se conhecem, também se unem. Aqueles, pois, em quem as verdades
e os bens foram unidos segundo a forma do céu vêem
as conseqüências em série e, ao longe, como elas
se concatenam ao redor. Não se dá o mesmo com aqueles
em que os bens e as verdades não foram unidos segundo
a forma do céu.
(206)
Tal é a forma em cada um dos céus segundo a qual
há para os anjos comunicação e propagação dos pensamentos
e das afeições. Assim é também por ela que eles têm
a inteligência e a sabedoria. Mas a comunicação de um céu
com outro é diferente, a saber, do terceiro ou íntimo com
o segundo ou médio, e de um e de outro com o primeiro
ou último. Contudo, a comunicação entre os céus deve ser chamada
não comunicação mas influxo, do qual se vai agora dizer alguma coisa.
Que haja três céus e que eles sejam distintos entre si é o que
se vê em um capítulo especial (nºs 29 a 40).
(207)
Que não haja comunicação entre um céu e outro, mas influxo, é o
que se pode ver pela situação dos céus, entre si: o céu terceiro
ou íntimo está em cima, o céu segundo ou médio está por
baixo, e o céu primeiro ou último está ainda mais baixo.
Em igual ordem estão todas as sociedades de cada céu; por
exemplo, as que estão nos lugares elevados que aparecem como montanhas
(n.º 188). em seus cumes habitam os que s o do céu íntimo;
por baixo deles as sociedades que são do segundo céu, e ainda
por baixo destas as sociedades que são do último céu, e do mesmo
modo em toda a parte, quer nos lugares elevados quer nos lugares, não
elevados. Uma sociedade de um céu superior só tem comunicação com uma
sociedade de um céu inferior pelas correspondências (n.º 100); e a
comunicação pelas correspondências é o que se chama influxo.
(208)
Um céu é conjunto com um outro céu, ou uma sociedade de um
céu com uma sociedade de um outro céu pelo Senhor só, pelo influxo,
imediatamente e mediatamente. Imediatamente, pelo Senhor Mesmo, e mediatamente
pelos céus superiores influindo em ordem nos céus inferiores
(’). Como a conjunção dos céus por influxo é feita pelo Senhor
só, as maiores precauções são por isso tomadas para que nenhum anjo
de um céu superior dirija seus olhares para uma sociedade de um céu
inferior, e não fale com algum habitante desse céu; desde que isso sucede,
o anjo é privado de sua inteligência e de sua sabedoria.
Vai-se dizer a razão disso. Em cada anjo há três graus da vida,
como há três graus do céu. Nos que estão no céu íntimo,
o terceiro grau ou grau íntimo é aberto, mas o segundo
e o primeiro são fechados. Nos que estão no céu médio, o segundo
grau é aberto, mas o primeiro e o terceiro são fechados,
e nos que estão no último céu, o primeiro grau é aberto,
mas o segundo e o terceiro são fechados. Quando, pois, um anjo
do terceiro céu dirige os seus olhares para uma sociedade
do segundo céu e fala com alguém desse céu, o seu terceiro grau
se fecha, e logo que é fechado, esse anjo é privado
de sua sabedoria, porque no terceiro grau reside a sua
sabedoria, e ele não tem sabedoria alguma no segundo nem
no primeiro grau. É isso que se entende pelas palavras
do Senhor, em Mateus:
"Quem está no telhado, não desça para tomar o que está na sua casa; e aquele que está no campo, não volte atrás para tomar a sua roupa” (24:17, 18), e em Lucas:
“Naquele dia, quem no telhado estiver, e as suas alfaias na casa, não desça para levá-las; e quem estiver no campo não volte para trás de si. Lembrai-vos da esposa de Ló” (17:31, 32).
(209)
Não existe influxo dos céus inferiores nos céus superiores, porque isso
é contra a ordem, mas há influxos dos céus superiores nos céus
inferiores. A sabedoria dos anjos de um céu superior excede
a sabedoria dos anjos de um céu inferior, como a miríade excede
a unidade. É também por isso que os anjos de um céu
inferior não podem falar com os anjos de um céu superior. Ainda mais,
quando eles elevam os seus olhares para esse céu, eles não vêem
os anjos, e o céu destes lhes aparece como alguma coisa nebulosa acima
da cabeça. Mas os anjos de um céu superior podem ver os que
estão em um céu inferior; contudo, lhes é proibido travar conversação
com eles, sob pena de perderem a sua sabedoria, como se disse
acima.
(210)
Os pensamentos e as afeições, como também as conversações dos anjos
do céu íntimo, não são jamais percebidos no céu médio, porque eles
são por demais transcendentes. Mas, quando apraz ao Senhor, eles aparecem
como alguma coisa inflamada nos céus inferiores; e os que se realizam
no céu médio, como alguma coisa luminosa no último céu e
às vezes como uma nuvem de um branco brilhante ou de diversas
cores. Por essa nuvem, por sua ascensão, sua descida e sua forma,
conhece-se também, até certo ponto, o assunto de que eles falam.
(211)
Pode-se ver, pois, qual é a forma do céu, isto é, que no céu
íntimo ela é a mais perfeita de todas, no céu médio perfeita
também, mas em um grau inferior, e que a forma de um céu
subsiste segundo a do outro pelo influxo que procede do Senhor. Mas
qual é a comunicação pelo influxo, é o que não se pode
compreender sem que se saiba o que são os graus de altura,
e em que esses graus diferem dos graus de comprimento e
de largura; quais sejam esses graus, ver n.º 38.
(212)
Quanto ao que diz respeito à forma do céu no particular
e como ela se dirige e se propaga, é isso incompreensível
até para os anjos. Pode-se aprender alguma coisa pela forma de todas
as coisas que estão no corpo humano, examinada e perscrutada por
um homem perspicaz e sagaz, pois acima se mostrou,
em artigos especiais, que todo o céu representa um só homem
(n.ºs 59 a 72ì, e que todas as coisas que estão no homem
correspondem aos céus (n.ºs 87 a 102). Quão incompreensível
e inexplicável é tal forma, é o que é evidente somente
no geral, segundo as fibras nervosas pelas quais são ligadas todas
as partes. Os olhos não podem sequer perceber quais são essas fibras,
nem como no cérebro elas se dirigem e se espalham, porque
há nele inúmeras delas, de tal modo complicadas, que, tomadas juntas,
elas se apresentam como uma massa mole contínua; enquanto é realmente
segundo essas fibras que tudo o que pertence em geral e
em particular à vontade e ao entendimento, passa muito
distintamente aos atas. Como de novo essas fibras se entrelaçam no corpo,
vê-se pelos diversos plexos, quais os plexos cardíacos, mesentéricos
e outros, e também pelos nós chamados gânglios, nos quais entram
um grande número de fibras de todas as províncias, e
aí elas se misturam juntamente, e daí saem de outro modo
unidas para desempenhar funções, e de novo e ainda de novo; além
das coisas semelhantes em cada víscera, cada membro, cada órgão e
em cada músculo. Aquele que com um olhar sábio examinar essas fibras
e muitas outras maravilhas do corpo humano, ficará estupefacto.
E entretanto, em número muito limitado são as que os olhos
vêem; as que eles não vêem são ainda mais maravilhosas, porque elas estão
na natureza interior. Que essa forma corresponda à forma do céu,
é o que se torna muito evidente pela operação de todas
as coisas do entendimento e da vontade nessa forma
e segundo essa forma. Tudo o que o homem quer, passa
espontaneamente ao ato, e tudo o que ele pensa percorre
as fibras, desde seus princípios até seus fins, de onde resulta
o sentido. E porque ela é a forma do pensamento e
da vontade, ela é a forma da inteligência e da sabedoria.
É essa forma que corresponde à forma do céu. Por esse modo
pode-se saber que é segundo uma tal forma que se propagam todas
as afeições e todos os pensamentos dos anjos, e que eles
estão tanto mais na inteligência e na sabedoria quanto mais nessa
forma. Que essa forma do céu venha do Divino Humano do Senhor,
é o que se vê acima (n.ºs 78 a 86). Todas essas coisas foram
referidas para que se saiba também que a forma celeste é tal que
não pode jamais ser conhecida quanto às coisas gerais, e que assim
ela é incompreensível até para os anjos, como acima se disse.
(25)
DOS GOVERNOS NO CÉU
(213)
Como o céu foi repartido em sociedades, e as grandes sociedades
se compõem de algumas centenas de milhares de anjos (n.º
50), e dentro de uma sociedade todos estão realmente em um
semelhante bem, mas não em uma semelhante sabedoria (n.º 43), daí resulta
necessariamente que lá há governos, pois cumpre que a ordem seja
observada e que todas as coisas da ordem sejam guardadas. Mas
os governos nos céus são diversos: uns nas sociedades que constituem
o reino celeste do Senhor, outros nas sociedades que constituem
o reino espiritual do Senhor. Eles diferem também conforme
as funções que exerce cada sociedade. Mas, nos céus, o único governo
que há é o amor mútuo, e o governo do amor mútuo é o
governo celeste.
(214)
O governo no reino celeste do Senhor é chamado Justiça, porque
todos que lá habitam estão pelo Senhor no bem ao amor para com
o Senhor, e tudo o que se faz segundo esse bem
é denominado justo. Lá o governo pertence ao Senhor só. Ele
mesmo os conduz e os instrui nas coisas da vida.
As verdades, que são chamadas juízos, estão inscritas em seus
corações. Cada um as conhece, as percebe e as vê; por isso,
as coisas de juízo nunca são lá postas em questão, mas
as coisas de justiça que pertencem à vida. Os menos sábios
a respeito dessas coisas interrogam os mais sábios, e estes
interrogam ao Senhor e dão as respostas. Seu céu ou sua
alegria íntima é a alegria de viver justamente pelo Senhor.
(215)
O governo do reino espiritual do Senhor é chamado Juízo, porque
os desse reino estão no bem espiritual, que é o bem
da caridade para com o próximo, e esse bem, em sua
essência, é a verdade, porque a verdade pertence ao Juízo,
e o bem pertence à Justiça. Estes são também guiados pelo Senhor, mas
mediatamente (n.º 208). É por isso que eles têm prepostos em pequeno
ou em grande número, conforme a necessidade da sociedade
em que estão. Eles têm também leis, segundo as quais devem viver
entre si. Os prepostos administram tudo segundo as leis. Eles
as compreendem, porque são sábios, e, nas coisas duvidosas, eles são
esclarecidos pelo Senhor.
(216)
Como o governo pelo bem, qual existe no reino celestial
do Senhor, se chama Justiça, e como o governo pela verdade,
qual existe no reino espiritual do Senhor, se chama Juízo,
é por isso que, na Palavra, se fala de “justiça” e
de “juízo”, quando se trata do céu e da igreja; pela
“justiça” é significado o bem celeste, e pelo “juízo” bem
espiritual, bem que em sua essência é a verdade, como acima foi dito.
É isso que se compreende nas passagens seguintes: “...da paz não
haverá fim sobre o trono de Davi e sobre o reino dele, para
estabelecê-lo em juízo e justiça, desde agora até a eternidade”
- Isaías 9:7 (Aqui por Davi se entende o Senhor e por seu reino
se entende o céu, como se vê claramente nas passagens que
se seguem). “Suscitarei a Davi um Renovo justo; e reinará
rei, e inteligentemente agirá e fará juízo e justiça
na terra” - Jeremias 23:5. “Exaltado seja JEHOVAH, porque habita
no alto; enche Sião de juízo e justiça” - Isaías 33:5. (Sião
significa também o céu e a igreja). A mesma coisa
se entende por juízo e justiça nas seguintes passagens e
em outras semelhantes:
“Eu, JEHOVAH, que faço juízo e justiça na terra, porque deles Me agrado” (Jeremias 9:24).
“Desposar-te-ei a Mim eternamente, e desposar-te-ei a Mim em justiça e em juízo” (Oséias 2:19).
“JEHOVAH, nos céus está a Tua justiça como as montanhas de Deus e os Teus juízos como os abismos grandes.” (Salmo 36:5, 6)
(217)
No reino espiritual do Senhor, o governo toma diversas formas; ele
não é em uma sociedade o mesmo que em uma outra sociedade.
Há variedade segundo as funções que exercem as sociedades. Suas
funções estão em relação com as funções de todas as partes
do corpo do homem, a que correspondem, e que são variadas,
como se sabe. Porque uma é a função do coração, outra a dos
pulmões, outra a do fígado, outra a do pâncreas, outra a do baço
e outra também a de cada órgão dos sentidos. Como
as administrações dessas partes são diferentes no corpo, assim também
são diferentes as administrações das sociedades no Máximo Homem, que
é o céu, porque a essas partes correspondem as sociedades. Que
haja correspondência de todas as coisas do céu com todas
as coisas do homem é o que se vê acima, em um capítulo
especial (n.º 87 a 102). Mas todas as formas de governo
concordam nisto: que elas consideram o bem público como fim, e nesse
bem o bem de cada um; e isso se efetua porque todos
os anjos, no céu inteiro, estão sob o auspício do Senhor,
que os ama a todos e que, pelo Divino Amor, estabelece tal
ordem: que do bem comum todos recebam seu bem. Cada um mesmo recebe
o seu bem conforme ama o bem comum, porque tanto mais alguém ama
o comum, tanto mais ama os que o compõem e cada
um deles. E, como esse amor pertence ao Senhor, tanto mais ele
é amado do Senhor e recebe o bem.
(218)
De tudo isso pode-se ver quais são os prepostos, isto é, são aqueles que
estão, mais do que os outros, no amor e na sabedoria. São
aqueles que, pelo amor, querem o bem para todos e, pela sabedoria, sabem
providenciar para que o bem se faça. Os que são tais não dominam
nem mandam, mas ministram e servem, porque fazer bem aos outros por amor
do bem é servir, e providenciar para que o bem se faça
é ministrar. Também eles não se fazem maiores do que
os outros, mas menores, porque em primeiro lugar eles põem o bem
da sociedade e do próximo e em último lugar o seu bem.
O que está no primeiro lugar é maior e o que está
no último lugar é menor. Mas a verdade é que honra e glória
lhes são prestadas; eles habitam no centro das sociedades, em um
lugar mais elevado e também em magníficos palácios. Eles até aceitam
essa glória e essa honra, não para si próprios, mas para que haja
obediência, pois sabem todos que essa glória e essa honra lhes vêm
do Senhor e que é por causa disso que eles devem ser obedecidos.
É isso que se entende pelas seguintes palavras do Senhor aos
discípulos:
“Quem quiser entre vós tornar-se grande, seja esse o que vos sirva, e quem quiser entre vós tornar-se o primeiro seja vosso servo; pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mateus 20;26 a 28).
“O maior entre vós seja como o menor, e o que governa como o que serve.” (Lucas 22:26).
(219)
Um governo semelhante, em forma menor, existe também em cada casa.
Ali há um amo e criados; o amo estima os criados
e estes estimam o amo. Daí resulta que, pelo amor, eles
se servem mutuamente; o amo ensina como se deve viver e diz
o que cumpre fazer; os criados obedecem e exercem as suas
funções. Exercer um uso é para todos o prazer da vida. Daí
é evidente que o reino do Senhor é o reino dos usos. vesmirni-lide.cz
(220)
Há também governos nos infernos porque, se não houvesse governos, não
se poderia mantê-los na vinculação. Mas os governos ali são
opostos aos governos nos céus. Lá, tudo pertence ao amor de si. Cada
um quer mandar nos outros e ter supremacia. Cada um tem ódio
contra os que lhes são desfavoráveis, cada um exerce vingança contra
os outros e os trata com crueldade, porque tal é o amor
de si. Por isso, [os espíritos infernais] têm como chefes aqueles que
possuem maior malícia, e assim são obedecidos por temor. Mais tarde,
quando se tratar do inferno, se falará sobre eles.
(26)
DO CULTO
DIVINO NO CÉU
(221)
O culto Divino nos céus é semelhante ao culto Divino nas terras
quanto aos externos, mas quanto aos internos ele difere. Os anjos têm
igualmente doutrinas, prédicas e templos. As doutrinas concordam
quanto aos essenciais, mas nos céus superiores elas são de uma sabedoria
mais interior que nos céus inferiores. As prédicas são de acordo com
as doutrinas. E do mesmo modo que os anjos têm casas
e palácios (nºs 183 a 190), assim também há templos nos quais
se fazem as prédicas. Há tais coisas nos céus porque
os anjos são continuamente aperfeiçoados em sabedoria e em amor,
pois eles têm, como os homens, um entendimento e uma vontade,
e o entendimento é de natureza a poder ser continuamente
aperfeiçoado, e a vontade igualmente. O entendimento, pelas verdades
que pertencem à inteligência e a vontade pelos bens que pertencem
ao amor.
(222)
Mas o culto Divino propriamente, nos céus, consiste não em freqüentar
os templos e em ouvir prédicas, mas em viver no amor,
na caridade e na fé segundo as doutrinas. As prédicas nos
templos servem somente de meios para instruírem nas coisas da vida.
Conversei sobre este assunto com os anjos e lhes disse que,
no mundo, se crê que o culto Divino consiste somente
em freqüentar os templos, escutar prédicas, participar três ou quatro
vezes por ano do sacramento da Santa Ceia, observar as outras
cerimônias do culto segundo os estatutos da Igreja, ocupar-se
de preces e então proceder-se com devoção. Os anjos
responderam-me que tais coisas são externas e devem ser praticadas, mas não
produzem efeito algum se não procederem do interno, e que
o interno é a vida segundo os preceitos que a doutrina
ensina.
(223)
A fim de conhecer quais são as suas assembléias nos templos, foi-me
concedido, às vezes, comparecer a elas e ouvir prédicas.
O pregador fica de pé em um púlpito do lado
do oriente. Diante dele ficam sentados aqueles que, mais do que
os outros, estão na luz da sabedoria. Ao lado deles,
à direita e à esquerda, ficam os que estão em uma menor
luz. Eles se sentam dispostos em forma de círculo, de sorte
que todos estejam à vista do pregador. Aos lados, de uma
e outra parte, para onde sua vista não se estende, não há pessoa
alguma. Na porta, que dá para o oriente, à esquerda
do púlpito, acham-se de pé os que são iniciados. A ninguém
é permitido conservar-se atrás do púlpito; se alguém estiver ali
o pregador fica perturbado. Sucede o mesmo se alguém
na assembléia é de sentimento oposto; por isso é necessário que
ele volte a face para um outro lado. As prédicas são feitas com
tal sabedoria, que não é possível compará-las com as que
se fazem no mundo, porque nos céus estão na luz interior.
Os templos aparecem como construídos de pedra no reino
espiritual e como edificados de madeira no reino celeste. Isto
porque a pedra corresponde à verdade em que estão os anjos
do reino espiritual, e a madeira corresponde ao bem em que
estão os anjos do reino celeste. Os edifícios religiosos
no reino celestial não se chamam templos, mas casas de Deus.
Neste reino, os edifícios religiosos são sem magnificência, mas
no reino espiritual eles têm mais ou menos magnificência.
(224)
Conversei também com um pregador a respeito da santidade
em que estão os que ouvem as prédicas nos templos e ele
me disse que cada um tem piedade, devoção e santidade segundo
seus interiores, que pertencem ao amor e à fé, pois que neles há
a santidade mesma, porque há o Divino do Senhor; e que ele
não sabia o que era uma santidade externa sem esses internos. E, quando
refletiu no que podia ser uma santidade externa sem esses internos, ele me disse
que sem dúvida é alguma coisa que simula a santidade
na aparência externa, ou alguma coisa de artificial ou de
hipócrita, e que isso era uma espécie de fogo impuro, proveniente
do amor de si e do mundo, que excita e manifesta tal
santidade.
(225)
Todos os pregadores são do reino espiritual do Senhor
e nenhum há do reino celeste. Eles são do reino espiritual,
porque os anjos desse reino estão nas verdades pelo bem, e toda
prédica se faz pelas verdades. Não há pregador no reino celeste
porque os anjos deste reino estão no bem do amor, e por
este bem eles vêem e percebem as verdades, mas não falam sobre elas.
Mas, ainda que os anjos do reino celestial percebam e vejam
as verdades, o fato é que lá se fazem prédicas, porque por
elas são ilustrados nas verdades que eles conheceram, e são aperfeiçoados
por meio da verdade em maior número, que eles ainda não tinham
conhecido. Desde que as ouvem, eles também as reconhecem e, por
conseguinte, as percebem. As verdades que eles percebem, eles
as amam também e, vivendo segundo essas verdades, as introduzem
em sua vida. Viver segundo as verdades, dizem eles, é amar
o Senhor.
(226)
Todos os pregadores são estabelecidos pelo Senhor e estão, por isso,
com o dom de pregar. Somente a eles é permitido ensinar nos
templos. Eles são chamados pregadores e não sacerdotes. Não são chamados
sacerdotes porque o sacerdócio do céu é o reino celeste, pois
o sacerdócio significa o bem do amor para com o Senhor, bem
em que estão os desse reino, enquanto a realeza do céu
é o reino espiritual, porque a realeza significa a verdade pelo
bem, verdade em que estão os anjos desse reino (ver n.º 24).
(227)
As doutrinas segundo as quais se fazem as prédicas consideram
a vida como fim e nenhuma delas consideram a vida sem fé.
A doutrina do céu íntimo é mais repleta de sabedoria
do que a doutrina do céu médio e esta é mais repleta
de inteligência do que a doutrina do último céu.
O essencial de todas as doutrinas é reconhecer
o Divino Humano do Senhor.
(27)
DO PODER
DOS ANJOS NO CÉU
(228)
Que os anjos tenham poder é o que não podem conceber aqueles que não
têm conhecimento algum do mundo espiritual e de seu influxo
no mundo natural. Esses pensam que os anjos não podem ter poder
porque são espirituais, e de tal sorte puros e tênues que não podem
ser vistos com os olhos. Mas os que examinam interiormente
as causas das coisas são de uma opinião diferente. Estes sabem que
todo o poder que pertence ao homem vem de seu entendimento e
de sua vontade, porque sem a união dos dois ele não pode mover
a menor parte de seu corpo. O entendimento e a vontade são
o seu homem espiritual; este põe em ação o corpo e
os membros do corpo segundo sua vontade, pois o que ele pensa,
a boca e a língua o pronunciam; e o que ele quer,
o corpo o executa; ele também dá forças à vontade.
[2] A vontade e o entendimento do homem são governados pelo Senhor por meio dos anjos e dos espíritos e, porque a vontade e o entendimento são assim governados, todas as partes do corpo também o são, pois elas dependem da vontade e do entendimento. E, se quiseres acreditar, o homem não pode mesmo dar um passo sem o influxo do céu. Que assim seja é o que me foi mostrado por numerosas experiências; foi dado aos anjos o poder de movimentarem meus passos, minhas ações, minha língua e minha fala como eles quisessem e isso por um influxo em minha vontade e em meu pensamento; e experimentei que por mim próprio eu nada podia fazer. Depois, eles me disseram que cada homem é assim dirigido e que ele pode saber isto pela doutrina da igreja e pela Palavra, pois ele roga a Deus para mandar Seus anjos para guiá‑lo, dirigir seus passos, instruí‑lo e inspirar‑lhe o que ele deve pensar e o que dever dizer, apesar de ele pensar e dizer outra coisa quando pensa consigo fora da doutrina. Tais coisas foram referidas para que se saiba que poder os anjos têm sobre o homem.
(229)
Mas o poder dos anjos no mundo espiritual é tão grande que
se eu referisse tudo aquilo que vi excederia qualquer crença. Lá,
se alguma coisa resiste e se for necessário removê‑la, por ser
ela oposta à ordem Divina, eles derrubam‑na e destroem apenas
por um esforço da vontade e por um olhar. Como umas
montanhas que tinham sido invadidas por maus espíritos. Vi essas montanhas
quebradas e desabadas e, às vezes, viradas completamente, como sucede
nos terremotos. Vi, também, rochas se abrirem pelo meio até aos abismos,
e tragar os maus que estavam em cima. Vi, ainda, centenas
de milhares de maus espíritos dispersos e lançados
no inferno pelos anjos. Uma multidão nada pode contra eles, nem
artifícios, nem astúcias, nem coligações. Eles vêem tudo e dissipam tudo
em um momento. A esse respeito, há muitos pormenores descritos
no livro A BABILÔNIA DESTRUÍDA. Tal é o poder dos anjos
no mundo espiritual. Que os anjos também tenham semelhante poder no mundo
natural, quando lhes é concedido, é o que se vê na Palavra,
pois nela se lê que eles entregaram à morte exércitos inteiros
e que um só anjo propagou a peste pela qual morreram setenta mil
homens. Assim está escrito sobre esse anjo:
“O anjo estendeu sua mão sobre Jerusalém para destruí‑la. Mas, arrependendo‑se JEHOVAH de seu mal, disse ao anjo que destruía o povo: É bastante ! Agora retira a tua mão... E David via o anjo que feria o povo” (II Samuel 24:16 e 18).
É porque os anjos têm tal poder que eles são chamados Potências. No Salmo 103:20 está escrito:
“Bendizei a JEHOVAH, anjos poderosíssimos em força”.
(230)
Contudo é bom saber que os anjos não têm absolutamente poder algum
por si próprios, mas todo poder lhes vem do Senhor, e que eles
são potências tanto quanto reconheçam isso. Quem dentre eles crê ter
o poder por si mesmo se torna logo tão fraco que não pode
resistir até a um espírito mau; é o que leva os anjos a não
se atribuírem absolutamente mérito algum e, por isso, detestam todo louvor
e toda glória por qualquer ação que seja, e atribuem ao Senhor
o louvor e a glória.
(231)
É à Divina verdade procedente do Senhor que pertence todo
o poder nos céus, porque o Senhor é a Divina Verdade unida
ao Divino Bem (ver números 126 a 14O). Quanto mais os anjos
a recebem, mais eles são potências. Cada um é até sua verdade
e seu bem, pois cada um é tal qual seu entendimento e sua
vontade; e o entendimento pertence à verdade, pois tudo que
o constitui vem das verdades, e a vontade pertence ao bem, pois
tudo que a constitui vem dos bens. Com efeito, a tudo que alguém
compreende, ele dá o nome de verdade e a tudo que alguém quer,
ele dá o nome de bem; é daí que cada um é a sua verdade
e o seu bem. Assim, pois, quanto mais um anjo for a verdade pelo
Divino e o bem pelo Divino, mais ele é uma potência, porque tanto
mais o Senhor está nele. E como nenhum anjo está absolutamente
em um semelhante ou mesmo bem, nem em uma semelhante
ou mesma verdade de outro anjo, pois no céu, como no mundo,
há uma perpétua variedade, daí resulta que nenhum anjo está em um
poder semelhante àquele em que está um outro anjo. Aqueles que,
no Máximo Homem ou no céu, constituem os braços estão
no maior poder, e isso porque aqueles que habitam essa província
estão mais que todos os outros nas verdades, e o bem influi
de todo o céu em suas verdades. O poder de todo homem
se transporta também nos braços e por eles todo o corpo exerce
suas forças; daí vem que, na Palavra, os braços e as mãos
significam o poder. No céu aparece algumas vezes um braço nu,
cujo poder é tão grande que ele poderia quebrar tudo aquilo que
se encontra diante dele, mesmo que fosse uma rocha na terra.
Um dia esse braço se aproximou também de mim, e percebi que
ele podia tornar meus ossos em pó.
(232)
Que todo poder pertence à Divina Verdade que procede do Senhor,
e que quanto mais os anjos são receptáculos da Divina Verdade
procedente do Senhor, mais eles têm poder, é o que se vê acima
(número 137). Mas os anjos são receptáculos da Divina Verdade tanto
quanto são receptáculos do Divino bem, porque todo poder pertence
às verdades pelo bem, e as verdades sem o bem não têm poder
algum; e também todo poder pertence ao bem pelas verdades, e o
bem sem as verdades não tem poder algum. Pela conjunção da verdade e
do bem existe o poder. Dá‑se o mesmo com a fé e o
amor, porque ou se diga a verdade ou se diga a fé é a mesma
coisa, porque tudo o que pertence à fé é a verdade, e quer
se diga o bem ou o amor é a mesma coisa, porque todo amor
é o bem. A grandeza do poder que os anjos possuem pelas
verdades procedentes do bem foi manifestada a mim no fato
de que um mau espírito, somente ao ser olhado pelos anjos,
desfalece e não parece mais um homem e isso até que o anjo
desvie os olhos. Se o relancear dos olhos dos anjos produz tal efeito
é porque a vista dos anjos vem da luz do céu, e a luz
do céu é a Divina Verdade (ver números 126 a 132). Os olhos
correspondem às verdades procedentes do bem.
(233)
Como todo poder pertence às verdades procedentes do bem, daí decorre
que nenhum poder pertence aos falsos do mal. No inferno, todos estão
nos falsos do mal, por isso eles não têm poder algum contra a verdade
e o bem, mas será dito depois qual é o poder entre eles e qual
é o poder dos maus espíritos antes de serem lançados no inferno.
(28)
A LINGUAGEM DOS ANJOS
(234)
Os anjos entre si falam absolutamente como os homens no mundo,
e também dissertam sobre coisas diversas, como sejam coisas domésticas,
coisas do estado civil, coisas da vida moral e coisas
da vida espiritual; e não há outra diferença, exceto que eles
falam entre si com mais inteligência que os homens, porque falam mais
interiormente pelo pensamento. Foi-me concedido estar muitas vezes com eles
em sociedade e falar com eles como um amigo com outro amigo e,
às vezes, como um desconhecido com outro desconhecido. E então,
como eu me achava com eles em um estado semelhante, não sabia outra
coisa senão que eu falava com homens na terra.
(235)
A linguagem angélica, do mesmo modo que a humana, consta
de palavras. Ela é também enunciada de um modo sonoro
e ouvida sonoramente, porque os anjos têm igualmente boca, língua
e orelhas. Eles também têm uma atmosfera, na qual é articulado
o som de sua linguagem, mas essa atmosfera é espiritual,
apropriada aos anjos, que são espirituais. Os anjos também respiram em sua
atmosfera, e por meio da respiração, eles produzem palavras, como
os homens em sua atmosfera.
(236)
Há uma mesma linguagem para todos em todo o céu. Eles todos
se compreendem, seja qual for a sociedade a que pertençam, quer
esteja próxima ou afastada. Lá não se aprende a língua, mas
está gravada em cada um, porque ela decorre de sua própria afeição e
de seu próprio pensamento. O som da linguagem corresponde
à sua afeição, e as articulações do som, que são
as palavras, correspondem às idéias do pensamento que provém
da afeição; e porque a língua corresponde à afeição e
ao pensamento, ela é também espiritual, porque ela é a afeição
sonante e o pensamento falante. Quem refletir atentamente pode saber que
todo pensamento vem de uma afeição que pertence ao amor, e que
as idéias do pensamento são formas variadas em que uma afeição
comum foi repartida, pois não há absolutamente pensamento algum nem idéia
alguma sem afeição; é da afeição que eles tiram sua alma e sua vida.
Daí é que os anjos, unicamente pela linguagem, sabem qual é
um outro anjo: pelo som, qual é a sua afeição, e pelas
articulações do som, ou palavras, qual é a sua mente.
Os anjos que têm uma sabedoria maior sabem, por uma única frase
da linguagem, qual é a afeição dominante, porque é sobre essa
afeição que eles dirigem principalmente sua atenção. Que haja em cada
homem afeições variadas, é fato conhecido. Uma é a afeição
do homem quando ele está na alegria, outra quando na dor, outra
quando na clemência e na misericórdia, outra quando está na sinceridade
e na verdade, outra quando está no amor e na caridade, outra
quando no ardor ou na cólera, outra quando está na dissimulação
e no dolo, outra quando está à procura da honra e
da glória, e assim por diante. Mas uma afeição dominante ou um
amor dominante está em todas essas afeições. Por isso é que
os anjos, que têm uma grande sabedoria, ao perceberem esse amor
dominante, conhecem pela linguagem o estado interno daquele que fala. Que
isso seja assim é o que me foi permitido saber por um grande
número de experiências. Ouvi anjos que desvendavam a vida de um
outro somente por tê-lo escutado falar. Eles até me disseram que sabem
tudo o que diz respeito à vida de ou outro por algumas idéias
de seu pensamento, porque eles conhecem por esse modo seu amor reinante,
no qual tudo está encerrado em ordem, acrescentando que o livro
da vida do homem não é outra coisa.
(237)
A língua angélica nada tem de comum com as línguas humanas, exceto
com algumas palavras que soam segundo certa afeição; não, porém, com essas
palavras mesmas, mas com seu som. Mais tarde serão dados alguns pormenores
sobre este assunto. Que a língua angélica nada tenha de comum com
as línguas humanas é coisa evidente, porque os anjos não podem
enunciar uma só palavra de uma língua humana; a coisa foi
tentada, mas eles não conseguiram, porque eles só podem enunciar aquilo
que concorda absolutamente com a afeição. O que não concorda repugna
à sua vida mesma, porque a vida pertence à afeição, e é
pela afeição que eles falam. Disseram-me que a primeira língua dos homens
em nossa terra coincidia com a língua angélica, porque ela lhes vinha
do céu; e que a língua hebraica coincide com ela em alguns
pontos.
(238)
Como a linguagem dos anjos corresponde à sua afeição, que pertence
ao amor, e o amor do céu é o amor para com o Senhor
e para com o próximo (ver nºs 13 a 19), é evidente
o quanto a sua linguagem é elegante e agradável, porque ela
afeta não somente os ouvidos mas também os interiores da mente
dos que a ouvem. Havia um certo espírito duro de coração como
o qual um anjo falava; esse espírito ficou finalmente tão afetado
pela linguagem do anjo, que lhe brotaram lágrimas dos olhos, dizendo que
não podia resistir, porque era o amor que falava, e que até então
nunca tinha chorado.
(239)
A linguagem dos anjos é também repleta de sabedoria, porque ela
procede do seu pensamento interior, e o seu pensamento interior
é sabedoria, como a sua afeição interior é amor; seu amor
e sua sabedoria se unem na linguagem; daí, a sua linguagem
é tão cheia de sabedoria que eles podem com uma só palavra
exprimir o que homem não pode fazê-lo com mil. E, além disso,
as idéias de seu pensamento abrangem coisas que o homem não
apreende e que, com mais forte razão, não pode falar. É daí que
as coisas que foram ouvidas e vistas no céu se dizem
inefáveis e são das que nunca ouvido algum ouviu nem olhos viram. Que
assim suceda é o que também me foi concedido saber por experiência.
Às vezes, fui posto no estado em que estão os anjos e,
nesse estado, conversei com eles e então compreendia tudo. Mas, quando era
de novo posto em meu estado precedente e, assim, no pensamento
natural próprio do homem, e queria recompor o que eu tinha
ouvido, não podia fazê-lo, porque havia milhares de coisas que não eram
adequadas às idéias do pensamento natural e, por conseguinte,
inexprimíveis... As idéias do pensamento dos anjos, de onde
resultam as suas palavras, são também modificações da luz
do céu; e as afeições de que procedem os sons dessas
palavras são variações do calor do céu, porque a luz do céu
é a Divina verdade ou a sabedoria, e o calor do céu
é o Divino bem ou o amor (ver n.º 126 a 140), e os anjos
tiram sua afeição do Divino amor e seu pensamento da Divina
sabedoria.
(240)
Como
a linguagem dos anjos procede imediatamente de sua afeição (ver
número 236), as idéias de pensamento são as formas variadas
em que uma afeição comum foi repartida. É por isso que os anjos
podem exprimir em um minuto o que o homem não pode fazer
em meia hora, e podem também, por algumas palavras, representar o que
foi escrito em muitas páginas; é também o que me foi
provado por grande número de experiências. As idéias
do pensamento dos anjos e as palavras de sua linguagem fazem um,
como a causa eficiente e o efeito, pois o que é como causa
nas idéias do pensamento se apresenta nas palavras como efeito. Daí
vem que cada palavra encerra em si tantas coisas. Todas as partes
do pensamento e, por conseguinte, todas as partes da linguagem
dos anjos aparecem também, quando se manifestam à vista, como uma
tênue onda ou uma atmosfera propagando‑se por todos os lados,
na qual se apresentam em sua ordem coisas inúmeras que procedem
de sua sabedoria e que entram no pensamento de outrem
e o afetam. As idéias do pensamento de cada um, seja anjo
ou homem, São manifestas à vista na luz do céu, quando
apraz ao Senhor.
(241)
Os anjos que são do reino celeste
do Senhor falam do mesmo modo que os anjos que são do reino
espiritual do Senhor. Mas os anjos celestes falam por
um pensamento mais interior que os anjos espirituais. E, como os anjos
celestes estão no bem do amor para com o Senhor, eles
se exprimem segundo a sabedoria. E os anjos espirituais, por
estarem no bem da caridade para com o próximo, bem que
em sua essência é a verdade (número 215), se exprimem segundo
a inteligência, porque do bem vem a sabedoria, e da verdade
vem a inteligência. Daí, a linguagem dos anjos celestes é como
a corrente de um rio pacífico, branda e quase continua, enquanto
a linguagem dos anjos espirituais é um pouco vibratória
e separada. Além disso, a linguagem dos anjos celestes ressoa muito
com o som das vogais “u” e “o” e a linguagem dos anjos espirituais
com o som das vogais “a” e “i”. Com efeito, as vogais são para
o som, e no som está a afeição, pois como acima se disse
(número 236), o som da linguagem dos anjos corresponde
à afeição, e as articulações do som, que são as palavras,
correspondem às idéias do pensamento, que provêm da afeição.
Como as vogais pertencem não à língua, mas à elevação das
palavras na língua pelo som para diversas afeições, segundo o estado
de cada um, por isso é que na língua hebraica as vogais não
são expressas [na escrita] e são também enunciadas de diversos
modos. Daí vem que os anjos conhecem a qualidade do homem quanto
à aflição e ao amor. A linguagem dos anjos celestes
é também sem consoantes duras e raramente cai de uma consoante
sobre outra consoante, exceto pela interposição de uma palavra que
principia por uma vogal. Daí é que, na Palavra, a conjunção
aditiva “e” é tantas vezes interposta, como podem ver os que têm
a Palavra na língua hebraica, na qual está conjunção
é branda e apresenta dos dois lados [o som inicial e o
final dessa conjunção no hebraico] um som de vogal. Segundo
os vocábulos que estão na Palavra nesta língua, pode‑se também,
de um certo modo, saber se elas pertencem à classe celeste ou
à classe espiritual, por conseguinte se encerram o bem ou
a verdade. As que encerram o bem, tiram muito do “u” e do “o”
e também um pouco de “a”, enquanto as que encerram
a verdade tiram mais do “e” e do “i”. Como as afeições
se manifestam principalmente pelos sons, resulta que as palavras
também são estimadas na linguagem do homem, quando se trata
de assuntos magnos, por exemplo, do céu e de deus, nos quais
estão os sons do “u” e do “o”. Os sons da música tendem para
essas vogais quando semelhantes assuntos são expressos. Não sucede o mesmo
quando se trata de assuntos que não tem essa magnitude. É daí
que a arte musical pode exprimir os diversos gêneros
de afeições.
(242)
Há, na linguagem angélica, uma espécie
de acorde que não pode ser descrita. Esse acorde vem do fato de que
os pensamentos e as afeições de que se compõe
a linguagem se propagam e difundem segundo a forma
do céu, e a forma do céu é aquela segundo a qual todos
os anjos estão em consociação e segundo a qual se faz
toda comunicação. Que os anjos estejam em consociação segundo
a forma do céu, e que seu pensamento e suas afeições
se propagam segundo essa forma, é o que se vê acima (números 200
e 212).
(243)
Uma linguagem semelhante à que existe
no mundo espiritual foi gravada em cada homem, mas em sua parte
intelectual interior. Contudo, como essa linguagem no homem não cai
em palavras análogas à afeição, como nos anjos, o homem ignora
que ele a possua. Entretanto, é daí que o homem, quando chega
na outra vida, tem a mesma linguagem que os espíritos e
os anjos, e assim sabe falar lá sem que ninguém o ensine.
Mas sobre este assunto será dito depois.
(244)
A linguagem no céu, como já se
disse, é a mesma para todos, mas é variada por este fato, que
a linguagem dos sábios é mais interna e mais cheia
de variações das afeições e de idéias dos pensamentos.
A linguagem dos que são menos sábios é mais externa e menos
cheia, e a linguagem dos simples ainda mais externa e, por conseguinte,
consistindo em palavras cujo sentido deve ser tirado do mesmo modo
que se faz quando os homens falam entre si. Há também uma
linguagem pela face, terminando em alguma coisa de sonoro modificado
pelas idéias. Há, ainda, uma linguagem em que os representativos
do céu estão mesclados com as idéias, e também
se manifestam pelas idéias à vista. Há até uma linguagem por
gestos que correspondem às afeições e que representam coisa
semelhantes às palavras designam. Há uma linguagem pelos comuns das
afeições e pelos comuns dos pensamentos. Há uma linguagem tonante,
além de outras. vesmirnilide.cz
(245)
A linguagem dos maus espíritos e dos
espíritos infernais lhes é igualmente natural, porque ela provém
de afeições, mas de afeições más e, por conseguinte, de idéias
espúrias, a que os anjos têm completa aversão. Assim, as linguagens
do inferno são opostas às linguagens do céu. Por isso,
os maus não suportam a linguagem angélica nem os anjos
a linguagem infernal. A linguagem infernal é para os anjos
como um mau cheiro que ofende as narinas. A linguagem dos
hipócritas, que são os que podem disfarçar‑se em anjos
de luz, é, quanto às palavras, semelhante à linguagem dos anjos
mas, quanto às afeições e, por conseguinte, quanto às idéias
do pensamento, inteiramente opostas. Por isso, quando sua linguagem
é percebida como é interiormente, pelos anjos sábios, ela
é ouvida como um ranger de dentes e inspira terror.
(29)
DA LINGUAGEM
DOS ANJOS COM O HOMEM
(246)
Os anjos que falam com o homem não falam na língua deles, mas
na língua do homem e também nas outras línguas que o homem
sabe, mas não em línguas desconhecidas a esse homem. A razão
disso é que os anjos, quando falam com o homem, voltam-se para
ele e se conjungem com ele, e a conjunção do anjo com
o homem faz que um e outro estejam em um semelhante pensamento.
E come o pensamento do homem é aderente à sua memória,
e a linguagem deriva dela, daí resulta que um e outro estejam
na mesma língua. Além disso, quando um anjo ou um espírito vêm a
um homem, e por conversão conjungem-se com ele, o anjo ou
o espírito não têm consciência de saber coisa alguma além daquilo que
o homem sabe, e por conseguinte também
as línguas.[2] Conversei a este respeito com os anjos
e lhes disse que, sem dúvida, eles pensavam falar comigo em minha
língua natural, porque assim parece, quando na verdade era eu quem
falava, e não eles; e que a prova disso vinha de que
os anjos não podem pronunciar uma só palavra de uma língua
humana (ver n.º 237); e que, além disso, uma língua humana é natural,
enquanto eles são espirituais e os espirituais nada podem pronunciar
naturalmente. Eles responderam a isso que sabiam que a sua conjunção
com o homem, com quem falam, existe com seu pensamento espiritual, mas que
esse pensamento influindo em seu pensamento natural, e este estando
aderente à sua memória, resulta que a língua do homem lhes
parece como sua língua própria. Que se dá o mesmo com toda a sua
ciência, e que assim sucede porque aprouve ao Senhor que por esse
modo houvesse conjunção e como inserção do céu no homem. Mas
o estado do homem hoje é diferente, de sorte que uma tal
conjunção não existe mais com os anjos, mas se efetua com
os espíritos que não estão no céu. (3) Conversei também sobre
o mesmo assunto com espíritos, mas estes não quiseram crer que é o
homem quem fala, estando persuadidos de que são eles que falam
no homem; que o homem não sabe aquelas coisas que sabe, mas que são
eles que as sabem, e, assim, tudo o que o homem conhece vem
deles. Quis muitas vezes convencê-los de que tal não sucede, mas foi
em vão. Mais adiante, quando se tratar do mundo dos espíritos,
se dirá quais são os que se entendem por espíritos e quais
são os que se entendem por anjos.
(247)
Se os anjos e os espíritos se conjungem com o homem tão
estreitamente que outra coisa não sabem senão que aquilo que pertence
ao homem lhes pertence, tal fato vem também de haver entre
o mundo espiritual e o mundo natural no homem uma conjunção tal,
que eles são, por assim dizer, um. Ora, como o homem se separara
do céu, foi providenciado pelo Senhor a que, em cada homem,
houvesse anjos e espíritos, e que por seu intermédio o homem
fosse governado pelo Senhor. É por isso que há uma conjunção tão
estreita. Outra coisa teria sucedido se o homem não se separasse por
si próprio, porque então ele teria podido ser governado por meio
do influxo comum recebido do céu, procedente do Senhor, sem
espíritos nem anjos adjuntos a ele. Mas este assunto será tratado
especialmente mais tarde, quando se falar da conjunção do céu
com o homem.
(248)
A linguagem do anjo ou do espírito com o homem é ouvida
de um modo tão sonoro como a linguagem do homem com
o homem; mas é ouvida por ele só, e não pelos que estão
presentes. A razão é que a linguagem do anjo ou do
espírito influi primeiro no pensamento do homem e por caminho
interno em seu órgão do ouvido, e assim ela move este órgão pelo
interior, enquanto a linguagem do homem com o homem influi
primeiro no ar, e, por um caminho exterior, em seu órgão
do ouvido e o move pelo exterior. Daí é evidente que
a linguagem do anjo e do espírito com o homem é ouvida
no homem; e, porque ela move igualmente os órgãos do ouvido, ela
é ouvida igualmente de um modo sonoro. Que a linguagem
do anjo e do espírito chegue até ao ouvido pelo interior,
é o que se tornou evidente para mim, porque ela influi até
na língua e a faz vibrar ligeiramente, não por um movimento
sensível, como quando por ela o som da linguagem é articulado
em palavras pelo próprio homem.
(249)
Mas hoje é raramente permitido falar com espíritos, porquanto isto
é perigoso ('); porque então os espíritos sabem que estão
no homem, o que eles não sabem quando não falam com o homem.
Ora, os maus espíritos são tais que eles têm um ódio mortal contra
o homem, e não há nada que mais desejem com ardor do que
perdê-lo quanto à alma e ao corpo, o que acontece aos homens que
se entregaram a fantasias excessivas ao ponto de afastarem
de si os prazeres convenientes ao homem natural. Até alguns que
levam uma vide solitária ouvem às vezes espíritos falar com eles,
e sem perigo. Mas os espíritos em tais homens são por intervalos
afastados pelo Senhor, para que não saibam que estão em um homem; porque
a maior parte dos espíritos não sabe que há um outro mundo além
daquele em que estão, e por conseguinte ignora que há homens
em outra parte. É por isso que não é permitido ao homem
falar por sua vez com espíritos, porque se ele falasse, eles
o saberiam. Os que pensam muito nas coisas religiosas e que
se apegam a elas ao ponto de vê-las, por assim dizer,
interiormente em si próprios, começam também a ouvir espíritos que
lhes falam. Porque as coisas religiosas, quaisquer que sejam, quando
o homem se prende a elas por si mesmo e não
as mescla com coisas diversas em uso no mundo, penetram
no interior do homem, aí se estabelecem, apoderam-se
de todo o seu espírito, entram no mundo espiritual e põem
em movimento os espíritos que lá estão. Mas tais homens são
visionários e entusiastas, e o espírito que ouvem, seja ele qual for,
eles crêem que á o Espírito Santo, quando na verdade são espíritos
entusiastas que eles ouvem. Os espíritos que são tais vêem falsidades como
verdades, e porque assim vêem, eles se persuadem de que são
verdades e convencem também aos indivíduos em que eles influem.
E como esses espíritos tinham até principiado a persuadir males,
e seus conselhos eram recebidos com obediência, eles foram por causa disso
afastados gradualmente. Os espíritos entusiastas se distinguem dos
outros espíritos pela crença que eles são o Espírito Santo e que
o que eles dizem é Divino. Tais espíritos não fazem mal
ao homem, porque ele os honra com um culto Divino. Eu falei
algumas vezes com eles e então me foram também desvendadas
as abominações que eles tinham inculcado em seus adoradores. Eles
habitam juntos, para a esquerda, em um lugar deserto.
(250)
Falar com os anjos do céu é concedido somente aos que estão nas
verdades pelo bem, principalmente aos que reconhecem o Senhor e o
Divino em Seu Humano, porque é nesta Verdade que estão os céus,
pois, como acima se mostrou, o Senhor é o Deus do céu (n.ºs
2-6); o Divino do Senhor faz o céu (n.ºs 7-12); o Divino
do Senhor no céu é o amor para com Ele e a caridade para
com o próximo, procedente d’Ele (n.ºs 13-19) ; e todo o céu
em um só complexo representa um só Homem; igualmente, cada
sociedade do céu e cada anjo é uma perfeita forma humana,
e isso pelo Divino Humano do Senhor (n. 59-86). Daí
é evidente que somente aqueles cujos interiores foram abertos pelas
Divinas verdades até ao Senhor é que podem falar com os anjos
do céu, porque o Senhor influi no homem nessas verdades, que
estão nos interiores abertos, e quando o Senhor influi, o céu
também influi. Se as Divinas verdades abrem os interiores
do homem, é porque o homem foi criado de tal sorte que,
quanto ao homem interno, ele seja uma imagem do céu, e quanto
ao homem externo, uma imagem do mundo (n.º 57); e o homem
interno só é aberto pela Divina verdade que procede do Senhor, porque
essa verdade é a luz do céu e a vida do céu (n.ºs 126-140).
(251)
O influxo do Senhor Mesmo no homem é em sua testa, e dai
em toda a face, porque a testa do homem corresponde
ao amor e a face corresponde a todos os seus interiores
(2). O influxo dos anjos espirituais no homem é em sua cabeça,
a partir da testa e das têmporas até à parte toda sob
a qual se acha o cérebro, porque essa região da cabeça
corresponde à inteligência. O influxo dos anjos celestiais
é nessa parte da cabeça sob a qual está o cerebelo,
e que se chama occipital, a partir das orelhas circularmente até
à origem do pescoço, porque esta região corresponde à sabedoria.
Toda a linguagem dos anjos com o homem entra por essas vias
em seus pensamentos; e por esse meio percebi quais eram os anjos
que falavam comigo.
(247)
Se os anjos e os espíritos se conjungem com o homem tão
estreitamente que outra coisa não sabem senão que aquilo que pertence
ao homem lhes pertence, tal fato vem também de haver entre
o mundo espiritual e o mundo natural no homem uma conjunção tal,
que eles são, por assim dizer, um. Ora, como o homem se separara
do céu, foi providenciado pelo Senhor a que, em cada homem,
houve se anjos e espíritos, e que por seu intermédio
o homem fosse governado pelo Senhor. É por isso que há uma
conjunção tão estreita. Outra coisa teria sucedido se o homem não
se separasse por si próprio, porque então ele teria podido ser
governado por meio do influxo comum recebido do céu, procedente
do Senhor, sem espíritos nem anjos adjuntos a ele. Mas este assunto
será tratado especialmente mais tarde, quando se falar da conjunção
do céu com o homem.
(248)
A linguagem do anjo ou do espírito com o homem é ouvida
de um modo tão sonoro como a linguagem do homem com
o homem; mas é ouvida por ele só, e não pelos que estão
presentes. A razão é que a linguagem do anjo ou do
espírito influi primeiro no pensamento do homem e por caminho
interno em seu órgão do ouvido, e assim ela move este órgão pelo
interior, enquanto a linguagem do homem com o homem influi
primeiro no ar, e, por um caminho exterior, em seu órgão
do ouvido e o move pelo exterior. Daí é evidente que
a linguagem do anjo e do espírito com o homem é ouvida
no homem; e, porque ela move igualmente os órgãos do ouvido, ela
é ouvida igualmente de um modo sonoro. Que a linguagem
do anjo e do espírito chegue até ao ouvido pelo interior,
é o que se tornou evidente para mim, porque ela influi até
na língua e a faz vibrar ligeiramente, não por um movimento
sensível, como quando por ela o som da linguagem é articulado
em palavras pelo próprio homem.
(249)
Mas hoje é raramente permitido falar com espíritos, porquanto isto
é perigoso; porque então os espíritos sabem que estão no homem,
o que eles não sabem quando não falam com o homem. Ora, os maus
espíritos são tais que eles têm um ódio mortal contra o homem,
e não há nada que mais desejem com ardor do que perdê-lo quanto
à alma e ao corpo, o que acontece aos homens que
se entregaram a fantasias excessivas ao ponto de afastarem
de si os prazeres convenientes ao homem natural. Até alguns que
levam uma vida solitária ouvem às vezes espíritos falar com eles,
e sem perigo. Mas os espíritos em tais homens são por intervalos
afastados pelo Senhor, para que não saibam que estão em um homem; porque
a maior parte dos espíritos não sabe que há um outro mundo além
daquele em que estão, e por conseguinte ignora que há homens
em outra parte. É por isso que não é permitido ao homem
falar por sua vez com espíritos, porque se ele falasse, eles
o saberiam. Os que pensam muito nas coisas religiosas e que
se apegam a elas ao ponto de vê-las, por assim dizer,
interiormente em si próprios, começam também a ouvir espíritos que
lhes falam. Porque as coisas religiosas, quaisquer que sejam, quando
o homem se prende a elas por si mesmo e não
as mescla com coisas diversas em uso no mundo, penetram
no interior do homem, aí se estabelecem, apoderam-se
de todo o seu espírito, entram no mundo espiritual e põem
em movimento os espíritos que lá estão. Mas tais homens são visionários
e entusiastas, e o espírito que ouvem, seja ele qual for, eles crêem
que é o Espírito Santo, quando na verdade são espíritos entusiastas
que eles ouvem. Os espíritos que são tais vêem falsidades como verdades,
e porque assim vêem, eles se persuadem de que são verdades
e convencem também aos indivíduos em que eles influem. E como
esses espíritos tinham até principiado a persuadir males, e seus
conselhos eram recebidos com obediência, eles foram por causa disso afastados
gradualmente. Os espíritos entusiastas se distinguem dos outros
espíritos pela crença que eles são o Espírito Santo e que o que
eles dizem é Divino. Tais espíritos não fazem mal ao homem, porque
ele os honra com um culto Divino. Eu falei aluga-mas vezes com
eles e então me foram também desvendadas as abominações que eles
tinham inculcado em seus adoradores. Eles habitam juntos, para
a esquerda, em um lugar deserto.
(250)
Falar com os anjos do céu é concedido somente aos que estão nas
verdades pelo bem, principalmente aos que reconhecem o Senhor e o
Divino em Seu Humano, porque é nesta Verdade que estão os céus,
pois, como acima se mostrou, o Senhor é o Deus do céu (n.ºs
2-6); o Divino do Senhor faz o céu (n.ºs 7-12); o Divino
do Senhor no céu é o amor para com Ele e a caridade para com
o próximo, procedente d’Ele (n.ºs 13-19); e todo o céu
em um só complexo representa um só Homem; igualmente, cada
sociedade do céu e cada anjo é uma perfeita forma humana,
e isso pelo Divino Humano do Senhor (n.ºs 59-86). Daí é evidente
que somente aqueles cujos interiores foram abertos pelas Divinas verdades até
ao Senhor é que podem falar com os anjos do céu, porque
o Senhor influi no homem nessas verdades, que estão nos interiores
abertos, e quando o Senhor influi, o céu também influi.
Se as Divinas verdades abrem os interiores do homem,
é porque o homem foi criado de tal sorte que, quina-to
ao homem interno, ele seja uma imagem do céu, e quanto
ao homem externo, uma imagem do mundo (n.º 57); e o homem
interno só é aberto pela Divina verdade que procede do Senhor, porque
essa verdade é a luz do céu e a vida do céu (n.ºs 126-140).
(251)
O influxo do Senhor Mesmo no homem é em sua testa, e dai
em toda a face, porque a testa do homem corresponde
ao amor e a face corresponde a todos os seus interiores.
O influxo dos anjos espirituais no homem é em sua cabeça,
a partir da testa e das têmporas até à parte toda sob
a qual se acha o cérebro, porque essa região da cabeça
corresponde à inteligência. O influxo dos anjos celestiais
é nessa parte da cabeça sob a qual está o cerebelo,
e que se chama occipital, a partir das orelhas circularmente até
à origem do pescoço, porque esta região corresponde à sabedoria.
Toda a linguagem dos anjos com o homem entra por essas vias em seus
pensamentos; e por esse meio percebi quais eram os anjos que falavam
comigo.
(252)
Os que falam com os anjos do céu vêem também as coisas que estão
no céu, porque eles vêem pela luz do céu, na qual estão seus
interiores. Através deles, os anjos também vêem as coisas que estão
na terra, porque naqueles, o céu foi conjunto ao mundo e o
mundo foi conjunto ao céu, pois, como se disse acima (número 248),
quando os anjos se voltam para o homem, eles se conjungem
com ele de tal modo que outra coisa não sabem senão que tudo que pertence
ao homem lhes pertence, não só as coisas que dizem respeito
à sua linguagem como também as que se referem à sua vista e
ao seu ouvido. De sua parte, o homem apenas sabe que o que
influi pelos anjos lhe pertence. é em uma tal conjunção com os anjos
do céu que estiveram nesta terra os antiquíssimos, cujos tempos foram
chamados Idade de Ouro. Como esses homens reconheciam o Divino sob
uma forma humana, por conseguinte o Senhor, eles falaram com os anjos
do céu como falavam com seus semelhantes e reciprocamente,
os anjos do céu também falavam com ele como com seus semelhantes,
e neles o céu e o mundo faziam um. Mas o homem, depois
daquele tempo, afastou‑se sucessivamente do céu pelo fato de se
amar de preferência ao Senhor e de amar o mundo
de preferência ao céu. Daí, ele começou a sentir
os prazeres do amor de si e do mundo separados dos prazeres
do céu e, finalmente, a separação foi tal que ele não sabia
o que era um outro prazer. Então os interiores, que tinham sido
abertos para o céu, foram fechados, e os exteriores foram abertos
para o mundo. Ora, quando isso acontece, o homem está na luz
quanto a tudo que pertence ao mundo e está nas trevas quanto
a tudo que pertence ao céu.
(253)
A partir daqueles tempos, raras vezes
sucedeu que um homem haja falado com anjos no céu, mas alguns homens
falaram com os espíritos que não estão no céu. Com efeito,
os interiores e os exteriores do homem são de tal natureza
que estão voltados para o Senhor, como seu centro comum (número 124),
ou para o próprio homem, assim para o lado oposto ao Senhor.
Os interiores que foram voltados para o Senhor também o foram
para o céu, e os que foram voltados para o homem também
o foram para o mundo. Ora, os que foram voltados para este lado
dificilmente podem ser elevados; entretanto, eles são elevados pelo Senhor,
tanto quanto é possível, pela conversão do amor, e isto
se opera pelas verdades da Palavra.
(254)
Fui informado de que modo o Senhor
falou com os profetas, por cujo meio a Palavra foi transmitida. Ele
não falou com eles como com os antigos, por um influxo em seus
interiores, mas lhes falou por espíritos que a eles foram enviados,
espíritos que o Senhor enchia com seu aspecto e aos quais Ele
inspirava assim as palavras que eles ditavam aos profetas, de sorte
que era uma ditado e não um influxo. E como as palavras
procediam imediatamente do Senhor, todos os termos foram, por
conseguinte, cheios do Divino e contêm em si um sentido
interno; e são tais que os anjos os recebem no sentido
celeste e no sentido espiritual, enquanto os homens os percebem
no sentido natural. Assim o Senhor uniu o céu e o mundo
pela Palavra. Mostrou-me também como os espíritos foram cheios
do Divino pelo Senhor. Um espírito que o Senhor encheu
do Divino não sabe outra coisa senão que ele próprio é o Senhor
e que o que ele pronuncia é Divino, e assim até que ele
tenha acabado de falar. Depois ele percebe e reconhece que ele é
um espírito e que falou não por si próprio mas pelo Senhor. Como
tal foi o estado dos espíritos que falaram com os profetas, por isso
é que eles dizem que JEHOVAH falava e por isso também é que
os espíritos mesmos deram a si próprios o nome de JEHOVAH,
como se pode ver não somente pelos livros proféticos, mas também pelos
livros históricos da Palavra.
(255)
Para que se sabia qual a conjunção
dos anjos e dos espíritos com o homem, é ‑me permitido
referir alguns fatos dignos de nota, pelos quais este assunto pode ser
ilustrado e verificado. Quando os anjos e os espíritos
se voltam para uma pessoa, eles sabem apenas que a língua
da pessoa é a sua própria língua e que eles não têm outra; isso
procede do fato de que então eles estão na língua do homem
e não na deles, da qual nem lembrança têm. Mas, desde que eles
se afastam do homem, eles estão em sua língua angélica e espiritual
e nada mais sabem da língua do homem. A mesma coisa sucedeu‑me:
quando eu me achava em companhia dos anjos e em um estado
semelhante ao deles, eu também falava com eles na sua língua
e nada sabia da minha, da qual eu não mais tinha lembranças
alguma; mas, desde que eu cessava de estar na sociedade deles,
eu estava em minha língua. Coisa que é também digna de ser
lembrada é que, quando os anjos e os espíritos se voltam
para uma pessoa, eles podem falar com ela a qualquer distância. Eles
falaram também comigo à distância de modo tão sonoro como se estivessem
perto. Mas, quando eles se deviam do homem e falam entre si,
o homem nada ouve do que eles dizem, mesmo que sua conversação
se efetue muito perto de seus ouvido. Por este modo, se tornou
claro que toda conjunção no mundo espiritual é segundo a conversão.
Cumpre, ainda, notar que muitos espíritos juntos podem falar com uma pessoa
da parte deles algum espírito para o homem com o qual querem
falar; o espírito enviado volta‑se para o homem e eles
se voltam para o espírito e concentram assim seus pensamentos,
que são proferidos pelo espírito; o espírito então fica pensando que está
falando por si e eles também não sabem outra coisa senão que eles próprios
falam. Assim também se opera a conjunção de muitos com
um só por conversão. Posteriormente, serão dadas maiores minudências
a respeito desses espíritos emissários, que são também chamados sujeitos,
e a respeito da comunicação que se faz por eles.
(256)
Não é permitido a anjo algum nem
a espírito algum falar com um homem segundo a memória deles;
falam segundo a memória do homem, porque os anjos e
os espíritos têm, como os homens, uma memória. Se o espírito
falasse com o homem segundo sua própria memória, o homem não poderia
deixar de considerar como suas as coisas que ele então pensasse,
quando, na realidade, elas pertenceriam ao espírito; e haveria,
como reminiscência, uma coisa que o homem nunca teria ouvido
ou visto; que tal coisa ocorre é o que me foi permitido saber
por experiência. Daí se derivou entre os antigos a opinião que,
depois de alguns milhares de anos, eles tornaram a voltar com
sua vida precedente e em todos os seus atos, e também
a opinião que eles tinham voltado a ela. Eles tinham concluído isso
do fato de que às vezes lhes viera como uma reminiscência
de coisas que, entretanto, eles nunca tinham visto nem ouvido. Assim havia
sucedido porque espíritos tinham influído por sua memória nas idéias
do pensamento desses homens.
(257)
Há também espíritos denominados espíritos
naturais e corporais. Quando vêm para o homem, esses espíritos não se unem
com o seu pensamento como os outros espíritos, mas entram em seu
corpo, apoderam‑se de todos os seus sentidos, falam por sua
boca e agem por seus membros, não sabendo outra coisa senão que tudo que
pertence ao homem lhes pertence. São esses os espíritos que
se apossam do homem; mas eles foram precipitados pelo Senhor
no inferno e assim, foram completamente afastados. Daí vem que não
há mais hoje tais obsessões.
(30)
DA ESCRITA NO CÉU
(258)
Como os anjos têm uma linguagem, e a sua linguagem se compõe de palavras,
eles têm, por conseguinte, uma escrita e, pelos escritos, eles exprimem
os sentimentos de sua alma do mesmo modo como pela linguagem.
Algumas vezes foram‑me dirigidos papéis cobertos de escritos
absolutamente como papéis escritos a mão e também como papéis
impressos no mundo. Eu podia até lê‑los, mas não me foi
permitido tirar deles mais de um ou dois sentidos e isso porque
é da ordem Divina não receber a instrução do céu por escritos,
mas recebê‑la pela Palavra, pois é só pela Palavra que há comunicação
e conjunção do céu como o mundo, assim do Senhor com
o homem. Que haja aparecido também a profetas papéis escritos
do céu é o que se vê em Ezequiel 2:9 e 10:
“Como eu olhasse, eis uma mão que foi enviada a mim pelo espírito e nela um rolo de livro, que desdobrou à minha vista; estava escrito na frente e por trás”. E em João, Apocalipse 5:1.
“Vi, à direita d'Aquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e atrás, selado com sete selos”.
(259)
Que no céu haja escritos é o que foi provido pelo Senhor por causa
da Palavra, pois, em sua essência, a Palavra é a Divina
Verdade, da qual procede toda sabedoria celeste, tanto nos homens como nos
anjos. Porque ela foi ditada pelo Senhor e o que é ditado pelo Senhor
atravessa os céus, em ordem, e termina no homem. Portanto,
a Palavra foi apropriada tanto à sabedoria em que estão
os anjos como à inteligência em que estão os homens. Daí
vem que os anjos também possuem a Palavra e a lêem como
os homens na terra; dela tiram também seus doutrinais, e é por
ela que se fazem as prédicas nos céus (número 221). é a mesma
Palavra. Contudo, seu sentido natural, que é o sentido da letra para
nós, não existe no céu, mas há o sentido espiritual, que é o seu
sentido interno. No opúsculo SOBRE O CAVALO BRANCO, de que
se fala no Apocalipse, pode‑se ver qual é esse sentido.
(260)
Um dia, foi‑me enviado do céu um pequeno papel em que
tinham sido escritas somente algumas palavras em letras hebraicas, e
me foi dito que cada letra encerrava arcanos da sabedoria, e que
esses arcanos estavam nas inflexões e curvas das letras e, por
conseguinte, também nos sons. Tornou‑se‑me, assim, evidente
o que é significado por estas palavras do Senhor:
“Amém, digo‑vos que, até que passem o céu e a terra, nem um iota ou um til passarão da lei” (Mateus 5:16).
Que a Palavra seja divina até em cada um de seus acentos é conhecido na Igreja; mas onde o Divino está oculto em cada acento não se sabe ainda. Por isso, vai ser dito: No céu íntimo, a escritura consiste em diversas formas inflexas e circunflexas, e as inflexões e circunflexões são segundo a forma do céu. Os anjos exprimem por elas os arcanos de sua sabedoria e também muitas outras coisas que não podem ser enunciadas por palavras. E, o que é admirável, os anjos conhecem essa escrita sem estudo e sem mestre. Ela está gravada neles como a própria linguagem, de que se falou no número 236. é por isso que essa escrita é uma escrita celeste. Ela foi gravada neles porque toda extensão dos pensamentos e das afeições e, por conseguinte, toda comunicação da inteligência e da sabedoria dos anjos, se fazem segundo a forma do céu (número 201); daí é que sua escrita flui nesta forma. Disseram‑me que os habitantes antiqüíssimos nesta terra, antes da invenção das letras, tinham também uma escrita semelhante e que essa escrita tinha sido transferida para as letras da língua hebraica, letras que, nos tempos antigos, eram todas inflexas e não como hoje, algumas terminadas como linhas. Daí é que, na Palavra, há Divinos e arcanos do céu, mesmo em seus iotas, acentos e pontos.
(261)
Essa escrita traçada por meio de tipos de forma celeste é usada
no céu íntimo, onde habitam os que estão mais do que
os outros em sabedoria. Por esses tipos, eles exprimem
as afeições das quais os pensamentos fluem e se seguem em ordem
segundo o assunto da coisa de que se trata; daí é que
esses escritos envolvem arcanos que não podem ser esgotados pelo pensamento.
Foi‑me concedido ver também esses escritos. Mas nos céus inferiores não
há tais escritos; nestes céus, eles são semelhantes aos escritos
no mundo, com letras semelhantes. Entretanto, não são inteligíveis para
o homem, porque eles estão em língua angélica e a língua
angélica nada tem de comum com as línguas humanas (número 237), visto
que pelas vogais os anjos desses céus exprimem as afeições, pelas
consoantes exprimem as idéias do pensamento provenientes das
afeições, e pelas palavras formadas por elas exprimem o sentido
da coisa (ver números 236 e 241). Além disso, essa escrita encerra
em poucas palavras mais coisas do que o homem pode descrever
em muitas páginas. Tais escrituras também me foram mostradas.
Os anjos têm a Palavra escrita por esse modo nos céus inferiores
e escrita por meio de formas celestes no céu íntimo.
(262)
É digno de nota que os escritos nos céus dimanam naturalmente dos
pensamentos mesmos dos anjos, com tanta facilidade que é como se
o pensamento se projetasse por si mesmo; a mão, quando
escreve, não hesita em palavra alguma, porque as palavras, não
só as que eles pronunciam como as que eles escrevem, correspondem
às idéias de seus pensamentos e toda correspondência
é natural e espontânea. Nos céus também existem escritos sem
o auxílio da mão, somente por correspondência dos pensamentos, mas
tais escritos não permanecem.
(263)
Vi, também, escritos no céu compostos somente por números colocados
em ordem e em série, absolutamente como nos escritos compostos por
letras e palavras, e fui informado de que esse escrita provém
do céu intimo e de que sua escrita celeste (de que se falou
nos números 260 e 261) se fixa em números nos anjos do céu
inferior, quando o pensamento dimana em conformidade com eles. Essa
escritura numeral envolve igualmente arcanos, alguns dos quais não podem ser
percebidos pelo pensamento nem expressos por palavras, porquanto todos
os números correspondem e têm, como as palavras, uma
significação segundo a correspondência. Há, porém, uma diferença:
os números envolvem coisas gerais, e as palavras envolvem coisas
singulares. Daí resulta que a escritura numeral envolve muito mais arcanos
do que a escritura literal. Por este fato vi claramente que,
na Palavra, os números significam igualmente coisas e palavras.
Nos ARCANOS CELESTES pode‑se ver o que significam os números
simples... e os números compostos...
(264)
Aqueles que não têm conhecimento algum do céu e que não querem ter
dele outra idéia senão como de alguma coisa puramente atmosférica, onde
os anjos esvoaçam como mentes intelectuais sem os sentidos
do ouvido e da vista, não podem conceber que eles tenham uma
linguagem e uma escritura. Tais pessoas põem no material
a existência de todas as coisas, quando, entretanto,
as coisas que estão no céu existem tão realmente como as que
estão no mundo, e os anjos lá têm tudo aquilo que lhes é útil
para a vida e tudo o que é útil para a sabedoria. andele-svetla.cz
(31)
DA SABEDORIA DOS ANJOS
(265)
É difícil compreender qual é a sabedoria dos anjos do céu, porque ela
é de tal sorte acima da sabedoria humana, que entre elas não pode
haver comparação; e o que é transcendente parece não ser nada.
Há também certas coisas desconhecidas, pelas quais ela [a sabedoria
dos anjos]. Será descrita; tais coisas, antes de serem descritas, estão
no entendimento como sombras e ocultam por esse modo a coisa
como é em si. Contudo, elas são das que podem ser conhecidas e, quando são
conhecidas, pode‑se compreendê‑las, contanto que a mente
se deleite nelas, porque o deleite traz consigo a luz por
proceder do amor, e nos que amam a coisas da Divina
e Celeste Sabedoria, a luz brilha do céu e há iluminação.
(266)
Qual é a Sabedoria dos anjos, pode‑se concluir do fato
de eles estarem na luz do céu e de que a luz
do céu em sua essência é a Divina verdade ou a Divina
Sabedoria; e essa luz esclarece ao mesmo tempo a sua vista
interna, que é a da mente, e a sua vista externa, que é a
dos olhos. Que a luz do céu seja a Divina Verdade ou
a Divina Sabedoria é o que se viu acima (números 126
a 132). Os anjos também estão no calor celeste que, em sua
essência, é o Divino bem ou o Divino amor, do qual lhes vem
a afeição e o desejo de saber. Que o calor do céu seja
o Divino bem ou o Divino amor, viu‑se anteriormente (números
133 a 140). Que os anjos estejam na sabedoria a tal ponto
que eles podem ser chamados sabedorias, pode‑se concluir do fato
de que todos os seus pensamentos e todas as suas afeições
fluem segundo a forma do céu, forma que é a da Divina
Sabedoria; e porque seus interiores, que, recebem a sabedoria, foram
compostos sob essa forma. Que os pensamentos e as afeições dos anjos,
e, por conseguinte, sua inteligência e sabedoria, fluam segundo
a forma do céu, é o que se viu anteriormente (números 201
a 212). Que os anjos tenham uma sabedoria supereminente, pode‑se
também ver pelo seguinte: sua linguagem é a linguagem da sabedoria,
pois ela dimana imediata e espontaneamente do pensamento, e este
deriva‑se da afeição, de sorte que sua linguagem é uma
forma externa de pensamento segundo a afeição. Daí é que nada
há que os desvie do influxo Divino, nem alguma dessas coisas
externas que, no homem, se introduzem em sua linguagem segundo
outros pensamentos. Que a linguagem dos anjos seja a linguagem
de seu pensamento e de sua afeição, é o que se viu nos
números 234 a 245. O que contribui ainda para a supereminência
da sabedoria dos anjos é que todas as coisas que seus olhos vêem
e que seus sentidos percebem concordam com a sua sabedoria, pois que
elas são correspondências e, conseguinte, objetos da forma representativa
de coisas semelhantes que pertencem à sabedoria. Que todas
as coisas que aparecem nos céus sejam correspondências com
os interiores dos anjos, e que elas sejam representações de sua
sabedoria, é que se viu anteriormente (números 170 a 182). Além
disso, os pensamentos dos anjos não são limitados nem presos por idéias
tiradas do espaço e do tempo, como o são os pensamentos
humanos, porque os espaços e os tempos são próprios da natureza,
e os próprios da natureza desviam a mente das coisas espirituais
e tiram a extensão à vista intelectual. Que as idéias dos
anjos sejam sem tempo e sem espaço, e, por conseguinte, ilimitados
em comparação com as idéias humanas, é o que se viu antes
(números 162 a 169 e 191 a 199). Os pensamentos dos anjos
também não são dirigidos para as coisas terrestres e materiais
e não são mesclados de inquietação alguma sobre as necessidades
da vida; assim, eles não são também desviados dos prazeres
da sabedoria por essas coisas, como o são os pensamentos dos
homens no mundo, porquanto tudo é dado gratuitamente aos anjos pelo
Senhor. Eles são vestidos gratuitamente, alimentados gratuitamente, alojados
gratuitamente (números 181 a 190) e, ainda, mais, são gratificados com
prazeres e encantos, conforme recebem a sabedoria procedente
do Senhor. Estes por menores foram referidos para que se saiba
de onde vem para os anjos uma tão grande sabedoria.
(267)
Os anjos podem receber uma tão grande sabedoria porque interiores foram abertos
e a Sabedoria, do mesmo modo que toda perfeição, aumenta para
os interiores, conforme a abertura dos interiores. Em cada anjos
há três graus de vida, que correspondem aos três céus (ver números 29
a 40). Aqueles em que o primeiro grau foi aberto estão
no céu primeiro ou último; aqueles em que o segundo grau
foi aberto estão no céu segundo ou médio; e aqueles em que
o terceiro grau foi aberto estão no céu terceiro ou íntimo;
a sabedoria dos anjos nos céus está em relação com esse graus. Daí
resulta que a sabedoria dos anjos do céu íntimo excede imensamente
a sabedoria dos anjos do céu médio, e a sabedoria dos anjos
do céu médio excede imensamente a sabedoria dos anjos do último
céu (ver números 209 e 210). Há tais diferenças porque as coisas
que estão em um graus superior são singulares, e as que estão
em um grau inferior são gerais, e os gerais são os envolventes
dos singulares. Os singulares em relação aos gerais são como
os milhares e os miríades são para um. Em igual relação está
a sabedoria dos anjos de um céu superior para com a sabedoria
dos anjos de um céu inferior. Contudo, a sabedoria dos anjos
do último céu excede em uma relação semelhante a sabedoria
do homem, pois o homem está no corporal e nos sensuais
do corpo, e os sensuais corporais do homem estão no grau
íntimo. Por isso se vê que sabedoria possuem os que pensam segundo
os sentidos, isto é , os que se chamam homens sensuais,
a saber, que eles não possuem sabedoria alguma, mas estão apenas
na ciência. Não sucede o mesmo aos homens cujos pensamentos foram
elevados acima dos sensuais e, com mais forte razão, às pessoas cujos
interiores foram abertos à luz do céu.
(268)
Quanto é grande a sabedoria dos anjos pode‑se saber por isto:
no céu há comunicação de todas as coisas;
a inteligência e a sabedoria de um são comunicados a outro;
o céu é uma comunhão de todos os bens. A razão
é que o amor celeste é tal que um quer que tudo que lhe
pertence também pertença a outro. Por isso, ninguém no céu percebe
sem bem em si mesmo como bem, exceto se também estiver em um
outro; daí vem a felicidade no céu. Os anjos derivam isso
do Senhor, cujo Divino Amor tem essas características. Que haja uma tal comunicação
nos céus é também o que me foi concedido saber por experiência.
Às vezes, alguns espíritos simples eram elevados ao céu e, quando
lá estavam, também entravam na sabedoria angélica
e compreendiam, então, o que não tinham podido compreender antes,
e falavam coisas que em seu precedente estado eles não teriam podido
comunicar.
(269)
É impossível descrever por palavras qual é a sabedoria dos anjos, mas pode‑se
ilustrar este assunto por meio de algumas coisas. Os anjos podem
exprimir em uma só palavra aquilo que o homem não pode exprimir
em mil. E, além disso, há em uma só Palavra angélica coisas
inúmeras que não podem ser expressas pelas palavras de uma língua humana,
porque em cada uma das palavras que os anjos falam há uma série
contínua de arcanos de sabedoria que as ciências humanas nunca atingem.
Ainda mais, o que os anjos não podem exprimir pelas palavras
de sua linguagem eles suprem‑no pelo som, que contém a afeição
das coisas em sua ordem, pois, como foi dito anteriormente (números 236
a 241), pelos sons eles exprimem as afeições e pelas palavras
eles exprimem as idéias do pensamento, provenientes das afeições.
é daí que as coisas que são ouvidas no céu se dizem
inefáveis. Os anjos podem igualmente enunciar em poucas palavras
as coisas escritas em um volume inteiro, e encerrar em cada
palavra coisas que elevam para a sabedoria interior, porque sua linguagem
é tal que concorda com as afeições e cada palavra com
as idéias. As palavras variam de uma infinidade de modos
segundo as séries das coisas que, no complexo, estão
no pensamento. Os anjos interiores podem também, pelo som e
ao mesmo tempo pelas palavras de alguém que fala, conhecer sua vida
inteira, porque, pelo som diversificado pelas idéias nas palavras, eles
percebem sem amor reinante, no qual estão como inscritas as particularidades
de sua vida. Por tudo isso, pode ver‑se qual é a sabedoria dos
anjos: sua sabedoria está para a sabedoria humana como uma miríade está
para um; por comparação, como as forças motoras do corpo inteiro, que
são inúmeras, estão a ação que procede delas, a qual diante
do sentido humano parece ser uma coisa só... Queria ilustrar este assunto
com um exemplo: um anjo descreveu, segundo a sua sabedoria,
a regeneração. Ele expôs em sua ordem, até a centenas,
os arcanos que lhe dizem respeito, e encheu cada arcano de idéias
em que estavam arcanos mais internos, e isso desde o começo até
o fim, pois ele expôs de que modo o homem espiritual é
de novo concebido, de que modo ele é como levado num útero, como
nasce, cresce e sucessivamente é aperfeiçoado. Ele disse que teria
podido aumentar até milhares o número de arcanos; e o que ele
havia dito dizia somente respeito à regeneração do homem externo,
e que incomparavelmente seriam mais numerosos os arcanos relativos
à regeneração do homem interno. Por estas coisa e muitas outras
semelhantes que ouvi dos anjos, vi claramente quanto é grande
a sabedoria e, respectivamente, quanto é grande a ignorância
do homem, que mal sabe o que é regeneração e não distingue
momento algum da progressão enquanto é regenerado.
(270)
Agora se falará da sabedoria dos anjos do terceiro céu
ou céu íntimo e se mostrará quanto ela excede a sabedoria dos
anjos do primeiro ou último céu. A sabedoria dos anjos
do terceiro céu ou céu íntimo é incompreensível, mesmo para
os que estão no último céu. E é assim porque os interiores
dos anjos do terceiro céu foram abertos ao terceiro grau, enquanto
os interiores dos anjos do primeiro céu foram abertos apenas
ao primeiro grau, e porque toda a sabedoria cresce para os interiores
e é aperfeiçoada segundo a abertura dos interiores (números 208
e 267). Os interiores dos anjos do terceiro céu ou céu
íntimo tendo sido abertos ao terceiro grau, as verdades Divinas são
em conseqüência como inscritas neles, porque os interiores do terceiro
grau estão, mais do que os interiores do segundo e
do primeiro graus, na forma do céu, e há forma do céu
segundo a Divina verdade, assim segundo a Divina sabedoria. Daí
é que as Divinas verdades se manifestam nesses anjos como inscritas
ou como gravadas e inatas. é por isso que, desde que esses anjos
ouvem verdades Divinas, logo as reconhecem e as percebem,
e depois eles as vêem, por assim dizer, interiormente em si
mesmos. Como tais são os anjos desse céu, eles nunca raciocinam sobre
as verdades Divinas, ainda menos discutem para saberem se são
verdadeiras ou não, ou sobre a fé, pois dizem: “Que é a fé,
desde que percebo e vejo que a coisa é assim ?” Eles
esclarecem isto por comparações, a saber: como se alguém, vendo
o jardim de um amigo, com suas árvores e frutos, dissesse
ao amigo que ele deve ter fé que é um jardim com árvores
e frutos, quando, na verdade, o amigo vê tudo isso
claramente com seus olhos. Por assim pensarem, os anjos do terceiro
céu ou céu íntimo nunca nomeiam a fé e mesmo não têm idéia sobre ela.
é por isso que eles não raciocinam sobre as verdades Divinas,
e ainda menos discutem sobre alguma verdade com o objetivo
de saberem se é ou não uma verdade. Mas os anjos
do primeiro ou último céu não têm assim as Divinas verdades inscritas
em seus interiores, porque neles é somente o primeiro grau
de vida que foi aberto; por isso, eles raciocinam a respeito dessas
verdades, e os que raciocinam vêem apenas alguma coisa além do objeto
sobre o qual eles raciocinam, ou então vão além do assunto
apenas para o confirmarem. E, quando eles o confirmam, dizem que...
são artigos de fé nos quais se deve crer. Conversei sobre este
assunto com anjos, os quais me disseram que entre a sabedoria
dos anjos do terceiro céu e a sabedoria dos anjos do primeiro
céu há tanta diferença como entre o que é luminoso e o que
é escuro. Eles compararam a sabedoria dos anjos do terceiro céu
a um palácio magnífico cheio de coisas úteis, cercado de parques
por todos os lados... e disseram que esses anjos, estando nas
verdades da sabedoria, podem entrar no palácio, ver tudo lá, passear
por todos os parques e gozar de todas as coisas que
lá estão. Mas não se dá o mesmo com os que raciocinam sobre
as verdades e, com mais forte razão, com os que discutem a respeito
delas... A respeito desses, os anjos disseram‑me que eles não
podem chegar à primeira entrada do palácio da sabedoria nem
penetrar nele e passear em seus parque... Disseram‑me, ainda,
que a sabedoria dos anjos do céu íntimo consiste principalmente
em que eles vêem Divinos e celestes em cada objeto,
e coisas admiráveis em uma série de muitos objetos, porque todas
as coisas que se mostram a seus olhos são correspondências...
Que todas as coisas que aparecem nos céus correspondem às coisas
Divinas que estão pelo Senhor nos anjos foi mostrado nos números 170 a 176.
(271)
Os anjos do terceiro céu são assim porque eles estão no amor para com
o Senhor, e este amor abre no terceiro grau os interiores
que pertencem à mente e é o receptáculo de tudo o que
se refere à sabedoria. Além disso, é bom saber que os anjos
do céu íntimo são continuamente aperfeiçoados em sabedoria,
e isto por um modo diferente daquele aplicado aos anjos
do último céu. Os anjos do céu íntimo não põem as Divinas
verdades em sua memória e portanto não fazem delas uma ciência, mas,
logo que as ouvem, as percebem e as aplicam à vida.
é daí que as Divinas verdades permanecem neles como inscritas, pois
o que é aplicado à vida nela fica inscrito. Não sucede, porém,
a mesma coisa com os anjos do último céu. Estes põem primeiro
as Divinas verdades em sua memória e as encerram em uma
ciência, daí é que eles as tiram e por elas aperfeiçoam seu
entendimento; e, sem a percepção interior de que elas são verdades,
aceitam‑nas e as aplicam à vida. Daí a obscuridade
em que eles relativamente estão. Uma coisa digna de nota é que
os anjos do terceiro céu são aperfeiçoados em sabedoria pela
audição e não pela visão. O que eles ouvem pela prédica não entra
em sua memória, mas penetra imediatamente em sua percepção e em sua
vontade e se torna coisa da vida. As coisas que esses anjos vêem
por seus olhos entram em sua memória e eles raciocinam e falam
a respeito delas. Daí, vi que o caminho da audição
é para eles o caminho da sabedoria. Vem isto
da correspondência, porque o ouvido corresponde à obediência,
e esta pertence à vida; mas os olhos correspondem
à inteligência e esta pertence à doutrina. O estado dos
anjos do terceiro céu é descrito em várias passagens
da Palavra. Como exemplo, lemos em Jeremias:
“Porei Minha lei na mente deles e no coração deles a inscreverei... Não ensinará mais cada um a seu próximo e cada um a seu irmão, dizendo “Conhece a JEHOVAH”, porque quantos existirem hão de Me conhecer, desde o menor deles ao maior deles”... (31:33 e 34).
(272)
Às causas acima referidas, que permitem aos anjos receberem uma tão grande
sabedoria, acrescente‑se esta, que é até a principal
no céu: eles estão sem o amor de si; quanto mais alguém estiver
sem amor de si, tanto mais pode ter sabedoria nas coisas Divinas. é o
amor de si que fecha os interiores para o Senhor e para
o céu, e abre os exteriores e os volta para si. é por
isso que todos em quem este amor domina estão nas trevas quanto
às coisas que se referem ao céu, seja qual for a luz
em que estiverem quanto às que se referem ao mundo.
Os anjos, porém, não tendo esse amor, estão na luz da sabedoria
pois os amores celestes em que eles estão, isto é , o amor
para com o Senhor e o amor para com o próximo, abrem
os interiores, porque estes amores procedem do Senhor e neles
está o Senhor Mesmo. Que tais amores façam o céu no geral
e formem em cada um o céu no particular é o que foi
visto nos números 13 a 19. Como os amores celestes abrem
os interiores para o Senhor, é por isso que todos os anjos
voltam suas faces para o Senhor -(n. 142). Com efeito, no mundo
espiritual é o amor que volta para si os interiores de cada um;
e para o lado onde ele volta os interiores, volta a face
também, pois a face lá faz um com os interiores. Ela
é , com efeito, a forma externa dos interiores. Pelo fato de
o amor voltar para si os interiores da face, resulta também que
ele se conjunge com eles, porque o amor é a conjunção
espiritual. é segundo... essa conjunção e essa comunicação que
os anjos têm a sabedoria. Que toda conjunção no mundo espiritual
seja segundo a conversão, vê‑se no número 255.
(273)
Os anjos são continuamente aperfeiçoados em sabedoria. Mas a verdade
é que eles não podem na eternidade ser aperfeiçoados a ponto
de haver alguma relação entre sua sabedoria e a sabedoria Divina
do Senhor, porque a sabedoria Divina do Senhor é infinita,
enquanto a sabedoria dos anjos é finita, e não existe relação
entre o infinito e o finito.
(274)
Como a sabedoria aperfeiçoa os anjos e faz a sua vida,
e como o céu com seus bens influi em cada um segundo
a sabedoria de cada um, daí resulta que lá todos desejam
a sabedoria e a procuram avidamente, pouco mais ou menos como
um homem faminto deseja e procura comida. A ciência,
a inteligência e a sabedoria são também um alimento espiritual,
do mesmo modo que a comida é um alimento natural, elas até
se correspondem mutuamente.
(275)
Em um mesmo céu, e também em uma mesma sociedade do céu,
os anjos estão em uma sabedoria dessemelhante, e não em uma
sabedoria semelhante. Aqueles que estão na maior sabedoria ocupam
o meio; aqueles que estão em menor sabedoria ocupam as partes
ao redor até os limites. O decréscimo da sabedoria segundo
as distâncias a partir do meio é como o decréscimo
da luz declinando até a sombra (ver os números 43 e 128). A luz
neles também está em semelhante grau, pois a luz do céu é a
Divina sabedoria e cada um está na luz segundo recebe
a sabedoria. A respeito da luz do céu e de sua
recepção variada, vejam‑se os números 126 a 132.
(32)
DO ESTADO DE INOCÊNCIA
DOS ANJOS NO CÉU
(276)
Há poucas pessoas no mundo que sabem o que é inocência; e
os que vivem no mal se acham a esse respeito em uma
completa ignorância. é verdade que a inocência aparece diante dos
olhos e se vê pela face, pela linguagem e pelos gestos, mormente nas
crianças, porém não se sabe o que é a inocência, nem, com mais
forte razão, que nela está encerrado o céu no homem. Para que
se saiba, pois, o que ela é , vou proceder em ordem
e falar primeiro da inocência da infância e depois
da inocência da sabedoria; finalmente, falarei do estado
do céu quanto à inocência.
(277)
A inocência da infância, ou das crianças, não é a inocência
real, porque apenas está na forma externa e não na forma
interna. Contudo, pode‑se saber por ela o que é a inocência,
porque ela se manifesta claramente em sua face, em alguns
de seus gestos e em sua primeira linguagem e afeta a todos,
pois sabe‑se que as crianças não têm o pensamento interno, não
sabem ainda o que é o bem e o mal nem o que é o
verdadeiro e o falso, dos quais procede o pensamento. Daí resulta que
as crianças não têm a prudência que vem do próprio, não têm
propósito, não deliberam sobre coisa alguma, assim como não têm intenção
do mal. Elas não têm o próprio adquirido pelo amor de si e
do mundo, não se atribuem coisa alguma, tudo que recebem atribuem
a seus pais, contentam‑se com bagatelas e com as coisas
de pouca importância que lhes são dadas, põem nelas todo o seu
prazer, não reclamam sobre sua alimentação e roupa, não se preocupam
com o futuro, não têm em vista o mundo, do qual não
compreendem muitas coisas. Amam seus pais, sua ama e seus companheiros,
com os quais brincam inocentemente, deixam‑se guiar, escutam
e obedecem. E porque se acham nesse estado, recebem todas
as coisas de que necessitam. Daí lhes vêm seus modos graciosos, sua
linguagem, seu começo da memória e do pensamento, seu estado
de inocência servindo de meio para implantação de afeições
e pensamentos. Mas essa inocência é externa como se disse,
porque pertence somente ao corpo e não à mente; sua mente ainda
não foi formada, pois a mente é o entendimento e a vontade e,
por conseguinte; o pensamento e a afeição. Do céu disseram‑me
que as crianças particularmente estão sob o auspício do Senhor;
que o influxo lhes vem de seu íntimo, onde há o estado
de inocência; que o influxo chega até aos seus interiores e, chegando
aí, os afeta somente pela inocência; que assim a inocência
se manifesta em suas faces e em alguns gestos; e que ela
é que afeta intimamente os pais e produz o amor que
se chama “storge”.
(278)
A inocência da sabedoria é a inocência genuína, porque
é interna, por pertencer à mente mesma, assim à vontade mesma e,
por conseguinte, ao entendimento. E, quando na vontade e
no entendimento há a inocência, há também a sabedoria,
porque a sabedoria é da sua alçada. Daí se diz, no céu, que
a inocência habita na sabedoria e que o anjo tem tanta
sabedoria quanto inocência. Os anjos confirmam que isso é assim,
dizendo que os que se acham no estado de inocência não
atribuem a si coisa alguma do bem, mas tudo que recebem eles
o atribuem ao Senhor; que eles querem ser conduzidos por Ele
e não por si próprios; que amam tudo o que é bom
e acham prazer em tudo que é verdadeiro, porque sabem
e percebem que amar o bem, por conseguinte querer o bem
e fazê‑lo, é amar o Senhor, e amar a verdade
é amar o próximo. E, assim, vivem contentes com o que têm, quer
tenham pouco ou muito, porque sabem que recebem tanto quanto lhes convém.
Recebem pouco aqueles a quem convém pouco, e recebem muito aqueles
a quem convém muito. Eles próprios não sabem o que lhes convém, mas
esse conhecimento pertence ao Senhor Só, para quem são eternas todas
as coisa que Ele provê. Daí vem que eles não são solícitos pelo futuro.
A ansiedade pelo futuro é o que eles chamam de cuidado pelo dia
seguinte, que dizem ser a dor de perder ou de não receber coisas
que não são necessárias aos usos da vida. Eles nunca agem entre
si segundo um propósito mau, mas agem segundo o bem,
o justo e o sincero. Agir com o propósito do mal, chamam
a isso astúcia e fogem da astúcia como de um veneno
de cobra, porque é inteiramente oposta à inocência. Como nada
amam com mais ardor do que serem conduzidos pelo Senhor, e como
a Ele atribuem tudo o que recebem, eles são, por conseguinte,
afastados de seu próprio, e quanto mais afastados de seu próprio
mais o Senhor influi. Daí resulta que aquilo que eles ouvem da parte
do Senhor, quer por meio da Palavra, quer por meio de prédicas,
eles não o confiam à memória, mas obedecem imediatamente, isto
é , logo o querem e o praticam. A vontade é a sua
memória. O mais das vezes, eles aparecem simples na forma externa,
mas são sábios e prudentes na forma interna. São eles que
o Senhor designa, quando diz:
“Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas”. (Mateus 10:16).
Tal é a inocência que é chamada a inocência da sabedoria. Como a inocência não atribua a si coisa alguma do bem, mas atribui todo bem ao Senhor, e como almeja ser guiada pelo Senhor, por isso é que o homem foi criado de modo que, quando criança, esteja na inocência da ignorância, isto é , na inocência externa; porém, ao tornar‑se velho, ele tem condições de alcançar a inocência interna, vindo da inocência da ignorância para a inocência da sabedoria. é também por isso que o homem quando fica velho até diminui de corpo e se torna novamente como uma criança, mas como uma criança sábia, qual um anjo, porque um anjo é uma criança sábia, em um sentido elevado. Daí vem que, na Palavra, “a criança” significa o inocente e “o velho” significa o sábio em quem há inocência.
(279)
Sucede o mesmo com todo homem que é regenerado. A regeneração é
um renascimento quanto ao homem espiritual; este é primeiramente
introduzido na inocência da infância, que consiste em que ele
nada sabe da verdade e nada pode de bem por si mesmo, mas
somente pelo Senhor. Consiste também em ele desejar e procurar
a verdade e o bem somente porque é a verdade e o bem.
A verdade e o bem lhe são dados pelo Senhor à proporção que ele
envelhece. Primeiramente ele é introduzido, quanto ao que diz
respeito ao bem e à verdade, na ciência, depois da ciência
na inteligência e, finalmente, na sabedoria, sempre acompanhadas
da inocência, que consiste, como se disse, em que ele nada sabe
da verdade e nada pode de bem por si próprio, mas pelo
Senhor. Nisto consiste principalmente a inocência da sabedoria. andelesvetla.cz
(280)
Como a inocência consiste em ser guiado pelo Senhor e não por
si próprio, segue‑se que todos os que estão no céu estão
na inocência, pois todos os que lá estão amam ser conduzidos
pelo Senhor. Com efeito, eles sabem que guiar‑se por si mesmo não
suporta que um outro o conduza. Daí, quanto mais o anjo está
na inocência, mais ele está no céu, isto é , está no Divino
Bem e na Divina Verdade, porque estar neste Bem e nesta Verdade
é estar no céu. é por isso que os céus são distintos quanto
à inocência: os anjos do primeiro ou último céu estão
na inocência do primeiro ou êxtimo grau, os anjos
do segundo ou médio céu estão na inocência do segundo
ou médio grau, e os anjos do terceiro ou íntimo céu estão
na inocência do terceiro ou íntimo grau. Estes últimos anjos
são, as inocências mesmas do céu, pois eles, mais do que
os outros, querem ser guiados pelo Senhor, como as crianças por seu
pai. é também por isso que a Divina Verdade por eles recebida
é imediatamente aplicada em suas vidas. Daí haver para eles uma
sabedoria tão grande em comparação com a dos anjos do segundo e
do primeiro céus (ver números 270 e 271). Assim, os anjos
do terceiro céu estão mais perto do Senhor, de Quem lhes vem
a inocência, e vivem, por assim dizer, no Senhor. Eles parecem
simples na forma externa e, aos olhos dos anjos dos céus inferiores,
parecem meninos muito pequenos e até como se não tivessem muita
sabedoria, apesar de serem os mais sábios anjos do céus. Eles
sabem, com efeito, que por si mesmos não têm sabedoria alguma, e que
ser sábio é reconhecer isso. Eles sabem também que o que sabem
é como nada relativamente ao que não sabem.
(281)
Conversei com os anjos a respeito da inocência e soube que
a inocência é o ser de todo o bem e que, por isso,
o bem só é bem enquanto houver nele a inocência; por conseguinte,
a sabedoria só é sabedoria enquanto ela tirar sua origem
da inocência. O mesmo se dá com o amor, a caridade
e a fé. Daí é que ninguém pode entrar no céu se não possuir
a inocência, e que é isso o que se entende pelas
seguintes palavras do Senhor:
“Deixai as crianças vir a Mim; não as impeçais, pois delas é o reino dos céus. Em verdade vos digo: quem não receber o reino dos céus como uma criança, de maneira alguma entrará nele” (Marcos 10:14 e 15 ‑Lucas 18:16 e 17).
Aqui, pelas “crianças”, como em outras passagens da Palavra, se entendem os inocentes. O estado de inocência é também descrito pelo Senhor em Mateus 6:25 a 34, mas por puras correspondências. O bem é bem tanto quanto nele está a inocência, porque todo o bem vem do Senhor, e ser inocente é querer ser conduzido pelo Senhor. Soube também que a verdade só pode ser conjunta com o bem e o bem com a verdade por intermédio da inocência. é ainda por isso que o anjo não é anjo do céu se não houver nele inocência, porque o céu não está em pessoa alguma antes de nela estar a verdade conjunta com o bem. Daí é que a conjunção da verdade e do bem se chama casamento celeste, e o casamento celeste é o céu. Soube, ainda, que o amor verdadeiramente conjugal tira sua existência da inocência, porque a tira da conjunção do bem e da verdade em que estão as duas mentes, a saber, a do marido e a da esposa, conjunção que se apresenta sob a forma de amor conjugal, porque os esposos, assim como suas mentes, se amam mutuamente. Daí é que há, no amor conjugal, folguedos semelhantes aos da infância.
(282)
Como a inocência é o ser mesmo do bem nos anjos do céu,
é evidente que o Divino Bem que procede do Senhor é a
Inocência Mesma, porque este bem é o que influi nos anjos, afeta seu
íntimo e os dispõe a receber todo o bem do céu.
O mesmo sucede com as crianças, cujos interiores são formados não
somente pelo transfluxo da inocência procedente do Senhor, mas também
são continuamente dispostas e adaptadas a receber o bem
do amor celeste, pois o bem da inocência age pelo íntimo, porque
ele é , como se disse, o ser de todo o bem. Assim,
pode ver‑se que toda inocência vem do Senhor. é daí que
o Senhor, na Palavra, e chamado o Cordeiro, porque
o cordeiro significa a inocência. Como a inocência é o
íntimo em todo o céu, daí também resulta que ela afeta de tal
modo as mentes, que quem a sente - o que sucede
ao aproximar‑se um anjo do céu íntimo - tem
a impressão de não estar mais senhor de si. Ser afetado por ela
é como ser transportado por um prazer tal que todo prazer
do mundo parece nada ser. Se assim falo é porque assim
o percebi.
(283)
Todos os que estão no bem da inocência são afetados pela
inocência, e quanto mais alguém estiver nesse bem mais é afetado.
Ao contrário, os que não estão no bem da inocência não são
afetados por ela. Por isso, todos os que estão nos infernos são
inteiramente contra a inocência; eles até nem sabem o que é a
inocência. Sua natureza é tal que desejam causar o maior dano
possível a quem é inocente. Daí vem que eles não suportam ver
crianças; quando as vêem são abrasados por um desejo feroz
de lhes fazer mal. De tudo isto, tornou‑se evidente para mim
que o próprio do homem, isto é , o amor de si,
é contra a inocência. Todos os que estão no inferno estão
no próprio e, portanto, no amor de si.
(33)
DO ESTADO DE PAZ NO CÉU
(284)
Quem não esteve na paz do céu não pode perceber o que é a
paz em que estão os anjos. Enquanto o homem está no corpo,
ele não pode receber a paz do céu nem, por conseguinte, percebê-la,
porque a percepção do homem está no natural. Para que
o homem perceba essa paz, ele deve ser tal que possa, quanto
ao pensamento, ser elevado e desligado do corpo, estar
em espírito e, então, com os anjos. Como, por este modo, percebi
a paz do céu, posso descrevê-la, não em palavras qual ela é
em si - porque não há palavras humanas que sejam adequadas -, mas
em palavras que representam apagadamente o sossego de espírito
em que se acham os que vivem no contentamento em Deus.
(285)
Há dois íntimos no céu, a saber, a inocência e a paz. Eles
se dizem íntimos porque procedem imediatamente do Senhor. é
da inocência que procede todo o bem do céu; e é da paz
que procede todo o prazer do bem. Todo bem tem prazer; ambos - bem
e prazer - pertencem ao amor, porque o que se ama chama-se
bem e também é percebido com prazer. Daí é que esses dois
íntimos, que são a inocência e a paz, procedem do Divino Amor
e afetam os anjos pelo íntimo. Que a inocência seja
o íntimo do bem é o que se vê no capítulo precedente,
onde se tratou do estado de inocência dos anjos no céu; mas
que a paz seja o íntimo do prazer segundo o bem
da inocência é o que vai ser explicado agora.
(286)
Dir-se-á primeiramente de onde vem a paz. A Divina paz está
no Senhor e tira sua existência da união do Divino Mesmo e
do divino Humano do Senhor. O Divino da paz no céu vem
do Senhor e tira sua existência da conjunção do Senhor com
os anjos do céu e, em particular, da conjunção do bem
e da verdade em cada anjo. São essas as origens da paz. Daí
se pode ver que a paz nos céus é o Divino que lá afeta
intimamente de bem-aventurança todo bem. Assim, é dela que provém
toda a alegria do céu e ela é , em sua essência,
a Divina alegria do divino Amor do Senhor pela conjunção
do Senhor com o céu e com cada um dos que lá estão.
Essa alegria, percebida pelo Senhor nos anjos, e pelos anjos segundo
o Senhor, é a paz. Daí, por derivação, os anjos têm o da
a bem-aventurança, todo o prazer e toda a felicidade, ou
o que se chama a alegria celeste.
(287)
Como são estas as origens da paz, é por isso que o Senhor
é chamado “Príncipe da Paz” e que se diz que d'Ele vem
a paz, e que n'Ele há paz. é também por isso que
os anjos são chamados “de paz” e o céu é chamado “morada
da paz” nas passagens que se seguem:
“Um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus herói, Pai da eternidade, Príncipe da Paz, para que se aumente o seu governo e venha a paz sem fim”. (Isaías 9:6 e 7).
“Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou; não vê-la dou o mundo a dá” (João 14:27).
“Estas coisas vos falei para que em Mim tenhais paz” (João 16:33).
“O Senhor sobre ti levante o Seu rosto e te dê a paz” (Números 6:26).
“Os anjos de paz choram; devastadas foram as veredas” (Isaías 33:7 e 8).
“O efeito da justiça será a paz... e o Meu povo habitará em moradas de paz” (Isaías 32: 17 e 18).
Que seja a paz Divina e celeste que se entende pela “paz”, na Palavra, é o que se pode ver também em ouras passagens em que a paz é nomeada, como (Isaías 52:7; 54:10 e 59:8; Jeremias 16:5, 21:11 e 25:37; Ageu 11:9; Zacarias 8:12; Salmo 37:37; bem como em outras. Como a paz significa o Senhor e o céu, bem como a alegria celeste e o prazer do bem, daí veio, nos tempos antigos, e por conseguinte ainda hoje, o uso da palavra “paz” como saudação. O Senhor até o confirmou, dizendo aos discípulos:
“A paz esteja convosco” (João 20:19)...
(288)
A paz do céu... só se manifesta à percepção [dos anjos] por
um prazer do coração quando eles estão no bem de sua vida,
e por um deleite quando eles ouvem uma verdade que concorda com
o bem deles, e também por uma alegria da mente quando percebem
a conjunção dessa verdade e desse bem. Daí, ela influi em todos
os atos e em todos os pensamentos de sua vida e aí se
apresenta como alegria na forma externa. Mas a paz, quanto à sua
qualidade e quantidade, difere nos céus conforme a inocência dos que
lá estão, pois que a inocência e a paz andam com um passo
igual, porque, como acima se disse, é da inocência que procede todo
o bem do céu, e é paz que procede todo o prazer deste bem.
Assim é evidente que o que se disse do estado
de inocência nos céus, no capítulo precedente, pode também dizer-se
aqui do estado de paz, pois a inocência e a paz foram
conjuntas como o bem a seu prazer, porque o bem é sentido
por seu prazer e o prazer e conhecido por seu bem. Pois que assim
é , torna-se evidente que os anjos do céu íntimo
ou terceiro céu estão no terceiro grau ou grau íntimo
de paz, porque estão no terceiro grau ou grau íntimo
de inocência; e os anjos dos céus inferiores estão em um menor
grau de paz, porque se acham em um menor grau de inocência
(ver número 280). Que a inocência e a paz estejam juntas como
o bem e seu prazer é o que se pode ver nas crianças, que,
por se acharem na inocência, também estão na paz. E, como estão
na paz, é por isso que tudo nelas é repleto
de divertimento. Mas a paz nas crianças é uma paz externa,
enquanto a paz interna, como a inocência interna, só existe
na sabedoria. Porque a paz interna existe na sabedoria, ela também
existe na conjunção do bem e da verdade, pois é daí vem
a sabedoria. A paz celeste ou angélica existe nos homens que
estão na sabedoria pela conjunção do bem e da verdade
e que, por conseguinte, sentem contentamento em Deus...
(289)
Como a Divina paz existe pela conjunção do Senhor como o céu
e pela conjunção do bem e da verdade em cada anjo,
os anjos estão no estado de paz quando estão no estado
de amor, porque então o bem está neles conjunto à verdade. Que
o estado dos anjos sejam mudados por alternativas é o que sê vê
nos no 154 a 160. Com o homem regenerado ocorre
a mesma coisa: quando nele existe a conjunção do bem e
da verdade, o que sucede principalmente depois das tentações, ele
alcança o estado de prazer que procede da paz celeste. Esta pode
ser comparada com a manhã ou com a aurora na estação da primavera,
quando, tendo passado a noite, todas as produções da terra
ao nascer do sol começam a viver novamente, e um odor
de vegetação se propaga de todos os lados, pelo efeito
do orvalho que desce do céu... e enchem de encantos
as mentes humanas. Assim é porque a manhã ou a aurora
na estação da primavera corresponde ao estado de paz dos
anjos no céu (ver no 155).
(290)
Conversei também com os anjos a respeito da paz, dizendo-lhes
que no mundo se afirma que há paz quando cessam as guerras
e as hostilidades entre as nações e quando cessam
as inimizades e as discórdias entre os homens; e que
se crê que a paz interna é o descanso do espírito pelo
afastamento dos desassossegos e que ela é a tranqüilidade e o
prazer resultantes do êxito nos negócios. Mas os anjos
me responderam que o repouso do espírito e também
a tranqüilidade e o prazer pelo afastamento das inquietações
e pelo êxitos nos negócios parecem pertencer à paz, mas
só pertencem à paz naqueles que estão no bem celeste, porque
a paz existe unicamente neste bem, pois a paz influi do Senhor
em seu íntimo, e de seu íntimo ela desce aos seus inferiores
e produz o repouso da mente, o sossego do espírito
e a alegria que daí resulta. Mas nos que estão no mal não
há paz. Há, é verdade, como um repouso, uma tranqüilidade e
um prazer, quando as coisas saem segundo os seus desejos, mas
esse repouso é apenas externo e de forma alguma interno, porque
no interior ardem inimizades, ódios, desejos de vingança, crueldade
e grande número de cobiças más a que se entregam seus
espíritos, desde que eles vêem que alguém não lhes é favorável... Daí vem
que seu prazer habita na loucura, ao passo que o prazer dos que
estão no bem habita na sabedoria; há entre uns e outros
a diferença que existe entre o céu e o inferno.
(34)
DA CONJUNÇÃO DO CÉU
COM O GÊNERO HUMANO
(291)
Sabe-se, na Igreja, que todo bem vem de Deus e que nenhum bem
vem do homem, e que em conseqüência ninguém deve atribuir-se bem
algum como seu. E sabe-se também que o mal vem do diabo. Daí
é que os que falam segundo a doutrina da Igreja dizem dos
que agem bem, e também dos que falam e pregam com piedade, que eles
foram guiados por Deus, enquanto dizem o contrário dos que agem mal
e falam impiamente. Para que seja assim, é necessário que haja
o homem uma conjunção como o céu e uma conjunção com
o inferno e que essas conduções existam com a sua vontade
e com o seu entendimento, pois é pela vontade e com
o seu entendimento que o corpo age e que a boca fala.
Vai-se dizer agora como é essa conjunção.
(292)
Em cada homem há espíritos bons e espíritos maus. Pelos bons
espíritos o homem está em conjunções com o céu e pelos maus
espíritos o homem está em conjunção com o inferno. Esses
espíritos estão no mundo dos espíritos, que fica entre o céu e o
inferno, mundo de que se tratará particularmente mais tarde. Quando
esses espíritos vêm para os homens, eles entram em toda a sua
memória e, por conseguinte, em todo o seu pensamento;
os espíritos maus nas coisas de sua memória e de seu pensamento
que são más, e os espíritos bons nas coisas que são boas.
Os espíritos não sabem de forma alguma que eles estão no homem,
mas, quando nele estão, crêem que todas as coisas que pertencem
à memória e ao pensamento do homem são deles. Eles também não
vêem o homem, porque as coisas que estão em nosso mundo solar
não caem sob a sua vista. O Senhor provê com o maior cuidado
para que os espíritos não saibam que estão no homem, pois, se
o soubessem, eles falariam com ele, e então os espíritos maus
fariam com que ele se perdesse. Esses maus espíritos, porque estão
em conjunção com os infernos, nada mais desejam do que
a perdição do homem, não somente quanto à alma, isto é ,
quanto à fé e ao amor, mas também quanto ao corpo. Não se dá
o mesmo quando eles não falam com o homem, porque então não sabem que
o que eles pensam e o que falam entre si é do homem. Pois, ainda
que seja do homem o que eles falam entre si, eles crêem que aquilo
que estão pensando e falando lhes pertence, e cada um estima
e ama o que lhe pertence. Assim, os espíritos são por esse meio
levados a amar e a estimar o homem, apesar de não
o saberem. Que haja uma tal conjunção dos espíritos com o homem
é o que uma experiência contínua de muitos anos me deu
a conhecer, de modo tal que se me tornou mais sabido.
(293)
Os espíritos que se comunicam com o inferno são também associados
ao homem, porque o homem nasce em males de todo
o gênero, e por isso sua primeira vida se compõe somente desses
males. Se, pois, espíritos maus semelhantes ao homem não lhe fossem
associados, o homem não poderia viver e não poderia ser desviado dos
males e reformado. é por isso que ele tem uma vida má, da qual
é desviado pelos bens espíritos. Porque ele está entre os bons e
os maus, ele está em equilíbrio, e porque está no equilíbrio
também está em sua liberdade e pode ser desviado dos males
e dirigido ao bem. Assim, o bem pode ser implantado nele,
o que somente pode ser feito quando ele está em liberdade. Mostrou-se
também que a vida do homem, tanto quanto vem do hereditário e,
por conseguinte, de si mesmo, seria nula se não fosse permitido
ao homem estar no mal, e seria nula também se ele não
gozasse de liberdade. O homem não assimila o bem
constrangidamente, porque tudo o que é feito por constrangimento não
permanece. Mostrou-se ainda que o bem que o homem recebe em liberdade
é implantado em sua vontade e se torna como seu e que daí
é que o homem tem comunicação com o inferno e comunicação
com o céu.
(294)
Vai-se dizer também qual é a comunicação do céu com os bons
espíritos e qual é a comunicação do inferno com os maus
espíritos e, por conseguinte, qual é a conjunção do céu e
do inferno com o homem. Todos os espíritos que estão
no mundo dos espíritos têm comunicação com o céu ou com
o inferno, os bons com o céu e os maus o inferno.
O céu foi dividido em sociedades e o inferno também; cada
espírito pertence a alguma sociedade e subsiste pelo influxo que,
provém dela e, assim, faz um com ela... Todas as sociedades
do céu foram divididas segundo as afeições do bem e
da verdade e todas as sociedades do inferno segundo
as afeições do mal e da falsidade. Sobre as sociedades
do céu vejam-se os números 41 a 45 e 148 a 151.
(295)
Ao homem foram associados espíritos que são tais qual ele mesmo é quanto
à afeição ou quanto ao amor; mas os bons espíritos são
associados pelo Senhor, enquanto os maus espíritos são atraídos pelo
próprio homem. Contudo, os espíritos são mudados no homem segundo
as mudanças das suas afeições; por conseguinte, nele, uns são
os espíritos na primeira idade da infância, outros
na segunda idade da infância, outros na adolescência e
na mocidade e outros na velhice. Na primeira idade
da infância há, nele, espíritos que estão na inocência, isto é ,
que se comunicam com o céu da inocência, que é o céu do terceiro
grau ou céu íntimo. Na segunda idade da infância há nele
espíritos que estão na afeição do saber, isto é , que
se comunicam com o céu do primeiro grau ou último céu.
Na adolescência e na mocidade há nele espíritos que estão
na afeição da verdade e do bem e por conseguinte
na inteligência, isto é , que se comunicam com o céu médio
ou segundo céu. Enfim, na velhice há nele espíritos que estão
na sabedoria e na inocência, isto é , que se comunicam com
o céu íntimo ou terceiro céu. Contudo, essa associação é feita
pelo Senhor nos que podem ser reformados é regenerados, mas não acontece
o mesmo aos que não podem ser reformados e regenerados. Bons
espíritos foram adjuntos aos homens, a fim de que por eles sejam
desviados do mal tanto quanto possível. Entretanto, a conjunção
imediata do homem é com os maus espíritos que se comunicam
com o inferno, de sorte que os homens há espíritos tais
quais são esses homens mesmos. Se os homens amam a si próprios,
ou se amam o lucro, ou a vingança, ou o adultério, espíritos
de um caráter semelhante estão presentes e habitam, por assim dizer,
em suas afeições; e quanto mais os homens não podem ser
desviados do mal pelos bons espíritos, tanto mais os maus espíritos
aderem a eles e neles permanecem. Assim o homem mau
é associado ao inferno e o homem bom é associado
ao céu.
(296)
O homem é dirigido pelo Senhor por intermédio dos espíritos porque ele não
está na ordem do céu, pois nasce em males que pertencem
ao inferno, assim inteiramente contra a ordem Divina; é por isso
que ele deve ser reintegrado na ordem Divina mediatamente por intermédio
dos espíritos. Não sucederia assim se o homem nascesse no bem segundo
a ordem do céu; então o Senhor o dirigiria não por
espíritos, mas pela própria ordem, assim pelo influxo comum. é por esse
influxo que o homem é dirigido quanto às coisas que procedem
do pensamento e da vontade no ato, assim quanto às palavras
e às ações, porque umas e outras fluem segundo a ordem natural;
por isso os espíritos que foram associados ao homem nada têm
de comum com elas. é também pelo influxo comum procedente do mundo
espiritual que são dirigidos os animais, porque eles estão na ordem
de sua vida e não puderam pervertê-la nem destruí-la, por não terem
o racional. Quanto à diferença que há entre o homem e
os animais, ver o número 39.
(297)
Quanto ao que diretamente diz respeito à conjunção do céu com
o gênero humano, é necessário saber que o Senhor Mesmo influi
em cada homem segundo a ordem do céu, tanto em seus íntimos
como em seus últimos, e dispõe o homem a receber
o céu... Este influxo do Senhor se chama influxo imediato,
e o outro influxo, que se faz pelos espíritos, se chama influxo
mediato, e subsiste pelo influxo imediato. O influxo imediato, que é
do Senhor Mesmo, procede de Seu Divino Humano e está
na vontade do homem, e pela vontade está em seu
entendimento, assim no bem do homem, e pelo bem está em sua
verdade... Esse influxo Divino é perpétuo e é recebido no bem
que está nos bons, mas não é recebido pelos maus. Para estes
o influxo é rejeitado, ou sufocado, ou pervertido. Por
isso, os maus têm a vida má que, no sentido espiritual,
é a morte. universe-people.cz
(298)
Os espíritos que estão com o homem, quer os que estão ligados
ao céu, quer os que estão unidos ao inferno, nunca influem
no homem pela memória deles próprios, nem pelos pensamentos que dali provêm,
porque, se eles influíssem pelo pensamento deles, o homem pensaria
que aquilo que pertence a eles lhe pertenceria (ver número 256). Contudo,
é por eles que nos homens influi do céu a afeição que pertence
ao amor do bem e da verdade, e do inferno a afeição
que pertence ao amor do mal e do falso. Quanto mais
a afeição do homem concorda com a afeição que influi, tanto mais
ela é recebida por ele em seu pensamento, porque o pensamento
interior do homem é inteiramente concordante com sua afeição
ou seu amor; mas quanto mais não concorda, tanto mais não é recebida.
Daí, como não é o pensamento que é introduzido no homem pelos
espíritos, mas somente a afeição do bem ou do mal,
é evidente que o homem tem a escolha, porque ele tem
a liberdade, isto é , pode pelo pensamento receber o bem
e rejeitar o mal porque sabe pela Palavra o que é o bem
e o que é o mal, e o que ele recebe pelo pensamento segundo
a afeição lhe é apropriado, mas o que ele não recebe pelo
pensamento segundo a afeição não lhe é apropriado. Assim, pode-se ver
no homem qual é o influxo do bem pelo céu e qual é o
influxo do mal pelo inferno.
(299)
Foi-me permitido saber também de onde vem ao homem a ansiedade,
a dor do espírito e a tristeza interior que se chama
melancolia. Há espíritos que não estão ainda em conjunção com
o inferno, porque estão ainda em seu primeiro estado, dos quais
se falará quando se tratar do mundo dos espíritos. Esses
espíritos amam as coisas não digeridas e nocivas, como as que
provêm de alimentos impuros no estômago; por isso eles estão
no homem na região em que estão essas coisas, porque elas lhes
são agradáveis, e lá eles falam entre si segundo sua afeição má;
a afeição de sua linguagem influi no homem e, se ela
é contrária à afeição do homem, ela é para ele tristeza
e ansiedade melancólica, mas, se concorda com ele, converte-se
em alegria e hilaridade. Tais espíritos aparecem perto
do estômago, alguns à sua direita, outros à sua esquerda, outros
abaixo, outros acima e também mais perto e mais longe, com variedade
segundo as afeições em que estão. Que daí venha a ansiedade
de espírito é o que me foi concedido saber por muitas
experiências, e fiquei convencido. Vi esses espíritos e os ouvi;
experimentei as ansiedades que eles produzem, falei com eles; eles foram
expulsos e a ansiedade cessou; eles voltaram e ansiedade recomeçou;
e percebi o aumento e a diminuição conforme a sua
aproximação e o seu afastamento. Daí vi claramente de onde vem
que certas pessoas, que ignoram o que é consciência, por não
possuí-la, atribuem-na à dor no estômago.
(300)
A conjunção do céu com o homem não é como a conjunção
de um homem com um outro homem; é uma conjunção com
os interiores que pertencem à mente do homem, isto é , com
o seu homem espiritual ou interno. Mas com o seu homem natural
ou externo há uma conjunção pelas correspondências, conjunção
de que se falará no capítulo seguinte, onde se tratará
da conjunção do céu com o homem pela Palavra.
(301)
Que a conjunção do céu com o gênero humano e do gênero
humano com o céu seja tal que um subsiste pelo outro será mostrado
também no capítulo seguinte.
(302)
Falei com os anjos a respeito da conjunção do céu com
o gênero humano e lhes disse que o homem da igreja declara,
na verdade, que todo bem vem de Deus e que há anjos com
o homem mas, apesar disso, há poucas pessoas que acreditam que
os anjos estejam conjuntos com o homem e, ainda menos, que esses
anjos estejam em seu pensamento e em sua afeição. A isso
os anjos responderam que eles sabiam que tal é a fé e tal
é a linguagem no mundo e principalmente no seio
da Igreja, onde há a Palavra, que proporciona ensinamentos sobre
o céu e sobre sua conjunção com o homem, e a ignorância
do homem lhes causava grande estranheza. [Acrescentaram] quanto
à conjunção que o homem não pode pensar a menor coisa sem os espíritos
que lhe foram associados, pois daí depende sua vida espiritual. Eles
disseram-me que a causa da ignorância desse fato é que
o homem crê viver por si mesmo sem um vínculo com
o Primeiro Ser da Vida, e que ele não sabe que esse vínculo
é por meio dos céus e que, se o vínculo fosse cortado,
o homem cairia morto imediatamente. Se o homem cresse, como
é fato, que todo bem vem do Senhor e todo mal vem
do inferno, então não atribuiria a si mérito pelo bem que faz
e o mal não lhe seria imputado, porque assim todo o bem que pensasse
e fizesse atribuiria ao Senhor e todo o mal que nele
fluísse seria rejeitado para o inferno de onde vem. Mas, como
o homem não crê em influxo algum do céu ou do inferno,
e imagina que todas as coisas que ele pensa e quer estão nele
e que vêm dele, por isso é que ele se apropria do mal
e mancha com o mérito próprio o bem que recebe pelo influxo
do Senhor.
(35)
DA CONJUNÇÃO DO CÉU
COM O HOMEM PELA PALAVRA
(303)
Aqueles que pensam pela razão interior podem ver que há um nexo de todas
as coisas, por intermediários, com um Primeiro, e o que não
estiver em um nexo se dissipa. Também, quando tais pessoas pensam,
sabem que nada pode subsistir por si mesmo, mas que cada coisa subsiste
por uma anterior a si, assim por um Primeiro, e que
a ligação com o anterior a si é como o efeito com
a sua causa eficiente, pois é fato que a causa eficiente quando
é retirada de seu efeito, este se dissolve e se dissipa.
Porque assim pensaram os eruditos, eles viram e disseram que
a subsistência é uma perpétua existência, e assim todas
as coisas, porque existem por um Primeiro, existem também
perpetuamente por esse Primeiro, isto é , subsistem. Mas qual é o elo
de cada coisa com o seu anterior, assim como o Primeiro por Quem
todas as coisas existem, é o que não se pode dizer
em poucas palavras, porque esse elo varia e difere. Direi somente que
há, em geral, uma ligação do mundo natural com o mundo
espiritual; dessa correspondência se tratou nos números 103 a 115. Que
haja um elo e, por conseguinte, uma correspondência de todas
as coisas do homem com todas as coisas do céu se vê
também nos números 87 a 102.
(304)
O homem foi criado de modo que ele tenha com o Senhor um vínculo
e uma conjunção e com os anjos do céu somente uma
consociação. Se com os anjos ele tem somente uma consociação,
é porque o homem, por sua criação, é semelhante ao anjo
quanto aos interiores que pertencem à mente, pois o homem tem uma
vontade como o anjo e tem um entendimento semelhante ao dele.
Daí é que o homem, depois da morte, torna-se anjo, desde que
tenha vivido segundo a Ordem Divina e, então, sua sabedoria
é semelhante à dos anjos. Quando, pois, se diz conjunção
do homem com o céu, entende-se conjunção do homem com
o Senhor e consociação com os anjos, porque o céu
é céu não pelo próprio dos anjos, mas pelo Divino do Senhor. Que
o Divino do Senhor constitua o céu é o que se vê nos
números 7 a 12. Mas o homem tem mais o seguinte além dos anjos:
não somente está no mundo espiritual quanto a seus interiores, mas
também está, ao mesmo tempo, no mundo natural quanto a seus
exteriores. Seus exteriores, que estão no mundo natural, são todas
as coisas que pertencem à sua memória natural ou externa
e que, por conseguinte, pertencem ao pensamento e à imaginação.
São, em geral, os conhecimentos e as ciências com seus prazeres
e deleites, bem como um grande número de volúpias; todas estas
coisas são os últimos em que finda o influxo Divino
do Senhor, porque esse influxo não para no meio, mas continua até
os últimos. Pode-se ver, assim, que no homem há o último
da Ordem Divina e, desde que há o último, esse último é a base
e o fundamento. Como o influxo Divino do Senhor não para
no meio, mas continua até os seus últimos, como se disse,
e como o meio que ele atravessa é o céu angélico, e o
último está no homem, daí resulta que o elo e a conjunção
do céu com o gênero humano são tais que um subsiste pelo outro;
o gênero humano sem o céu seria como um elo separado de uma
corrente, e o céu sem o gênero humano seria como uma casa sem
fundamentos.
(305)
Mas, como o homem rompeu essa ligação com o céu - porque ele desviou
os seus interiores do céu e os voltou para o mundo
e para si próprio - por isso o Senhor providenciou um meio
que servisse de base e de fundamento ao céu e que também
servisse para a conjunção do céu com o homem: esse meio é a
Palavra. Que a Palavra serve de meio é o que se mostrou
em muitas passagens do livro Arcanos Celestes, as quais
se acham também reunidas no opúsculo O Cavalo Branco, de que
se fala no Apocalipse, e no apêndice do livro
A Doutrina Celeste.
(306)
Do céu fui informado que, entre os antiqüíssimos habitantes da terra,
havia revelação imediata, porque os seus interiores eram voltados para
o céu e por este modo havia, então, conjunção do Senhor com
o gênero humano. Depois dos tempos desses antiqüíssimos habitantes não
houve mais tal revelação imediata, mas sim uma revelação mediata pelas
correspondências, porquanto todo culto Divino passou a ser constituído por
correspondências. Daí resultou que as igrejas desse tempo foram denominadas
igrejas representativas, pois se sabia então o que era uma
correspondência e o que era uma representação e se sabia que todas
as coisas que estão nas terras correspondiam às coisas espirituais
que estão no céu e na igreja ou, o que é a mesma coisa,
as coisas terrenas representavam as coisas espirituais.
As coisas naturais, que eram os externos do seu culto, serviam
aos habitantes da terra como meio de pensar espiritualmente com
os anjos. Depois que a ciência das correspondências foi esquecida,
foi escrita a Palavra em que todos os termos e todos
os sentidos das palavras são correspondências; tais palavras encerram
o sentido espiritual ou interno em que estão os anjos. Por
isso, quando o homem lê a Palavra e a percebe segundo
o sentido da letra ou externo, os anjos a percebem
segundo o sentido espiritual ou interno, porque todo pensamento
do homem é natural e todo pensamento dos anjos
é espiritual. Esses pensamentos são diferentes mas, na verdade, fazem
um só, porque são correspondentes. é por isso que, depois que
o homem se desviou do céu e rompeu o vínculo,
o Senhor providenciou um meio de conjunção do céu com
o homem, o qual é a Palavra.
(307)
De que modo o céu é ligado ao homem pela Palavra é o que
vou mostrar por algumas passagens. No APOCALIPSE, a Nova Jerusalém
é descrita nestes termos:
“Vi um novo céu e uma nova terra, porque o céu precedente e a terra precedente passaram... e vi a santa cidade Jerusalém que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como a noiva para o seu esposo (25: 1 e 2).
A cidade era quadrangular, seu comprimento igual à largura; e o anjo mediu com a vara até doze mil estádios; o seu comprimento, largura e altura eram iguais. Mediu também a sua muralha, cento e quarenta e quatro cúbitos, medida de homem, que é a de anjo. A estrutura da muralha era de jaspe; a própria cidade era de ouro puro, semelhante a vidro límpido. Os fundamentos da muralha da cidade estão ornados de toda espécie de pedras preciosas... As doze portas eram doze pérolas e cada uma dessas portas de uma só pérola. A praça da cidade de ouro puro como vidro transparente” (21: 16 a 19 e 21).
O homem que lê essas palavras só as compreende segundo o sentido da letra, isto é: que o céu visível deve perecer com a terra; que um novo céu e uma nova terra passam a existir; que a santa cidade Jerusalém deve descer sobre a nova terra; e que a santa cidade, quanto às suas medidas, deve ser de conformidade com a descrição. Mas os anjos as entendem de modo muito diferente, isto é , eles entendem espiritualmente cada coisa que o homem entende naturalmente. Pelo “Novo céu e a nova terra” eles entendem uma nova igreja; pela “cidade de Jerusalém descendo de Deus através do céu” entendem a doutrina celeste revelada pelo Senhor; pelo “comprimento, largura e altura iguais” entendem todos os bens e todas as verdades dessa doutrina no complexo; pela “muralha” entendem as verdades que a protegem ; pela “medida da muralha de cento e quarenta e quatro cúbitos, medida de homem, que é a de anjo” entendem todas essas verdades que a protegem no complexo e a sua qualidade; pelas “doze portas que são pérolas” entendem as verdades introdutórias; pelos “fundamentos da muralha ornados de toda espécie de pedras preciosas” entendem os conhecimentos sobre os quais essa doutrina é fundada; pelo “ouro puro como vidro transparente de que a praça da cidade é construída” entendem o bem do amor pelo qual brilha a doutrina com suas verdades. é assim que os anjos percebem todas essas palavras, isto é , de modo diferente que os homens. As idéias naturais do homem se mudam, assim, em idéias espirituais nos anjos, sem que eles saibam coisa alguma do sentido da letra da Palavra, por exemplo de um novo céu e de uma nova terra, de uma nova cidade de Jerusalém, de sua muralha, de seus fundamentos e de suas medidas. Mas a verdade é que os pensamentos dos anjos fazem um com os pensamentos do homem, porque eles se correspondem. Eles fazem um quase como as palavras daquele que fala e o sentido dessas palavras em quem escuta, prestando atenção somente ao sentido e não às palavras. Vê-se, por esse modo, como o céu é unido ao homem pela Palavra. Seja visto, ainda, outro exemplo tirado da Palavra:
“Nesse dia haverá estrada do Egito até a Assíria, e virá a Assíria ao Egito e o Egito irá à Assíria; e os egípcios servirão à Assíria. Nesse dia Israel será o terceiro para o Egito e a Assíria, uma bênção no meio da terra, porque o Senhor dos Exércitos o abençoará, dizendo: Bendito seja o meu povo egípcio e assírio, obra de minhas mãos, e Israel, minha herança” (Isaías 19:23 a 25).
Como o homem pensa e como os anjos pensam quando essas palavras são lidas, pode-se ver pelo sentido da letra da Palavra e pelo seu sentido interno. Pelo sentido da letra, o homem pensa que os egípcios e os assírios se voltarão para Deus, serão aceitos e farão um com a nação israelita. Mas os anjos, pelo sentido interno, pensam no homem da igreja espiritual, que neste sentido é descrito, e cujo espiritual é significado por Israel, o natural pelo Egito, e o racional, que está no meio, pela Assíria. Esses dois sentidos fazem, contudo, um sentido, porque eles se correspondem. é por isso que os anjos, pensando espiritualmente, e os homens, pensando naturalmente, são conjuntos como a alma e o corpo. O sentido interno da Palavra é a sua alma e o sentido da letra é o seu corpo. Tal é a Palavra em toda parte. Dai se vê que ela é o meio de conjunção do céu com o homem, e que o sentido da letra serve de base e de fundamento.
(308)
Há também conjunção do céu, pela Palavra, com os que estão fora
da igreja e que não têm a Palavra, pois a igreja
do Senhor é universal e está em todos os que
reconhecem o Divino e vivem na caridade. Eles são até
instruídos, depois de sua morte, pelos anjos, e recebem
as Divinas verdades. Veja-se a respeito o que será dito adiante
no capítulo em que se tratará dos gentios. A Igreja
Universal nas terras é , na presença do Senhor, como um só
Homem, exatamente como o céu, de que se tratou nos números 59
e 72. Mas a igreja onde está a Palavra e onde, por ela,
o Senhor é conhecido, é como o coração e o pulmão
desse Homem. Que todas as vísceras e todos os membros
do corpo tiram, por diversas derivações, sua vida do coração e
do pulmão é coisa sabida; do mesmo modo, o gênero humano
que está dentro e fora da Igreja onde há a Palavra recebe daí
a vida espiritual [ que vai constituir as vísceras e
os membros do corpo espiritual]. A conjunção do céu, pela
Palavra, com os que estão afastados pode ser comparada à luz que,
do meio, se propaga ao redor; a Divina Luz está
na Palavra e o Senhor aí está presente com o céu. Por essa
presença, mesmo os afastados estão na luz; sucederia coisa diversa
se não houvesse a Palavra. Isto pode ser melhor esclarecido pelas
explicações que foram dadas acima sobre a forma do céu, segundo
a qual lá existem as consociações e as comunicações.
Todavia, este arcano é compreensível para os que estão na luz
espiritual, mas não para os que estão unicamente na luz natural,
porque aqueles que estão na luz espiritual vêem claramente coisas inúmeras
que os que estão apenas na luz natural não vêem, ou vêem como
uma coisa escura.
(309)
Se uma tal Palavra não fosse outorgada a esta terra, o homem deste
globo teria sido separado do céu; e, se fosse separado do céu,
não seria racional, porque o racional humano existe pelo influxo
da luz do céu. O homem desta terra é constituído
de tal modo que não pode receber uma revelação imediata nem ser instruído
por ela nas verdades Divinas, como os habitantes de outras terras
de que se tratou em um opúsculo específico. O homem terreno
está, mais do que aqueles, nas coisas mundanas, por conseguinte nos
externos, e são os internos que recebem a revelação; se os
externos a recebessem, a verdade não seria compreendida. Que
o homem desta terra seja tal é o que se vê claramente por
aqueles que estão dentro da igreja: apesar de terem, pela Palavra,
conhecimento sobre o céu, sobre o inferno, sobre a vida depois
da morte, contudo negam esses conhecimentos em seu coração. Entre
eles, há até homens que adquiriram fama de serem eruditos acima dos
outros...
(310)
Conversei algumas vezes com os anjos a respeito da Palavra
e dizia que ela é desprezada por alguns por causa de seu estilo
simples, e que nada se sabe de seu sentido interno, o que
leva a crer que não há nela uma tão grande sabedoria. Os anjos
disseram que o estilo da Palavra, apesar de parecer simples
no sentido da letra, é tal que nada lhe pode ser comparado
quanto à excelência, pois que a Divina Sabedoria nela está oculta não
só em cada sentido, como também em cada palavra, e que essa
sabedoria brilha no céu. Eles queriam dizer que essa sabedoria é a
luz do céu, porque ela é a Divina Verdade, pois no céu
a Divina Verdade brilha (ver número 132). Eles disseram também que, sem
uma tal Palavra, não haveria luz alguma do céu nos homens de nossa
terra nem, por conseguinte, conjunção do céu com eles, porque, quanto mais
a luz do céu está presente no homem, tanto mais
há conjunção e tanto mais á para ele revelação da Divina
Verdade pela Palavra. Se o homem não sabe que essa conjunção existe pelo
sentido espiritual da Palavra, correspondendo ao seu sentido natural,
é porque o homem desta terra nada sabe a respeito
do pensamento e da linguagem espirituais dos anjos, nem que esse
pensamento e essa linguagem diferem do pensamento e da linguagem
naturais dos homens. Se ele ignora isso, não pode absolutamente saber
o que é o sentido interno nem, por conseguinte, saber que é por
este sentido que uma conjunção pode existir. Eles disseram, ainda, que, se
o homem soubesse que há tal sentido e pensasse segundo alguma
ciência desse sentido, quando lesse a Palavra, ele chegaria
à sabedoria interior e, além disso, estaria unido ao céu, porque por
este meio ele entraria em idéias semelhantes às idéias angelicais.
(36)
O CÉU E O INFERNO
PROCEDEM DO GÊNERO HUMANO
(311)
No mundo cristão ignora-se completamente que o céu e o inferno
procedem do gênero humano. Crê-se, com efeito, que os anjos foram
criados desde o princípio e que daí resultou o céu, e que
o diabo ou Satanás foi um anjo de luz, mas que, tendo-se
rebelado, foi precipitado com a sua tropa e daí resultou
o inferno. Os anjos estão extremamente admirados de que exista
tal fé no mundo cristão e, ainda mais, estão admirados porque nada
se sabe a respeito do céu, embora este seja um ponto
primordial de doutrina na igreja. E como tal ignorância reina,
eles exultaram porque aprouve ao Senhor revelar agora aos cristãos muitas
verdades sobre o céu e também sobre o inferno, e dissipar
assim, tanto quanto possível, as trevas que crescem cada dia, pelo fato de
a igreja [cristã primitiva] ter chegado ao seu termo. Por isso, eles
querem que eu afirme, como vindo de sua boca, que no céu não
há um só anjo que haja sido criado no princípio, nem que haja
no inferno um só diabo proveniente de um anjo de luz
precipitado do céu, mas o fato é que todos, tanto no céu
como no inferno, são do gênero humano: no céu aqueles que,
no mundo, viveram no amor celeste e na fé celeste, e
no inferno aqueles que viveram no amor infernal e na fé
infernal. Também é um fato que o inferno, em todo
o complexo, é chamado Diabo e Satanás; Diabo o inferno que
está atrás, onde se encontram os que são chamados maus gênios;
Satanás, o inferno que está na frente, onde se encontram
os que são chamados maus espíritos. Mais tarde, será esclarecido como são
esses infernos. Dizem os anjos que o mundo cristão aceitou tal fé
a respeito dos que estão no céu e dos que estão no inferno
em virtude de algumas passagens da Palavra compreendidas somente
no sentido da letra e não iluminadas ou explicadas pela
doutrina genuína da Palavra, enquanto o sentido da letra
da Palavra, se não for esclarecido pela doutrina genuína, divide
as mentes em pensamentos diversos, do que provêm ignorância,
heresias e erros.
(312)
O homem da igreja permanece em tal crença porque ele crê que ninguém
vai ao céu ou ao inferno antes do tempo do Juízo Final.
A respeito disso, ele adotou a seguinte opinião: todas as coisas
que estão diante de seus olhos devem perecer e ser substituídas por
outras; a alma, então, deve voltar em seu corpo e, por essa
conjunção, o homem viverá uma segunda vez. Esta opinião envolve
a crença de que os anjos foram criados no princípio, pois
não se pode crer que o céu e o inferno procedem do gênero
humano, quando se crê que o homem não pode lá entrar antes
do fim do mundo. Mas, para que o homem se convença
de que tal não sucede, foi-me concedido estar na sociedade dos anjos
e também falar com os que estão no inferno, e isso desde
muitos anos, às vezes continuamente desde a manhã até a tarde,
tendo sido, assim, instruído a respeito do céu e do inferno.
Isso me foi permitido para que o homem da igreja não persista
em sua fé errônea sobre a ressurreição no tempo
do juízo, sobre o estado da alma até essa época, sobre
os anjos e sobre o diabo, fé que, sendo falsa, encerra
trevas, traz dúvidas e, finalmente, a negação naqueles que pensam nessas
coisas segundo a própria inteligência, pois eles dizem em seu
coração:
“Como um céu tão grande, com tantos astros, com o sol e a lua, pode ser destruído e dissipado ? Como é que as estrelas podem cair do céu na terra, elas que são maiores do que a terra ? Como é que corpos roídos pelos vermes e consumidos na podridão podem ser restabelecidos e novamente reunidos à sua alma ? Onde fica a alma enquanto espera a volta ao corpo ? Como se comporta a alma sem os sentidos do corpo ?”
Essas dúvidas aniquilam em muitos a fé na vida da alma depois da morte, a fé no céu e no inferno e, ao mesmo tempo, em todas as outras coisas que pertencem à igreja. Que tais crenças tenham sido assim destruídas é o que se vê claramente pelos que dizem:
“Quem veio do céu e nos narrou que ele existe ? Que é o inferno, se acaso existe ? Que se entende pela afirmação de que o homem será atormentado no fogo eternamente ? Que é o dia do juízo ?”
Além de muitas outras dúvidas que levam a negar tudo. Para que, pois, os que pensam assim... não mais pertubem nem seduzam os simples de fé e de coração, e não introduzam mais trevas infernais a respeito de Deus, do céu, da vida eterna e de outras crenças que dependem disso, o Senhor abriu os interiores que pertencem ao meu espírito e foi-me permitido, assim, falar com todos os que morreram e que eu conhecei neste mundo. Com alguns falei durante dias, com alguns outros durante meses, com outros durante um ano e, finalmente, com um grande número de outros... entre os quais muitos estavam no céu e muitos nos infernos. Falei também com alguns dois dias depois de sua morte... e eles queriam que eu dissesse que não estavam mortos, mas viviam então do mesmo modo como viviam antes; que tinham apenas passado de um mundo para outro... A maior parte dos que tinham morrido recentemente, vendo que viviam homens como antes... estavam cheios de uma nova alegria porque viviam, e diziam que antes não acreditavam que isso acontecesse. Admiravam-se de terem estado em tal ignorância e tal cegueira sobre o estado de sua vida depois da morte e, principalmente, pelo fato de o homem da igreja estar nessa ignorância e nessa cegueira, quando ele, mais do que todos os outros, podia estar na luz sobre esse assunto. Eles viam, então, pela primeira vez, a causa dessa cegueira e dessa ignorância, a saber, que os externos, que são as coisas mundanas e corporais, tinham invadido e enchido suas mentes de tal modo que não podiam ser elevados à luz do céu, nem considerar as coisas da igreja além das doutrinas, porque pelas coisas corporais e mundanas, quando amadas tanto quanto são hoje, eles tiveram suas mentes mergulhadas em trevas.
(313)
Os eruditos que se tinham confirmado nesses erros, e que tinham
atribuído tudo à natureza, foram atentamente examinados,
e reconheceu-se que os seus interiores tinham sido inteiramente
fechados e seus exteriores abertos, de modo que tinham olhado não
para o céu, mas para o mundo e, por conseqüência, também para
o inferno. Porque, quanto mais os interiores forem abertos tanto mais
o homem olha para o céu, mas quanto mais os interiores forem
fechados e os exteriores abertos, tanto mais ele olha para o inferno.
Com efeito, os interiores do homem foram formados para
a recepção de todas as coisas do céu e os exteriores
para a recepção de todas as coisas do mundo, e
os homens que recebem o mundo sem receberem, ao mesmo tempo,
o céu, recebem o inferno.
(314)
Que o céu provenha do gênero humano, pode-se também ver no fato
de que as mentes angélicas e as mentes humanas são semelhantes.
Umas e outras gozam da faculdade de perceber, compreender
e querer. Elas foram formadas, umas e outras, para receber
o céu, porque a mente humana adquire sabedoria do mesmo modo que
a mente angélica e se não a adquire no mundo é porque
ela está em um corpo terrestre e, nesse corpo, a, mente espiritual
do homem pensa naturalmente. Mas não sucede o mesmo quando ela
é desligada do elo que a prende a esse corpo; então ela
passa a pensar espiritualmente e, quando pensa espiritualmente, pensa
coisas que são incompreensíveis e instáveis para o homem natural;
daí, ela adquire sabedoria como o anjo. Assim, é evidente que
o interno do homem, que se chama espírito, é em sua
essência um anjo (veja-se o número 57). Este interno, depois
de desprender-se do corpo terrestre, está em uma forma humana
do mesmo modo que o anjo, como se vê nos números 73 a 77.
Mas, quando o interno do homem não é aberto pela parte superior
mas somente ela parte inferior, então, depois de desligado do corpo,
o homem está em uma forma humana, porém medonha e diabólica,
porque ele não pode olhar para cima, para o céu, mas somente olha para
baixo, para o inferno.
(315)
Aquele que foi instruído a respeito da Ordem Divina pode compreender
também que o homem foi criado para se tornar um anjo, porque
nele está o último da ordem, no qual pode ser formado tudo
o que pertence à sabedoria celeste e angélica... É por isso
que no último está o viveiro do céu.
(316)
O Senhor ressuscitou não somente quanto ao espírito, mas também quanto
ao corpo. Isto porque o Senhor, quando estava no mundo,
glorificou o Seu Humano, sito é, o tornou Divino. Pois que
a Alma que Ele tinha do Pai era por si o Divino Mesmo, e o
corpo tornou-se a semelhança da Alma, isto é, do Pai, por
conseguinte também Divina. É por isso que o Senhor ressuscitou quanto
ao espírito e quanto ao corpo, o que não sucede
a homem algum...
(317)
Para que se saiba que o homem vive depois da morte e que,
conforme sua vida no mundo, ele vai para o céu ou para
o inferno, foram desvendadas, sobre o estado do homem depois
da morte, muitas coisas que serão apresentadas, mais tarde, quando
se tratar do “mundo dos espíritos”.
(37)
DAS NAÇÕES OU POVOS
FORA DA IGREJA, NO CÉU
(318)
É opinião geral que os que nascem fora da igreja, e que
se chamam “nações” ou “gentios”, não podem ser salvos, por não
terem a Palavra, e assim não conhecem o Senhor, sem o Qual
não há salvação. Mas, que eles sejam também salvos, é o que
se pode saber, porque a misericórdia do Senhor é universal,
sito é, se exerce em todas as criaturas humanas. Todos nascem
homens como os que estão na igreja, sendo estes relativamente aos
outros em pequeno número. E também não é culpa deles se não
conhecem o Senhor. Todo aquele que pensar segundo uma razão esclarecida
pode ver que nenhum homem nasceu para o inferno, pois o Senhor
é o Amor mesmo e Seu amor é querer salvar todos os homens;
por isso, Ele providenciou que houvesse em todos uma religião e, por ela,
um reconhecimento do Divino e uma vida interior; porque viver
segundo a sua religiosidade é viver interiormente, pois o homem
então dirige sua vista para o Divino e, quanto mais ele a dirigir
para o Divino, tanto mais não a dirige para o mundo, mas
se afasta do mundo e, conseqüentemente, da vida do mundo,
que é a vida exterior.
(319)
Que os gentios são salvos do mesmo modo que os cristãos é o
que podem saber os que têm ciência daquilo que faz o céu
no homem, porque o céu está no homem, e aqueles que têm
o céu em si vão para o céu. O céu no homem consiste
em reconhecer o Divino e em ser conduzido pelo Divino.
O primeiro e o principal ponto de toda religião
é reconhecer o Divino. Uma religião que não reconhece o Divino
não é uma religião. E os preceitos de toda religião
se referem ao culto, isto é, ao modo como o Divino deve ser
adorado, para que o homem seja aceito por Ele; e quando este ponto
é estabelecido em seu espírito, por conseguinte, quanto mais ele
o quer ou quanto mais ele o ama, tanto mais ele é conduzido
pelo Senhor. É sabido que os gentios vivem uma vida moral e como
os cristãos e, muitos dentre eles, uma vida melhor que a dos
cristãos. Vive-se uma vida moral e por causa do Divino ou por
causa dos homens no mundo. A vida moral que se vive por causa
do Divino é uma vida espiritual. A vida moral que se viver
por causa dos homens é uma vida material. Na forma externa, elas
parecem semelhantes, mas são inteiramente dessemelhantes na forma interna.
Uma salva o homem, a outra não o salva, porque aquele que viver
uma vida moral por causa do Divino é conduzido pelo Divino, enquanto
aquele que vive uma vida moral por causa dos homens no mundo
é conduzido por si próprio. Isto será ilustrado por um exemplo:
aquele que não faz mal ao próximo porque isto é contra
a religião e, portanto, contra o Divino, abstém-se de fazer
o mal por uma origem espiritual. Mas quem não a faz o mal apenas
por temor à lei, pelo receio de perder a reputação, a honra
ou o lucro e, portanto em favor de si mesmo, abstém-se
de fazer o mal por uma origem natural e é conduzido por
si mesmo. A vida deste é natural, mas a daquele é espiritual.
O homem cuja vida moral é espiritual tem em si o céu, mas
aquele cuja vida moral é somente natural não tem em si o céu.
A razão disso é que o céu influi pelo superior e abre
os interiores e, pelos interiores, influi nos exteriores, enquanto
o mundo influi pelo inferior nos exteriores [ fechando o influxo
do céu quando é apenas natural]... Não existe influxo do mundo
natural no mundo espiritual, mas há influxo do mundo espiritual
no mundo natural. Por isso, se o céu não é recebido
ao mesmo tempo, os interiores são fechados. Daí se pode ver
quais são os que recebem em si o céu e quais são
os que não ao recebem. Toda via, o céu é diferente
em cada um. Ele difere em cada um segundo a afeição
do bem e da verdade que provém desse bem. Os que estão
na afeição do bem em consideração ao Divino amam
a Divina verdade, porque o bem e a verdade se amam
mutualmente e querem unir-se. É por isso que os gentios, embora
não estejam nas verdades reais neste mundo, vão recebê-las pelo amor
na outra vida.
(320)
Havia entre os gentios um espírito que, no mundo tinha vivido
no bem da caridade segundo a sua religiosidade, o qual,
tendo ouvido espíritos cristãos raciocinarem sobre as coisas que devem ser
acreditadas... admirou-se de vê-los assim discutindo e disse-lhes que
não queria ouvir tais discussões, pois eles arrazoavam segundo aparências
e ilusões. Concluindo, deu-lhes uma lição neste termos. Se sou bom
posso, pelo bem mesmo, saber as coisas que são verdadeiras; e as que
eu não sei posso recebê-las.
(321)
Fui instruído, por muitos exemplos, que os gentios que tiveram uma vida
moral, e se conservaram na obediência e subordinação, bem como
viveram em uma caridade mútua segundo a sua religiosidade e, por
conseguinte, receberam uma sorte de consciência, são aceitos na outra
vida e lá são instruídos pelos anjos, com uma atenção particular, nos bens
e nas verdades da fé; e que, enquanto são instruídos, eles
se portam com modéstia, inteligência e sabedoria; recebem facilmente
as verdades e delas são imbuídos. Eles não formaram contra
as verdades da fé princípio algum do falso que seja necessário
destruir nem idéia escandalosa alguma sobre o Senhor... Quando eles
aprendem que Deus Se fez homem e assim Se manifestou
no mundo, logo reconhecem isso e adoram o Senhor, dizendo que
Deus se manifestou plenamente porque Ele é o Deus do céu e
da terra e porque o gênero humano lhe pertence... Há no
universo um grande número de terras e todas estão repletas
de habitantes. Apenas alguns habitantes dessas terras sabem que
o Senhor tomou o Humano em nossa terra; contudo, como adoram
o Divino soba a forma humana eles são aceitos e guiados pelo
Senhor (veja-se a respeito o opúsculo DAS TERRAS NO UNIVERSO).
(322)
Entre os gentios, como entre os cristãos, há sábios
e simples. Para que eu fosse instruído a respeito de como
eles são, foi-me concedido conversar com uns e outros, algumas vezes
durante horas e durante dias. Hoje não há sábios como nos tempos
antigos, principalmente como havia na Antiga Igreja, que se propagara
em uma grande parte da Ásia e de lá se espalhou entre
muitas nações. Para que eu soubesse como eles eram, foi-me concedido
conversar familiarmente com alguns deles. Havia, perto de mim,
um espírito que, outrora, foi do número dos mais sábios e que,
por isso, é conhecido do mundo sábio; falei com ele sobre diversos
assuntos. Eu tinha razões para crer que era Cícero (o escritor
romano). E como soube que ele era um sábio, abordei os assuntos
da sabedoria, da inteligência, da ordem, do conhecimento
da Palavra e, finalmente, do conhecimento do Senhor.
A respeito da sabedoria, ele me disse que não há outra
sabedoria além da que diz respeito à vida e que a sabedoria
não pode referir-se a outra coisa. Quanto à inteligência, ele disse
que ela procede da sabedoria. Relativamente à ordem, disse que ela
existe pelo Deus supremo e que viver nessa ordem é ser sábio
e inteligente. Sobre o conhecimento da Palavra, depois
de eu ler diante dele algumas páginas dos livros proféticos, experimentava
o maior prazer, porque cada nome e cada palavra significavam coisas
interiores, e ele se admirava muito de que os sábios
de hoje não apreciassem semelhante estudo. Percebi claramente que
os interiores e seu pensamento ou de sua mente tinham sido
abertos... Enfim, falei-lhe sobre o Senhor; eu lhe disse que Ele nasceu
homem, mas concebido de Deus, e que Ele despojou o humano
materno e revestiu o Humano Divino, e que é Ele quem
governa o universo. Ouvindo isso, ele respondeu que sabia muitas coisas
sobre o Senhor e que compreendia, a seu modo, que, para
o gênero humano ser salvo, não podia suceder outra coisa. Durante essa
conversa, alguns maus cristãos insinuavam diferentes coisas escandalosas, mas
ele não lhes prestava atenção, dizendo que isso não devia causar espanto,
porque, na vida do corpo, eles tinham adotado sobre esse assunto
idéias inconvenientes...
(323)
Foi-me concedido também falar com outros que tinham vivido nos tempos antigos
e que então tinham sido do números dos sábios. Eu os
vi primeiramente na frente, a uma certa distância. Por uma única
idéia do pensamento, eles puderam conhecer a série inteira
e enchê-la de deleites de sabedoria com representações
agradáveis, pelo que percebi que eles eram do número dos mais sábios;
e foi dito que eles viveram entre os antigos. Eles chegaram mais
perto e, como eu lesse diante deles algumas passagens da Palavra,
eles experimentaram o maior prazer. Eu percebia seu prazer
e alegria, os quais provinham principalmente de que todas
as coisas da Palavra ouvidas eram representativas
e significativas de coisas celestes e espirituais. Eles diziam
que, em seu tempo, quando viviam no mundo, tal fora o seu modo
de pensar e falar, e também de escrever, e que era
esse o estudo de sus sabedoria.
(324)
Quanto ao que diz respeito aos gentios (povos fora da Igreja) que
existem hoje, eles não são tão sábios, mas a maior parte deles
é simples de coração. Mas a verdade é que, apesar disto,
os dentre eles que viveram em uma vida de caridade mútua recebem
a sabedoria na outra vida. Vou citar a respeito um ou dois
exemplos. Quando eu lia os capítulos 17 e 18 do livro
de Juizes, a respeito de Micah, do qual os filhos
de Dan tiraram a imagem talhada, os seus ídolos e o seu
levita, havia um espírito dos gentios que adorara, quando neste mundo, uma
imagem talhada. Quando atentamente ouvia o que acontecera a Micah
e qual tinha sido sua dor pela perda da imagem talhada que
os danitas lhe haviam arrebatado, ele próprio foi acometido por uma dor
superveniente, a tal ponto que dificilmente podia pensar diante
do que sofria no seu íntimo; dor que foi percebida, ao mesmo
tempo que foi sentida a inocência em cada uma de suas afeições.
Achavam-se presentes espíritos cristãos que observavam e eles ficaram
admirados de que o adorador de uma imagem talhada sentisse tão grande
afeto de misericórdia e de inocência. Depois, alguns bons espíritos
conversaram com ele e lhe disseram que ele não devia adorar uma imagem
talhada, e que ele podia compreender isto, porque ele era homem, mas devia
dirigir seus pensamentos para o Deus que criou e governa todo
o céu e toda a terra e que esse Deus era o Senhor.
Enquanto eles falavam assim, era-me dado perceber que a afeição interior
de sua adoração, que me era comunicada, era muito mais santa
do que nos cristãos. Daí se pode ver que os gentios vêm para
o céu mais facilmente que os cristãos de hoje, segundo
as palavras do Senhor em Lucas 13:29 e 30:
“Então virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e se reclinarão no reino de Deus; contudo, há últimos que serão primeiros e há primeiros que serão últimos”.
No estado em que se achava tal espírito, ele pôde ser imbuído de todas as coisas da fé e recebê-las com uma afeição interior. Nele havia a misericórdia que pertence ao amor, e em sua ignorância havia a inocência. Quando a misericórdia e a inocência estão em alguém, tudo que pertence à fé é recebido espontaneamente e isto com alegria. Tal espírito foi recebido depois entre os anjos.
(325)
Ouvi, em uma certa manhã, um coro à distância. Pelas
representações desse coro, foi-me concedido conhecer que eram chineses, porque
eles exibiam como representação uma espécie de bode coberto de lã,
depois um bolo de milhete e uma colher de ébano, como
também a idéia de uma cidade flutuante. Eles desejavam vir para mais
perto de mim e, como se aproximassem, eles diziam que desejavam estar
a sós comigo, a fim de manifestarem os seus pensamentos.
Mas lhes foi dito que eles não estariam sós e que havia outros que
se indignavam porque eles queriam ficar sós, quando, entretanto, eles não
passavam de hóspedes. Quando eles perceberam a indignação dos outros,
ocorreu-lhes o pensamento de perguntar se teriam cometido alguma
falta contra o próximo e se teriam tomado alguma coisa que
pertencesse a outrem (os pensamentos na outra vida são todos
comunicados). Foi-me dado perceber que a sua emoção provinha
do reconhecimento de que talvez os houvessem lesado.
Do pudor daí resultante e, ao mesmo tempo, por outras provas
de afeições, conhecia-se que eles eram dotados de caridade. Entrei
logo depois em conversação com eles e finalmente lhes falei também
do Senhor. Como eu chamasse o Senhor de Cristo, percebi
neles uma certa repugnância, mas descobri qual era a causa: era uma idéia
que eles tinham adquirido no mundo em virtude de terem conhecido
cristãos vivendo de maneira pior do que eles e sem nenhuma
caridade. Mas quando eu O chamava simplesmente de Senhor, eles
ficavam interiormente comovidos. Foram depois instruídos pelos anjos que
a doutrina cristã, mais do que qualquer outra doutrina, prescreve
o amor e a caridade, mas que há poucos que vivem
de conformidade com essa doutrina. Há gentios que, durante sua vida
no mundo, souberam pela conversação e pela fama que os cristãos
levavam um a vida má, por exemplo, nos adultérios, nos ódios, nas
contendas, na embriaguez e em outras coisas semelhantes, pelas quais
esses gentios têm horror, porque tais coisas são contra seus princípios
religiosos. Na outra vida eles... são instruídos pelos anjos que
a doutrina cristã e a fé cristã ensinam absolutamente outra
coisa e que tais cristãos vivem muito menos de acordo com suas
doutrinas do que os gentios. Quando aprendem isso, recebem
as verdades da fé e adoram o Senhor seriamente.
(326)
É coisa comum entre os gentios que adoraram algum deus sob forma
de estátua ou de imagem talhada serem introduzidos, quando chegam
na outra vida, junto de espíritos que ocupam o lugar
de seus deuses ou ídolos, a fim de que eles
se libertem de suas fantasias... Os que adoraram homens são
também conduzidos para eles... como muitos judeus são conduzidos para Abrahão,
Jacob, Moisés e David. Quando eles percebem que o humano desses
homens é igual ao humano dos outros homens e que não
há possibilidade de receberem algum socorro deles, ficam
envergonhados e são conduzidos para seus lugares, correspondentes
ao comportamento que tiveram no mundo. Entre os gentios,
no céu, os africanos são os mais estimados, porque recebem, mais
facilmente que os outros, os bens e as verdades do céu.
Eles querem, sobretudo, ser chamados obedientes e não fiéis; dizem que os cristãos,
por terem a doutrina da fé, podem ser chamados fiéis, mas não eles...
salvo se puderem receber a fé.
(327)
Conversei com alguns espíritos que tinham vivido na Igreja Antiga -
a que existiu depois do dilúvio e se estendeu a um grande
número de reinos, a saber, Assíria, Mesopotâmia, Síria, Etiópia,
Arábia, Líbia, Egito, Filistéia, Tiro, Sidon, `a terra de Canaã, aquém
e além do Jordão - e que então tinham sabido a respeito
do Senhor, que Ele devia vir, que tinham sido imbuídos dos bens
da fé, mas, apesar disso, se tinham afastado desses conhecimentos e
se tornaram idólatras. Eles estavam... em um lugar tenebroso e
em um estado miserável. A sua linguagem era como o som
de uma flauta que desse somente um tom e quase sem pensamento
racional. Eles me disseram que estavam nesse lugar há muitos séculos
e que dali eram, às vezes, retirados para servirem aos outros
em alguns usos que são vis. Por esse fato, fui levado a pensar sobre
a sorte reservada, na outra vida, a muitos cristãos que são
idólatras, não exteriormente, mas interiormente; eles são adoradores de si
próprios e do mundo e, de coração, negam o Senhor.
(328)
A Igreja do Senhor está espalhada por todo o mundo, por conseguinte
é universal, a nela estão compreendidos todos os que viveram
no bem da caridade segundo a sua religiosidade; e a Igreja,
onde está a Palavra e onde por ela o Senhor é conhecido,
é... como, no homem, o coração e os pulmões, segundo
os quais todas as vísceras e todos os membros do corpo
vivem de um modo variado, segundo as formas, as posições e
as conjunções, como se viu no número 308.
(38)
DAS CRIANÇAS NO CÉU
(329)
Algumas pessoas crêem que as crianças nascidas na igreja são
as únicas que vão para o céu, e não as que nasceram fora
da igreja. Elas dão como razão que as crianças da igreja foram
batizadas e que pelo batismo foram iniciadas na fé da igreja.
Mas essas pessoas não sabem que ninguém recebe o céu ou a fé pelo
batismo, porque o batismo é simplesmente um sinal e
um memorial que o homem deve ser regenerado, e que toda pessoa
que nasceu na igreja pode ser regenerada, porque nela há a Palavra,
onde estão as Divinas Verdades, pelas quais se faz
a regeneração, e porque o Senhor Que opera a regeneração
é nela conhecido. Sabe-se, pois, que toda criança, em qualquer lugar
que nasça, quer dentro quer fora da igreja, quer de pais religiosos
quer de pais ímpios, é, quando morre, recebido pelo Senhor, e no céu
é educada e instruída segundo a ordem divina, é imbuída das
afeições do bem e, por elas, dos conhecimentos da verdade; depois,
à proporção que se aperfeiçoa em inteligência, e, sabedoria,
é introduzida no céu e se torna um anjo. Quem pensar
segundo a razão pode saber que ninguém nasceu para o inferno, mas
todos nasceram para o céu e, se o homem vai para o inferno,
a culpa é somente sua, enquanto as crianças não podem,
de forma alguma, ser culpadas.
(330)
As crianças que morrem são igualmente crianças na outra vida. Elas têm
o mesmo gênio infantil, a mesma inocência da ignorância,
a mesma ternura em tudo. Elas estão apenas em uma aprendizagem
para que possam vir a ser anjos, pois as crianças não são anjos, mas
se tornam anjos. Com efeito, todo aquele que sai do mundo acha-se
em um estado de vida semelhante àquele em que
se encontrava: a criança no estado de criança;
o menino no estado de menino; o jovem no estado
de jovem; o adulto no de adulto; o velho no seu
estado; assim, nos estados de infância, de juventude,
de maturidade e de velhice. Mas o estado de cada um
é mudado depois. Contudo, o estado das crianças se avantaja aos
estados dos outros, porque se acham na inocência e porque o mal
que provém de uma vida ativa ainda não criou raiz nelas. Ora, tal é a
inocência na qual todas as coisas do céu podem ser implantadas,
pois a inocência é o receptáculo da verdade da fé e
do bem do amor. himmels-engel.de
(331)
O estado das crianças na outra vida é muito superior ao estado
das crianças no mundo, porque lá não estão investidas de um
corpo terrestre. Mas de um corpo semelhante aos dos anjos. O corpo
terrestre é em si mesmo pesado; não é do interior ou do mundo
espiritual que ele recebe as primeiras sensações e os primeiros
movimentos, mas sim do exterior ou do mundo natural; por isso,
as crianças do mundo devem aprender a andar, a fazer gestos
e a falar, bem como desenvolver os seus sentidos pelo uso. Não sucede
o mesmo com as crianças na outra vida. Como são espíritos, elas
agem logo, segundo seu interior; andam sem que o uso lhes ensine, falam
do mesmo modo, primeiramente segundo as afeições comuns, sem idéias
distintas, mas, logo depois, são iniciadas a distinguirem
as idéias... Que a linguagem dos anjos procede de afeições
diversas através de idéias do pensamento, de sorte que sua
linguagem se torna absolutamente conforme aos pensamentos provenientes
da afeição, é o que se vê nos números 234 a 245 deste
livro.
(332)
Logo que as crianças são ressuscitadas, o que sucede imediatamente
depois de sua morte, elas são arrebatadas ao céu e dadas
a anjos do sexo feminino que, na vida do corpo, amaram
ternamente as crianças e, ao mesmo tempo, amaram a Deus. Como,
no mundo, elas amaram a todas as crianças com ternura
de algum modo maternal, elas recebem-nas como suas; e as crianças,
por sua índole, amam-nas como suas mães. Cada anjo feminino em consigo
tantas crianças quanto deseja, segundo seu “storge” (amor espiritual
de progenitora)... Todas as crianças estão sobe o auspício
imediato do Senhor. O céu da inocência, que é o terceiro
céu, influi também nas crianças.
(333)
As crianças são de diversas índoles; umas têm a índole dos anjos
espirituais, outras a índole dos anjos celestes; as crianças que são
de uma índole celeste aparecem nesse céu à direita; as de uma
índole espiritual, à esquerda. Todas as crianças no Máximo
Homem, que é céu, estão na província dos olhos; na província
do olho esquerdo as que são de uma índole espiritual, e
na província do olho direito as que são de uma índole
celeste. Assim é porque o Senhor aparece aos anjos que estão
no reino espiritual diante do olho esquerdo e as que estão
no reino celeste diante do olho direito (veja-se o número 118).
Pelo fato estarem as crianças no Máximo Homem, na providência
dos olhos, é evidente que as crianças estão sob a vista
e sob o auspício imediato do Senhor.
(334)
Dir-se-á em poucas palavras como as crianças são educadas. Por sua
educadora elas aprendem a falar. A sua primeira linguagem é apenas
um som de afeição que se forma gradualmente mais distinto
à proporção que as idéias do pensamento entram nela, porque
as idéias do pensamento provenientes das afeições constituem toda
a linguagem angélica (vejam-se os números 234 a 245).
Em suas afeições, que procedem todas da inocência, são primeiramente
insinuadas coisas que aprecem diante dos olhos e que são agradáveis.
E como estas coisas são de origem espiritual, nelas influem
ao mesmo tempo coisas pertencentes ao céu, pelas quais os seus
interiores são abertos e, assim, cada dia elas são aperfeiçoadas. Depois
de passarem essa primeira idade, elas são transferidas para um outro
céu, onde são instruídas por mestres, e assim sucessivamente.
(335)
As crianças são instruídas principalmente por meio de representativos
adequados ao seu gênio e ninguém seria capaz de crer quanto
esses representativos são belos e, ao mesmo tempo, repletos de uma
sabedoria vinda do interior. É assim que, gradualmente, lhes é insinuada
a inteligência que tira sua alma do bem. Descreverei aqui dois
representativos que me foram concedidos ver; por eles poderão ser julgados
os outros. Eles representavam primeiro o Senhor saindo
da sepultura e, do mesmo tempo, a união de Seu Humano com
Seu Divino, o que se fazia de um modo tão sábio que excedia toda
a sabedoria humana é, ao mesmo tempo, de um modo inocente
e infantil. Eles representavam também a idéia da sepultura...
de um modo muito remoto, porque a idéia da sepultura encerra
alguma coisa de fúnebre que eles procuravam afastar... Vi, depois, ser
representada por eles a descida do Senhor para os que estavam
nas “prisões” e a Sua ascensão ao céu com eles, e tudo isso com
uma prudência e uma piedade incomparáveis...
(336)
Foi-me mostrado ainda, quanto o entendimento das crianças é terno.
Enquanto eu pronunciava a Oração Dominical e elas influíam, por
seu intelecto, nas idéias do meu pensamento, eu percebia que
o seu influxo era tão terno e tão meigo que era, por assim dizer,
pura afeição. Ao mesmo tempo, eu observava que seu intelectual estava
aberto por influência do Senhor, pois era como alguma coisa
de transfluente que emanava delas. O Senhor também influi desde
os íntimos nas idéias das crianças, pois não há coisa alguma que
tenha fechado suas idéias, como se dá com os adultos. Nenhum
princípio falso as impede de compreender a verdade, como também
nenhuma vida do mal obsta a que elas recebam o bem e, assim,
cheguem à sabedoria. Tudo isso mostra que as crianças, depois
da morte, não vão logo para o estado angélico, mas nele são introduzidas
sucessivamente pelos conhecimentos do bem e da verdade,
de acordo com a ordem celeste, porque as menores
particularidades de sua índole são conhecidas do Senhor; por isso,
segundo os impulsos gerais e particulares de sua inclinação,
elas são levadas a receber as verdades do bem e os bens
da verdade.
(337)
Foi-me, também, mostrado como tudo lhe é insinuado por via
de prazeres e de deleites adequados ao seu gênio. Foi-me
permitido ver crianças vestidas com o maior elegância; tinham
ao redor do peito grinaldas de flores com cores brilhantes
e celestes, e também ao redor de seus braços. Foi-me também
concedido ver crianças com suas aias num jardim paradisíaco, ornado
de berços cobertos de louros, formando pórticos com alamedas que
se dirigiam para os interiores, e as crianças estavam vestidas
do mesmo modo. Quando as crianças entravam, as flores por cima
da entrada resplandeciam de um modo encantador. Tudo isso mostra
os deleites de que gozam as crianças no céu e
os prazeres com que são introduzidas nos bens da inocência e
da caridade, bens que o Senhor insinua continuamente nesses deleites
e prazeres.
(338)
Foi-me mostrado, ainda, por um modo de comunicação comum
na outra vida, quais são as idéias das crianças quando vêem alguns
objetos. Todos os objetos, em geral e em particular, são
considerados por elas com vivos; daí em que nas idéias de seus
pensamentos há vida (neles). Idéias quase semelhantes existem nas crianças
da terra, quando se entregam aos seus brinquedos infantis, porque
elas ainda não têm a reflexão, que existe nos adultos, para discernir
o que é inanimado.
(339)
Anteriormente se disse que as crianças são de um gênio
ou celeste ou espiritual. As que são de um gênio celeste
são facilmente distinguidas das que são de um gênio espiritual. As primeiras
pensam, falam e agem de um modo suavíssimo, de sorte que
se apresentam simplesmente com um certo fluxo de amor
do bem para com o Senhor e para com as outras crianças.
As de gênio espiritual, porém, não têm em seus pensamentos, palavras
e ações meiguice semelhante, mas, em tudo que lhes é pessoal,
manifesta-se uma sorte de vibração como de asas. Elas também
se distinguem por sua irritação e por outros sinais.
(340)
Muitos podem supor que as crianças permanecem crianças no céu,
e que são como crianças entre os anjos. Os que estão
na ignorância do que é um anjo puderam confirmar-se nesta
opinião por causa das imagens que se vêem nos templos, onde os anjos
são vistos como crianças. Mas acontece de modo inteiramente diferente.
É a inteligência e a sabedoria que fazem o anjo e, enquanto
as crianças ainda não as possuam, estão, é verdade, entre
os anjos, mas não são anjos. Desde, porém, que adquiram
a inteligência e a sabedoria, elas se tornam anjos e, coisa que
me admirou, elas aparecem então não mais como crianças mas como adultos.
A inteligência e a sabedoria trazem isso em si.
As crianças, à proporção que são aperfeiçoadas em inteligência
e sabedoria, aparecem mais adultas, como adolescentes e jovens,
porque a inteligência e a sabedoria são o alimento espiritual
mesmo, pois as coisas que entram em suas mentes nutrem também
os seus corpos, e isso segundo a correspondência, porque
a forma do corpo é apenas a forma externa dos interiores.
Mas é bom saber que as crianças no céu não progridem
em idade além da primeira mocidade e nesta ficam eternamente.
Para que eu tivesse plena certeza de que isso acontece, foi-me
permitido falar com alguns que tinham sido educados como crianças no céu
e que lá tinham crescido, bem como com alguns quando eram crianças;
mais tarde falei com os mesmos quando se tornaram moços. Por eles
eu conheci o curso de sua vida, desde uma idade até
a outra.
(341)
Que a inocência é o receptáculo de todas as coisas
do céu, e que assim a inocência das crianças é o plano
de todas as afeiçoes do bem e da verdade, é o que foi
mostrado anteriormente (números 276 a 283), quando se falou sobre
a inocência dos anjos no céu, a saber, que a inocência
consiste em querer ser guiado pelo Senhor e não por si próprio;
que, em conseqüência, o homem está tanto mais na inocência
quanto mais foi afastado de seu próprio; e quanto mais alguém foi
afastado de seu próprio, tanto mais está no Próprio do Senhor.
O Próprio do Senhor é o que se chama Justiça e Mérito
do Senhor. Mas a inocência das crianças não é a inocência real,
porque ela está ainda sem sabedoria. A inocência real é a sabedoria
porque, quanto mais alguém é sábio, tanto mais deseja ser guiado pelo
Senhor, ou, o que é a mesma coisa, quanto mais alguém é guiado
pelo Senhor, mais sábio é. As crianças são, pois, conduzidas
da inocência externa em que primeiro estão e que se chama
inocência da infância, para uma inocência interna, que é a inocência
da sabedoria. Esta inocência é o fim de toda a sua
instrução e de toda a sua progressão; por isso, quando chegam à inocência
da sabedoria, a inocência da infância, que lhes servira
de plano, lhes é então conjunta. Foi-me representada a inocência
das crianças por alguma coisa de lenhoso, quase privada de vida
e que é vivificada à proporção que, pelos conhecimentos
da verdade e pelas afeições do bem, elas são aperfeiçoadas.
Depois, foi-me representada a inocência real por uma belíssima criança,
inteiramente viva e nua. Com efeito, os inocentes mesmos, que estão
no céu íntimo e assim muito perto do Senhor, apresentam-se aos
olhos dos outros anjos como crianças e até nuas, porque a inocência
é representada por uma nudez de que não se peja, como se lê
a respeito do primeiro homem e de sua esposa no paraíso
(Gênesis 2:25). Por isso, também, é que, desde o momento em que
seu estado de inocência se perdeu, eles coraram de sua nudez e
se esconderam (Gênesis 3:7, 10 e 11). Em uma palavra, quanto
mais os anjos são sábios, mais são inocentes, mais aparecem como crianças.
É daí que a infância, na Palavra, significa a inocência
(ver o número 278).
(342)
Falando com os anjos a respeito das crianças, perguntei-lhes
se elas são puras dos males, pelo fato de que nelas não houve mal
ativo como nos adultos. Foi-me respondido que as crianças estão igualmente
no mal e que até elas mesmas não são outra coisa senão mal; mas são,
como todos os anjos, desviadas do mal e mantidas no bem
pelo Senhor, porém de modo que lhes pareça estarem por si próprias
no bem. É até por isso que as crianças, depois que se tornam
adultas no céu, para que não tenham sobre si próprias a falsa
opinião de que o bem que está nelas vem delas mesmas e não
do Senhor, são, às vezes, repostas em seus males, que receberam
do hereditário, e neles são deixadas até que saibam, reconheçam
e creiam que a coisa se passa assim. Um espírito, que
falecera criança mas tinha crescido no céu, tinha uma opinião semelhante;
fora filho de um rei; ele foi reposto na vida dos males, que era
inata nele, e então eu percebi, pela sua esfera de vida, que ele
era inclinado a mandar nos outros e considerava como coisa nenhuma
os adultérios; eram esses os males que ele recebera de seus pais
pelo hereditário. Mas, depois que ele reconheceu que era assim, foi novamente
recebido entre os anjos com os quais havia estado antes. Na outra
vida, o homem nunca é punido por um tal hereditário, porque
os males hereditários não lhe pertencem, e, por isso, ele não
é culpado por ser seu portador; mas é punido pelo ativo, que lhe
pertence e, por conseguinte, por todo o mal hereditário que praticou.
Se as crianças, uma vez adultas, são repostas em seu mal hereditário,
isso não é para serem punidas, mas para que saibam que, por
si próprias, são somente o mal e que, do inferno que está
nelas, são arrebatadas para o céu pela misericórdia do Senhor;
e para que saibam que estão no céu não por merecimento que lhes
pertença; assim, não podem gabar-se perante os outros do suposto bem
que está nelas, porque isso é... contra a verdade da fé.
(343)
Muitas vezes, quando algumas crianças estavam juntas em coro comigo, como
estivessem ainda na primeira idade da infância, eu as ouvia como
alguma coisa de harmonia não coordenada, de sorte que não agiam ainda
em unidade, como fazem depois que se tornam maiores. E o que
mais me surpreendeu foi que os espíritos que estavam comigo não
podiam deixar de dirigi-las em seu falar... mas observei, muitas
vezes, que as crianças resistiam, não querendo falar assim. Por várias
vezes percebi suas resistências e recusas, acompanhadas de uma sorte
de indignação e, quando tinham alguma liberdade de falar, diziam
apenas “Isto não é assim”. Fui instruído que essa é a tentação das
crianças, a fim de se habituarem não só a resistirem
ao falso e ao mal, mas também a não falarem e agirem
segundo pensamento de outrem, devendo deixar-se conduzir somente pelo
Senhor.
(344)
Pelo que acaba de ser referido, pede-se ver qual é a educação das
crianças no céu, isto é, pela inteligência da verdade e pela
sabedoria do bem elas são introduzidas na vida angélica, que é o
amor para com o Senhor e o amor mútuo, nos quais reside a inocência.
Muito diferente é a educação em certos países da terra, como
se vê por este exemplo:
eu me encontrava na praça de uma grande cidade terrena e vi meninos que se batiam entre si. A multidão que fluía olhava o espetáculo com muito prazer; eu soube que os próprios pais excitavam os filhos a tais combates. Bons espíritos e anjos que viam tais coisas, por intermédio de meus olhos, sentiam tanta aversão por elas, que eu percebia o seu horror, principalmente porque os próprios pais os incitavam à luta. Os bons espíritos e os anjos me diziam que, daquele modo, os pais extinguem na primeira idade das crianças todo o amor mútuo e toda a inocência que o Senhor nelas insinua e as iniciam nos ódios e nas vinganças. Em conseqüência eles, voluntariamente, tiram os filhos do céu, onde somente existe o amor mútuo. Que os pais que desejam o bem de seus filhos evitem tal comportamento.
(345)
Será explicada também a diferença entre os que morrem crianças e
os que morrem adultos. Os que morrem adultos têm e levam consigo
um plano que adquiriram no mundo terrestre e material. Esse
plano é a sua memória e afeição natural-corporal dessa memória...
Depois da morte, esse plano serve como o plano de seus
pensamentos. Daí vem que tal é o plano e o modo como o racional
corresponde às coisas que nele estão, tal é o homem depois
da morte. Mas os que morrem crianças e recebem sua educação
no céu não têm tal plano, mas um plano natural-espiritual, pois que
nada tiram do mundo material nem do corpo terrestre. Por isso eles
não podem estar em afeiçoes tão grosseiras nem em pensamentos que dai
provenham, pois tiram tudo do céu. Além disso, as crianças ignoram
que nasceram no mundo, mas pensam que nasceram no céu;
em conseqüência, elas não sabem também o que é um nascimento
senão o nascimento espiritual que se opera pelos conhecimento
do bem e da verdade, pela inteligência e sabedoria, segundo
as quais o homem é homem; e como essas coisas vêm
do Senhor, elas crêem e gostam de crer que são filhas
do Senhor Mesmo. Mas o estado dos homens que crescem na terra
pode tornar-se tão perfeito como o estado das crianças que crescem
no céu, se tais homens repelirem os amores corporais
e terrestres, que são os amores de si e do mundo,
e receberem em seu lugar os amores espirituais.
(39)
DOS SÁBIOS
E DOS SIMPLES NO CÉU
(346)
Crê-se que os sábios devem ter glória e eminência no céu mais
do que os simples, uma vez que se lê em Daniel 12:3:
“Os inteligentes resplandecerão como o fulgor do firmamento, e os justificadores de muitos resplandecerão como as estrelas na eternidade”.
Mas poucas pessoas sabem quais são os que se entendem pelos “inteligentes” e pelos que “justificam”. Vulgarmente se crê que são os que são chamados eruditos e sábios, principalmente os que ensinavam na igreja e excederam os outros pela doutrina e pela prédica, e mais ainda os dentre eles que converteram muitos à fé. Todos estes no mundo são considerados inteligentes, mas a verdade é que eles não são os inteligentes no céu, a menos que a inteligência deles seja celeste. A seguir se dirá quais são os inteligentes no céu.
(347)
A inteligência celeste é uma inteligência interior, oriunda do amor
pela verdade, não por causa de alguma glória no mundo nem
de alguma glória no céu, mas por causa da verdade mesma, pela
qual se é afetado e deleitado intimamente. Os que são afetados
e deleitados pela verdade mesma são afetados e deleitados pela luz
do céu e também pela Divina verdade; com efeito, são afetados
e deleitados pelo Senhor Mesmo, porque a luz do céu é a
Divina verdade e a Divina verdade é o Senhor no céu (vejam-se
os números 126 a 140). Essa luz penetra somente nos interiores
da mente, porque os interiores da mente foram formados para
a recepção dessa luz e, à proporção que ela entra, afeta e deleita,
porque tudo que influi do céu, e que é recebido, tem em si
um prazer e um deleite. Daí vem a afeição real pela verdade, que
é a afeição da verdade pela verdade. Aqueles que estão nessa afeição
ou nesse amor estão na inteligência celeste e resplandecem
no céu como o esplendor do firmamento. Resplandecem assim porque
a Divina verdade resplandece em toda a parte onde estiver
no céu (ver o número 132); e a expansão do céu, segundo
a correspondência, significa, tanto entre os homens como entre
os anjos, esse intelectual interior que está na luz do céu.
Ao contrário, aqueles que estão no amor da verdade por causa
da glória no mundo ou por causa da glória no céu não
podem resplandecer no céu, porque não são afetados e deleitados pela
luz mesma do céu, mas pela luz do mundo. A luz do mundo sem
a luz do céu não é outra coisa senão trevas. Pois a glória
de si próprio predomina, porque ela é o fim pelo qual agem e, como
essa glória é seu objetivo, o homem apenas considera a si mesmo
e somente considera as verdades que servem à sua glória como
meios para conseguir seu objetivo e como instrumentos a seu serviço;
e quem ama as Divinas verdades pela glória de si próprio
considera a si mesmo nas Divinas verdades sem considerar o Senhor
como sua fonte. Dai vem que tais homens estão na luz do mundo
e não na luz do céu. Na forma externa, eles, diante dos
homens, parecem tão inteligentes e sábios como os que estão
na luz do céu, porque se exprimem do mesmo modo e são
hábeis em fingir afeiçoes celestes. Mas a verdade é que
na forma interna, em que eles aparecem diante dos anjos, eles são
inteiramente outros. Assim se pode reconhecer quais são os que
se devem entender pelos “inteligentes” que resplandecerão no céu como
o esplendor do firmamento. A seguir, se falará dos que se devem
entender como “justificadores de muitos, que resplandecerão como
as estrelas”.
(348)
Pelos “justificadores de muitos” são entendidos os que são sábios.
No céu, são denominados sábios aqueles que estão no bem, e
lá estão no bem os que aplicam as divinas verdades
imediatamente à vida, porque a Divina verdade, quando se torna
coisa da vida, torna-se um bem. Com efeito, ela se torna coisa
da vontade e do amor, e tudo aquilo que pertence à vontade
e ao amor chama-se bem. Agindo assim, os “justificadores
de muitos” são chamados sábios, porque a sabedoria pertence
à vida. Mas os inteligentes” são os que não aplicam
as Divinas verdades imediatamente à vida, pondo-as primeiramente
na memória, de onde as tiram depois para aplicá-las. Para saber
em que uns e outros diferem nos céus, leiam-se os números 20 e 28,
em que se trata dos dois reinos do céu, o celeste e o
espiritual, bem como os números 29 a 40, em que se trata
da divisão dos céus. Os que estão no reino celeste
do Senhor, por conseguinte no terceiro céu ou céu íntimo, são
chamados justos [ ou justificadores], porque eles não se atribuem
coisa alguma da justiça, mas atribuem toda justiça ao Senhor...
É deles que o Senhor diz:
“Os justos resplandecerão como o sol no reino de seu Pai” (Mateus 13:43).
Eles resplandecem como sol, porque estão, pelo Senhor, no amor para com o Senhor e este amor é que se entende pelo sol (ver números 116 a 125). Também a luz entre eles é inflamada e as idéias de seu pensamento participam dessa claridade, porque eles recebem o bem do amor imediatamente do Senhor como Sol do céu.
(349)
Todos os que no mundo adquiriram inteligência e sabedoria são
recebidos no céu e se tornam anjos, cada um segundo
a qualidade e a quantidade de inteligência e de sabedoria.
Tudo o que o homem adquire no mundo, ele o guarda
e leva consigo depois da morte, e isso também é aumentado
e complementado, segundo o grau de sua afeição e de seu
desejo da verdade e do bem, mas não além desse grau. Aqueles que
tiveram pouca afeição e desejo recebem pouco, segundo o limite
do grau em que se encontram. Ao contrário, os que
tiveram muita afeição e desejo recebem muito... Sucede assim, porque
o amor, do qual procedem a afeição e o desejo, recebe
de acordo com sua intensidade; daí, quanto maior o amor, mais ele
recebe...
(350)
Todos os que amaram a verdade e o bem pela verdade e pelo
bem são recebidos no céu. Aqueles que os amaram muito são
os chamados sábios e os que os amaram pouco são os que são
chamados simples. Os sábios no céu estão em muita luz, mas os simples
no céu estão em uma luz menor, cada um segundo o grau
do amor do bem e da verdade. Amar o bem e a verdade
pelo bem e pela verdade é querê-los e fazê-los, porque
os que querem e fazem, esses amam, e não os que não querem
e não fazem, Aqueles são os que amam o Senhor e são amados
pelo Senhor, pois o bem e a verdade vêm do Senhor e, como
o bem e a verdade vêm do Senhor, o Senhor também está
neles, a saber, no bem e na verdade e, por conseguinte, também
nos que recebem o bem e a verdade e os amam e os praticam.
O homem, considerado em si mesmo, é absolutamente o seu bem
e a sua verdade, porque o bem pertence à sua vontade e a
verdade pertence ao seu entendimento e o homem, em si mesmo,
é sua vontade e seu entendimento. Daí é evidente que
o homem é tanto mais amado pelo Senhor quanto mais sua vontade foi
formada pelo bem e quanto mais seu entendimento foi formado pela
verdade...
(351)
No mundo, crê-se que os que sabem muito, tanto no que diz respeito
às doutrinas da Igreja como à Palavra ou às ciências, vêem
as verdades mais profundamente e com mais penetração do que
os outros e que, assim, eles têm mais inteligência e sabedoria,
e tais indivíduos têm de si próprios semelhante opinião. Mas vai-se
dizer agora, no que segue, o que é a verdadeira inteligência
e a verdadeira sabedoria, o que é a inteligência bastarda
e a sabedoria bastarda e o que é a falsa inteligência e a
falsa sabedoria. A verdadeira inteligência e a verdadeira sabedoria
consistem em ver e perceber o que é a verdade e o bem
e, por conseguinte, o que e o falso e o mal, e em fazer
entre eles uma justa distinção, e isto segundo uma intuição e uma
percepção interiores. Em cada homem há os interiores e
os exteriores. Os interiores são as coisas que pertencem
ao homem interno ou espiritual e os exteriores são as que
pertencem ao homem externo ou natural; e, conforme os interiores
são formados e fazem um com os exteriores, o homem vê
e percebe. Os interiores do homem só podem ser formados
no céu, mas os exteriores são formados no mundo. Quando os interiores
forem formados no céu, então esses interiores que estão lá influem
nos exteriores que procedem do mundo e os formam para
a correspondência, isto é, para que façam um com eles; quando isto
é feito, o homem vê e percebe pelo interior. Para que
os interiores sejam formados há somente um meio: que
o homem dirija seus olhares para o Divino e para o céu,
pois, como já se disse, os interiores são formados no céu.
E o homem dirige seus olhares para o Divino quando crê no Divino
e crê que do Divino procedem toda verdade e todo bem, por
conseguinte toda inteligência e toda sabedoria. E ele crê
no Divino quando quer ser guiado pelo Divino; assim, e não
de outro modo, são abertos os interiores do homem. O homem
que está nesta fé e na vida conforme está fé está no poder e
na faculdade de compreender e de ser sábio. Mas, para que ele
se torne inteligente e sábio, é necessário que ele aprenda
muitas coisas, não somente referentes ao céu, mas também
as referentes ao mundo. As que se referem ao céu por
meio da Palavra e as que se referem ao mundo por meio das
ciências. Quanto mais o homem as aprende e as aplica
à vida, mais se torna inteligente e sábio, porque tanto mais
a vista interior, que pertence ao entendimento, e a afeição
interior, que pertence `a vontade, são aperfeiçoadas. Os simples são
aqueles cujos interiores foram abertos, mas não tão cultivados pelas verdades
espirituais, morais, civis e naturais. Eles percebem as verdades
quando as ouvem, mas não as vêem em si mesmos. Os sábios
no céu são aqueles cujos interiores foram não só abertos mas também
cultivados. Eles vêem em si mesmos as verdades e as percebem.
Pelo que ficou dito, vê-se claramente o que é a verdadeira
inteligência e a verdadeira sabedoria. angeles-luz.es
(352)
A inteligência bastarda e a sabedoria bastarda consistem em não ver e
em não perceber pelo interior o que é a verdade e o bem
nem, por conseguinte, o que é o falso e o mal, mas somente
em crer que o que é dito por outros é a verdade e o
bem, ou o falso e o mal, e depois em confirmá-lo. Como
esses vêem a verdade não segundo a verdade, mas segundo outrem, eles
podem aprender a crer o falso como se fosse a verdade
e até confirmar que ele é verdadeiro... A luz pela qual eles
vêem não é, pois, a luz do céu, mas sim a luz do mundo, que
se chama luz natural. Nesta luz, os falsos podem brilhar como verdades
e até, quando forem confirmados, podem resplandecer, mas não na luz
do céu. Deste gênero, os menos inteligentes e os menos sábios
se confirmam profundamente e os mais inteligentes e mais sábios
se confirmam menos. Por este fato se vê o que é a inteligência
bastarda e a sabedoria bastarda. Todavia, neste gênero não estão
compreendidos aqueles que, na infância, consideraram como verdades
as coisas que ouviram de seus mestres se, na mocidade, quando
pensam por si próprios, não ficam presos a elas, mas desejam
a verdade e, segundo este desejo, a buscam e são por ela
afetados quando a encontram. Como são afetados pela verdade, eles
a confirmam. Isto vai ser ilustrado por um exemplo, Espíritos
discutiam entre si o seguinte. De onde vem que os animais nascem
em toda ciência conforme a sua natureza e não sucede
o mesmo com o homem ? Foi-lhes dito que a causa disso
é que os animais estão na ordem de sua vida, enquanto
o homem não está nela; por conseguinte, ele deve ser reintegrado
na ordem pelos conhecimentos e pelas ciências. Mas, se o homem
nascesse na ordem de sua vida, que é amar a Deus acima
de tudo e ao próximo como a si mesmo, ele cresceria
na inteligência e na sabedoria e, por conseguinte, na fé
de toda a Verdade, à proporção que os conhecimentos chegassem.
Os bons espíritos viram e perceberam que assim era, e isto
unicamente pela luz da verdade. Mas os espíritos que se tinham
confirmado na fé só e que tinham rejeitado o amor e a
caridade não puderam compreender o que foi dito, porque neles a luz
em que o falso foi confirmado obscureceu a luz da verdade.
(353)
A falsa inteligência e a falsa sabedoria são toda inteligência e toda
sabedoria que não reconhecem o Divino, porque os que não reconhecem
o Divino, mas a natureza em lugar do Divino, pensam pelo sensual
corporal e são meramente sensuais, por mais eruditos e sábios que
o mundo os julgue...Os clérigos que negam o Divino não elevam
seus pensamentos além dos sensuais que pertencem ao homem externo. Eles
encaram as coisas que pertencem à Palavra do mesmo modo que
encaram as ciências, não fazendo delas assunto de pensamento
racional, porque seus interiores foram fechados e, juntamente com eles,
os exteriores que estão mais próximos daqueles. Foram fechados, porque
tais clérigos desviaram-se do céu e inverteram as coisas que
podiam ter em vista o céu, as quais são os interiores
da mente humana, como já foi dito. Daí é que eles não podem ver
a verdade e o bem, pois para eles a verdade e o bem estão
nas trevas, enquanto o falso e o mal estão na luz. Contudo,
os homens sensuais podem raciocinar, alguns com mais habilidade
e penetração do que outros, mas pelas ilusões dos sentidos
confirmadas pelos seus científicos. E como podem raciocinar, eles crêem
também que são mais sábios que os outros. O fogo que abrasa os seus
raciocínios é o fogo do amor de si e do mundo. Tais são
os que estão na falsa inteligência e na falsa sabedoria, aos
quais se refere o Senhor em Mateus 13:13:
“Vendo, não vêem e ouvindo, não ouvem nem entendem”, bem como em Mateus 11:25:
“Ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste às crianças”.
(354)
Foi-me concedido falar com muitos eruditos depois de sua partida
do mundo, com alguns que foram muito célebres e afamados
no mundo sábio em virtude de seus escritos, e com alguns
outros não tão celebres, mas que tiveram uma sabedoria reservada em si
mesmos. Os eruditos que de coração negaram o Divino, ainda que
o tenham confessado de boca, tornaram-se tão estúpidos que mal podiam
compreender alguma verdade civil e muito menos ainda alguma verdade
espiritual. Percebi e até vi que seus interiores, que pertencem
à mente, tinham sido de tal modo fechados, que eles apareciam como
pretos (tais coisas no mundo espiritual se manifestam à vista),
e assim não podiam suportar luz alguma celeste nem, por conseqüência,
admitir influxo algum do céu. Essa negridão em que os seus
interiores apareceram eram mais intensa e extensa nos que se tinham
confirmado contra o Divino pelos científicos de sua erudição. Tais
homens, na outra vida, recebem com prazer o falso do qual
se embebem como uma esponja se embebe de água, e repelem
toda verdade como uma substância óssea repele o que cai sobre ela. Também
foi dito que os interiores dos que se confirmaram contra o Divino
e em favor da natureza foram ossificados. Foi dito, ainda, que sua
cabeça aparece calosa, estendendo-se até o nariz, indício de que eles
já não têm percepção alguma. Eles estão imersos em pântanos que
aparecem como charcos, onde são agitados pelas fantasias resultantes de suas
falsidades. O fogo infernal deles é uma cobiça de glória e
de fama, cobiça pela qual eles são levados a assaltar uns aos outros
e a atormentar com ardor infernal os que não lhes prestam culto como
a uma divindade... Em tais estados se muda toda a erudição
do mundo, quando ela não recebeu em si a luz do céu pelo
reconhecimento do Divino.
(355)
Que tal seja o estado desses eruditos no mundo espiritual... pode-se
concluir do fato de que todas as coisas que estão
na memória natural, e imediatamente conjuntas aos sensuais
do corpo, repousam e somente os racionais que foram delas tira
dos servem lá para o pensamento e para a linguagem.
O homem realmente leva consigo toda a memória natural, mas
as coisas que nela estão não ocorrem à sua intuição nem ao seu
pensamento, como quando ele vivia no mundo...
(356)
Entretanto aqueles que, pelos conhecimentos e ciências, adquiriram
inteligência e sabedoria, os quais são os que aplicaram todas
as coisas ao uso da vida, e ao mesmo tempo reconheceram
o Divino, amaram a Palavra e viveram uma vida espiritual moral,
a esses as ciências serviram de meios para se tornarem
sábios e também para corroborarem as coisas que dizem respeito
à fé. Os seus interiores, que pertencem à mente, foram
percebidos, e até vistos como transparentes à luz, como cor branca
brilhante, flamejante ou azul, como a dos diamantes, rubis
e safiras, que são transparentes segundo as confirmações a favor
do Divino e das verdades Divinas pelas ciências. A verdadeira
inteligência e a verdadeira sabedoria assim aparecem quando se manifestam
aos olhos no mundo espiritual; isso vem da luz do céu, que
é a Divina Verdade procedente do Senhor, de Quem emana toda
inteligência e toda sabedoria. Os planos dessa luz, nos quais
se apresentam variações, como as das cores, são os interiores
da mente... pois a mente interior do homem dirige a sua
vista para as coisas da memória natural e, aí, as que confirmam
são sublimadas, por assim dizer, pelo fogo do amor celeste
e purificadas em idéias espirituais... Daí é evidente que
o homem se torna espiritual pelos conhecimentos e pelas ciências
e que elas são meios de adquirir a sabedoria, mas unicamente
para aqueles que, pela fé e pela vida, reconheceram o Divino. Esses,
no céu, são até mais bem recebidos do que os outros e
lá estão entre os que ocupam o meio (ver o número 43),
porque eles estão, mais do que os outros, na luz. São esses,
no céu, os inteligentes e os sábios que resplandecem como
o esplendor do firmamento e que brilham como as estrelas. Os simples,
lá, são os que reconheceram o Divino, amaram a Palavra
e viveram uma vida espiritual-moral, mas cujos interiores pertencentes
à mente não foram tão cultos pelos conhecimentos e pelas ciências.
A mente humana é como o humo, que apresenta produção quando
é cultivado.
(40)
DOS RICOS
E DOS POBRES NO CÉU
(357)
Há diferentes opiniões a respeito da recepção no céu. Alguns são
da opinião que os pobres lá são recebidos e não
os ricos; alguns outros opinam que os ricos e os pobres são
lá igualmente recebidos; e outros dizem que os ricos não podem
ser recebidos exceto se renunciarem às suas posses e se tornarem
como pobres; cada um confirma a sua opinião pela Palavra. Mas
os que estabelecem quanto ao céu uma diferença entre ricos
e pobres, não compreendem a Palavra. A Palavra em seu
interior é espiritual, e na letra é natural; por isso,
os que compreendem a Palavra unicamente segundo o sentido
literal e não segundo algum sentido espiritual, caem no erro quanto
a muitas passagens, mormente quanto ao que se refere aos ricos
e aos pobres; por exemplo, que é tão difícil ao rico entrar
no céu como a um camelo passar pelo fundo de uma agulha,
e que é fácil aos pobres entrar lá porque são pobres, pela razão
que se diz:
"Bem-aventurados os pobres, porque deles é o reino dos céus" (Mat. 5:3; Luc. 6:20, 21).
Mas aqueles que conhecem alguma coisa do sentido espiritual da Palavra pensam de outro modo. Eles sabem que o céu é para todos os que vivem uma vida de fé e de amor, sejam eles ricos ou pobres. Mas, quais são os que se entendem na Palavra pelos ricos, e os que se entendem pelos pobres, é o que se dirá no que vai seguir. Segundo as numerosas conversações que tive com os anjos e a vida que passei com eles, foi-me dado saber com certeza que os ricos entram no céu tão facilmente como os pobres, e que o homem não é excluído do céu porque está na abundância, nem recebido no céu porque está na indigência. Lá há ricos, como pobres, e muitos ricos lá estão em uma glória e em uma felicidade maiores do que as dos pobres.
(358)
Em primeiro lugar, é bom que se diga que o homem pode adquirir
riquezas e aumentar a sua opulência tanto quanto lhe é dada
a ocasião de o fazer, contanto que não seja por velhacaria nem por
maus meios; pode comer e beber refinadamente, contanto que não faça
consistir nisto a sua vida; pode alojar-se com magnificência, segundo
a sua condição; pode, como os outros, conversar com outros,
freqüentar lugares de divertimento, confabular a respeito
de coisas do mundo. Não é necessário que ele ande devotadamente,
com o rosto triste, choroso e cabisbaixo, mas pode ser alegre
e prazenteiro. Não é também necessário que ele dê o que tem aos
pobres, senão na proporção que a afeição o levar. Em uma
palavra, ele pode viver na forma externa inteiramente como um homem
mundano, e isso não impede de forma alguma que o homem venha
ao céu, contanto que interiormente em si mesmo ele pense
a respeito de Deus como convém e proceda para com o próximo
com sinceridade e justiça. Porque o homem é tal quais são sua
afeição e seu pensamento, ou seu amor e sua fé; tudo que ele faz
nos externos tira dai sua vida, porque agir é querer, e falar
é pensar, pois que ele age segundo sua vontade e fala segundo seu
pensamento. Quando, pois, se diz na Palavra que o homem será
julgado segundo seus atos e será retribuído segundo suas obras,
se entende que o será segundo seu pensamento e sua afeição, dos
quais resultam os atas ou o que há nos atas, pois estes nada são
sem o pensamento e sem a afeição, e são tais quais são
o pensamento e a afeição. Daí é evidente que o externo
do homem nada faz, mas o que faz tudo é seu interno pelo qual
age o externo. Seja isto ilustrado por este exemplo: aquele que age com
sinceridade e a ninguém engana pela única razão que teme as leis,
a perda de sua reputação e por conseguinte a da honra
ou do lucro, e que, se esse temor não fosse para ele
um freio, enganaria tanto quanto o pudesse, seu pensamento e sua
vontade são a fraude, e contudo seus atas na forma externa
parecem sinceros. Este, sendo interiormente insincero e enganador, tem
em si o inferno. Ao contrário, aquele que age com sinceridade
e a ninguém engana pela razão que enganar é agir contra Deus
e contra o próximo, ele não desejaria enganar alguém mesmo quando
o pudesse; seu pensamento e sua vontade são a sua consciência,
este tem em si o céu. Os atos de um e de outro parecem
semelhantes na forma externa, mas na forma interna são inteiramente
dessemelhantes.
(359)
Como o homem, na forma externa, pode viver como um outro, pode
tornar-se rico, dar banquetes, morar e vestir-se esplendidamente, segundo
a sua condição e função, gozar das diversões e alegrias,
e ocupar-se de coisas mundanas em vista de seus empregos
e negócios e em vista da vida do espírito e do corpo,
contanto que interiormente reconheça o Divino e seja benévolo para
com o próximo, assim, é evidente que não é tão difícil, como
muitos crêem, andar no caminho do céu. A dificuldade única
é poder resistir ao amor de si e ao amor do mundo,
e impedir que eles predominem, porque daí procedem todos os males.
Que não seja tão difícil como se crê andar no caminho do céu, é o
que se entende por estas palavras do Senhor:
"Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas, pois o Meu jugo é suave e Meu fardo leve" (Mat. 11:29, 30);
se o jugo do Senhor é suave e Seu fardo é leve, é porque, quanto mais o homem resiste aos males que derivam do amor de si e do amor do mundo, mais ele é guiado pelo Senhor e não por si próprio, e depois o Senhor resiste aos males no homem e os afasta.
(360)
Confabulei, depois de suas mortes, com alguns espíritos que, enquanto
viveram no mundo, tinham renunciado ao mundo e se entregaram
a uma vida quase solitária, para se ocuparem de meditações
piedosas, desprendendo seus pensamentos das coisas mundanas, crendo assim
entrar no caminho do céu. Mas esses, na outra vida, são
de um caráter triste; desprezam os que não se lhes assemelham,
indignam-se porque não se lhes dispensam as atenções que pensam ter
merecido. Eles não se importam com os outros e se desviam dos
deveres da caridade, pelos quais existe a conjunção com o céu.
Desejam o céu mais do que os outros, mas, quando são levados,
para lá (onde estão os anjos), introduzem ansiedades que perturbam
a felicidade dos anjos; por isso são deles separados. Quando são
separados, dirigem-se para lugares desertos, onde passam uma vida semelhante
à que passavam no mundo. O homem somente pode ser formado para
o céu por meio do mundo; aí estão os efeitos em que
deve terminar a afeição de cada um e, se a afeição não
se produz por fora, ou não se manifesta em atos, o que
se dá nas sociedades terrenas, ela é abafada, de modo que
o homem afinal não considera mais o próximo, mas considera somente a
si próprio. Tudo isto mostra que o que leva ao céu é a vida
da caridade para com o próximo, a qual consiste em ser
justo e eqüitativo em toda obra e em toda função, e não uma
vida de piedade sem essa vida de caridade. Assim, os exercícios
da caridade e, por conseguinte, os incrementos da vida
de caridade podem ser tanto mais numerosos quanto o homem estiver nos
negócios e tanto menos numerosos quanto mais ele se afastar deles.
Falarei agora deste assunto, segundo experiência própria. Muitos dos que,
no mundo, se entregaram aos negócios e ao comércio, e por
eles se tornaram ricos, estão no céu; mas os que alcançaram
honras e riquezas por meio de funções existem lá em menor
número; e a razão é que estes, pelas vantagens e honras que lhes
foram dadas... foram levados a amar a si mesmos e ao mundo e,
por esse modo, desviaram do céu seus pensamentos e suas afeiçoes, e
os voltaram para si próprios. Quanto mais o homem se ama
e ama ao mundo, e considera em todas as coisas
a sua pessoa e o mundo, tanto mais se separa do Divino e
se afasta do céu. angely-sveta.ru
(361)
A sorte dos ricos no céu é tal que eles estão, mais do que
os outros, na opulência. Alguns dentre eles habitam em palácios
em cujo interior tudo resplandece como o ouro e a prata; eles
têm em profusão todas as coisas que servem aos usos da vida;
contudo, eles não põem o coração nessas coisas, mas nos próprios usos.
Eles consideram esses usos na claridade e na luz, e consideram
o ouro e a prata no escuro e na sombra. Isso se dá
porque, no mundo, eles amaram os usos, e amaram o ouro
e a prata somente como meios servindo os usos; os próprios usos
resplandecem assim no céu, o bem do uso como ouro e a
verdade do uso como prata. Tais foram, pois, os usos no mundo
para eles, tal é para eles a opulência, e tais são o seu
prazer e a sua felicidade. Os bons usos consistem em prover a
si mesmo e aos seus as coisas necessárias à vida,
em querer a abundância em consideração à pátria
e também ao próximo, ao qual o rico, mais do que
o pobre, pode fazer o bem de muitos modos. Assim, ele pode
afastar o seu espírito da vida ociosa, que é uma vida
perniciosa, porque nessa vida o homem pensa mal segundo o mal que
está implantado em si. Esses usos são bons enquanto tem em si
o Divino, isto é, na relação que o homem tem em vista
o Divino e o céu, e põe neles o seu bem, e vê nas
riquezas somente o bem que serve.
(362)
Mas inteiramente oposta é a sorte dos ricos que não creram no Divino
e rejeitaram de seu espírito as coisas que pertencem ao céu
e à Igreja. Esses estão no inferno, onde só encontram
imundícies, misérias e indigência. É nisto que se transformam
as riquezas que o homem ama como fim; e não só as riquezas
mas também os próprios usos que consistem em se entregarem
às volúpias e devassidões ou em se elevar acima dos outros,
que são desprezados. Como essas riquezas e esses usos nada têm em si
de espiritual, mas tudo neles é terrestre, eles se tornam
imundícies, porque o espiritual nas riquezas e nos usos das riquezas
é como a alma no corpo e como a luz do céu
em terreno úmido. E eles também se putrefazem como um corpo
sem alma e como uma terra úmida privada de luz. Tais são aqueles que
as riquezas seduziram e desviaram do céu.
(363)
Cada homem conserva depois da morte a sua afeição e o seu amor
dominante. Até na eternidade, esse amor não é extirpado, pois
o espírito do homem é absolutamente tal qual o seu amor. E,
o que é um arcano, o corpo de cada espírito e de cada
anjo é a forma externa de seu amor, absolutamente correspondente
à forma interna, que é a de seu espírito e de sua mente,
de onde resulta que os espíritos são conhecidos pela sua face, seus gestos
e sua linguagem. E o homem também seria conhecido do mesmo modo
quanto ao seu espírito enquanto ele vive no mundo se não tivesse
aprendido a simular, pela face, o gesto e a linguagem,
sentimentos que não são os seus. Daí se pode ver que o homem permanece
até a eternidade tal qual é a sua afeição ou o seu amor
dominante. Foi-me permitido falar com alguns que viveram há dezessete
séculos, e cuja vida é conhecida pelos Escritos da época,
e reconheci que o amor que então os impulsionava era
o mesmo que os dirigia ainda. Assim, pode-se ver que o amor das
riquezas e dos usos tirados das riquezas permanece em cada
um pela eternidade e que é absolutamente igual ao que foi
adquirido no mundo. As riquezas dos que se serviram delas para
bons usos são transformadas em coisas agradáveis segundo os usos, e
as riquezas dos que as utilizaram em maus usos são transformadas
em imundícies que, entretanto, têm para eles os mesmos deleites que
apresentavam neste mundo. As volúpias impuras e as devassidões que
foram os usos maus das riquezas e também a avareza, que é a
posse da riqueza sem uso, correspondem a imundícies.
As imundícies espirituais não são outra coisa.
(363)
Cada homem conserva depois da morte a sua afeição ou o seu amor
dominante. Até na eternidade, este amor não é extirpado pois
o espírito do homem é absolutamente tal qual é o seu amor.
E, o que é um arcano, o corpo de cada espírito e
de cada anjo é a forma externa de seu amor, absolutamente
correspondente à forma interna que é a de seu espírito e de sua
mente, de onde resulta que os espíritos são conhecidos quais são pela
face, pelos gestos e pela linguagem. E o homem também seria conhecido
do mesmo modo quanto ao seu espírito enquanto ele vive no mundo,
se não tivesse aprendido a simular, pela face, o gesto e a
linguagem, sentimentos que não são os seus. Daí se pode ver que
o homem permanece até a eternidade tal qual é sua afeição
ou seu amor predominante. Foi-me concedido falar com alguns que viveram
há dezessete séculos e cuja vida é conhecida pelos escritos dessa
época, e reconheci que o amor que então era o seu os dirige
ainda. Assim pode-se ver também que o amor das riquezas e do usos
tirados das riquezas permanece em cada um pela eternidade, e que
é absolutamente ta1 qual foi adquirido no mundo, com esta diferença,
porém, que as riquezas nos que se serviram delas para bons usos são
transformadas em coisas agradáveis segundo os usos, e que
as riquezas nos que as utilizaram em maus usos são transformadas
em imundícies que então têm para eles também os mesmos deleites que,
no mundo, as riquezas tiveram para maus usos. Se essas
imundícies têm então para eles encantos, é porque as volúpias impuras
e as devassidões que foram os usos das riquezas, e também
a avareza que é o amor das riquezas sem o uso, correspondem
a imundícies. As imundícies espirituais não são outra coisa.
(364)
Os pobres não vão ao céu por causa de sua pobreza, mas por causa
de sua vida. A vida de cada um o segue, seja ele rico
ou pobre. Não há misericórdia peculiar para um mais do que
para o outro (") ; quem viveu no bem é recebido,
e quem no mal viveu é rejeitado. Além disso, a pobreza,
do mesmo modo que a opulência, desvia e afasta o homem
do céu. Entre os pobres há um grande número dos que não estão
contentes com a sua sorte, que têm muita ambição e crêem que
as riquezas são bênçãos ("'); por isso, quando não as recebem,
se irritam e pensam mal da Providência Divina. Eles têm até
inveja dos bens dos outros. Além disso, enganam igualmente os outros
quando a ocasião se apresenta, e vivem ainda igualmente
em imundas voluptuosidades. Mas não sucede o mesmo aos pobres que
estão contentes com a sua sorte, que são cuidadosos e diligentes
em sua obra, que preferem o trabalho à ociosidade
e procedem com sinceridade e fidelidade, e que ao mesmo
tempo vivem vida cristã. Confabulei algumas vezes com espíritos que tinham sido
da classe dos camponeses e da plebe, e que, enquanto viviam
no mundo, tinham crido em Deus, e tinham agido com justiça
e retidão em seus trabalhos; esses, por estarem na afeição de saber
a verdade, informavam-se do que era a caridade e do que era
a fé, porque no mundo tinham ouvido falar muito da fé, enquanto
na outra vida ouviam falar muito da caridade; por isso se lhes
disse que a caridade é tudo que pertence à vida, e a fé tudo
que pertence à doutrina; que, assim, a caridade consiste
em querer e em fazer o justo e o reto em toda obra,
e a fé em pensar justamente e retamente; que a fé e a
caridade se unem como a doutrina e a vida segundo
a doutrina, ou como o pensamento e a vontade; que a
fé se torna caridade quando o que o homem pensa justa
e retamente ele também o quer e o faz; e que, desde que
isso se dá, eles não são duas, mas uma só coisa. Eles compreenderam
muito bem isso e ficaram muito contentes dizendo que não tinham
compreendido no mundo que crer fosse diferente de viver.
(365)
Pelo que precede pode-se ver que os ricos, bem como os pobres, vêm
para o céu e tão facilmente uns como os outros. Se se crê
que os pobres para lá vão facilmente e os ricos dificilmente
é porque a Palavra não é compreendida nas passagens em que
se fala dos ricos e dos pobres. Nelas, “ricos” significam,
no sentido espiritual, os que têm em abundância
os conhecimentos do bem e da verdade, assim os que estão
na igreja, onde há a Palavra; e os “pobres” os que não têm
esses conhecimentos e entretanto os desejam, assim como os que
estão fora da igreja, onde não há a Palavra.
[2] Pelo "rico” que estava vestido de púrpura e de fino linho, e que foi lançado no inferno, entende-se a nação judaica, que é chamada rica porque tinha a Palavra e por conseguinte os conhecimentos do bem e da verdade em abundância; pelas “vestimentas de púrpura” são significados os conhecimentos do bem, e pelas “vestimentas de fino linho” os conhecimentos da verdade (’). Ao contrário, pelo “pobre" que estava estendido perto do vestíbulo do rico, e desejava fartar-se com as migalhas que de sua mesa caíam, e que foi pelos anjos levado ao céu, entendem-se as nações que não tinham os conhecimentos do bem e da verdade e, contudo, os desejavam (Luc. 16: 19-31). Pelos “ricos” que foram convidados ao grande festim, e se desculparam, entende-se ainda a nação judaica, e pelos “pobres" introduzidos em lugar deles se entendem as nações que estavam fora da igreja (Luc. 14: 16 a 24)
[3] Vai-se dizer também quais são os que se entendem pelo “rico” e cujo respeito o Senhor diz:
“Mais fácil é um camelo passar pelo fundo da agulha, do que o rico entrar no reino de Deus” (Mat. 19:24). Nesta passagem, pelo “rico” entendem-se as riquezas em um e outro sentido, tanto o natural como o espiritual. No sentido natural, os ricos que têm riquezas em abundância e põem nelas seu coração. No sentido espiritual, os que têm abundância de conhecimentos e ciências – porque são estas as riquezas espirituais – e que por elas querem se introduzir pela própria inteligência nas coisas que pertencem ao céu e à igreja; e como isto é contra a ordem Divina, se diz que é mais fácil a um camelo passar pelo fundo de uma agulha. Neste sentido o camelo significa, com efeito, o cognitivo [faculdade de conhecer] e o científico em geral, e o “fundo de uma agulha” significa a verdade espiritual. Hoje não se sabe que o "camelo" e o "fundo de uma agulha” têm essas significações, porque até agora não foi descoberta a ciência que ensina o que é significado rio sentido espiritual pelas expressões que o sentido literal da Palavra encerra. Pois em cada coisa da Palavra há um sentido espiritual e também um sentido natural, porque a Palavra foi escrita por meio de puras correspondências das coisas naturais com as coisas espirituais, para que houvesse conjunção do céu com o mundo, ou dos anjos com os homens, depois que a conjunção imediata cessou. Assim se vê quais são os que são especialmente entendidos nessa passagem pelo rico.
[4] Que pelos “ricos", na Palavra, se entendem, no sentido espiritual, os que estão nos conhecimentos da verdade e do bem, e pelas “riquezas" os conhecimentos mesmos, que são também as riquezas espirituais, é o que é evidente por diferentes passagens (ver Isa. 10: 12, 13, 14; 30: 6, 7; 45: 3; Jer. 17: 3; 48: 7; 50: 36, 37; 51: 13; Dan. 5: 2-4; Eze. 26: 7, 12; 27: 1 a 36; Zac. 9: 3, 4; Sal. 45: 12; Os. 12: 9; Apoc. 3: 17, 18; Luc. 14: 33, e outras); e que pelos “pobres”, no sentido espiritual, se entendem os que não têm os conhecimentos do bem e da verdade e contudo os desejam, é o que se vê em Mat. 11: 5; Luc. 6: 20, 21; 14: 21; Isa. 14: 30; 29: 19; 41: 17, 18; Sof. 3: 12, 13. Todas estas passagens foram explicadas segundo o sentido espiritual, nos Arcanos Celestes (ver n.º 10.227).
(41)
DOS CASAMENTOS NO CÉU
(366)
Como o céu é composto do gênero humano e, conseqüentemente,
os anjos lá são de um e outro sexo; e como, por
criação, a mulher é para o homem e o homem para
a mulher, assim um pertence ao outro; e como este amor
é inato em um e outro, segue-se que há casamentos nos céus
como nas terras. Mas os casamentos nos céus diferem muito dos casamentos
nas terras; por isso, vai-se dizer agora em que consistem
os casamentos nos céus, em que eles diferem dos das terras e
em que eles são semelhantes.
(367)
O casamento nos céus é a conjunção de dois em uma mente única.
Direi primeiramente qual é essa conjunção. A mente consiste
em duas partes, das quais uma se chama entendimento e a outra
vontade. Quando estas duas partes fazem um, diz-se então que elas são uma mente
única. O marido faz a parte denominada entendimento, e a esposa
a que se chama vontade. Quando essa conjunção, que pertence aos
interiores, desce nos inferiores que pertencem ao seu corpo, ela
é então percebida e sentida como amor; este amor é o amor
conjugial. É, pois, evidente que o amor conjugial deriva a sua origem
da conjunção de dois em uma só mente. É isto que
no céu se chama coabitação, e daí é que se diz que
eles são não dois, mas um, e por isso dois esposos no céu são
chamados não dois anjos, mas um anjo.
(368)
Se há também tal conjunção do marido e da esposa nos íntimos que
pertencem às mentes é porque isso procede da criação mesma. Com
efeito, o homem nasce para ser intelectual, e assim para pensar pelo
entendimento, e a mulher nasce para ser voluntária, e assim para pensar
pela vontade. t mesmo o que se vê claramente pela índole
ou inclinação inata de um e de outro, como também por sua forma.
Pela índole, porque o homem age pela razão, e a mulher pela afeição;
pela forma, porque o homem tem a face mais rude e menos bela,
a palavra mais grave, o corpo mais duro; e a mulher, a face
mais delicada e mais bela, a palavra mais tema e o corpo mais
macio. Semelhante diferença há entre o entendimento e a vontade,
ou entre o pensamento e a afeição. Semelhante diferença
há também entre a verdade e o bem, e semelhante diferença
entre a fé e o amor; porque a verdade e a fé pertencem
ao entendimento, e o bem e o amor pertencem à vontade.
É daí que, na Palavra, pelo "jovem” e o “varão”
no sentido espiritual se entende o entendimento da verdade,
e pela “virgem” e a “mulher” se entende a afeição
do bem. ê também por isso que a igreja, segundo a afeição
do bem e da verdade, se chama “mulher” e também “virgem”,
e todos os que estão na afeição do bem se chamam
“virgens" (como no Apocalipse 14:4) (‘).
(369)
Cada um, seja homem ou mulher, possui um entendimento e uma
vontade, mas no homem predomina o entendimento e na mulher
predomina a vontade; e o ser humano é um ou o outro,
conforme o que predomina. Mas nos céus não há predomínio algum nos
casamentos, porque a vontade da esposa é também a
do marido, e o entendimento do marido é também o
da esposa, pois um ama querer e pensar como o outro, assim
mutuamente e reciprocamente; daí a sua conjunção em um. Esta
conjunção é uma conjunção real, pois a vontade da esposa entra
no entendimento do marido, e o entendimento do marido
na vontade da esposa, principalmente quando eles se olham face
a face, porque há, como já se disse acima muitas vezes, comunicação
dos pensamentos e das afeições nos céus, mormente entre esposos, porque
eles se amam mutuamente. Assim, é evidente que a conjunção das
mentes faz o casamento e produz o amor conjugial nos céus,
a saber, que ela consiste em que um quer que tudo que lhe pertence
pertença ao outro, e assim reciprocamente.
(370)
Os anjos disseram-me que, quanto mais dois esposos estão em uma tal
conjunção, mais eles estão no amor conjugial, e ao mesmo tempo
na inteligência, sabedoria e felicidade. Assim é, porque
a Divina verdade e o Divino bem, dos quais procedem toda inteligência,
toda sabedoria e toda felicidade, influem principalmente no amor
conjugial. Consequentemente, o amor conjugial é o plano mesmo
do influxo Divino, porque é ao mesmo tempo o casamento
da verdade e do bem, pois do mesmo modo que há conjunção
do entendimento e da vontade, assim também há conjunção
da verdade e do bem. Porque o entendimento recebe a Divina
verdade e até é formado pelas verdades, e a vontade recebe
o Divino bem e também é formada pelos bens, visto que o que
o homem quer isto é para ele um bem, e o que ele compreende
é para ele uma verdade. Daí resulta que é a mesma coisa dizer
conjunção do entendimento e da vontade, ou dizer conjunção
da verdade e do bem. A conjunção da verdade e do bem
faz o anjo e faz também a inteligência, a sabedoria e a
felicidade do anjo. Pois o anjo é anjo na relação
em que o bem foi nele conjunto à verdade e a verdade
ao bem, ou, o que é a mesma coisa, ele é anjo
na relação em que nele o amor foi conjunto à fé e a
fé ao amor.
(371)
Se o Divino que procede do Senhor influi principalmente no amor
conjugial, é porque o amor conjugial descende da conjunção
do bem e da verdade, porquanto, como se disse acima, quer
se diga conjunção do entendimento e da vontade, ou conjunção
do bem e da verdade, é a mesma coisa. A conjunção
do bem e da verdade tem sua origem do Divino amor do Senhor
para com todos os que estão nos céus e nas terras. Do Divino
amor procede o Divino bem, e o Divino bem é recebido, pelos
anjos e pelos homens, nas Divinas verdades. O único receptáculo
do bem é a verdade. É por isso que todo aquele que não está nas
verdades nada pode receber do Senhor, nem do céu. Quanto mais, pois,
as verdades no homem foram conjuntas ao bem, mais o homem
foi unido ao Senhor e ao céu. Daí é que vem a origem mesma
do amor conjugial. Por isso este amor é o plano mesmo do influxo
Divino. Daí é que a conjunção do bem e da verdade nos céus
se chama casamento celeste, e o céu, na Palavra,
é comparado a um casamento e também chamado casamento; e o
Senhor é chamado “Noivo" e “Marido”, e o céu com a igreja,
“noiva" e também “esposa”.
(372)
O bem e a verdade conjuntos no anjo e no homem não são dois, mas
um, porque então o bem pertence à verdade e a verdade
ao bem. Esta conjunção pode assemelhar-se ao que se dá
no homem, quando ele pensa o que quer e quer o que pensa,
pois então o pensamento e a vontade fazem um, assim uma mente única,
porque o pensamento forma ou apresenta em uma forma o que
a vontade quer, e a vontade lhe dá o deleite. Daí vem também que
dois cônjuges no céu se chamam não dois anjos mas um anjo.
É também o que se entende por estas palavras do Senhor:
“Não lestes que Aquele que [os] fez desde o princípio, macho e fêmea os fez, e disse: Por isso deixará o homem pai e mãe, e se unirá à sua esposa e serão dois numa só carne ? porque não mais são dois, mas uma carne. Aquilo que assim Deus conjungiu, o homem não separe... Nem todos compreendem tal palavra mas aqueles aos quais foi dado" (Mat. 19:4 a 6, 11; Mc. 10:6 a 9; Gên. 2:24).
Aqui se descreve o casamento celeste em que estão os anjos, e ao mesmo tempo o casamento do bem e da verdade. E por estas palavras "que o homem não separe o que Deus conjungiu", se entende que o bem não deve ser separado da verdade.
(373)
Pelo que precede, pode-se ver agora de onde provém o amor verdadeiramente
conjugial, a saber: é primeiro formado nas mentes dos que estão
no casamento, e depois desce e é conduzido no corpo, e aí
é percebido e sentido como amor, porque tudo que é sentido
e percebido no corpo tira a sua origem de seu espiritual,
pois tira-a do entendimento e da vontade; o entendimento
e a vontade constituem o homem espiritual. Tudo que desce
do homem espiritual no corpo, nele se apresenta sob uma outra
aparência; contudo, é semelhante e unânime, como a alma e o
corpo e como a causa e o efeito, como se pode ver pelo que
se disse e se mostrou nos dois artigos sobre
as correspondências.
(374)
Ouvi um anjo descrever o amor verdadeiramente conjugial e seus
prazeres celestes, declarando que é o Divino do Senhor nos céus, isto
é, o Divino bem e a Divina verdade unidos em dois entes,
ao ponto de serem não dois, mas um. Ele dizia que dois cônjuges
no céu estão nesse amor porque cada um é seu bem e sua verdade,
não só quanto à mente, mas também quanto ao corpo; porque
o corpo é a efígie da mente, pois foi formado à sua
semelhança. Daí, ele induzia que o Divino está em efígie em dois
esposos que estão no amor verdadeiramente conjugial; e que
o Divino estando assim retratado, o céu também o está, porque o céu
inteiro é o Divino bem e a Divina verdade que procedem
do Senhor. E daí vem que nesse amor foram inscritas todas
as coisas do céu, e tantas bem-aventuranças e delícias, que
elas excedem um número que ele exprimia por uma palavra compreendendo
miríades de miríades. Ele se admirava de que o homem
da igreja nada soubesse a respeito, quando, entretanto, a igreja
é o céu do Senhor nas terras, e o céu é o casamento
do bem e da verdade. Ele dizia que ficava estupefato pensando que
é dentro da igreja, mais do que fora dela, que se cometem
e que também se confirmam adultérios, cujo prazer em si não é,
no sentido espiritual e por conseguinte no mundo espiritual,
mais do que um prazer do amor do falso conjunto
ao mal, prazer que é prazer infernal, porque é inteiramente
oposto ao prazer do céu, que é o prazer do amor
da verdade conjunta ao bem.
(375)
Sabe-se que dois cônjuges que se amam são unidos mais interiormente,
e que o essencial do casamento é a união dos espíritos
ou das mentes. Daí também pode-se saber que, quais são em si
os espíritos ou as mentes, tal é a união, e também tal
é entre eles o amor. A mente é unicamente formada
de verdades e de bens, porque tudo que existe no universo
se refere ao bem e à verdade e também à sua conjunção;
por isso a união das mentes é absolutamente tal quais são
as verdades e os bens de que elas foram formadas. Donde resulta
que a união das mentes que foram formadas de verdades e de bens
genuínos é a mais perfeita. Deve-se saber que nada se ama mutuamente
mais do que a verdade e o bem; por isso, é desse amor que
descende o amor verdadeiramente conjugial (4). O falso e o mal
também se amam, mas este amor se converte depois em inferno.
(376)
Pelo que acaba de ser dito sobre a origem do amor conjugial,
pode-se concluir quais os que estão no amor conjugial e quais
os que não estão. No amor conjugial estão os que pelas Divinas
verdades estão no Divino bem; e quanto mais as verdades que
estão conjuntas ao bem são reais, mais o amor conjugial é real.
E como todo bem que é conjunto às verdades vem do Senhor,
segue-se que ninguém pode estar no amor verdadeiramente conjugial exceto
se reconhecer o Senhor e Seu Divino, porque sem este
reconhecimento o Senhor não pode influir nem ser unido às verdades
que estão no homem.
(377)
Assim, é evidente que não estão no amor conjugial os que estão nos
falsos, nem com mais forte razão os que estão nos falsos do mal. Nos
que estão no mal e por conseguinte nos falso",
os interiores que pertencem à mente também foram fechados. Por isso,
não pode existir aí origem alguma do amor conjugial; mas, por baixo
dos interiores, no homem externo ou natural separado do homem
interno, há uma conjunção do falso e do mal, conjunção
denominada casamento infernal. Foi-me permitido ver qual é o casamento
entre os que estão nos falsos do mal, casamento que é chamado
infernal: há entre eles conversas e conjunções lascivas, mas
interiormente eles ardem um contra o outro em um ódio mortal que
é tão grande, que não pode ser descrito.
(378)
Não há também amor conjugial entre duas pessoas que são de religiões
diferentes, porque a verdade de uma não concorda com o bem
da outra, e duas coisas dessemelhantes e discordantes não podem
de duas mentes fazer uma só; por isso, a origem de seu amor nada
tira do espiritual. Se coabitam e concordam, é somente por
causas naturais ('"). É por esta razão que os casamentos nos
céus se contratam com pessoas que pertencem à mesma sociedade –
porque elas estão em um semelhante bem e em uma semelhante verdade –
e não com as que são de fora dessa sociedade. Que todos
os que estão em uma mesma sociedade se acham em um
semelhante bem e em uma semelhante verdade, e diferem dos que estão
fora dessa sociedade, é o que se vê acima (n.º 41 e seguinte).
É também o que foi representado na nação israelita, pelo fato
de os casamentos serem contratados dentro das tribos
e particularmente dentro das famílias, e não fora delas.
(379)
O amor verdadeiramente conjugial não pode existir entre um marido
e muitas esposas, porque isso aniqüila a sua origem espiritual, que
consiste em que de suas mentes seja formada uma só. Por conseguinte,
isso aniquila a conjunção interior, isto é, a do bem e
da verdade, da qual provém a essência mesma desse amor.
O casamento com mais de uma esposa é como um entendimento
dividido entre muitas vontades, e como um homem ligado não a uma
só igreja mas a muitas, porque assim a sua fé é dividida
de modo a se tornar nula. Os anjos dizem que
é absolutamente contra a ordem Divina ter muitas esposas; e que
eles sabem isso por muitas causas, e também por isto: desde que pensam
a respeito do casamento com mui-tas, eles são privados
da bem-aventurança interna e da felicidade celeste, e então
ficam como ébrios, porque o bem neles é separado de sua verdade.
E como os interiores pertencentes à sua mente entram em um
tal estado simplesmente pelo pensamento unido com alguma intenção, eles
percebem claramente que o casamento com mais de uma esposa fecha
o seu interno e faz que, em vez do amor conjugial,
se introduza um amor lascivo que desvia do amor do céu. Eles
dizem, além disso, que o homem dificilmente compreende isto, porque
há poucas pessoas que estejam no amor conjugial genuíno, e que
aqueles que não estão nele nada sabem absolutamente do prazer interior que
reside nesse amor, pois só conhecem um prazer lascivo que se muda
em tédio depois de uma curta coabitação, enquanto o prazer
do amor verdadeiramente conjugial não só dura até a velhice
no mundo, mas ainda se torna um prazer do céu depois
da morte, e então, interiormente, um prazer que é aperfeiçoado
durante a eternidade. Eles até me disseram que as bem-aventuranças
do amor verdadeiramente conjugial podem se contar por vários
milhares, e que não há uma só delas que seja conhecida
do homem, nem que possa ser percebida pelo entendimento de quem não
estiver pelo Senhor no casamento do bem e da verdade. anges-lumiere.fr
(380)
O amor da dominação de um dos cônjuges sobre o outro dissipa
inteiramente o amor conjugal e seu prazer celeste. Isso porque, como
já se disse, o amor conjugal e seu prazer consistem em que
a vontade de um seja a do outro e vice-versa. O amor
de dominar destrói isso no casamento, porque aquele que domina quer
unicamente que sua vontade esteja no outro e, por outro lado, que
a vontade do outro nele seja nula, de onde resulta que não
há coisa alguma de mútuo, por conseguinte comunicação alguma
de amor e de prazer desse amor com o outro. Entretanto, essa
comunicação e, por conseguinte, conjunção constituem no casamento
o prazer interior mesmo, que se chama bem-aventurança. O amor
da dominação extingue inteiramente essa bem-aventurança e com ela
extingue o celeste e todo o espiritual do amor conjugal,
a tal ponto que não se sabe se ele existe. E, se se falasse
a respeito dessa bem-aventurança, ela seria considerada com tanto desprezo
que sua menção seria motivo de riso ou de enfurecimento. Quando
um quer o que a outra quer, ou quando uma quer o que
o outro quer, há liberdade para ambos, porque toda liberdade pertence
ao amor. Mas não há liberdade para qualquer deles quando
há dominação: um é escravo e o que domina também é escravo,
porque ele é dominado pela cobiça de dominar. Mas isto não
é compreendido por quem não sabe o que é a liberdade
do amor celeste. Entretanto, a verdade é que, sendo o amor
conjugal inteiramente livre, quanto mais a dominação entrar, mais
as mentes são divididas. A dominação subjuga e a mente subjugada
ou não tem vontade ou é de vontade oposta; se não tem vontade,
também não tem amor; se é de vontade oposta, o ódio toma o lugar
do amor. Os interiores dos que vivem em um tal casamento estão
em colisão entre si como estão ordinariamente dois opostos, ainda que
extremamente sejam refreados... A colisão e o combate de seus
interiores se manifestam depois da morte. Eles geralmente
se encontram e, então, combatem entre si como inimigos e se dilaceram
mutuamente, porque então agem segundo o estado de seus interiores.
Foi-me permitido ver, algumas vezes, seus combates e dilaceramentos,
e alguns deles estavam cheios de vingança e de crueldade. Com
efeito, na outra vida os interiores de cada um são postos
em liberdade e não mais são retidos pelos externos como eram neste
mundo por diferentes causas, porque então cada um é tal qual
é interiormente.
(381)
Em alguns (casais) existe uma aparência de amor conjugal, mas
a verdade é que, se eles não estão no amor do bem e
da verdade, não estão no verdadeiro amor conjugal. Permanecem
em tal amor aparente, a fim de serem servidos no lar,
sentirem-se sossegados, tranqüilos ou ociosos, protegidos nas doenças
ou velhice, ou tendo em vista o interesse comum pelos
filhos... O amor conjugal difere também nos esposos: em um pode haver
mais ou menos, em outro pouco ou nenhum; em face dessa
diferença, pode ser o céu para um deles e o inferno para
o outro.
(382)
(Primeiro). O amor conjugal genuíno está no céu íntimo, porque
lá os anjos estão no casamento do bem e da verdade,
e também na inocência. Os anjos dos céus inferiores também estão
no amor conjugal, mas na proporção em que estão
na inocência, porque o amor conjugal, considerado em si mesmo, é
um estado de inocência. Por isso, entre cônjuges que estão
no amor conjugal, há prazeres celestes que, diante de suas
almas, são brinquedos inocentes quais e semelhantes aos das crianças,
porque tudo é prazer para sua alegria em pois o céu influi com
sua alegria em cada coisa de sua vida. É por isso que o amor
conjugal é representado no céu pelas formas mais belas. Vi esse
amor representado por uma virgem de beleza inexprimível, envolta
em uma nuvem de alvura brilhante. Disseram-me que os anjos
no céu tiram toda a sua beleza do amor conjugal.
As afeições e os pensamentos provenientes desse amor são
representados por auras diamantinas que cintilam como carbúnculos e rubis,
e isso com deleites que afetam os interiores das mentes. Em uma
palavra, o céu integra o amor conjugal, porque o céu nos anjos
é a conjunção do bem e da verdade e esta conjunção faz
o amor conjugal.
(382)
(Segundo). Os casamentos nos céus diferem dos casamentos nas terras,
porque os casamentos nas terras são também para a procriação
de filhos, o que não sucede nos céus. Em vez dessa procriação há nos
céus uma procriação do bem e da verdade. Essa procriação substitui
a outra, porque procede do casamento do bem e da verdade,
como acima se mostrou, e porque neste casamento ama-se, acima
de tudo, o bem e a verdade e sua conjunção. Assim, pois,
os bens e verdades são propagados pelos casamentos nos céus.
É dai que, pelas “natividades” e “gerações”, na Palavra, são
significadas as natividades e as gerações espirituais, que são
as do bem e da verdade; por “mãe” e “pai”, a verdade conjunta
ao bem que procria; pelos “filhos” e “filhas”, as verdades e
os bens que são procriados; pelos “genros” e “noras”, as conjunções
dessas verdades e desses bens, e assim por diante. Daí vem que
os casamentos nos céus não são como os casamentos nas terras; nos
céus há núpcias espirituais que não devem ser chamadas núpcias, mas
conjunções das mentes pelo casamento do bem e da verdade. Nas terras,
porém, há núpcias, porque elas dizem respeito não somente ao espírito
mas também à carne; e, como não núpcias nos céus, cônjuges ali não tem
o nome de marido e esposa, mas cada um dos cônjuges, pela
idéia angélica da conjunção de duas mentes em uma só,
e chamado por um nome que significa o mútuo do outro e,
assim, reciprocamente. Desse modo, se pode saber como devem ser entendidas
as palavras do Senhor sobre as núpcias (Lucas 20:35 e 36).
(383)
Foi-me permitido ver também como os casamentos se contraem nos céus.
Em toda a parte no céu, os que são semelhantes são
consociados, e os que são dessemelhantes são separados; por isso, cada sociedade
do céu se compõe de anjos que se assemelham.
Os semelhantes vão ter com os semelhantes, não por si próprios,
mas pelo Senhor (ver números 41, 43 e 44). Dá-se o mesmo com
o esposo e a esposa, cujas mentes podem ser conjuntas em uma só.
Por isso, logo que se vêem, eles se amam intimamente, sentem-se como
esposo e esposa e entram em casamento; daí é que todos
os casamentos no céu vêm do Senhor. Também celebram-se festas,
o que é realizado em uma reunião numerosa; as festividades
diferem segundo as sociedades.
(384)
Os casamentos na terra, sendo as sementeiras do gênero humano, e
os casamentos dos anjos do céu (...) sendo de origem espiritual,
isto é, casamentos do bem e da verdade sob a influência
do Divino do Senhor, disso resulta que, aos olhos dos anjos
do céu, eles são santíssimos. E, em ordem inversa,
os adultérios, sendo contrários ao amor conjugal, são considerados
pelos anjos como profanos. Pois do mesmo modo que, nos casamentos,
os anjos consideram o casamento do bem e da verdade, que
é o céu; do mesmo modo, nos adultérios, eles consideram
um casamento do falso e do mal, que é, portanto, o inferno.
Por isso, quando ouvem pronunciar a palavra adultério, eles
se afastam. É também por isso que o céu é fechado
ao homem quando ele comete um adultério por prazer; e, quando
o céu lhe é fechado, o homem não mais reconhece o Divino
nem coisa alguma da fé da igreja. Que todos os que estão
no inferno sejam contra o amor conjugal é o que me foi
permitido perceber pela esfera que dali se exalava, e que era como
um perpétuo esforço para dissolver e violar os casamentos. Por
essa esfera pude convencer-me de que o prazer que reina
no inferno é o prazer do adultério, e que o prazer
do adultério é também o prazer de destruir a conjunção
do bem e da verdade, conjunção que faz o céu. Daí resulta que
o prazer do adultério é o prazer infernal, diametralmente oposto
ao prazer do casamento, que é o prazer celeste.
(385)
Havia certos espíritos que, por um hábito contraído na vida
do corpo, infestavam-me com uma habilidade particular, que senti como
um influxo brando semelhante ao influxo dos espíritos probos. Mas
percebi que havia neles astúcias e outras coisas semelhantes, com
o fim de seduzir e enganar. Dirigi a palavra a
um deles que havia sido comandante de exército ¾ segundo me disseram ¾ quando vivia neste mundo. E, como percebi que havia lascívia nas
idéias de seu pensamento, conversei com ele a respeito
do casamento em uma linguagem espiritual com representativos que
exprimiam plenamente os sentimentos... disse-me ele que, na vida
do corpo, tinha considerado os adultérios como coisa nenhuma. Foi-me
permitido responder-lhe que os adultérios são abomináveis, ainda que, aos
olhos dos que os cometem, pareçam ¾ por causa do prazer que eles encontram ¾ que não são tais, e até que são lícitos. Eu lhe disse ainda
que ele devia também saber que os casamentos são as sementeiras
do gênero humano e, por isso mesmo, as sementeiras do reino
celeste, não devendo, portanto ser violados, mas sim encarados como santos.
Ademais, ele devia saber, por se achar na outra vida e em estado
de percepção, que o amor conjugal desce do Senhor pelo céu,
e que deste amor, como de um pai, deriva o amor mútuo, que
é o fundamento do céu, e, ainda mais, que os adúlteros, por
pouco que se aproximem das sociedades celestes, percebem o cheiro
infecto que está neles, e se precipitam dali para o inferno.
Continuei, dizendo-lhe que, pelo menos, ele teria podido saber que violar
os casamentos é agir contra as leis Divinas, contra as leis
civis de todos os países e contra a luz real da razão,
pois é agir não somente contra a ordem Divina, mas também contra
a ordem humana; e outras coisas mais. Ele respondeu-me, porém, que
não tinha tido tais pensamentos na vida (...).
(386)
Foi-me mostrado como os prazeres do amor conjugal progridem
na ascensão ao céu e como os prazeres do adultério
progridem na descida ao inferno. A progressão do amor
conjugal para o céu consiste em bem-aventuranças e felicidades
continuamente, cada vez mais numerosas, até se tornarem inúmeras
e inefáveis. Percebi que eram tanto mais numerosas e inefáveis quanto
mais a progressão era interior, de tal sorte que elas alcançavam as bem-aventuranças
e as felicidades mesmas do céu interno, ou céu
da inocência, em plena liberdade... Mas a progressão
do adultério na descida ao inferno se processava por graus
até ao inferno mais profundo, onde só havia crueldade e horror.
Tal é a sorte que espera os adúlteros depois de sua vida
no mundo. Por adúlteros se entendem aqueles que sentem prazer nos
adultérios e não encontram prazer algum nos casamentos.
(42)
DAS FUNÇÕES
DOS ANJOS NO CÉU
(387)
As funções nos céus não podem ser enumeradas nem descritas em particular,
mas se pode dizer só alguma coisa em geral, porque elas são
inúmeras e, além disso, variadas segundo os deveres das sociedades. Cada
sociedade tem um dever peculiar, porque as sociedades, tendo sido
distribuídas segundo os bens (ver n.º 41), elas o foram, portanto,
segundo os usos, porque os bens em todas elas, nos céus, são
bens em ato, que são usos. Aí cada um presta um uso, pois
o reino do Senhor é o reino dos usos.
(388)
Há nos céus, como nas terras, um grande número de administrações,
porque há negócios eclesiásticos, civis e domésticos. Vê-se que
há negócios eclesiásticos pelo que se disse e se explicou
a respeito do culto Divino (n.ºs 221-227); negócios civis, pelo que
se disse e se mostrou sobre os governos no céu (n.ºs 213-220);
e negócios domésticos, pelo que se disse sobre as habitações e
as moradas dos anjos (n.ºs 183-190) e sobre os casamentos
no céu (n.ºs 366-386). Dai é evidente que há um grande número
de funções e de administrações dentro de cada sociedade celeste.
(389)
Todas as coisas nos céus foram instituídas segundo a ordem Divina,
que é observada em toda a parte pelos anjos, por via das
administrações. Os mais sábios administram as coisas do bem
comum ou do uso comum; os que são menos sábios administram as do
bem ou do uso particular, e assim por diante. Essas coisas foram
subordinadas absolutamente do mesmo modo que na ordem Divina foram
subordinados os usos. Daí também, a cada função foi adjunta uma
dignidade conforme a dignidade do uso. O anjo, porém, não
atribui a si próprio a dignidade, mas dá toda ela ao uso;
e como o uso é o bem que ele faz, e todo bem vem
do Senhor, ele a dá, por conseguinte, toda ao Senhor. Aquele,
pois, que pensa na honra para si e por conseguinte para o uso,
e não para o uso e por conseguinte para si, não pode exercer
ofício algum no céu, porque ele volta as costas ao Senhor,
pondo-se em primeiro lugar e pondo o uso em segundo. Quando
se diz uso entende-se também o Senhor, porque o uso é, como
acaba de ser dito, o bem, e o bem procede do Senhor.
(390)
Daí se pode concluir quais são as subordinações nos céus,
a saber, que conforme cada um ama, estima e honra o uso,
do mesmo modo também ele ama, estima e honra a pessoa a que
esse uso foi adjunto. A pessoa é também amada, estimada
e honrada tanto quanto ela atribuir o uso não a si própria, mas
ao Senhor, porque quanto mais ela é sábia, mais os usos que ela
presta são praticados segundo o bem. O amor, a estima e a
honra espirituais são simplesmente o amor, a estima e a honra
do uso na pessoa; e a honra da pessoa vem do uso,
e não o uso da pessoa. Quem considera os homens segundo
a verdade espiritual, não os considera também de outro modo,
pois vê todo homem semelhante a um outro, seja ele revestido
de uma dignidade grande ou pequena, mas vê a diferença somente
na sabedoria. E a sabedoria consiste em amar o uso, assim
o bem do concidadão, da sociedade, da pátria e
da igreja. Nisto consiste o amor para com o Senhor, porque
do Senhor procede todo bem que é um bem do uso; e nisto
consiste ainda o amor para com o próximo, porque o próximo
é o bem que se deve amar no concidadão, na sociedade,
na pátria e na igreja, e que se lhes deve fazer.
(391)
Todas as sociedades nos céus foram discriminadas segundo os usos,
pois foram discriminadas segundo os bens, como se disse (n.ºs 41
e seg.), e estes bens são bens em ato, ou bens
da caridade, que são usos. Há sociedades cujas funções são
de cuidar das crianças; outras, cujas funções consistem em dar-lhes
a instrução e a educação, quando elas crescem; outras que igualmente
instruem e educam os meninos e as meninas que são de boa
índole pela educação que receberam no mundo, e que de lá vêm
ao céu; outras ensinam as pessoas simples e boas do mundo
cristão e as conduzem no caminho do céu; outras ensinam
igualmente as diversas nações; outras protegem os espíritos noviços
que vêm recentemente do mundo, da infestação dos maus espíritos.
Há também os anjos adjuntos aos espíritos que estão na terra
inferior, e os há ainda adjuntos aos que estão nos infernos para
os moderarem, a fim de que eles não se atormentem
mutuamente além de limites prescritos. Também os há adjuntos aos que
são ressuscitados dentre os mortos. Em geral, anjos de cada
sociedade são enviados para os homens a fim de guardá-los
e desviá-los das afeições e dos pensamentos maus; para lhes inspirar,
tanto quanto estes as recebem livremente, afeições boas pelas quais eles
dirigem as ações ou as obras dos homens, removendo o quanto
possível as intenções más. Os anjos, quando estão nos homens,
habitam, por assim dizer, em suas afeições, e mais perto
do homem conforme este se acha no bem pelas verdades,
e mais longe conforme ele se afasta do bem por sua vida. Mas
todas estas funções dos anjos são funções do Senhor pelos anjos, porque
os anjos as desempenham não por si próprios, mas pelo Senhor.
Daí é que pelos "anjos” se entendem, na Palavra,
em seu sentido interno, não anjos, mas algo do Senhor; e por
isso é que os anjos, na Palavra, são chamados “deuses” (4).
(392)
Essas funções dos anjos são as suas funções comuns, mas no particular
cada um tem seu encargo, porque cada uso comum se compõe de usos
inúmeros denominados usos médios, usos ministrantes e usos subservientes.
Todos e cada um foram coordenados e subordinados segundo a ordem
Divina, e tomados juntos eles fazem e completam o uso comum, que
é o bem comum.
(393)
Nas funções eclesiásticas do céu estão aqueles que, no mundo, amaram
a Palavra e pela afeição nela procuraram as verdades não por
causa da honra ou do lucro, mas por causa do uso de sua
vida e da vida dos outros. Esses, segundo o amor e o desejo
do uso, estão lá na iluminação e na luz da sabedoria, que
eles adquirem também pela Palavra nos céus, a qual é espiritual
e não natural como no mundo (ver n.º 259). Eles desempenham funções
de pregadores; e aí, segundo a ordem Divina, estão colocados
em uma posição superior à dos que pela iluminação excedem
os outros em sabedoria.
[2] Nas funções civis estão aqueles que, no mundo, amaram a pátria e seu bem comum mais do que seu bem próprio, e exerceram o justo e o reto segundo o amor do justo e do reto. Quanto mais eles procuraram, pelo desejo de seu amor, as leis do justo e, por conseguinte se tornaram inteligentes, mais eles estão na faculdade de exercer cargos no céu. E eles os desempenham também na posição ou no grau em que está a sua inteligência, que também está em um grau igual ao de seu amor do uso pelo bem comum.
[3] Além disto, há no céu tantos ofícios, tantas administrações e também tantos trabalhos, que é impossível enumerá-los, por causa da sua quantidade. Os do mundo são relativamente em pequeno número. Todos os anjos, sem exceção alguma, estão no prazer de sua obra e de seu trabalho, segundo o amor do uso, e nenhum deles nele está pelo amor de si ou do lucro. Nenhum deles também tem o amor do lucro em vista da vida, porque todas as necessidades da vida lhes são dadas de graça. Eles moram, são vestidos e alimentados gratuitamente. Daí, é evidente que os que amaram a si próprios e amaram ao mundo mais do que o uso, não têm parte alguma no céu, porquanto cada um, depois da vida no mundo, conserva seu amor ou sua afeição, o que durante a eternidade não pode ser extirpado (ver n.º 363).
(394)
No céu, cada um está em sua obra segundo a correspondência;
e a correspondência existe, não com a obra, mas com o uso
de cada obra (ver n.º 112); e há correspondência de todas
as coisas (n.º 106). Aquele que, no céu, está em uma função
ou em uma obra que corresponde a seu uso, acha-se em um estado
de vida absolutamente semelhante ao estado em que ele esteve
no mundo, porque o espiritual e o natural fazem um pelas
correspondências, com a diferença, porém, que ele está em um prazer
interior por se achar na vida espiritual, vida que é interior,
e por conseguinte mais susceptível de receber a bem-aventurança
celeste.
(43)
DA ALEGRIA
E DA FELICIDADE CELESTES
(395)
Dificilmente se encontra hoje alguém que saiba o que é o céu e
em que consiste a alegria celeste. Aqueles que pensaram sobre essas
coisas conceberam uma idéia tão geral e tão grosseira a respeito, que
mal se pode dizer que eles tenham tido alguma idéia. Pelos espíritos que
vêm da terra para a outra vida, pude saber perfeitamente qual
a noção que eles tiveram do céu e da alegria celeste.
Se ignora o que é a alegria celeste é porque os que
cuidaram do assunto julgaram essa alegria pelas alegrias externas, que
pertencem ao homem natural, e não souberam o que é o homem
interno ou espiritual nem, por conseguinte, em que consistem
o seu prazer e a sua bem-aventurança. Se, pois, os que estiveram
no prazer espiritual ou interno lhes houvessem dito o que
é a alegria celeste e qual é a sua qualidade, a explicação
não poderia ter sido compreendida, porque teria caído em uma idéia
desconhecida e, por isso, não seria percebida e, assim, teria sido do número
das coisas que o homem natural teria rejeitado. Entretanto, qualquer
um pode saber que o homem, ao deixar seu homem externo
ou natural, vai a seu homem interno ou espiritual e, por isso,
pode saber que o prazer celeste é um prazer interno ou espiritual
e não externo e natural. E, desde que ele é interno
e espiritual, ele é mais puro e mais delicado e afeta
os interiores que pertencem à alma ou ao espírito do homem.
Por estas considerações, qualquer um pode concluir que há para ele
um prazer tal que foi o prazer de seu espírito, e que o prazer
do corpo, denominado prazer da carne, é um prazer não-celeste.
O que está no espírito do homem, quando ele deixa o corpo,
permanece também depois da morte, porque então o homem vive como
homem espírito.
(396)
Todos os prazeres dimanam do amor, porque aquilo que o homem ama
ele o sente como prazer e não há, de outra parte, prazer para
quem quer que seja; por isso, tal é o amor, tal é o prazer.
Os prazeres do corpo ou da carne derivam todos do amor de si
e do amor do mundo; daí provêm também as concupiscências
e suas volúpias. Ao contrário, os prazeres da alma e
do espírito derivam todos do amor para com o Senhor e
do amor para com o próximo; daí provêm as afeições do bem e
da verdade e as felicidades interiores. Estes amores, com
os seus prazeres, fluem do Senhor e do céu pela via interna que
vem do superior e afetam os interiores. Mas os outros
amores, com os seus prazeres, fluem da carne e do mundo pela via
externa que vem do inferior e afetam os exteriores. Quanto mais,
pois, os dois amores do céu são recebidos e afetam o homem,
tanto mais os interiores que pertencem à alma são abertos e
se orientam para o céu. Ao contrário, quanto mais os dois
amores do mundo são recebidos e afetam o homem, tanto mais
os exteriores que pertencem ao corpo ou à carne são abertos e
se orientam para o mundo. Conforme os amores influem e são
recebidos, do mesmo modo influem seus prazeres: nos interiores influem
os prazeres do céu e nos exteriores os prazeres
do mundo, pois todo prazer pertence, como foi dito, ao amor.
(397)
O céu em si mesmo é tal que ele está repleto de prazeres,
de modo que ele é pura bem-aventurança e prazer, porque
o Divino Bem procedente do Divino Amor do Senhor faz o céu
no geral e no particular em quem quer que ali esteja. E o
Divino Amor quer a salvação de todos e a felicidade
de todos plenamente...
(398)
Os prazeres do céu são inefáveis e são também inumeráveis. Mas desses
prazeres inumeráveis não há um só que possa ser conhecido nem
acreditado por quem estiver só no prazer do corpo ou da carne,
pois os seus interiores, como acaba de ser dito, são orientados para
o mundo, assim para baixo. Pois quem está inteiramente entregue
ao prazer do corpo ou da carne ou, o que é a mesma
coisa, está entregue ao amor de si e ao amor do mundo,
só experimenta prazer nas honrarias, no lucro e
na voluptuosidade do corpo e dos sentidos, que extinguem
e sufocam, os prazeres interiores que pertencem ao céu,
de sorte que não crê que eles existam. Tal pessoa ficaria muito admirada
se lhe dissessem que há prazeres fora das honrarias e do lucro
e, ainda mais, se lhe dissessem que os prazeres do céu, que
os substituem, são inumeráveis e tais que os prazeres
da carne e do corpo não podem ser a eles comparados. Por esse
fato, vê-se claramente porque se ignora o que é a alegria celeste.
(399)
Pode-se constatar quão grande é o prazer do céu pelo seguinte fato:
ali todos têm prazer em comunicar suas alegrias e sua felicidade aos
outros, e, como tais são os habitantes dos céus, vê-se claramente quanto
é imenso o prazer do céu, porque nos céus, como já se disse
(número 268), há comunicação de todos com cada um e de cada
um com todos. Uma tal comunicação deriva dos dois amores do céu, que
são, como se disse, o amor para com o Senhor e o amor para
com o próximo; estes amores são comunicativos. O amor para com
o Senhor é tal porque o amor do Senhor é o amor
da comunicação de tudo o que é d’Ele com todos, porque Ele
quer a felicidade de todos. Amor semelhante está em cada um dos
que O amam, porque o Senhor está neles; daí vem a mútua comunicação
dos prazeres dos anjos entre si. Que o amor para com o próximo também
seja tal será visto a seguir. Por isso, é evidente que estes amores
são comunicativos de seus prazeres. Obviamente , os amores de si
e do mundo são opostos ao amor para com o Senhor e para com
o próximo. O amor de si tira e arrebata todo o prazer
dos outros e o atrai para si, porque ele quer o bem somente para si;
e o amor do mundo quer que sejam suas as coisas que são do próximo.
Por isso, esses amores são destruidores dos prazeres dos outros. Se não
comunicativos no homem, é em vista de si próprio e não
em vista dos outros. Por isso é que, relativamente a esses
amores, eles não são comunicativos, mas destruidores. Que tais sejam os amores
de si e do mundo, quando reinam, é o que me foi permitido
perceber por experiência viva muitas vezes. Sempre que os espíritos, que
tinham estado nesses amores neste mundo, se aproximavam de mim, meu
prazer se afastava e se dissipava. Disseram-me, também, que, quando
tais espíritos apenas se aproximavam de alguma sociedade celeste,
o prazer dos que ali estavam era diminuído absolutamente segundo
o grau de sua presença; e o que é admirável é que
esses maus espíritos se encontravam então em seu prazer. Por este
modo, vi claramente qual é o estado de espírito de um tal
homem no corpo, porque ele ali está tal qual fica depois da separação
de seu corpo, isto é, desejando ou cobiçando os prazeres e
os bens de outrem e, quanto mais ele os obtém, maior é o seu
prazer. Tudo isso mostra que os amores de si e do mundo são
destruidores das alegrias do céu e, assim, são inteiramente opostos aos
amores celestes, que são comunicativos. angelo-luce.it
(400)
Mas é bom que se saiba que o prazer que experimentam aqueles que
estão nos amores de si e do mundo, quando se aproximam
de alguma sociedade celeste, é o prazer de sua concupiscência,
prazer inteiramente oposto ao prazer do céu. Eles atingem
o prazer de sua concupiscência pela privação e pela remoção
do prazer do céu. Não sucede o mesmo quando não há privação
nem remoção; então eles não se aproximar, porque, quanto mais eles
se aproximam, mais experimentam ânsias e dores. Por isso, eles
raramente ousam andar perto de sociedades celestes. Foi o que
me foi permitido saber por muitas experiências, sobre as quais gostaria
de dizer também alguma coisa. Os espíritos que vem do mundo para
a outra vida só desejam uma coisa: entrar no céu. Quase todos
o procuram com solicitude, crendo que, para alcançar o céu, basta ser
ali introduzido e recebido. É também por isso que, pelo fato de
o desejarem, eles são dirigidos para alguma sociedade do último céu.
Os que estão nos amores de si e do mundo, quando vêem
a primeira entrada do céu a que são dirigidos começam
a experimentar ansiedades e a ser inteiramente atormentados,
de tal sorte que sentem em si o inferno em vez do céu;
por isso, eles se precipitam de lá para baixo e só descansam
quando estão nos infernos com os seus. Muitíssimas vezes sucedeu que tais
espíritos desejaram conhecer o que é a alegria celeste e, quando
ouviram dizer que ela reside nos interiores dos anjos, desejaram que ela lhes
fosse comunicada. A um espírito que ainda não está no céu ou no
inferno esse desejo é concedido, se isso lhe for útil. Feita
a comunicação a tais espíritos, eles começaram a ficar atormentados
a tal ponto que não sabiam, por causa da dor que sofriam, como
sustentar seus corpos. Eu os vi abaixarem a cabeça até
os pés, lançarem-se no chão e rolarem em curvas tortuosas
como cobras; tudo por causa da tortura interior. Tal foi o efeito que
o prazer celeste produziu nos que estavam nos prazeres de si e
do mundo. Isso vem do fato de que os amores celestes e
os amores de si e do mundo são absolutamente opostos e, desde
que o oposto age contra o oposto, daí resulta uma tal dor:
o prazer celeste entra pelo caminho interno e põe às avessas
os interiores que estão no prazer do eu e do mundo (...)
Os amores citados são opostos porque, como foi dito acima, o amor
para com o Senhor e o amor para com o próximo querem comunicar
aos outros tudo o que lhes pertence, pois este é o seu prazer;
enquanto o amor de si e o amor do mundo querem tirar dos
outros o que lhes pertence para se apropriarem e, quanto mais
conseguem isso, mais sentem prazer. Por isso, pode-se saber quanto
o inferno é separado do céu, pois que todos os que estão
no inferno, quando viveram no mundo, estiveram unicamente nos
prazeres do corpo e da carne, segundo os amores de si e
do mundo. E todos os que estão nos céus, quando viveram
no mundo estiveram nos prazeres da alma e do espírito pelo amor
para com o Senhor e para com o próximo. Ora, como esses amores
são opostos, é por isso que os céus e os infernos foram
inteiramente separados, isto ao ponto de que o espírito que está
no inferno não se atreve a levantar a cabeça para
o céu, porque, por pouco que a eleve, experimenta tremendas torturas.
Foi o que se viu muitas vezes.
(401)
Enquanto vive no corpo, o homem que está no amor de si e
no amor do mundo sente prazer por esses amores e também
em todas as voluptuosidades que procedem deles. O homem, porém,
que está no amor para com Deus e no amor para com o próximo, não
sente, enquanto vive no corpo, o prazer proveniente desses amores
e das boas afeições que derivam deles, mas sente apenas uma felicidade
quase imperceptível, porque ela está oculta seu interiores e é velada
pelos exteriores que pertencem a seu corpo e embotada pelos cuidados
do mundo. Depois da morte, porém, os estados são inteiramente
mudados. Os prazeres dos amores de si e do mundo se mudam
então em dores e tormentos medonhos, porque eles estão no que
se chama fogo infernal e, às vezes, em sujidade
e imundícies, que correspondem aos prazeres impuros e - coisa que
causa espanto - lhes são então agradáveis. Mas, o prazer obscuro e a
felicidade quase imperceptível que, no mundo, sentiram que estavam
no amor para com Deus e no amor para com o próximo
se transformam então em um prazer celeste perceptível de todos
os modos, porque a felicidade que estava oculta nos interiores,
enquanto eles viviam no mundo, é então desvendada e produz uma sensação
manifesta, porque então eles estão em espírito e porque ela foi
o prazer de seu espírito.
(402)
Todos os prazeres do céu foram associados aos usos e estão nos
usos, porque os usos são os bens do amor e da caridade,
em que estão os anjos. Os prazeres são, pois, para cada um,
quais são os usos, e o seu grau também está na razão
da afeição do uso. Que todos os prazeres do céu sejam
prazeres do uso, pode-se ver por uma comparação com os cinco sentidos
do corpo no homem. Foi dado a cada sentido um prazer
segundo o seu uso; à vista, seu prazer, ao ouvido o seu,
ao olfato o seu, ao paladar o seu e ao tato
o seu. O prazer da vista está na beleza e nas formas;
o prazer do ouvido nas harmonias; o do olfato nos cheiros,
e o paladar nos sabores. Os usos que cada sentido exerce são
conhecidos dos que refletem, e mais ainda dos que conhecem
as correspondências. Se na vista há um há um tal prazer,
é pelo uso que ela desempenha em relação ao entendimento, que
é a vista interna; se no ouvido há um tal prazer, é pelo uso
que ele exerce em relação ao entendimento e à vontade, pela
auscultação; se no olfato há um tal prazer, é pelo uso que ele
exerce em relação ao cérebro e também ao pulmão; se no
paladar há um prazer, é pelo uso que ele desempenha em relação
ao estômago e por conseguinte em relação a todo
o corpo, alimentando-o. O prazer conjugial, que é o prazer mais
puro e mais delicado do tato, excede a todos os outros por
causa do uso, que é a procriação do gênero humano, e, por
conseguinte, de anjos do céu. Estes prazeres estão nesses órgãos dos
sentidos segundo o influxo do céu, onde todo prazer é um prazer
do uso e segundo o uso.
(403)
Alguns espíritos tinham crido, segundo uma opinião concebida no mundo, que
a felicidade celeste consistia em uma vida ociosa, onde se fosse
servido pelos outros. Mas lhes foi dito que nunca felicidade alguma consiste
em viver no repouso; que, se tal fosse a felicidade, cada
um quereria ter a felicidade dos outros para si, e por isso
mesmo ninguém a gozaria; que uma tal vida, em vez de ser ativa,
seria ociosa e levaria ao entorpecimento; enquanto na verdade
eles podiam por si próprios saber que, sem uma vida ativa não poderia
haver felicidade, e que o descanso dessa vida ativa é unicamente
motivado pela vantagem da recreação, para que se torne mais animada
sua atividade vital. Mostrou-se, depois, a muitos, que a vida
angélica consiste em praticar os bens da caridade, que são usos,
e que toda a felicidade dos anjos está no uso, pelo uso e segundo
o uso. Para fazer corar de pejo os que tinham tido esta idéia
que a alegria celeste em viverem ociosos, respirando no repouso
uma alegria eterna, foi-lhes dado perceber qual era uma tal vida. E eles
perceberam que ela seria tristíssima, e que toda alegria pereceria para eles
em pouco tempo; que eles ficariam aborrecidos e teriam náuseas dela.
(404)
Espíritos que se julgavam mais instruídos que os outros diziam que
a sua fé, no mundo, tinha sido que a alegria celeste consistia
somente em louvar e celebrar a Deus, e que era essa
a vida ativa. Mas foi-lhes dito que louvar e celebrar a Deus não
é essa tal vida ativa, e que Deus não em necessidade
de louvores nem de celebrações, mas quer que se façam usos e,
assim, bens que são chamados bens da caridade. Contudo, esses espíritos
não puderam ter idéia alguma da alegria celeste nos bens da caridade;
eles viram neles apenas idéias de servidão. Todavia, os anjos
atestaram que esta é, na verdade, a alegria mais livre, porque provém
da afeição interior e está associada a uma felicidade inefável.
(405)
Quase todos os que vem para a outra vida pensam que o inferno
é semelhante para cada um e que também o céu o é.
Entretanto a verdade é que há em um e outro variedades
e diversidades infinitas, e nunca o inferno para um
é absolutamente semelhante ao inferno para um outro, nem
o céu de um é absolutamente semelhante ao de um outro,
do mesmo modo que nunca há um homem, ou um espírito ou um
anjo, que seja absolutamente semelhante a um outro, nem mesmo quanto
à face. Quando eu simplesmente pensava que pudesse haver dois seres
absolutamente semelhantes ou iguais, os anjos ficavam cheios
de horror, e diziam que toda unidade é formada pela ação
harmônica de muitos, e que a unidade é tal qual esse
acordo; e que é assim que cada sociedade do céu faz um,
e que todas as sociedades do céu fazem um, e isto pelo
Senhor, só, por intermédio do amor (1). Os usos no céu são
igualmente variados e diversificados, e nunca o uso de um
é inteiramente semelhante ao uso do outro, nem o mesmo.
Assim, o prazer de um, nunca é também semelhante ao prazer
do outro. Ainda mais, os prazeres de cada uso são inumeráveis,
e estes prazeres inumeráveis são igualmente variados, contudo ligados
em uma ordem tal que eles estão em relações mútuas, como os usos
de cada membro, de cada órgão e de cada víscera no corpo;
e mais ainda, como os usos de cada vaso e de cada fibra,
em cada membro, em cada órgão e em cada víscera, os quais,
em geral e em particular, foram todos de tal modo consociados,
que cada um deles se reporta ao seu bem no outro,
e assim cada um em todos, e todos em cada um; por este
aspecto universal e singular eles agem como um só.
(406)
Conversei algumas vezes sobre o estado da vida eterna com espíritos
que vieram recentemente do nosso mundo, a saber, que se deve
conhecer quem é o Senhor do reino, qual o governo, e qual
a forma de governo, assim como sucede no mundo, quando
se vai de um reino para um outro: a primeira coisa é
se informar quem é o rei, de que caráter é, qual é seu governo,
e procurar conhecer muitas particularidades a respeito desse reino.
Com mais forte razão deve-se fazer o mesmo quando se trata de um
reino onde se deve viver eternamente. Eles deviam, pois, saber que
o Senhor é Quem governa o céu e também o universo,
pois Quem governa um governa o outro. Assim, o reino em que
eles agora estão é o reino do Senhor; que as leis deste reino
são as verdades eternas, que se fundam todas nesta lei: que
se deve amar ao Senhor acima de tudo e ao próximo como a
si mesmo; e ainda mais: agora, se quisessem ser como
os anjos, eles deviam amar ao próximo mais do que a
si próprios. Quando ouviram isto, eles não puderam responder coisa alguma,
porque na vida do corpo ouviram alguma coisa semelhante, mas não
tinham acreditado. Eles se admiravam de que houvesse no céu tal
amor e de que se pudesse chegar ao ponto de amar
o próximo mais do que a si próprio. Mas foram informados que
todos os bens crescem imensamente na outra vida, e que
a vida no corpo é tal que a progressão do bem não pode
ir além de amar o próximo como a si próprio, porque
se está nos corporais; mas, quando estes corporais são afastados,
o amor se purifica e se torna enfim em amor angélico, que
consiste em amar ao próximo mais do que a si próprio. Com
efeito, nos céus, o prazer é fazer o bem a outrem,
e não se tem prazer em fazer o bem a si mesmo senão
indiretamente, quando se faz o bem a outrem, por conseguinte não
diretamente a si próprio; e que isto é amar o próximo mais
do que a si mesmo. Acrescentou-se que no mundo pode-se conhecer
que é possível um tal amor, como se vê pelo amor conjugial
de alguns que preferiram a morte a verem ofendido seu cônjuge;
como pelo amor dos pais para com os filhos, pois uma mãe prefere sofrer
fome para não ver seu filho sem alimento; pela amizade sincera, quando alguém
se expõe a perigos por causa de um amigo; e pela amizade
civil e simulada, que quer parecer sincera, oferecendo o melhor para
aqueles que dizem querer bem, coisa que fazem de boca, e não
de coração; finalmente pela natureza do amor sincero, que é tal,
que a sua alegria consiste em servir aos outros não por
um interesse próprio, mas para a vantagem de quem se ama.
Mas é isto que não puderam compreender aqueles que se amavam
de preferência aos outros, nem os que na vida do corpo
foram ávidos de lucro, e, muito menos do que os outros,
os avaros.
(407)
Um espírito que na vida do corpo tinha exercido um poder sobre
os outros homens conservara também na outra vida a vontade
de mandar. Ora, foi-lhe dito que ele estava em outro reino, que é
um reino eterno, que o seu poder de mandar tinha-se extinguido na terra,
e que agora onde ele estava cada um só é estimado segundo
o bem e a verdade e segundo a Misericórdia do Senhor,
na qual ele está conforme sua vida no mundo; e que, assim,
acontece neste reino como na terra, onde as pessoas são estimadas por
causa das riquezas e por causa de seu favor com o príncipe;
e que aqui as riquezas são o bem e a verdade, e o
favor com o príncipe é a misericórdia em que o homem está
segundo a sua vida no mundo, no Senhor. Que, se quisesse
mandar por outro modo, seria rebelde, pois estava no reino de um
Outro. Ouvindo isto, ele ficou envergonhado.
(408)
Falei com espíritos que pensavam que o céu e a alegria celestes
consistiam em ser grande; mas lhes foi declarado que no céu
o maior é o que é o menor, porque é chamado mínimo aquele
que não tem por si mesmo poder algum nem sabedoria alguma, mas os tem
pelo Senhor. Este menor goza a maior felicidade; daí resulta que ele
é o maior, porque, assim, pelo Senhor, ele tem todo o poder
e tem mais sabedoria do que todos os outros. E que é ser
o maior, senão ser o mais feliz ? Porque ser o mais feliz
é o que os poderosos procuram alcançar pelo poder e os ricos
pelas riquezas. Depois se lhes disse que o céu não consiste
em desejar ser o menor com o fim de ser o maior -
porque agir assim é pretender e desejar ser o maior - mas
consiste em querer, de coração, mais bem aos outros do que a
si mesmo, e em ser útil para a felicidade deles, não visando
recompensa alguma para si mesmo, mas por amor.
(409)
A alegria celeste mesma, qual é em sua essência, não pode ser descrita,
porque ela está nos íntimos da vida dos anjos, e daí em cada
coisa do seu pensamento e da sua afeição, e por conseguinte
em cada coisa da sua linguagem e em cada coisa da sua ação.
É como se os interiores estivessem inteiramente abertos
e desprendidos para receber o prazer e a bem-aventurança que
se propagam em cada fibra, e assim por inteiro. Portanto,
a percepção e a sua sensação são tais que não podem ser descritas,
pois o que principia pelos íntimos influi em cada uma das partes que
são derivadas dos íntimos e sempre se propagam com aumento para
os exteriores. Os bons espíritos que ainda não estão nesse prazer,
porque ainda não foram elevados ao céu, quando o percebem de um
anjo pela esfera de seu amor, ficam repletos de um tal prazer, que
eles caem como em um doce delíquio. Tal sucedeu algumas vezes aos que
desejavam saber o que é a alegria celeste.
(410)
Certos espíritos desejavam também saber o que é a alegria celeste.
Por isso lhes foi concedido percebê-la em um grau tal, que eles não podiam
mais tolerá-la. Entretanto, não era a alegria angélica: era apenas como
o menor grau dessa alegria, o que me foi permitido perceber por
comunicação. Ela era tão fraca que parecia algo um tanto frio; e, contudo,
eles julgavam-na celeste no mais alto grau porque era sua alegria íntima.
Daí se viu que não somente há graus nas alegrias do céu, mas
também que o íntimo de uma alegria se aproxima apenas
do último ou do meio da outra; e que, quando alguém recebe
o íntimo de sua alegria está em sua alegria celeste e não
suportaria uma de grau mais interior sem experimentar dor.
(411)
Alguns espíritos, que não eram maus, caíram em um repouso que
se assemelhava ao sono, e assim foram, quanto aos interiores
pertencentes à sua mente, transportados ao céu (pois
os espíritos, antes de os seus anteriores terem sido abertos, podem
ser transportados ao céu e aí serem instruídos a respeito
da felicidade dos que aí estão). Vi-os ficar assim nesse repouso
durante meia hora e tornar a voltar depois aos exteriores em que
se achavam antes; e então, iam recordando-se do que haviam
visto. Eles diziam que tinham estado entre os anjos do céu e que
viram e perceberam coisas maravilhosas, todas resplandecentes
de ouro, prata e pedras preciosas, em formas admiráveis, cujas
variedades eram surpreendentes; e que os anjos não se deleitavam
nessas coisas externas, mas nas que elas representavam, as quais Divinos
inefáveis e de uma sabedoria infinita, que constituíam a sua alegria;
além das coisas inúmeras que não poderiam, mesmo quanto à sua milésima
parte, ser expressas em linguagem humana, nem penetrar em idéias onde
há alguma coisa de material.
(412)
Quase todos os que vêem para a outra vida ignoram o que é a
bem-aventurança e a felicidade celestes, porque não sabem o que é a
alegria interna e qual é a sua qualidade; dela somente formam uma
idéia pelas alegrias e deleites corporais e mundanos. Por
conseguinte, eles consideram como coisa nenhuma o que não conhecem,
quando, na verdade, as alegrias corporais e mundanas não são relativamente
de valor algum. Os bons espíritos que não sabem o que é a
alegria celeste são, a princípio, levados a lugares paradisíacos que
excedem toda a idéia da imaginação, a fim de
a compreenderem e a conhecerem. Então eles imaginam ter chegado
ao paraíso celeste; mas se lhes ensina que não é essa
a felicidade verdadeiramente celeste; por isso é que lhes é dado
conhecer estados interiores de alegria perceptíveis ao seu íntimo.
Eles são depois postos em um estado de paz até ao seu íntimo,
e então confessam que nada poderia exprimir esse estado nem dar uma idéia
dele; enfim, eles são postos em um estado de inocência também até
em seu sentido íntimo. É assim que lhes é dado conhecer
verdadeiramente o que é o bem espiritual e celeste.
(413)
Para que eu pudesse saber o que é o céu e qual é a
alegria celeste, o Senhor concedeu-me perceber muitas vezes e por
muito tempo os prazeres das alegrias celestes. Assim, tendo delas uma viva
experiência, posso pois conhecê-las, porém não me seria jamais possível
descrevê-las. Entretanto, para que se tenha delas somente uma idéia, direi
alguma coisa a respeito. É uma afeição de prazeres e
de alegrias inumeráveis, apresentando conjuntamente uma sorte
de comum, no qual comum ou na qual afeição comum
há harmonias de afeições inumeráveis que não chegam à percepção
distintivamente, mas obscuramente, porque a percepção dela é a mais
geral. Contudo, foi-me outorgado perceber que elas encerram coisas inumeráveis
ligadas em tal ordem, que seria impossível descrevê-las; essas coisas inumeráveis,
quais elas são, derivam da ordem do céu. Há ordem semelhante
em cada parte e até nas menores partes de uma afeição,
as quais só se apresentam como um todo muito geral, e são
percebidas segundo a capacidade daquele que é o alvo delas.
Em uma palavra, há, em cada afeição comum, coisas em número
infinito na forma mais bem ordenada, e nada há que não viva
e não afete. E tudo vem dos íntimos, porque as alegrias celestes
procedem deles. Percebi também que a alegria e a delícia partiam como
do coração, para se propagarem com a maior suavidade
em todas as fibras íntimas, e daí nos feixes de fibras, com
um tal senso íntimo de prazer, que cada fibra parecia ser mera
alegria e delícia, e, por conseguinte, cada perceptivo e cada
sensitivo igualmente, tudo vivendo segundo a felicidade. A alegria
das volúpias do corpo, comparada com essas alegrias, é qual
um nevoeiro espesso e pungente comparado com a brisa pura
e suavíssima. Foi observado que, quando eu queria transferir todo
o meu prazer a um outro, um prazer mais interior e mais
pleno do que aquele influía continuamente seu lugar; e quando mais
eu tinha essa vontade, mais esse prazer influía; e percebi que isso
procedia do Senhor.
(414)
Os que estão no céu progridem continuamente para a primavera
da vida; e quanto mais vivem milhares de anos, mais caminham
para uma primavera agradável e feliz; e isto até a eternidade
, com acréscimos conforme os progressos e os graus de amor
de caridade e de fé. As pessoas do sexo feminino que morrem
de velhas e decrépitas, e que viveram na fé do Senhor,
na caridade para como o próximo e em mu amor conjugial feliz com
o seu marido, avançam cada vez mais, depois de uma séries
de anos, para a flor da mocidade e da adolescência,
e atingem uma beleza que excede toda a idéia de beleza
perceptível à vista. É a bondade e a caridade que lhes dão
a forma e apresentam uma imagem de si próprias, e fazem que
o agradável e belo da caridade resplandeçam de todas
as partes da face, de sorte que elas mesmas são formas
da caridade. Alguns espíritos viram isto e ficaram estupefatos.
A forma da caridade, que é vista de um modo vivo
no céu, é tal, que é a caridade mesma que dá a efígie
e que é dada em efígie, e isto de tal sorte que
o anjo inteiro, principalmente sua face, é por assim dizer
a caridade que aparece e que é percebida de modo visível.
Esta forma, quando vista, é uma beleza inefável que afeta de caridade
a vida íntima mesma da mente. Em uma palavra, envelhecer,
no céu, é remoçar. Aqueles que viveram no amor para com
o Senhor e na caridade para com o próximo tornam-se,
na outra vida, tais formas ou tais belezas. Todos os anjos são
tais formas, cujas variedades são inúmeras, e deles o céu
é composto.
(44)
DA IMENSIDADE DO CÉU
(415)
Que o céu do Senhor seja imenso, é o que se pode concluir do grande
número de coisas que foram ditas e expostas nos artigos precedentes,
mormente porque o céu é composto do gênero humano (ver nos
311-317), e não só do gênero humano nascido no seio
da igreja, como fora da igreja (nos 318
- 328), isto é, de todos os que, desde a primeira origem desta
terra, viveram no bem. Qualquer pessoa, possuindo algum conhecimento das
partes, regiões e reinos desta terra, pode concluir quão grande é
em todo o globo a multidão dos homens. Quem fizer
um cálculo achará que todos os dias morrem milhares de homens,
e por ano algumas miríades ou milhões, e isto desde
os primeiros tempos, a partir dos quais decorreram alguns milhares
de anos. Ora, todos os homens depois da morte vieram
e continuamente vêm para o outro mundo, denominado mundo espiritual.
Não se pode, porém, dizer quantos deles se tornaram e se tornam
anjos do céu. Disseram-me que nos tempos antigos houve um grande
número deles, porque então os homens pensavam mais interiormente
e mais espiritualmente e, por conseguinte, estavam na afeição
celeste. Mas nas idades seguintes o número não foi tão grande, porque
o homem, com o decorrer do tempo, tornou-se sucessivamente mais
exterior e começou a pensar mais naturalmente e a ficar, por conseguinte,
na afeição terrestre. Basta isto para se ver que o céu
proveniente somente dos habitantes desta terra, é grande.
(416)
Que o céu do Senhor é imenso, pode-se ver só por este fato,
que todas as crianças nascidas dentro ou fora da igreja são
adotadas pelo Senhor e se tornam anjos, e o seu número na terra
se eleva à quarta ou quinta parte de todo o gênero
humano. Ora, acima se viu (nos 329-345), que
toda criança, seja qual for o lugar em que haja nascido, dentro
ou fora da igreja, de pais pios os ímpios, é recebida
pelo Senhor quando ela morre e é educada no céu, instruída ali
segundo a ordem Divina, e imbuída das afeições do bem e, por
estas, dos conhecimentos da verdade; e depois, à proporção que
é aperfeiçoada em inteligência e em sabedoria,
é introduzida no céu e se torna anjo. Pode-se, pois, concluir
deste fato quão grande é a multidão de anjos procedentes unicamente
das crianças desde a primeira criação até hoje.
(417)
Pode-se também ver quanto é imenso o céu do Senhor, pelo fato
de que todos os planetas visíveis aos nossos olhos no mundo
solar são terras, e que os há, além disso, inúmeras no universo
e todos são povoados, como se tratou em um opúsculo particular
sobre essas terras, de que vou extrair as seguintes passagens: “Que
haja muitas terras e nelas homens, e que delas provenham espíritos
e anjos, é o que é muito conhecido na outra vida, porque
lá, a quem quer que o deseje, conforme o amor da verdade e
do uso que dele procede, é concedido falar com espíritos
de outras terras e ser assim confirmado quanto ao que diz
respeito à pluralidade dos mundos, e informado que o gênero
humano não provém só de uma terra única, mas de terras inúmeras.
Falei algumas vezes a este respeito com espíritos de nossa terra, e
se disse que o homem que goza de bom entendimento pode saber,
por muitas coisas que ele conhece, que há muitas terras e que elas
são habitadas por homens. Porque, segundo a razão, ele pode concluir que
massas tão grandes como o são os planetas, alguns dos quais excedem
em grandeza esta terra, não são massas despovoadas e criadas somente
para girar e percorrer o espaço ao redor do sol, e dar
um pouco de luz a uma só terra, mas é mister que
o seu uso seja mais importante do que esse. Quem crê, como qualquer
um deve crê-lo, que o Divino não criou o universo para outro fim
senão para que exista um gênero humano e por conseguinte um céu
- pois o gênero humano é a sementeira do céu - não pode deixar
de crer que há homens em toda a parte em que
há uma terra. Que os planetas que são visíveis aos nossos olhos,
porque estão dentro dos limites do mundo do nosso sol, sejam terras,
pode-se saber de um modo manifesto, porque são corpos de matéria
terrestre, pois refletem a luz do sol, e, vistos com telescópios,
aparecem não brilhantes de chamas, como as estrelas, mas com partes
escuras como terras; e também pelo fato de serem, como a nossa
terra, levados ao redor do sol e caminharem pela linha
do zodíaco, e por conseguinte fazerem os anos e as suas
estações, a saber: a primavera, o verão, o outono e o
inverno. E, como a terra, eles têm mais um movimento, de rotação
ao redor do seu eixo, e por conseguinte fazem dias e
as partes do dia, a saber: a manhã, o meio-dia,
a tarde e a noite. E ainda mais, alguns dentre eles têm luas,
denominadas satélites, que giram em tempos determinados ao redor
de seu globo, como a lua ao redor do nosso. E pelo
fato de que o planeta Saturno, por estar muito longe do sol, tem
também um grande anel luminoso que dá a essa terra muita luz, ainda
que seja uma luz refletida. Qual é o homem que, tendo esses conhecimentos
e pensando pela razão, pode dizer que são corpos em que nada
há ? Além disso, conversei com espíritos sobre o fato de que
o homem pode crer que há no universo muito mais do que uma
só terra, visto que o céu astral é imenso e encerra
estrelas inúmeras, cada uma das quais em seu lugar ou em seu mundo é
um sol, como o nosso sol, mas de grandeza diferente. Quem
refletir com atenção, conclui que toda essa imensidade não pode deixar
de ser um meio para um fim que é o último da criação,
fim que é um reino celeste no qual o Divino possa habitar com
os anjos e os homens. Pois o universo visível ou o céu
iluminado por tantas estrelas que são outros tantos sóis, é somente
um meio para que existam terras e nelas homens, com os quais é formado
o reino celeste. Por isso, o homem racional não pode deixar
de pensar que um tão imenso meio para um tão grande fim, não foi
feito para um gênero humano proveniente de uma só terra. Que
seria isso para o Divino, que é infinito, e para o qual
seria pouco, e apenas alguma coisa, milhares, miríades de terras,
e todas repletas de habitantes ? Há espíritos cuja única
aplicação é adquirir conhecimentos, porque só eles constituem
as suas delícias; por conseguinte é permitido a esses espíritos
irem de um lado para o outro, e também passarem do mundo deste
sol para outros a acumularem conhecimentos para si. Eles me disseram
que há terras habitadas por homens, não só neste sistema solar, como
fora dele, no céu astral, em número imenso; tais espíritos são
do planeta Mercúrio. Fez-se o cálculo que, se houvesse
um milhão de terras no universo e em cada terra trezentos
milhões de homens, e duzentas gerações em seis mil anos,
e que se fosse concedido a cada homem ou a cada espírito
um espaço de três braças cúbicas, esse número tão considerável
de homens ou de espíritos reunidos em totalidade, não encheria,
entretanto, o espaço desta terra, e excederia apenas o espaço
de um dos satélites que estão ao redor dos planetas, espaço que
no universo seria de uma pequenez quase imperceptível, porquanto
um satélite dificilmente é visível a olhos nus. Que é isto,
pois, para o Criador do universo, para Quem não seria bastante
se todo o universo fosse cheio ? Pois, com efeito, Ele
é infinito. Conversei a esse respeito com os anjos e eles
me disseram que tinham uma semelhante idéia do pequeno número dos
homens relativamente à infinidade do Criador; contudo, eles pensam
nisso não segundo os espaços, mas segundo os estados, e que
segundo a sua idéia, as terras, levadas a um número
de tantas miríades quantas o homem pudesse imaginar, não seriam,
entretanto, nada absolutamente em comparação com o Senhor.” Das
Terras no Universo, dos seus Habitantes, e dos Espíritos e Anjos
que Procedem Delas, veja-se o opúsculo acima mencionado.
As coisas que nele são referidas me foram reveladas e mostradas
para que se saiba que o céu do Senhor é imenso, que ele
é inteiramente composto do gênero humano e que nosso Senhor é
em toda a parte reconhecido como Deus do céu e
da terra. anioly-nieba.pl
(418)
Que o céu do Senhor seja imenso, é ainda o que pode-se
deduzir de que o céu em todo o complexo representa
um Homem e também corresponde a tudo que, em geral e
em particular, está no homem; e de que essa correspondência
nunca pode ser completa, pois que há correspondência não só com cada
um dos membros, órgãos e vísceras do corpo em geral, mas
ainda no particular, e no singular com cada uma das pequenas vísceras
e pequenos órgãos que estão dentro daqueles, e até com cada vaso
e fibra. E não só com eles, mas ainda com as substâncias
orgânicas que recebem mais interiormente o influxo do céu,
de onde chegam ao homem as atividades interiores que servem
às operações de seu espírito. Pois tudo que existe interiormente
no homem, existe em formas que são substâncias, porque o que não
existe em substância como sujeitos nada é. Há correspondência
de todas essas partes com o céu, como se pode ver no artigo
em que se tratou da correspondência de todas as coisas
do céu com todas as do homem (n°s 87-102). Esta correspondência nunca
pode ser completa, porque, quanto mais houver consociações angélicas que
correspondem a um membro, mais o céu se torna perfeito, pois
toda perfeição nos céus cresce segundo a multiplicidade. Se
a perfeição nos céus cresce segundo a multiplicidade é porque
lá há para todos um fim único e um olhar unânime para esse fim.
Tal fim é o bem comum; quando este bem reina, há também pelo bem
comum o bem para cada um, e pelos bens de cada um o bem
para o comum. Isto sucede porque o Senhor volta para Si todos
os que estão no céu (n°123)., e faz assim que eles sejam
um n’Ele. Que a unanimidade e a concórdia de muitos,
mormente por uma tal origem e em um tal vínculo, produzam
a perfeição, é o que pode perceber todo aquele que gozar de uma
razão um pouco esclarecida.
(419)
Foi-me concedido ver a extensão do céu habitado e também e
do céu não habitado, e vi que a extensão do céu não
habitado é tão grande, que na eternidade ela não poderia ficar
repleta ! Mesmo quando houvesse um maior número de miríades
de terras e em cada terra uma tão grande quantidade de homens
como na nossa (ver, a respeito, o opúsculo Das Terras
no Universo, n° 168).
(420)
Há homens que pensam que o céu é pequeno e não imenso,
fundando-se em algumas passagens da Palavra compreendidas segundo
o sentido da letra; por exemplo, sobre aquelas onde se diz que
no céu só os pobres são recebidos; que lá só há eleitos,
e somente os que estão no seio da igreja e não
os que estão fora; que no céu há somente aqueles pelos quais
o Senhor intercede; que o céu será fechado desde o momento
em que ficar cheio, e que esse tempo foi marcado. Mas tais pessoas
não sabem que o céu nunca é fechado, e que não há tempo
algum marcado nem multidão alguma determinada; e que são chamados “eleitos”
os que estão na vida do bem e da verdade e “pobres”
os que não estão nos conhecimentos do bem e da verdade
e contudo os desejam, os quais são também chamados
“famintos”, por causa desse desejo (²). Aqueles que pela Palavra não
compreendida conceberam a opinião que o céu é pequeno, pensam
que o céu está em um só lugar, onde há reunião
de todos, quando a verdade é que o céu se compõe
de sociedade inúmeras (ver n°s 41-50). Eles imaginam também que o céu
é concedido a cada um por uma imediata misericórdia, e que
assim há somente admissão e recepção pelo bom prazer. Eles também não
compreendem que o Senhor, pela misericórdia, conduz todo aquele que
O recebe; que receber o Senhor é viver segundo as leis
da ordem Divina, que são os preceitos do amor e da fé;
e que ser assim conduzido pelo Senhor desde a infância até
o último momento da vida no mundo e depois
na eternidade é o que se entende pela misericórdia. Saibam pois
que todo homem nasce para o céu, e nele é recebido aquele que
no mundo recebe em si o céu, e dele é excluído quem
o não recebe.
(II)
DO
MUNDO DOS ESPÍRITOS
E DO ESTADO DO HOMEM
DEPOIS DA MORTE
(45)
O QUE É O MUNDO
DOS ESPÍRITOS
(421)
O mundo dos espíritos não é o céu e também não é o inferno, mas
é um lugar ou um estado médio entre um e outro. É aí, pois,
que o homem vem primeiramente depois da morte; e, após ter passado
um tempo, segundo a sua vida no mundo, ele é ou elevado
ao céu ou lançado no inferno.
(422)
O mundo dos espíritos é um lugar médio entre o céu e o inferno,
e é também o estado médio do homem depois da morte. Que
seja um lugar médio, é o que se tornou evidente para mim, pois
os infernos estão abaixo e os céus acima; e que seja
um estado médio, é porque o homem, enquanto aí está, não
se acha ainda no céu nem no inferno. O estado do céu
no homem é a conjunção do bem e da verdade nele, e o
estado do inferno é a conjunção do mal e do falso nele.
Quando no homem-espírito o bem foi conjunto à verdade, ele vem
para o céu, pois, como se disse, essa conjunção é o céu nele; e quando
no homem-espírito o mal foi conjunto ao falso, ele vai para
o inferno, porque esta conjunção é o inferno nele. Essa conjunção
se faz no mundo dos espíritos, porque então o homem se acha
em um estado médio. E é a mesma coisa dizer conjunção
do entendimento e da vontade, ou conjunção da verdade e
do bem.
(423)
Primeiro, cumpre dizer aqui alguma coisa da conjunção do entendimento
e da vontade, e da identidade desta conjunção com a do bem e
da verdade, porque tal conjunção se faz no mundo dos espíritos.
Há no homem o entendimento e a vontade; o entendimento recebe
as verdades e é formado por elas; a vontade recebe os bens
e é formada por eles; assim, tudo que o homem compreende e por
conseguinte pensa, ele chama verdade, e tudo o que o homem quer
e por conseguinte pensa, ele chama bem. O homem pode pensar, pelo
entendimento, e por conseguinte perceber que uma coisa é uma verdade
e também que é um bem; contudo ele não o pensa pela vontade
senão quando o quer e o faz. Quando ele o quer, e pelo
querer ele o faz, então essa verdade ou esse bem está não só no
entendimento como também na vontade, por conseguinte no homem, porque
não é o entendimento só que faz o homem, nem a vontade só,
mas é o entendimento e a vontade reunidos, ao mesmo tempo. Por
isso, o que está em um e no outro está no homem e lhe
é apropriado. O que está somente no entendimento está,
de fato, com o homem, mas não nele; é unicamente uma coisa
da sua memória e uma coisa de ciência na memória, sobre
a qual ele pode pensar quando ele está não em si mesmo, mas fora
de si, com outros, e, por conseguinte, sobre a qual ele pode falar
e raciocinar, e também segundo a qual ele pode fingir afeições
e gestos.
(424)
Que o homem possa pensar pelo entendimento sem que a vontade tenha
parte nisso, é porque assim foi provido a fim de que ele possa
ser reformado; porque o homem é reformado pelas verdades e
as verdades, como se disse, são para o entendimento.
De fato, o homem nasce em todo o mal quanto à vontade,
de onde resulta que por si próprio ele quer somente bem a
si mesmo. E quem quer bem a si só, alegra-se com os males
que acometem os outros, mormente à vista de si próprio; pois ele
quer chamar a si os bens de todos os outros, quer honras
ou riquezas, e quanto mais o consegue, mais ele experimenta
alegria em si. Para que esse voluntário seja corrigido e reformado,
foi outorgado ao homem poder compreender as verdades e sujeitar
por elas as afeições do mal que partem da vontade. Daí vem que
o homem, pelo entendimento, pode pensar verdades e também falar delas
e fazê-las; contudo, ele não pode pensá-las pela vontade antes de ser
tal que ele as queira e as faça de si próprio, isto é,
de coração. Quando o homem é tal, então as coisas que ele
pensa pelo entendimento pertencem à sua fé, e as que ele pensa pela
vontade pertencem ao seu amor. Por isso é que a fé e o amor nele
então se conjungem como o entendimento e a vontade.
(425)
Assim, quanto mais as verdades que pertencem ao entendimento foram
unidas aos bens que pertencem à vontade, mais o homem quer
as verdades e por conseguinte as faz, e mais tem em si
o céu, porque, como acima se disse, a conjunção do bem e
da verdade é o céu. Ao contrário, quanto mais os falsos que
pertencem ao entendimento foram unidos aos males que pertencem
à vontade, mais o homem tem em si o inferno, porque
a conjunção do falso e do mal é o inferno. Mas, quanto mais
as verdades que pertencem ao entendimento não foram unidas aos bens
que pertencem à vontade, mais o homem se acha em um estado
médio. Hoje, com poucas exceções, todo o homem se acha em um
estado tal que ele sabe verdades e pela ciência e pelo
o entendimento as pensa, e as faz ou muito, ou pouco,
ou nada, ou age contra elas por causa do amor do mal e
da fé do falso. Por isso, para que nele haja ou o céu ou
o inferno, logo depois da morte ele é conduzido ao mundo
dos espíritos, e aí se faz a união do bem e da verdade nos
que devem ser elevados ao céu, e conjunção do mal e
do falso nos que devem ser lançados no inferno, visto que não
é permitido a quem quer que seja, nem no céu nem no inferno,
ter uma mente dividida, isto é, compreender de um modo e querer
de um outro, mas o que ele quer ele o compreende e o que
ele compreende ele o quer. Por isso é que, no céu, aquele que
quer o bem compreende a verdade, e, no inferno, aquele que quer
o mal compreende o falso. Por isso é que [no mundo dos
espíritos] nos bons os falsos são afastados e se lhes dão verdades
convenientes e conformes ao seu bem, e nos maus as verdades
são afastadas e se lhes dão falsos convenientes e conformes
ao seu mal. Pelo que acaba de ser dito, vê-se o que é o
mundo dos espíritos.
(426)
No mundo dos espíritos há um grande número deles porque é aí que
primeiramente todos chegam e são examinados e preparados. Não
há termo fixo para a permanência deles aí. Alguns, logo que ali
entram são em breve elevados ao céu ou precipitados
no inferno; alguns outros ali ficam somente algumas semanas; outros,
muitos anos, mas não além de trinta. As diversidades de duração
provêm da correspondência e da não correspondência dos interiores
e dos exteriores no homem. Quanto ao modo pelo qual o homem
naquele mundo é conduzido de um estado ao um outro
e preparado, tratar-se-á disso na seqüência.
(427)
Os homens, depois da morte, logo que eles entram no mundo dos
espíritos, são muito bem examinados pelo Senhor: os maus são logo unidos
à sociedade infernal em que tinham estado no mundo quanto
ao amor reinante, e os bons são logo ligados à sociedade celeste
em que também tinham estado no mundo quanto ao amor,
a caridade e a fé. Mas, ainda que hajam sido assim discriminados,
contudo, naquele mundo, todos os que foram amigos e se conheceram
na vida do corpo, reúnem-se e conversam entre si quando
o desejam, mormente as esposas e os maridos, e também
os irmãos e irmãs. Vi um pai falando com seus seis filhos, que
ele reconheceu, e muitos outros falando com pessoas de seu parentesco
e de seus amigos; como, porém fossem de gênios diferentes por causa
da sua vida no mundo, eles se separaram pouco tempo depois.
Todavia, aqueles que do mundo dos espíritos vêm para o céu e os que
vão para o inferno, não se vêem mais depois e não
se conhecem mais, exceto se forem de um gênio semelhante
proveniente de um semelhante amor. A causa por que eles se vêem
no mundo dos espíritos e não no céu ou no inferno
é que os que estão no mundo dos espíritos são postos
em estados semelhantes aos que tiveram na vida do corpo,
passando de um para um outro, enquanto posteriormente eles são postos
em um estado constante, que é o estado de seu amor reinante
no qual um conhece o outro apenas pela similitude do amor,
pois, segundo se expôs (nos 41-50), a semelhança une
e a dissemelhança desune.
(428)
O mundo dos espíritos, sendo um estado médio entre o céu e o
inferno no homem, aparece por isso mesmo como um lugar médio; por
baixo estão os infernos e por cima estão os céus. Todos
os infernos foram fechados do lado daquele mundo; eles só têm
abertura por buracos e fendas como as dos rochedos, e por largos
abismos que são guardados, para que ninguém saia exceto por permissão,
o que também sucede quando há alguma necessidade urgente, como
se explicará depois. O céu também foi fechado de todos
os lados, e o acesso para alguma sociedade celeste só existe por
um caminho estreito, cuja entrada é também guardada. São essas saídas
e essas entradas que, na Palavra, são denominadas “portas” e
“entradas” do inferno e do céu.
(429)
O mundo dos espíritos aparece como um vale entre montanhas e rochas,
aqui e ali abaixado e elevado. As portas e entradas para
as sociedades celestes só se apresentam aos que foram preparados para
o céu, e não são encontradas pelos outros. Para ir do mundo dos
espíritos para todas as sociedades há uma só entrada, depois
da qual há um só caminho, mas este em sua ascensão
se divide em um grande número de outros. As portas e entradas
para os infernos também só se apresentam aos que devem lá entrar;
então elas lhes são abertas, e, desde que foram abertas, eles vêem antros
sombrios e como cobertos de fuligem, conduzindo obliquamente para
baixo a um abismo, onde há novamente muitas entradas. Desses antros
se exalam vapores perniciosos e fétidos de que os bons
espíritos fogem, porque os têm em aversão, enquanto os maus
espíritos os buscam porque lhes agradam. Pois, quanto mais alguém
no mundo achou prazer em seu mau, mais, depois da morte, ele
encontra prazer na putrefação a que seu mal corresponde. Por isso,
os maus espíritos podem ser comparados com os pássaros
e animais, quais os corvos, lobos, porcos, que, sentindo o mau
cheiro, voam e correm para as matérias cadaverosas e
os excrementos. Ouvi um desses espíritos dar gritos como arrancados por
uma tortura interior, quando um sopro emanado do céu o atingia,
e vi sossegado e alegre, quando era alcançado por uma exalação
emanada do inferno.
(430)
Há também em cada homem duas portas, das quais uma olha para
o inferno, e foi aberta aos males e aos falsos que daí procedem,
e a outra olha para o céu e foi aberta para os bens
e verdades daí procedentes. A porta do inferno foi aberta nos
que estão no mal, por conseguinte no falso, e é somente por fendas
que neles influi pelo alto alguma coisa da luz do céu; é por
este influxo que o homem pode pensar, raciocinar e falar. E a
porta do céu foi aberta nos que estão no bem e por conseguinte
na verdade. Há, com efeito, dois caminhos que conduzem à mente racional
do homem: um caminho superior ou interno, pelo qual entram
o bem e a verdade que procedem do Senhor, e um caminho
inferior ou externo, pelo qual entram por baixo o mal e o falso
que provém do inferno. No meio está a mente racional mesma para
a qual se dirigem os caminhos. Então, quanto mais nela
é recebida a luz do céu, mais o homem é racional; mas
quanto mais essa luz não é recebida, mais o homem não
é racional, ainda que o pareça ser. Tais coisas foram ditas para que
se saiba também qual é a correspondência do homem com o céu
e com o inferno. Sua mente racional, enquanto está em formação,
corresponde ao mundo dos espíritos; o que está acima dessa mente
corresponde ao céu, e o que está abaixo corresponde ao inferno.
O que está acima é aberto, e o que está abaixo fica fechado
ao influxo do mal e do falso, nos que são preparados para
o céu. Mas o que está abaixo é aberto, e o que está acima
é fechado ao influxo do bem e da verdade, nos que são
inclinados para o inferno; desde então estes só podem olhar para
o que está por baixo deles, isto é, para o inferno, e aqueles
só podem olhar para o que está acima deles, isto é, para o céu.
Olhar para cima de si é olhar para o Senhor, porque Ele é o
centro comum para o qual olham todas as coisas do céu; e olhar
para baixo de si é voltar as costas ao Senhor, é olhar
para um centro oposto, para o qual olham e se voltam todas
as coisas do inferno (ver nos 123 e 124).
(431)
No que precede, pelos espíritos, em toda a parte em que eles são
nomeados, se entendem os que estão no mundo dos espíritos, e,
pelos anjos, os que estão no céu.
(46)
TODO HOMEM É
UM ESPÍRITO QUANTO
AOS SEUS INTERIORES
(432)
Todo aquele que reflete com atenção pode conhecer que não é o corpo que
pensa, porque ele é material, mas é a alma, porque ela
é espiritual. A alma do homem, sobre cuja imortalidade muitos
escreveram, é o seu espírito. E o espírito é, com efeito, imortal
quanto a tudo que lhe pertence. É também ele que pensa no corpo,
porque ele é espiritual, e o espiritual recebe o espiritual
e vive espiritualmente, o que é pensar e querer. Assim toda
a vida racional que aparece no corpo pertence ao espírito
e nada ao corpo. Portanto o corpo, como se disse,
é material, e o material, que é o próprio do corpo,
é acrescentado e, por assim dizer, adjunto ao espírito, a fim
de que o espírito do homem possa por em atividade
a vida e fazer usos no mundo natural, cujas coisas são todas
materiais e em si mesmas privadas de vida. E como não é o
material que vive, mas unicamente o espiritual, pode-se ver que tudo que
vive no homem pertence a seu espírito, e o corpo somente serve
ao espírito absolutamente como o instrumental serve à força viva
motriz. É verdade que se diz do instrumental que ele age, move
ou fere, mas crer que isso pertença ao instrumento, e não àquele
que pelo instrumento age, move ou fere, é uma ilusão.
(433)
Ora, se tudo que vive no corpo e pela vida age e sente
pertence unicamente ao espírito e em nada pertence ao corpo,
segue-se que o espírito é o próprio homem ou, o que é o
mesmo, o homem considerado em si é o espírito, e o espírito
é também uma semelhante forma, porque tudo que vive e sente
no homem pertence a seu espírito; e desde a cabeça até
a planta dos pés, não há coisa alguma no homem que não viva
e sinta. Daí resulta que, logo que o corpo é separado
de seu espírito, o que se chama morrer, o homem permanece
sempre homem, e vive. Soube do céu que alguns dentre os que
morrem, quando estendidos em seu leito fúnebre, antes de terem sido
ressuscitados, pensam mesmo em seu corpo frio e crêem que vivem ainda,
mas com esta diferença, que eles não podem mover partícula alguma material,
qual é toda partícula própria ao corpo. feny-angyalai.hu
(434)
O homem não pode pensar e querer sem ser por algum sujeito substancial
do qual e no qual existem o pensar e o querer. O que
se crê existir sem sujeito substancial nada é. Pode-se saber isto pelo
fato de que o homem não pode ver sem o órgão que é o
sujeito de sua vista, nem ouvir sem o órgão que é o sujeito
de sua audição; a vista e a audição sem esses órgãos nada são
e não são possíveis. Do mesmo modo também o pensamento, que
é a vista interna, e a percepção, que é a audição interna,
absolutamente não existiriam se não existissem nas substâncias
e pelas substâncias que são formas orgânicas e os seus sujeitos.
Pode-se ver o mesmo quanto ao espírito do homem: que está
igualmente em uma forma que é uma forma humana, e goza também
dos órgãos dos sentidos e dos sensíveis quando ele foi separado
do corpo, como gozava nele. E tudo o que o homem possui
relativamente à vida dos olhos, à dos ouvidos, e, em suma, à vida
dos sentidos, pertence não a seu corpo, mas a seu espírito neles e
no que eles têm de mais singular. Daí é que os espíritos
vêem, ouvem e sentem do mesmo modo que os homens, mas depois
da separação do corpo; não em um mundo natural, mas em um
mundo espiritual. O que o espírito sentiu naturalmente quando estava
no corpo era pelo material que lhe fora acrescentado, mas sentiu
ao mesmo tempo espiritualmente, pensando e querendo.
(435)
Tais coisas foram ditas para que o homem racional seja convencido de que
o homem considerado em si mesmo é um espírito, e o corporal
que foi acrescentado ao espírito, por causa das funções no mundo
natural e material, não é o homem, mas o mero instrumental
de seu espírito. Importa, porém, dar confirmações pela experiência, porque
as coisas racionais não são alcançadas por muitas pessoas; e naqueles
que se confirmaram em uma opinião contrária, elas se mudam
em coisas duvidosas por meios de raciocínios derivados das ilusões
dos sentidos. Aqueles que se confirmaram em uma opinião contrária têm
por hábito pensar que os animais vivem e sentem igualmente, que assim
eles também têm um espiritual semelhante ao do homem, e que
entretanto esse espiritual morre com o corpo. Mas o espiritual dos
animais não é semelhante ao espiritual do homem, porque
o homem tem o que os animais não têm, isto é, um íntimo,
em que o Divino influi e eleva o homem a Si,
e por este modo o conjunge a Si. Por isso o homem pode e
os animais não podem pensar em Deus e nos Divinos que pertencem
ao céu e à Igreja, e amar a Deus por meio deles
e neles e, assim, conjungir-se a Deus. Ora, o que pode estar
unido ao Divino não pode ser dissipado, mas o que não pode ser unido
ao Divino é dissipado. Tratou-se (n.o 39) desse íntimo que
existe no homem e não nos animais. Vou novamente referir aqui
o que já disse, porque importa destruir as ilusões que muitos
homens engendram porque, por falta de conhecimento e de abertura
de intelecto, não podem formar conclusões racionais sobre o assunto.
São estas as palavras: “Gostaria de lembrar aqui certo arcano sobre
os anjos dos três céus, que até então não ocorreu à mente
de pessoa alguma, porque não foram compreendidos os graus
(de que se falou, n.o 38), a saber, que em cada
anjo, e também em cada homem, há um grau íntimo ou supremo,
ou um certo íntimo e supremo, em que o Divino
do Senhor influi primeiro ou de mais perto, e pelo qual Ele
dispõe os outros interiores que vêm depois, segundo os graus
da ordem no anjo e no homem. Esse íntimo ou supremo pode
ser chamado a entrada do Senhor no anjo e no homem
e Seu domicílio mesmo neles. É por este íntimo ou supremo que
o homem é homem e se distingue dos animais brutos, porque
os brutos o não têm. Daí vem que o homem, diferentemente dos
animais, pode, quanto a todos os interiores pertencentes à sua
mente e ao seu ânimo, ser elevado pelo Senhor para o Senhor mesmo,
crer n‘Ele, ter amor por Ele, vê-Lo, e assim poder receber
a inteligência e a sabedoria, e falar segundo a razão. Daí
vem também que ele vive na eternidade. Contudo, o que é disposto
e provido pelo Senhor neste íntimo não influi manifestamente
na percepção de anjo algum, porque isso está acima de seu
pensamento e excede sua sabedoria”.
(436)
Que o homem seja um espírito quanto a seus interiores, isto
me foi dado saber por inúmeras experiências e, se as referisse todas,
encheria, como se diz, volumes. Falei com espíritos como espírito,
e falei com eles como homem no corpo; e quando falei com eles
como espírito pensavam que eu mesmo era em espírito, e também
em uma forma humana como eles; assim apareceram os meus interiores
perante eles, pois todas as vezes que eu lhes falei como espírito,
meu corpo material não apareceu.
(437)
Que o homem quanto aos seus interiores seja um espírito, pode-se ver
no fato de que, depois de separado do corpo, o que
sucede quando ele morre, o homem vive depois como precedentemente. Para
que eu ficasse convencido desse fato, foi-me concedido falar com quase
todos os que eu conhecera anteriormente na vida de seu
corpo. Com alguns durante horas, com outros durante semanas e meses
e com outros durante anos; e isso principalmente para que
eu pudesse ter plena certeza e para que eu o atestasse.
(438)
Pode-se acrescentar a isso que todo homem, mesmo enquanto vive
no corpo, está, quanto a seu espírito, em sociedade com
espíritos, ainda que o ignore. O homem bom está por esses espíritos,
em uma sociedade angélica, e o mau em uma sociedade infernal.
E depois da morte ele vem entre os da mesma sociedade. Foi isto
muitas vezes dito e mostrado aos que depois da morte vieram entre
os espíritos. O homem, na verdade, não aparece nessa sociedade
como espírito enquanto vive no mundo, e assim é, porque então ele
pensa naturalmente. Mas os que pensam com abstração do corpo, estando
então em espírito, aparecem às vezes em sua sociedade e, quando
aparecem, são perfeitamente distinguidos pelos espíritos que lá estão.
Eles andam, com efeito, meditabundos, mudos e não olham para
os outros, estando como se os não vissem; e desde que algum
espírito lhes dirige a palavra, eles desaparecem.
(439)
Para ilustrar que o homem quanto aos seus interiores é um espírito,
vou, por experiência, referir o que sucede quando o homem
se desprende do corpo, e o que sucede quando ele é levado
pelo espírito para um outro lugar.
(440)
Quanto ao primeiro ponto, a saber, ser desligado do corpo, eis
o que se passa:
o homem é levado a um certo estado que medeia entre o sono e a vigília; quando ele se acha nesse estado, ele apenas pode saber que está inteiramente acordado. Todos os seus sentidos também estão acordados tal como se ele estivesse na vigília mais plena do corpo, não só a vista, mas também o ouvido e, o que é maravilhoso, o tato, que então é mais apurado do que nunca o poderia ser na vigília do corpo. Nesse estado também foram vistos espíritos e anjos inteiramente ao vivo; também foram ouvidos, e, o que é admirável, tocados, e então quase nada do corpo interferia. É deste estado do qual se diz estar desprendido do corpo, e não saber se se está no corpo ou fora dele. Só fui posto nesse estado três ou quatro vezes, unicamente para que eu conhecesse qual ele é e ao mesmo tempo soubesse que os espíritos e os anjos gozam de todos os sentidos dos quais o homem também goza quanto ao espírito, quando ele é desprendido do corpo.
(441)
Quanto ao que se refere ao segundo ponto, ser levado pelo
espírito a um outro lugar, foi-me mostrado por viva experiência o que
vem a ser e como isso se faz, mas isso somente duas ou três
vezes. Contentar-me-ei em referir uma só experiência. Andando pelas
praças de uma cidade e através dos campos, e estando
em confabulação com espíritos, sabia apenas que estava acordado
e vendo como em outras ocasiões, caminhando assim sem
me desviar; e durante esses instantes eu estava em visão,
vendo bosques, rios, palácios, casas, homens e muitos objetos. Mas depois
de andar assim algumas horas, de repente achei-me na vista
do corpo, e notei que estava em outro lugar; e, ficando muito
admirado, vi que me tinha achado no estado em que
se acharam aqueles de quem se diz que eles foram levados pelo
espírito a um outro lugar; pois, em quanto dura esse estado, não
se reflete de modo algum sobre o caminho, mesmo quando ele é
de muitas milhas; não se reflete também sobre o tempo, mesmo
quando ele é de muitas horas ou de muitos dias, e não
se experimenta fadiga alguma. Então se é também conduzido, por
caminhos que se ignora, até ao lugar designado, sem enganos.
(442)
Todavia, esses dois estados do homem, que são seus estados quando ele está
em seus interiores, ou, o que é a mesma coisa, quando ele está
em espírito, são extraordinários. Eles me foram mostrados somente
para que eu soubesse quais eles são, porque foram conhecidos dentro
da igreja; mas, quanto a falar com espíritos e estar com eles
como um deles, é o que me foi mesmo concedido em toda
a vigília do corpo, e isto agora desde muitos anos.
(443)
Que o homem quanto aos seus interiores seja um espírito, é o que
pode ser mais amplamente confirmado pelo que se disse e se expôs
acima (n.os 311-317), onde se mostrou que o céu e o
inferno procedem do gênero humano.
(444)
Que o homem é um espírito quanto aos seus interiores, deve-se
entender que ele é um espírito quanto às coisas que pertencem
ao seu pensamento e à sua vontade, pois essas coisas são
os interiores mesmos, que fazem que o homem seja homem. E tal
ele é quanto a eles, tal ele é homem.
(47)
DA RESSURREIÇÃO
DO HOMEM DENTRE OS MORTOS
E DE SUA ENTRADA NA VIDA ETERNA
(445)
Quando o corpo não pode mais exercer no mundo natural as suas
funções correspondentes aos pensamentos e às afeições de seu
espírito, que lhe vêm do mundo espiritual, se diz então que homem
morre. Isto acontece quando cessam os movimentos respiratórios dos pulmões
e os movimentos sistólicos do coração. Mas o fato é que
o homem não morre; ele é somente separado do corporal que servia
para seu uso no mundo. Com efeito, o homem mesmo vive. Diz-se que
o homem mesmo vive porque o homem é homem não pelo corpo, mas
pelo espírito, pois no homem é o espírito, pois no homem
é o espírito que pensa, e o pensamento com a afeição faz
o homem. Daí é evidente que o homem, quando morre, passa somente
de um mundo para o outro. É por isso que a “morte”,
na Palavra, significa, no sentido interno, a ressurreição
e a continuação da vida.
(446)
Há uma íntima comunicação do espírito com a respiração e com
o movimento do coração; comunicação do seu pensamento com
a respiração, e de sua afeição, que pertence ao amor, com
o coração. Por isso, quando esses dois movimentos cessam no corpo,
há logo separação. Esses dois movimentos, a saber, o movimento
respiratório dos pulmões e o movimento sistólico do coração, são
os elos mesmo que, sendo rompidos, o espírito fica entregue a
si próprio, e o corpo, sendo então privado da vida de seu
espírito, se torna frio e apodrece. Se há íntima comunicação
do espírito do homem com a respiração e com o coração,
é porque disso dependem todos os movimentos vitais, não só no
geral como também em todas as particularidades.
(447)
O espírito do homem, depois da separação, fica um pouco
de tempo no corpo, mas somente até que o movimento
do coração haja totalmente cessado, o que se faz com variedade
segundo o estado da moléstia de que o homem morre, porque
o movimento do coração dura em alguns muito tempo e
em outros menos tempo. Desde que esse movimento cessa, o homem
é ressuscitado; mas isto é operado pelo Senhor Só. Pela ação
de ressuscitar se entende a ação de retirar o espírito
do homem fora do corpo e introduzi-lo no mundo espiritual,
o que se chama comumente “ressurreição”. Se o espírito
do homem não é separado do corpo antes de haver cessado
o movimento do coração, é porque o coração corresponde
à afeição pertencente ao amor, a qual é a vida mesmo
do homem, porque é pelo amor que cada um tem o calor vital
(3); por isso, enquanto durar essa conjunção há correspondência e, por
conseqüência, vida do espírito no corpo.
(448)
Não só me foi relatado, como mostrado por viva experiência de que
modo se opera a ressurreição. A experiência mesma foi feita
sobre mim para que eu tivesse pleno conhecimento dessa operação.
(449)
Fui reduzido a um estado de insensibilidade quanto aos sentidos
corporais, portanto quase ao estado dos que estão morrendo; entretanto,
a vida interior ficava-me inteira com o pensamento, a fim
de que eu percebesse e retivesse em minha memória
o que se ia passar e o que se passa nos que são
ressuscitados dos mortos. Percebi que a respiração do corpo tinha
sido quase suprimida, a respiração interior , que pertence
ao espírito, ficando conjunta com uma fraca e tácita respiração
do corpo. Então deu-se-me primeiramente uma comunicação, quanto
à pulsação do coração, com o reino celeste, porque esse reino
corresponde ao coração do homem; vi até anjos desse reino;
alguns afastados e dois que estavam sentados perto de minha cabeça.
Daí, toda afeição própria me foi retirada, mas eu ficava com o pensamento
e a percepção. Estive neste estado durante algumas horas. Então
os espíritos que estavam ao redor de mim se retiraram,
crendo que eu estava morto. Um cheiro aromático, como o de um
cadáver embalsamado, fez-se até sentir, porque, quando os anjos celestes
estão presentes, o que é cadaveroso é sentido como
um cheiro aromático. Quando os espíritos sentem esse cheiro
, eles não podem se aproximar. Assim os maus espíritos são
também afastados do espírito do homem no primeiro momento
de sua introdução na vida eterna. Os anjos que estavam sentados
perto de minha cabeça guardavam silêncio, somente comunicando seus
pensamentos com os meus. Quando seus pensamentos são recebidos,
os anjos sabem que o espírito do homem se acha
no estado em que ele pode ser tirado fora d corpo.
A comunicação dos seus pensamentos fazia-se pelo olhar para minha face,
porque é assim que se fazem no céu as comunicações
de pensamentos. Como pensamento e a percepção me tinham sido
deixados, para que eu conhecesse e me lembrasse do modo como
se fez a ressurreição, eu percebia que esses anjos examinavam
primeiramente qual era o meu pensamento, se era semelhante
ao pensamento dos que morrem - o qual é de ordinário dirigido
sobre a vida eterna - e que eles queriam conservar a minha mente
nesse pensamento. Foi-me dito, depois, que o espírito do homem,
quando o corpo expira, é conservado em seu pensamento último até
que ele volte aos pensamentos que procedem de sua afeição comum
ou dominante no mundo. Foi-me concedido, principalmente, perceber
e também sentir que havia uma atração e como uma inclinação dos
interiores de minha mente, assim do meu espírito, de perto
de meu corpo, e me foi dito que isto é feito pelo Senhor,
e daí é que há ressurreição.
(450)
Quando os anjos celestes estão com o ressuscitado, eles não
o abandonam, porque amam a todo homem. Mas quando o espírito
é tal que não pode ficar por mais tempo na companhia dos anjos
celestes, ele próprio deseja então se separar deles. Quando isso sucede,
anjos do reino espiritual do Senhor vêm e são eles que lhe dão
o uso da luz, porque até então ele nada via, mas somente pensava.
Foi-me também mostrado como isso se faz. Esses anjos pareciam desenrolar
a película do olho esquerdo para o septo do nariz, para
abrirem o olho e darem a faculdade de ver; o espírito
percebe que isso assim se faz, mas é apenas uma aparência. Quando
se percebe que a película foi desenrolada, aparece alguma coisa
luminosa, mas obscura, como quando o homem vê através de suas
pálpebras em seu primeiro despertar; esse luminoso-obscuro pareceu-me
de cor celeste, mas foi-me dito depois que isso se faz com variedade.
Depois se sente como alguma coisa desenrolando-se brandamente por cima
da face, depois do que é introduzido o pensamento espiritual.
Esse desenrolamento por cima da face é também um aparência,
porque representa que o ressuscitado passa do pensamento natural para
o pensamento espiritual. Os anjos velam com o maior cuidado para
que do ressuscitado não venha idéia alguma, exceto das que procedem
do amor. Então, eles lhe dizem que ele é um espírito. Os anjos
espirituais, depois de darem ao novo espírito o uso da luz,
prestam-lhe todos os serviços que ele possa desejar nesse estado e o
instruem sobre as coisas que estão na outra vida, mas
na proporção que ele possa compreender. Porém, se o ressuscitado
é tal que não queira ser instruído, deseja então afastar-se
da companhia desses anjos, contudo os anjos não o abandonam:
é ele quem se separa deles, pois os anjos amam a todo o homem e o seu maior desejo é prestar serviços, instruir e conduzir ao céu. É nisto que consistem as suas supremas delícias. Quando o espírito assim se separa dos anjos, bons espíritos o recebem, e, quando está em sua sociedade, eles prestam-lhe também bons ofícios. Mas se sua vida no mundo foi tal que não lhe é possível ficar em sociedade com os bons espíritos, ele deseja também separar-se deles; e isso se repete tanto tempo e tantas vezes até que ele se associe com os que convêm absolutamente à sua vida no mundo, nos quais torna a achar sua vida. E então, coisa admirável, ele leva uma vida semelhante à que levava no mundo.
(451)
Mas este exórdio da vida do homem depois da morte não dura além
de alguns dias. No que vai seguir se dirá como ele é depois
conduzido de um estado a um outro e, finalmente, ou ao céu
ou ao inferno. Foi-me também dado saber isto por um grande número
de experiências.
(452)
Conversei com alguns ressuscitados no terceiro dia depois de sua
morte, e então as operações de que se falou (nos.
449, 450) estavam cumpridas. Conversei até com três dentre eles que
eu tinha conhecido no mundo, aos quais contei que naquele mesmo
momento preparavam-se os funerais para o sepultamento de seu
corpo; eu tinha dito “para seu sepultamento” e a estas palavras eles
ficaram estupefatos, e diziam que estavam vivos, mas que se punha
no túmulo o que lhes servira no mundo. Depois eles muito
se admiraram de que, durante a sua vida no corpo, não
houvessem crido em uma tal vida depois da morte, e principalmente
de que quase todos, dentro da igreja, se achassem em uma
tal incredulidade. Quando aqueles que não creram, no mundo, em uma
vida da alma depois da vida do corpo, notam que vivem, ficam
muito envergonhados; mas os que se confirmaram neste ponto são
consociados aos seus semelhantes e separados do que estiveram
na fé. Eles são o mais das vezes ligados a alguma sociedade
infernal, porque tais espíritos negaram também o Divino e desprezaram
as verdades da Igreja; porque, quanto mais alguém se confirma
contra a vida eterna de sua alma, mais se confirma também contra
o que pertence ao céu e à Igreja.
(48)
O HOMEM, DEPOIS DA MORTE,
EXISTE EM UMA PERFEITA FORMA HUMANA
(453)
Que a forma do espírito do homem seja a forma humana,
ou que o espírito seja homem também quanto à forma, pode-se ver
pelo que já foi exposto em muitos artigos, mormente onde
se mostrou que cada anjo está em uma perfeita forma humana (nos
73 a 77); que todo homem é um espírito quanto aos seus interiores (nos
432 -444); e que os anjos no céu procedem do gênero humano
(nos 311-317).
[2] Que o homem é homem por seu espírito e não por seu corpo, e que a forma corporal foi acrescentada ao espírito segundo a forma do espírito, e não vice-versa, pode-se ver claramente, pois é segundo a sua forma que o espírito foi revestido do corpo. Por isso o espírito do homem age em cada parte, até nas mínimas partículas do corpo, de tal modo que a parte que não é acionada pelo espírito, ou em que o espírito não atua, não vive. Que assim suceda é o que qualquer um pode saber apenas por isto, que o pensamento e a vontade põem em ação todas e cada uma das partes do corpo, de tal modo à sua vontade que tudo concorre para isso e que o que não concorre para isso não é uma parte do corpo e é rejeitado como parte em que o vivo não existe. O pensamento e a vontade pertencem ao espírito do homem e não ao seu corpo.
[3] Se o espírito não aparece ao homem em uma forma humana, depois que ele se separou do corpo nem em um outro homem, é porque o órgão da visão do corpo, ou seus olhos, enquanto vêem no mundo, são materiais, e o que é material vê apenas o material, mas o espiritual vê o espiritual. Por isso, quando o material dos olhos é velado e privado de sua cooperação com o espiritual, então aparecem os espíritos em sua forma, que é a forma humana; e não somente os espíritos que estão no mundo espiritual, mas até o espírito que está em um outro homem enquanto este ainda está em seu corpo.
(454)
Se a forma do espírito é a forma humana, é porque
o homem, quanto a seu espírito, foi criado segundo a forma
do céu, pois todas as coisas do céu e da sua ordem foram
reunidas nas que pertencem à mente do homem; de onde resulta
para ele a faculdade de receber a inteligência e a
sabedoria. Quer se diga a faculdade de receber o céu, é o
mesmo, como se pode ver pelo que foi exposto sobre a luz e o calor
do céu (nos 126-140); sobre a forma do céu (nos
200-212); sobre a sabedoria dos anjos (nos 265-275); nos
artigos onde se diz que o céu, quanto à sua forma no todo e
na parte, representa um homem (nos 59-77); e que
é pelo Divino Humano do Senhor que o céu no todo e
na parte representam um homem (nos 78 a 86).
(455)
O que acaba de ser dito pode ser compreendido pelo homem racional, porque
ele pode ver pelo encadeamento das causas e pelas verdades em sua
ordem, mas o homem que não é racional não o compreende. Ele não
o compreende por muitas razões; a principal é que ele não
o quer, por ser isso oposto aos seus falsos com os quais fez verdades
para si. E quem por esta razão não quer compreender, fechou o caminho
do céu a seu racional, que entretanto pode sempre estar aberto,
contanto que a vontade não resista (ver no 424). Que
o homem possa compreender as verdades e ser racional contanto
que o queira, é o que me foi mostrado por um grande número
de experiências. Muitíssimas vezes, maus espíritos que se tinham
tornado irracionais porque no mundo tinham negado o Divino e
as verdades da Igreja e se tinham confirmado contra elas, foram
voltados por uma força Divina para os que estavam na luz das
verdades, e então eles compreendiam todas as verdades, como
os anjos, e confessavam que eram verdades e também que
as compreendiam todas. Mas, desde que tornavam a entrar em si
próprios e se voltavam para o amor pertencente à sua vontade,
eles nada compreendiam e diziam o contrário.
[2] Ouvi também alguns espíritos infernais dizerem que eles sabem e percebem que o que fazem é mal e o que pensam é falso, mas que não podem resistir ao prazer de seu amor, por conseguinte à sua vontade, e que esta leva seus pensamentos a ver o mal como o bem e o falso como verdadeiro. Por este modo vi claramente que os que estão nos falsos pelo mal podiam compreender e, portanto, ser racionais, mas o não queriam, e se o não queriam era porque eles amavam os falsos de preferencia às verdades, pela razão que os falsos concordavam como os males em que eles estavam. Amar e querer é a mesma coisa, porque o que o homem quer ele o ama, e o que ele ama ele o quer.
[3] Pois tal é o estado dos homens, que eles podem compreender as verdades contanto que o queiram. Foi-me concedido confirmar, mesmo por coisas racionais, as verdades espirituais que pertencem à igreja e ao céu, e isto a fim de que os falsos, que em muitos obstruíam o racional, fossem dissipados pelas coisas racionais, e para que os olhos fossem assim talvez um pouco abertos; pois foi concedido a todos que estão nas verdades confirmarem as verdades espirituais por coisas racionais. Quem poderia jamais compreender a Palavra segundo o sentido de sua letra se não visse pelo racional iluminado as verdades que nela estão ? É por se ter agido de outro modo que foram tiradas tantas heresias dessa mesma Palavra (2).
(456)
Que o espírito do homem depois da separação do corpo seja
homem e em uma forma semelhante, é o que me foi provado por uma
experiência diária de muitos anos, pois os vi e os ouvi milhares
de vezes e conversei com eles sobre este ponto, isto é, que
os homens no mundo não crêem que eles são tais, e que
os que crêem são considerados pelos eruditos como simples.
Os espíritos sentiam dor em seu coração pelo fato de reinar
ainda no mundo uma tal ignorância, e principalmente na igreja.
[2] Mas, diziam que essa fé era principalmente derivada dos eruditos que pensaram a respeito da alma segundo o sensual-corporal, de onde resultou que eles conceberam a idéia de que ela era como um simples pensamento, que quando é considerado sem um sujeito, no qual e pelo qual é representado, é como alguma coisa volátil, de puro éter, que não pode deixar de ser dissipado com a morte do corpo. Como, porém, a igreja crê, pela Palavra, na imortalidade da alma, não puderam, de outro modo, deixar de acrescentar à alma algum vital, qual o do pensamento, mas sempre não sensitivo, como sucederia ao homem antes que a alma fosse reunida ao corpo por uma segunda vez. É sobre esta opinião que é fundada a doutrina a respeito da ressurreição, e a crença que uma conjunção se efetuará quando vier o juízo final. Daí é que todas as vezes que alguém pensa na alma segundo essa doutrina e ao mesmo tempo segundo essa hipótese, é-lhe absolutamente impossível compreender que ela seja um espírito e que o espírito seja na forma humana. Acrescenta-se a isto que dificilmente há alguém que saiba o que é espiritual, e ainda menos alguém sabendo que haja alguma forma humana para seres que são espirituais, quais são todos os espíritos e todos os anjos.
[3] Daí resulta que quase todos os que vêm do mundo ficam na maior estupefação de viverem e serem igualmente homens como dantes; de verem, ouvirem e falarem: de seu corpo gozar de tato como dantes e de não haver absolutamente diferença em coisa alguma [ver n.o 74]. Mas quando cessa a tal admiração quanto ao que se refere a si próprios, eles ficam surpresos de que a igreja nada saiba desse estado dos homens depois da morte, nem por conseguinte coisa alguma do céu e do inferno, quando a verdade é que todos os que viveram no mundo estão na outra vida e vivem homens. E como eles se admirassem também de que essa verdade não houvesse sido manifesta ao homem por visões, pois ela é um ponto essencial da fé da igreja, do céu se lhes disse que isso teria podido ser feito, porque nada é mais fácil quando apraz ao Senhor, mas que nunca os que se confirmaram nos falsos contra as verdades acreditariam, mesmo que eles próprios vissem. E que, além disso é perigoso confirmar alguma verdade por visões nos que estão nos falsos, porque assim eles acreditariam a princípio e negariam depois, e por esse modo profanariam mesmo essa verdade, porque é profanar quando se crê e depois se nega; e os que profanam as verdades são precipitados no mais profundo e terrível de todos os infernos (3).
[4] é este perigo que se entende por estas palavras do Senhor.
“Cegou os olhos deles e endureceu os seus corações, para que não vejam com os olhos e entendam com o coração, e se convertam, e os cure” (João 12:40).
E, que os que estão nos falsos não crerão de forma alguma, é o que se entende por estas palavras:
Disse Abrahão ao rico no inferno:
“Eles têm Moisés e os Profetas, ouçam-nos; ele porém, disse: Não, pai Abrahão; mas se algum dos mortos vier para eles, eles se converterão. Abrahão, porém, disse-lhe:
Se a Moisés e aos profetas não ouvem, nem também se algum dos mortos ressuscitassem, eles creriam”. (Luc. 16:29-31)
(457)
Logo que o homem entra no mundo dos espíritos, o que acontece
pouco depois da sua ressurreição, da qual se falou acima, seu espírito
tem a mesma face e o mesmo som de voz que ele tinha
no mundo. Isto assim é, porque então ele se acha no estado
de seus exteriores, e os seus interiores ainda não foram descobertos.
Este estado é o primeiro estado dos homens depois da morte. Mas, depois,
a face muda e se torna muito diferente; ela fica semelhante
à sua afeição dominante ou amor reinante, em que estiveram
os interiores de sua mente no mundo, e no qual esteve seu
espírito no corpo: a face do espírito no homem difere muito
da face de seu corpo: a face do corpo provém dos pais, mas
a face do espírito provém da sua afeição, de que ela
é imagem. O espírito vem a essa face depois da vida
do corpo, quando os exteriores são afastados e os interiores são
desvendados; este estado é o segundo estado do homem. Vi alguns
homens recentemente saídos de nosso mundo, e os reconheci pela face
e pela linguagem. Mais tarde, porém, quando eles se me apresentaram,
não os reconheci mais. Os que tinham estado em afeições boas
apresentaram-se com uma face bela, e os que tinham estado em afeições
más com uma face disforme, porque o espírito do homem, considerado
em si mesmo, não é outra coisa mais do que a sua afeição,
cuja forma externa é a sua face. Se as faces mudam, é também
porque na outra vida a ninguém é permitido simular afeições que
não são suas afeições próprias, nem por conseguinte tomar uma face que seja
oposta ao amor em que está. Todos, quaisquer que sejam, estão
lá reduzidos a este estado, de falar como pensam e de mostrar
pelo rosto e pelos gestos tal qual é a sua vontade. Daí resulta,
pois, que as faces de todos os espíritos se tornam
as formas e as efígies das suas afeições. E daí vem que todos
os que se conheceram no mundo se conhecem também
no mundo dos espíritos, mas não no céu ou no inferno, como
se disse acima [n.o 427]
(458)
As faces dos hipócritas se mudam mais tarde do que as faces dos
outros, e assim é porque pela prática eles contraíram o hábito
de compor seus interiores à imitação das afeições boas. Por isso eles
aparecem por muito mais tempo sem feiura. Mas, como o que é simulado
neles é sucessivamente despojado, e os interiores que pertencem
à mente são dispostos segundo a forma das suas afeiçoes, eles
tornaram-se depois mais disformes que os outros. Os hipócritas são
os que falaram como anjos mais interiormente reconheceram a natureza
só, e não por conseguinte o Divino, e por conseguinte negaram
as coisas que pertencem à igreja e ao céu.
www.universe-people.com
(459)
Cumpre saber que a forma humana de cada homem, depois da morte,
é tanto mais bela quanto mais interiormente ele amou as divinas
verdade e viveu segundo estas verdades. Pois os interiores
de cada um são abertos e formados segundo o amor e a
vida; por isso, quanto mais a afeição for interior, mais ela
é conforme o céu, e por conseqüência mais a face
é bela. Daí vem que os anjos que estão no céu intimo são
os mais belos, porque são formas do amor celeste. Mas os que
amaram as Divinas verdades de um modo mais exterior, e assim
viveram mais exteriormente segundo essas verdades, são menos belos, porque
os exteriores somente brilham sobre a sua face, e o amor
interior celeste não resplandece através dos exteriores, nem por conseguinte
a forma do céu qual ela é em si mesma. Aparece sobre sua face
alguma coisa de relativamente obscura, não vivificada pela transferência
da vida interior. Em uma palavra, toda perfeição aumenta para
os interiores e diminui para os exteriores. E, do mesmo
modo que a perfeição, a beleza aumenta e diminui. Vi faces
angélicas do terceiro céu que eram tais que nunca pintor algum poderia,
com toda a sua arte, dar às cores um brilho de luz que
igualasse a milésima parte da luz e da vida que brilhavam
na face desses anjos. Mas as faces dos anjos do último céu podem
até um certo ponto ser imitadas pela pintura.
(460)
Vou mencionar, em último lugar, um arcano que ainda não foi conhecido
por pessoa alguma. É que todo bem e toda verdade que procedem
do Senhor e constituem o céu são na forma humana,
e isto não só no todo e no máximo, como também em toda
a parte e nos mínimos. E essa forma afeta todo aquele que recebe
do Senhor o bem e a verdade, e ela faz que cada um no
céu esteja em uma forma humana segundo a recepção. É por isso
que o céu é semelhante a si mesmo no geral e
no particular, e que a forma humana é a forma do céu
inteiro, a forma de cada sociedade e a forma de cada anjo,
como foi mostrado em quatro artigos (nos 59-86), aos quais
cumpre acrescentar aqui que ele é a forma de cada coisa
do pensamento que procede do amor celeste nos anjos. Todavia, este
arcano penetra com dificuldade no entendimento do homem, mas com
clareza no entendimento dos anjos, porque eles estão na luz
do céu.
(49)
O HOMEM, DEPOIS DA MORTE,
ESTÁ EM TODOS OS SENTIDOS,
NA MEMÓRIA, NO PENSAMENTO
E NA AFEIÇÃO QUE TINHA NO MUNDO,
E DEIXA APENAS SEU CORPO TERRESTRE
(461)
O homem, quando passa do mundo natural para o mundo espiritual,
o que sucede quando ele morre, leva consigo tudo o que lhe pertence,
ou que dele é como homem, exceto seu corpo terrestre, fato que
me foi atestado por muitas experiências. Pois, quando o homem entra
no mundo espiritual, ou na vida depois da morte, ele está num
corpo, como no mundo. Na aparência não há diferença alguma, pois
não sente e não vê diferença; mas seu corpo é espiritual e,
assim, está separado ou purificado das coisas terrestres; e quando
o espiritual toca e vê o espiritual é absolutamente como quando
o natural toca e vê o natural. Daí vem que o homem, quando
se torna espírito, não sabe outra coisa senão que ele se acha
no corpo em que estava no mundo, e, portanto não sabe que está
morto.
[2] O homem-espírito goza também de todos os sentidos externos e internos de que gozou no mundo. Vê como antes, ouve e fala como antes, tem também o olfato e o paladar, e, quando é tocado, sente pelo tato como antes. Ela apetece, deseja, cobiça, pensa, reflete, é afetado, ama e quer como antes. E quem gosta dos estudos, lê e escreve como antes. Em uma palavra, quando o homem passa de uma vida para a outra, ou de um mundo para o outro, é como se ele passasse de um lugar para outro, e leva consigo tudo o que possui em si como homem, de modo que não se pode dizer que o homem, pela morte , haja perdido a menor coisa que lhe pertença, exceto o corpo terrestre.
[3] Ele também leva consigo a sua memória natural, porque tudo que no mundo ele ouviu, viu, leu, aprendeu e pensou, desde a primeira infância até o último momento de sua vida, ele o retém. Mas os objetos naturais que estão na memória, não podendo ser reproduzidos no mundo espiritual, repousam, como sucede no homem quando ele não pensa em tais objetos; mas a verdade é que eles são reproduzidos quando apraz ao Senhor. Quanto a essa memória e ao estado dessa memória depois da morte, falar-se-á a respeito no que vai seguir. Que seja este o estado do homem depois da morte, é o que o homem sensual não pode crer de forma alguma, porque ele não compreende; pois o homem sensual não pode deixar de pensar naturalmente, mesmo a respeito das coisas espirituais. É por isso que as coisas que ele não sente, isto é, que ele não vê com os olhos de seu corpo e não toca com as suas mãos, ele diz que elas não existem, como se lê a respeito de Tomé (João 20:25, 27, 29).
(462)
[a] Contudo, entre a vida do homem no mundo
espiritual e sua vida no mundo natural há uma grande diferença,
tanto quanto aos sentidos externos e às afeições daí procedentes, como
quanto aos sentidos internos e às afeições igualmente daí procedentes.
Os que estão no céu sentem, isto é, vêem e ouvem de um modo
muito mais apurado, e também pensam de um modo muito mais sábio
do que quando estavam no mundo, pois vêem pela luz do céu, que
excede em muitos graus a luz do mundo (ver n.o 126),
e ouvem por uma atmosfera espiritual, que também excede em muitos
graus a atmosfera terrestre (n.o 235). A diferença desses sentidos
externos é como a diferença entre a claridade comparada com
a escuridão de uma nuvem no mundo, e como a luz
do meio dia com a sombra da tarde. Porque a luz
do céu, como é a Divina verdade, dá à vista dos anjos
a faculdade de enxergar e destinguir as mínimas coisas.
[2] Sua vista externa corresponde também à sua vista interna ou ao seu entendimento, porque nos anjos uma dessas vistas influi na outra para agirem como um, daí resultando para eles uma tão grande penetração. O ouvido também corresponde igualmente à sua percepção, que pertence tanto ao entendimento como à vontade; por isso, no som da voz e nas palavras de quem fala eles percebem as mínimas coisas de sua afeição e de seu pensamento: no som às que pertencem à sua afeição, e nas palavras as que pertencem ao seu pensamento (ver n.os 234-245). Mas os outros sentidos nos anjos não são tão apurados como os sentidos da vista e do ouvido; e isto é porque a vista e o ouvido servem à sua inteligência e à sua sabedoria, mas não os outros sentidos, que, se tivessem um igual grau de apuro, arrebatariam a luz e o prazer de sua saberia e lhes dariam o prazer das voluptuosidades pertencentes aos diversos apetites e ao corpo, os quais obscurecem e enfraquecem tanto mais o entendimento quanto mais império eles têm. E como se dá também no mundo nos homens que são, no que se refere às verdades espirituais, tanto mais pesados e estúpidos quanto mais se entregam ao gosto e aos atrativos que pertencem ao tato do corpo.
[3] Que os sentidos interiores dos anjos no céu, sentidos que pertencem ao seu pensamento e à sua afeição, sejam também mais apurados e mais perfeitos do que o eram para eles no mundo, pode-se ver pelas coisas que foram ditas e mostradas no artigo sobre a sabedoria dos anjos do céu (n.os 265-275). Quanto à diferença, porém, do estado dos que estão no inferno em relação ao estado dos que estão no mundo, é grande também, porque, quanto mais perfeição e excelência dos sentidos externos e internos há nos anjos que estão no céu, mais imperfeição há nos que estão no inferno. Mas quanto ao estado destes se tratará depois.
(462)
[b] Que o homem saído deste mundo também tenha consigo toda
a sua memória, é o que me foi mostrado muitas vezes. Vi
e ouvi a este respeito muitas coisas dignas de ser mencionadas,
e vou expor em ordem algumas. Havia espíritos que negavam
as infâmias e os crimes que eles tinham cometido no mundo. Para
que, pois, não fossem tidos por inocentes, todas as suas ações foram
postas a descoberto e recenseadas segundo a sua memória,
em ordem, desde a sua primeira idade até a última; tais ações
eram principalmente adultérios e devassidões.
[2] Havia alguns que, por astúcias pérfidas, tinham enganado os outros e os tinham furtado. As suas astúcias e furtos foram também enumerados em série, e muitos dos quais quase ninguém no mundo teve conhecimento a não ser eles próprios. Como essas coisas foram manifestas como na luz, com todo pensamento, toda intenção, prazer, e temor que, em uníssono, então moveram as suas mentes, eles as reconheceram. Outros tinham recebido presentes e feito da justiça um tráfico; eles foram igualmente examinados, segundo a sua memória, e, por este meio, todas as suas ações foram recenseadas, desde a sua entrada em função até ao último momento de seu exercício; a natureza e a importância de cada ação, o tempo em que foi cometida, o estado de sua mente, sua intenção, tudo isto foi ao mesmo tempo recordado à sua lembrança e apresentado à vista, e essas ações recenseadas excediam em número muitas centenas. E, o que é surpreendente, sucedeu para alguns deles que os registros mesmos em que elas tinham sido inscritas foram abertos e lidos em sua presença página por página.
[4] Outros, que haviam seduzidos virgens e violado a castidade, foram chamados a um semelhante julgamento, e cada uma das suas ações foi tirada da sua memória e contada. As próprias faces das virgens e das mulheres mostravam‑se também como presentes, com os lugares, discursos, e as disposições de espírito; e isto tão subitamente como quando alguma coisa se oferece à vista. Essas manifestações duravam algumas vezes muitas horas.
[5] Havia um que tinha considerado uma ninharia censurar os outros; ouvi enumerar em ordem suas críticas e também suas difamações, nos próprios termos, com indicação das pessoas difamadas e daquelas em cuja presença as críticas e difamações tinham tido lugar. Tudo isso era produzido e ao mesmo tempo apresentado de um modo vivo; e entretanto, quando ele vivia no mundo, tudo fizera para cobrir com segredo cada uma de suas difamações.
[6] Havia um outro que, sob um pretexto fraudulento, despojara um parente seu de uma herança; também ele foi igualmente convencido e julgado. E, coisa admirável, as cartas que mutuamente escreveram e os bilhetes que entre si fizeram foram lidos em minha presença, e se disse que não faltava uma palavra.
[7] O mesmo tinha também, pouco tempo antes de sua morte, envenenado clandestinamente seu vizinho; este crime foi desvendado por este modo: viu‑se esse homem cavar debaixo de seus pés uma cova, da qual saiu, como de um túmulo, um homem que lhe gritou: "Que me fizeste ?" E então foram reveladas todas as circunstâncias do crime, como o envenenador confabulara amigavelmente com ele e apresentara o copo envenenado, o que havia pensado antes, e o que sucedera depois. Tudo estando descoberto, ele foi julgado para o inferno.
[8] Em uma palavra, todas as ações más, crimes, roubos, astúcias e velhacarias são postos em evidência para cada espírito mau; e são tirados de sua própria memória; e ele é forçado a confessá‑los sem haver possibilidade alguma de negá‑los, porque todas as circunstâncias aparecem ao mesmo tempo. Enquanto os anjos examinavam e passavam em revista a memória de um espírito, ouvi também tudo que ele tinha pensado no espaço de um mês, dia‑a‑dia, e sem que houvesse engano; seus pensamentos eram recordados tais quais ele próprio os tivera durante aqueles dias.
[9] Por esses exemplos pode‑se ver que o homem leva consigo toda a sua memória, e que nada há tão oculto no mundo que não se manifeste depois da morte, e isto em presença de uma numerosa assembléia, segundo as palavras do Senhor.
“Nada escondido está que se não descobrirá, e nada oculto que não se conhecerá. Porque as coisas que nas trevas dissestes, à luz serão ouvidas; e o que no ouvido falastes...sobre os telhados será proclamado”. (Lc. 12:2,3).
(463)
Quando as ações de um homem são descobertas depois da sua morte,
os anjos que têm a incumbência da investigação examinam sua
face, e o exame se faz por todo o corpo, principiando pelos
dedos de uma a outra mão, e prosseguindo assim para todas
as partes. Como me admirasse desse gênero de exame,
descobriram-me a causa: é que, como cada umas das coisas
do pensamento e da vontade foram inscritas no cérebro, porque
é daí que estão os seus princípios, assim também foram inscritas
em todo o corpo, porque todas as coisas que pertencem
ao pensamento e à vontade estendem-se de seus princípios para
o corpo e terminam aí como em seus últimos. Daí vem que
todas as coisas que foram inscritas na memória, segundo
a vontade, e por conseguinte segundo o pensamento
da vontade, foram inseridas não só no cérebro, como também
em todo o homem, e existem aí em ordem, segundo
a disposição das partes do corpo. Assim tornou-se evidente que
o homem é, em seu todo, qual ele é em sua vontade e
no pensamento procedente de sua vontade, de sorte que
o homem mau é o seu mal, e o homem bom é seu bem
[1]. Pode-se também ver, por este modo, o que se entende pelo “livro da vida” do homem, de que se fala na Palavra, isto é, por este livro é significado que não só todas as ações do homem, como também todos os seus pensamentos, são inscritos no homem interno, e que aparecem como lidos em um livro quando são tirados de sua memória, e como vistos em efígie quando um espírito é considerado na luz do céu. Aos exemplos precedentes vou ainda acrescentar, a respeito da memória que fica no homem depois da morte, um fato notável pelo qual foi-me confirmado que não só as coisas gerais como também as coisas mais particulares, que entram na memória, nela ficam e nunca se apagam. Mostraram-me livros escritos do mesmo modo que os livros que há no mundo; e fui instruído que eles provêm da memória dos que os escreveram, e que não falta neles uma única das palavras que estavam no livro escrito pelo mesmo homem do mundo. E assim, da memória de um espírito podem ser tiradas coisas mais particulares, até as que ele próprio esquecera quando no mundo. Descobriram-me também a causa disso: é que o homem tem uma memória externa e uma memória interna; a externa pertence ao seu homem natural, e a interna ao seu homem espiritual. Tudo o que o homem pensou, quis, pronunciou, fez, e até tudo o que ele ouviu e viu, foi inscrito em sua memória interna ou espiritual
[2]. E as coisas nela inscritas nunca se apagam, porque foram inscritas ao mesmo tempo no próprio espírito e nos membros do corpo, como se disse acima. Assim, o espírito é formado segundo o que ele pensou e segundo os atos de sua vontade. sei que estas proposições parecem paradoxos, e que por conseguinte não serão cridas facilmente, mas o certo é que elas são verdadeiras. Que o homem não creia, pois, que haja alguma coisa que ele tenha pensado em sim mesmo e feito em segredo que fique oculta depois da morte; mas creia, isto sim, que tudo, em geral e em particular, aparece então a descoberto como a luz do dia.
(464)
Ainda que a memória externa ou natural esteja no homem depois
da morte, entretanto, as coisas puramente naturais que nela estão não
são reproduzidas na outra vida, mas sim as coisas espirituais que
pelas correspondências foram acrescentados às naturais. Contudo, quando
elas se manifestam à vista, aparecem em uma forma inteiramente
semelhante a do um do natural, porque todas as coisas que
aparecem nos céus aparecem do mesmo modo que no mundo, ainda que
em sua essência eles sejam não naturais mas espirituais, como foi
explicado no capítulo dos representativos e das aparências
no céu [n. 170-176].
[2] Mas a memória externa ou natural, quanto às coisas que nela se prendem ao material, e também ao tempo e ao espaço, e a tudo que seja próprio da natureza, não serve ao espírito para o uso a que tinha servido no mundo, porque o homem no mundo, quando pensava pelo sensual externo e não ao mesmo tempo pelo sensual interno ou intelectual, pensava naturalmente e não espiritualmente. Mas na outra vida, quando o espírito está no mundo espiritual, ele pensa não naturalmente, mas espiritualmente. Pensar espiritualmente é pensar intelectualmente ou racionalmente. Daí resulta que a memória externa ou natural descansa então quanto a tudo o que é material, e só vem ao uso aquilo que o homem hauriu no mundo por meio do material e o tornou racional. Se a memória externa quanto às coisas que são materiais descansa, é porque essas coisas não podem ser reproduzidas, pois os espíritos e os anjos falam pelas afeições e assim pelos pensamentos que pertencem à sua mente. Assim, pois, as coisas que não concordam com elas não podem ser expressas, como se pode ver segundo o que se disse sobre a linguagem dos anjos no céu e sobre a sua linguagem com o homem [ n. 234-257].
[3] Daí vem que, quanto mais o homem se tornou racional no mundo pela linguagem e pelo conhecimento, mais racional será depois da morte, e não absolutamente pelo fato de ter sido muito instruído em línguas e ciências. Confabulei com muitos que, no mundo, foram tidos como eruditos por terem conhecido línguas antigas, como o hebraico, o grego e o latim, e não tinham cultivado o seu racional pelas coisas escritas nessas línguas. Uns pareciam tão simples como os que não têm delas conhecimento algum; alguns outros pareciam estúpidos, mas mantinham o orgulho de se julgarem mais sábios do que os outros.
[4] Conversei com alguns espíritos que, no mundo, acreditaram que o homem é tanto mais judicioso quanto mais as coisas retiver em sua memória, e que assim a tinham enriquecido também com um grande número de coisas, e quase sempre falaram por sua memória só, assim segundo outros e não por si próprios; isto porque não tinham de forma alguma aperfeiçoado o seu racional pelas coisas de sua memória. Alguns deles eram estúpidos, outros insensatos, não percebendo absolutamente verdade alguma, de modo a discernir se uma coisa é ou não ‘’e uma verdade, e apoderando-se de todos os falsos que são proclamados como verdades por aqueles que se dizem sábios; pois eles não podem, com efeito, ver por si mesmos se uma coisas ;e assim ou não é, nem por conseguinte ver coisa alguma racionalmente quando ouvem os outros.
[5] Confabulei também com alguns espíritos que, no mundo, muito tinham escrito e até sobre científicos de todo gênero, e que assim tinham adquirido uma fama de erudição em uma grande parte do globo. Alguns deles, de fato puderam raciocinar sobre as verdades, se eram ou não verdades. Outros entenderam que eram verdades quando voltados para os que estavam luz da verdade, mas sempre não queriam entendê-las, e por isso as negavam quando estavam em suas falsidades, isto é quando estavam em seus próprios, Outros não mostravam mais saber do que o vulgo pouco ilustrado. Assim, uns e outros, de um modo diferente, haviam cultivado seu racional como pelos científicos que eles tinham compilado e extraído. Mas os que tinham sido contra as verdades da igreja e que tinha, pensado segundo os científicos e, por meio deles, se tinham confirmado em falsos, esses haviam cultivado não o seu racional mas apenas a faculdade de raciocinar, faculdade que no mundo se crê ser a racionalidade, mas é separada da racionalidade; é a faculdade de confirmar tudo o que apraz e, por meio de princípios preconcebidos e ilusões, ver falsidades e Na verdades. Tais homens nunca podem ser levados a reconhecer as verdades , porque pelas falsidades não se pode ver as verdades, mas pelas verdades pode-se ver as falsidades.
[6] O racional do homem é semelhante a um jardim e a um canteiro, e também a uma terra recentemente lavrada; a memória é o humo, as verdades científicas e os conhecimentos são as sementes, a luz e o calor do céu os fazem produzir - sem eles não há germinação. O mesmo também se dá se a luz do céu, que é a Divina verdade, e o calor do céu, que é o Divino amor, não forem admitidos: a racionalidade procede unicamente deles. Os anjos lastimam principalmente porque os eruditos, em sua maioria, atribuem tudo à natureza e assim fecha, os interiores que pertencem à sua mente, de modo que nada podem ver da verdade e pela luz da verdade, que é a luz do céu. Por este fato eles são privado, na outra vida, da faculdade de raciocinar, para que por seus raciocínios eles não propaguem falsidades entre os bons espíritos simples, e não os seduzam; e assim são enviados para os lugares desertos.
(465)
Um espírito estava indignado porque não se recordava de muitas coisas
que ele conhecera na vida do corpo, sentindo a perda de um
prazer que tinha sido muito grande para si. Disseram-lhe, porém, que ele
absolutamente nada havia perdido, e que o que ele tinha sabido, tanto
em geral como em particular, ele ainda o sabia; e que
no mundo em que ele agora estava não lhe era permitido tirar
de sua memória tais conhecimento, sendo bastante que ele pudesse agora
pensar e falar muito melhor e de modo mais perfeito, sem imergir
o seu racional, como antes, em espessas trevas materiais
e corporais, que não são de uso algum no reino para o qual
ele veio. Que ele possuía agora tudo o que contribui ao uso
da vida eterna, e que é assim e não de outro modo que
ele podia chegar à bem-aventurança e à felicidade. Assim,
há ignorância em crer que, neste reino, a inteligência parece
com o afastamento e o repouso das coisas materiais na memória,
quando realmente a coisas se passa de tal sorte que,
na proporção que a mente pode ser desviada das coisas sensuais que
pertencem ao homem externo ou ao corpo, na mesma proporção ela
é elevada para as coisas espirituais e celestes.
(466)
Quais sejam essas duas memórias, é o que se manifesta às vezes
na outra vida, em formas que somente lá se apresentam, porque
muitas coisas que no homem tomam a forma de idéias, lá se
mostram perante à vista. A memória externa lá apresenta
a aparência de uma calosidade, e a memória interior como a substância
medular semelhante à que existe no cérebro humano; e por este
modo se pode também saber quais elas são. Nos que na vida
do corpo se entregaram à cultural da memória somente,
e por isso não cultivaram sua faculdade racional, ela aparece como uma
calosidade dura e interiormente como estriada por tendões. Nos que
encheram a memória com falsidades, ela aparece cabeluda e eriçada por
causa do acervo confuso das coisas nela. Nos que cultivaram a memória
pelo amor de si e do mundo, ela aparece conglutinada
e ossificada. Aqueles que pelos conhecimentos científicos, principalmente
pelos filosóficos, quiseram penetrar nos arcanos Divinos, não com vontade
de crer exceto se fossem convencidos por tais provas, a memória
neles aparece como uma substância escura, de tal natureza, que absorve os raios
de luz e os converte em trevas. Nos que foram fraudulentos
e hipócritas ela aparece dura e óssea como ebúrnea que reflete
os raios de luz.
(467)
Os homens, quando vivem no mundo, e estão no amor para com Deus
e na caridade para com o próximo, têm consigo e em si
a inteligência e a sabedoria angélica, mas oculta nos íntimos
da sua memória interior; inteligência e sabedoria que nunca podem
lhes aparecer antes de haverem eles despojado as coisas corporais.
Então a memória natural fica adormecida, e a inteligência
e sabedoria se despertam na sua memória interior e depois
sucessivamente na própria memória angélica.
(468)
De que modo racional pode ser cultivado, é o que será dito em poucas
palavras. O racional genuíno consiste em verdades e não
em falsidades; o que procede das falsidades não é racional.
As verdades são de três gêneros: civis, morais e espirituais.
As verdades civis se referem às coisas que pertencem
ao juízo e ao governo nos reinos, e, em geral, ao que aí é justo
e eqüitativo. As verdades morais se referem `as coisas que
pertencem à vida de cada homem, relativamente às sociedades
e relações, em geral ao que é sincero e reto, e
em particular às virtudes de todo o gênero. Mas
as verdades espirituais se referem às coisas que pertencem
ao céu e à igreja, em geral ao bem pertencente ao amor
e à verdade pertencente `a fé.
[2] Há três graus de vida em cada homem ver n.o 267): o racional é aberto ao primeiro grau pelas verdades civis ; ao segundo grau pelas verdades morais, e ao terceiro grau pelas verdades espirituais. Mas deve-se saber que o racional não é formado e aberto por eles pelo fato de o homem os conhecer, mas o é por isto; pelo fato de o homem viver segundo eles; e por viver segundo eles entende-se amá-los pela afeição espiritual; e amá-los pela afeição espiritual é amar o justo e o eqüitativo porque é justo e eqüitativo, o sincero e o reto porque é sincero é reto, e o bem e a verdade porque é o bem e a verdade. Mas viver segundo eles e amá-los por uma afeição corporal é amá-los por causa de si, de sua reputação, honra ou lucro. Por isso, quanto mais o homem amar pela afeição corporal essas verdades, mais ele deixa de ser racional, porque de fato não as ama, mas a si próprio a quem as verdades servem como os fâmulos ao senhor; e quando as verdades fazem-se servos, então não entram no homem e não abrem grau algum da sua vida, nem mesmo o primeiro, mas residem apenas na memória, como científicos sob a forma material, e aí se unem com o amor de si que é o amor corporal.
[3] Tudo isto mostra de que modo o homem se torna racional, a saber, ao terceiro grau pelo amor espiritual do bem e da verdade que pertencem ao céu e à igreja; ao segundo grau pelo amor do sincero e do reto, e ao primeiro grau pelo amor do justo e do eqüitativo. Estes dois últimos amores tornam-se também espirituais pelo amor do bem e da verdade, porque este amor influi neles e se une com eles e forma neles como suas faces.
(469)
Os espíritos e os anjos têm igualmente uma memória como os homens.
Tudo o que eles ouvem, vêem , pensam, querem e fazem permanece
neles, e por isso o seu racional é continuamente cultivado até
na eternidade. Daí vem que os espíritos e os anjos
se aperfeiçoam em inteligência e sabedoria pelos conhecimentos
da verdade e do bem, como se dá no homem. Que
os espíritos e os anjos tenham memória, é o que me foi dado
saber por muitas experiências. Vi, com efeito, que pela sua memória era evocado
tudo que eles tinham pensado e feito, tanto de modo aberto como
de modo velado, quando eles estavam com outros espíritos. E vi também
que, aqueles que tinham estado em alguma verdade pelo bem simples tinham
estado em alguma verdade pelo bem simples tinham sido imbuídos
de conhecimentos, e por estes de inteligência, senão até
ao grau da afeição do bem e da verdade em que
estiverem no mundo, mas não além desse grau, porque todo o espírito
e todo o anjo conserva na mesma quantidade e qualidade
a afeição que tiveram no mundo, e esta é depois
aperfeiçoada por implecção (um preenchimento), o que se dá
eternamente. Porque nada há que não possa ser completado para
a eternidade, pois toda coisa pode ser variada infinitamente, e assim
ser enriquecida por várias coisas, por conseguinte ser multiplicada
e frutificada, pois não há fim para nenhuma coisa boa, porque ela
procede do Infinito. Que os espíritos e os anjos são
continuamente aperfeiçoados em inteligência e sabedoria pelos
conhecimentos da verdade e do bem, ver nos artigos onde
se tratou da sabedoria dos anjos nos céus (nos 265-275); das nações
e dos povos fora da igreja, no céu (nos 315-328); e das
crianças no céu (nos 329-345); e isto até ao grau
da afeição do bem e da verdade em que eles estiveram
no mundo, e não além desse grau (ver no 349).
(50)
O HOMEM É,
DEPOIS DA MORTE,
QUAL FOI A SUA VIDA NO MUNDO
(470)
Que a vida de cada um permaneça depois da morte, todo
o cristão o sabe pela Palavra, porque nela se diz em muitos
lugares que o homem será julgado e retribuído conforme as suas
ações e obras. Todo aquele que pensa pelo bem e pela verdade mesma
não pode deixar de ver que quem vive bem vai para o céu, e quem
vive mal vai para o inferno. Mas quem está no mal não quer crer que
o seu estado depois da morte seja conforme a sua vida
no mundo, mas pensa - o que se dá sobretudo quando está doente -
que o céu é concedido a cada um por pura misericórdia, seja
qual for o modo que tenha vivido, e concedido segundo a fé que
ele separa da vida.
(471)
Que o homem será julgado e retribuído conforme as suas ações
e obras, é o que se diz em muitos lugares na Palavra
alguns dos quais vou aqui referir:
"Virá o Filho do homem na glória de Seu pai, com os Seus anjos, e então dará a cada um segundo as suas obras". (Mat. 16:27);
"Felizes os mortos que no Senhor morrem...Sim, disse o Espírito, para que descansem dos seus trabalhos;...as obras deles os seguem" (Apoc. 14:13);
"Eu darei a cada um segundo as suas obras“ (Apoc. 2:23);
"Vi os mortos pequenos e grandes, estando perante Deus; e os livros foram abertos...e foram julgados os mortos pelas coisas que [estavam] escritas nos livros, segundo suas obras. Deu o mar aqueles que nele morreram, e a morte e o inferno deram aqueles que neles [havia]; e foram julgados, cada um segundo as suas obras” (Apoc. 20:12,13);
"Eis que venho...e a Minha recompensa comigo, a fim de dar a cada um segundo as suas obras"; (Apoc. 22:12).
"Todo aquele...que ouve estas Minhas palavras e as faz, compararei ao varão prudente...mas todos aquele que ouve as Minhas palavras e não as faz, será comparado ao homem insensato" (Mat. 7:24,26);
"Nem todo o que diz a Mim: Senhor, Senhor ! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai que está nos céus. Muitos dirão a Mim nesse dia: Senhor, Senhor, não temos por Teu nome profetizado ? e pelo Teu nome não temos expulsados demônios ? e em nome Teu não fizemos muitos milagres ? Mas então lhes direi: Não vos conheço; apartai-vos de Mim, obreiros de iniqüidade". (Mat. 7:21,22,23);
"Então começareis a dizer: Comemos diante de ti e bebemos; nas nossas praças ensinastes. Mas dirá: Digo-vos: não vos conheço...obreiros da iniquidade" (Luc. 13:26-27);
"Retribuir-lhes-ei segundo a sua obra, e segundo as ações de tuas mãos" (Jer. 25:14);
JEHOVAH, 'cujos olhos estão abertos sobre todas as sendas dos homens, para dar a cada um segundo as suas sendas e segundo o fruto das suas obras" (Jer. 32:19);
Visitarei sobre...as suas sendas e as suas obras retribuir-lhe-ei' (Os. 4:9);
"JEHOVAH...segundo as nossas sendas e as nossas obras, age conosco" (Zac.1:6).
Quando o Senhor prediz a respeito do juízo final, Ele menciona apenas as obras, ensinando que entrarão na vida eterna aqueles que fizeram boas obras, e na danação eterna os que fizeram más obras, como em Mateus 25:32-46, em muitas outras passagens onde se trata da salvação e da condenação do homem, e que por eles seja manifestada a sua vida interna, é isto evidente.
(472)
Mas pelos atos e pelas obras não se entendem os atos e
as obras somente quais eles se manifestam na forma externa, mas
também quais eles são na interna. Cada um sabe, com efeito, que todo
ato e toda obra procede da vontade e do pensamento
do homem, porquanto se daí não procedesse, seria somente
um movimento, qual que é efetuado pelos autômatos ou imagens.
Por isso a ação ou a obra considerada em si mesma é apenas
um efeito que tira sua alma a vida da vontade e
do pensamento, de tal modo que é a vontade e o pensamento
no efeito, e portanto é a vontade e o pensamento
na forma externa. Por isso é que, tais são a vontade e o
pensamento que produzem a ação ou a obra. Se o pensamento
e a vontade são bons, então as ações e as obras são boas, mas se
o pensamento e a vontade são maus, então as ações e
as obras são más, ainda que na forma externa apareçam semelhantes.
Mil homens podem agir semelhantemente, isto é, fazer uma ação semelhante,
e tão semelhante que, quanto à forma externa, não se posso
distinguir diferença. Contudo, a ação de cada um considerada
em si é dessemelhante porque procede de uma vontade
dessemelhante.
[2] Seja, por exemplo, agir sincera e justamente com o companheiro; um pode agir sincera e justamente com ele com o intuito de mostrar que é sincero e justo por causa de si e da própria honra; outro por causa do mundo e do lucro; um terceiro por causa da retribuição e do mérito; um quarto por causa da amizade; um quinto por causa do temor da lei e da perda da reputação e de sua função; um sexto para arrastar alguém para o seu partido, mesmo mau; um sétimo para enganar, e outros por outros motivos. Mas as ações de todos eles, ainda que pareçam boas - pois agir sincera e justamente com o companheiro é bom - são contudo más, porque não são feitas por amor do sincero e do justo servem, como fâmulos ao senhor, os quais o senhor pouco estima e despede quando não lhe são mais úteis.
[3] Agem também sincera e justamente com o companheiro, na forma externa aparentemente semelhante, aqueles que agem pelo amor do sincero e do justo. Alguns deles pela verdade da fé ou obediência, porque assim foi ordenado na Palavra; outros pelo bem da fé ou pela consciência, por causa de sua religião; outros pelo bem da caridade para com o próximo, porque seu bem deve ser consultado; e outros pelo bem do amor para com o Senhor, porque se deve fazer o bem por causa do bem, e por conseguinte também o sincero e o justo por causa do sincero e do justo, que eles amam porque procedem do Senhor e porque o Divino procedente do Senhor está neles, e, por conseguinte, considerado em sua essência mesma, são Divinos. As ações ou obras de todos estes são boas interiormente, por isso são também boas exteriormente, porque, como acima se disse as ações ou obras são absolutamente tais quais são o pensamento e a vontade, dos quais elas procedem, e sem o pensamento e a vontade elas não são ações e obras, mas somente movimentos inanimados. Tudo isto explica o que se deve entender na Palavra pelas "obras" e "ações".
(473)
Como as ações ou obras são da vontade e do pensamento, elas
pertencem, pois, ao amor e à fé; por conseguinte são tais quais são
o amor e a fé, porque é a mesma coisa dizer o amor
ou vontade do homem, e também fé e pensamento determinado
do homem, porque aquilo que o homem ama é também o que ele
quer, e o que o homem crê ele também o pensa. Se o homem
ama o que crê, ele então o quer também, e quanto o pode
o faz. Qualquer um pode saber que o amor e a fé estão
na vontade e no pensamento do homem e não fora deles,
porque é a vontade que é inflamada pelo amor, e é
o pensamento que é iluminado nas coisas da fé. Por isso, somente
aqueles que podem pensar sabiamente é que são iluminados, e conforme
a iluminação, ele pensam verdades e querem as verdades, ou,
o que é mesmo, crêem as verdades e amam as verdades 1)
(474)
Mas é bom saber que a vontade faz o homem, enquanto
o pensamento faz o homem tanto quanto procede da vontade,
e que as ações ou as obras procedem de um e de outro;
ou, o que é a mesma coisa o amor é que faz o homem,
e a fé somente o quanto procede do amor, e as ações
ou obras procedem de um e do outro. Por isso é que
a vontade ou o amor é o homem mesmo, porque as coisas
procedentes pertencem àquele de que elas procedem. Proceder é ser
produzido e apresentado em forma conveniente para ser percebido
e aparecer (2). Tudo isto mostra o que é a fé separada
do amor, a saber, que não é fé, mas apenas uma ciência que não
tem em si vida alguma espiritual. Do mesmo modo mostra o que vem
a ser a ação ou a obra sem o amor, a saber, que não é
um ação ou uma obra de vida mas uma ação ou uma obra
de morte, e que o amor do mal e a fé do falso dão
uma aparência de vida. É esta aparência de vida que
se chama morte espiritual.
(475)
Além disso, cumpre saber que nos atos ou nas obras está o homem inteiro,
e que a vontade e o seu pensamento, ou o seu amor
e sua fé, que são os interiores do homem, não estão completos
antes de estarem nos atos ou nas ações, que são os exteriores
do homem, porque são estes os últimos em que eles terminam,
e sem tais terminações eles são como coisa incompletas que ainda não têm
terminações eles estão no homem. Pensar e querer sem fazer quando
se pode é como a chama que, encerrada em um vaso,
se extingue, e como uma semente que lançada na areia não cresce
e perece com o seu prolífico. Mas pensar e querer por
conseguinte fazer é como um objeto inflamado que espalha por todos
os lados o calor e a luz, e como uma semente na terra
que cresce em árvore ou em flor e existe. Qualquer um pode
saber que querer e não fazer, quando se pode, é não querer;
e amar e não fazer o bem, quando se pode, é não amar,
mas apenas pensar que se quer e ama, e isto é um pensamento
separado que se esvai e se dissipa. O amor e a vontade são
a alma mesma do ato ou da obra. Ele forma o seu corpo nos
atos sinceros e justos que o homem faz. O corpo espiritual,
ou corpo do espírito do homem, não vem de outra parte, isto
é, só é formado de coisas que o homem faz pelo amor
ou vontade (ver n.o 463). Em uma palavra, tudo que pertence
ao homem e ao seu espírito está em seus atos ou obras (3).
(476)
Pelo que precede pode-se ver o que se entende pela vida que permanece
no homem depois da morte, a saber; é o seu amor e sua
fé, não só em potência como em ato. Assim, são seus atos ou suas
obras, porque eles encerram em si mesmos tudo o que pertencem
ao amor e à fé do homem.
(477)
É o amor reinante que permanece no homem depois da morte
e não muda nem na eternidade. Cada um tem muitos amores, mas
todos eles se referem ao amor reinante, e fazem um com ele,
ou juntos o compõe. Todas as coisas da vontade que
concordam com o amor reinante chamam-se amores, porque são amadas. Esses
amores são interiores e exteriores: uns são imediatamente conjuntos outros
são mediamente; uns estão mais próximos e outros mais remotos; todos são
servidores de vários modos. Tomados em conjuntos, eles constituem uma
espécie de reino, porque eles foram assim ordenados no homem, ainda
que o homem nada saiba absolutamente da ordenação deles. Porém,
na outra vida, alguma coisa dele se manifesta, porque o segundo
a sua ordenação existe para ele extensão do pensamento e
da afeição, aí. Extensão nas sociedades celestes de seus amor
reinante consiste em amores do céu, mas extensão nas sociedades
infernais se seu amor reinante consiste em amores do inferno.
Que todo o pensamento e toda a afeição dos espíritos e dos
anjos tenham uma extensão nas sociedades, ver no artigo sobre
a sabedoria dos anjos do céu, e no artigo sobre a forma
do céu segundo a qual há, ali, consociações e comunicações.
(478)
Mas as coisas que se têm dito até aqui afetam somente
o pensamento do homem racional. Para que elas também
se apresentem à percepção dos sentidos, vou acrescentar experiências
pelas quais essas mesmas coisas podem ser ilustradas e confirmadas,
a saber:
Primeiro:
O homem depois da morte é seu amor ou sua vontade.
Segundo:
O homem permanece na eternidade qual ele é quanto à sua vontade
ou o seu amor reinante.
Terceiro:
O homem cujo o amor é celeste e espiritual vai para o céu,
e aquele cujo amor é corporal e mundano, sem amor celeste
e espiritual, vai para o inferno.
Quarto:
A fé não permanece no homem, se ela não procede de um amor
celeste.
Quinto:
O amor em ato, isto é, a vida do homem, é o que perdura.
(479)
[I] O homem depois da morte é seu amor ou sua vontade. Isto
me foi provado por muitas experiências. O céu inteiro é formado
de sociedades distintas segundo as diferenças do bem
do amor; e cada espírito que é levado ao céu e
se torna anjo, é conduzido para a sociedade onde está seu amor;
e quando para lá vai, está como em sua casa, e como
no domicílio onde houvesse nascido. O anjo percebe isto, e lá
é consorciado com os seus semelhantes. Quando ele dali sai e vai
para outro lugar, há nele alguma resistência contínua, e tem o desejo
de voltar para seus semelhantes, isto é, para seu amor dominante. Assim
se fazem as consociações no céu. Do mesmo modo
no inferno, onde também se fazem consociações segundo os amores
contrários aos celestes. Mostrou-se acima (n. 41-50 e 200-212) que não
só o céu, mas também o inferno, consistem em sociedades,
e que todas elas são distinguidas segundo as diferenças do amor.
[2] Que o homem depois da morte seja seu amor, é o que também se pode ver no fato de que tudo que não faz um amor com seu amor reinante lhe é retirado e, por assim dizer, arrebatado. De quem é bom, tudo que é discordante ou dissidente é retirado, e assim ele é deixado em seu amor. Semelhantemente quanto ao mau, mas com a diferença que deste são retiradas as verdades, e do bom as falsidades, até que finalmente cada um se torne seu amor. Isto se faz quando o homem-espírito é levado ao terceiro estado, como se mencionará no que vai seguir. Quando isto é feito, então ele volta sua faze constantemente para o seu amor, que ele tem continuamente diante dos olhos, para qualquer lado que se vire (ver. n. 123, 124).
[3] Todos os espíritos podem ser conduzidos para qualquer lugar, contanto que sejam mantidos em seu amor reinante; e eles não podem resistir, ainda que saibam que isto se faz assim, embora pensem que resistirão. Muitas vezes foi tentado se eles podiam fazer alguma coisa contrária a esse amor, mas foi em vão: o amor deles é como um laço ou uma corda que os prende, por assim dizer, por meio do qual eles podem ser conduzidos e do qual não podem desprender-se. O mesmo se dá com os homens no mundo, que também são conduzidos pelo seu amor, e pelo seu amor são conduzidos por outros. Mas isso se torna ainda mais verdadeiro quando eles se tornam espíritos, porque então não é permitido apresentar na aparência um outro amor, nem fingir um amor que não seja o seu.
[4] Que o espírito do homem seja seu amor reinante, é que se manifesta em todo consórcio na outra vida, porque, quanto mais alguém age e fala concorde ao amor de um outro, mais este aparece inteiramente, com uma face plena, alegre e viva. Mas quanto mais alguém age e fala contra o amor de um outro, mais a sua face começa a mudar-se, escurecer e desaparecer, até que afinal inteiramente desaparece como se não estivesse ali. Muitas vezes fiquei admirando por não haver tal coisa no mundo, mas disseram-me que sucede o mesmo ao espírito do homem, pois desde que experimente aversão por outro não mais está em sua presença.
[5] Que o espírito do homem seja seu amor reinante, é ainda o que se viu claramente no fato de cada espírito apoderar-se de tudo e apropriar-se das coisas que convêm ao seu amor, e rejeitar e afastar de si todas as que não convêm. O amor de cada um é como uma madeira esponjosa e porosa que embebe os líquidos que promovem o seu crescimento e repele os outro. E é também como os animais de todo gênero, que conhece seus alimentos e buscam com avidez as coisas que concordam com a sua natureza, e se desviam das que discordam, pois que cada amor quer ser alimentado do que lhe convém: o amor mau, de falsos, e o amor bom, de verdades. Algumas vezes foi-me permitido ver que alguns bons e simples queriam instruir os maus nas verdades e bens, mas estes, por causa de tal instrução, fugiram para longe, e, quando vieram para os seus, receberam com a maior sofreguidão os falsos que convinham ao seu amor. Também me foi concedido ver bons espíritos falando entre si a respeito das verdades; escutavam-nas com prazer os bons que estavam presentes, mas os maus, que também ali estavam, não lhes prestavam atenção alguma, como se as não ouvissem. No mundo dos espíritos aparecem caminhos; uns conduzem ao céu, outros ao inferno. Cada caminho conduz para alguma sociedade; os bons espíritos vão unicamente pelos caminhos que conduzem ao céu e para a sociedade que está no bem de seu amor, e não vêem os caminhos que vão ter à outra direção; mas os maus espíritos vêem somente os caminho que levam ao inferno e para a sociedade que lá está no mal de seu amor, e não vêem os caminhos que levam à outra direção; e se os vêem, não querem entrar neles. Tais caminhos no mundo espiritual são aparências reais que correspondem às verdades e às falsidades; por isso é que "os caminhos", na Palavras, significam estas coisas. Estas provas da experiência confirmam o que previamente foi dito pela razão, a saber, que cada homem depois da morte é seu amor e sua vontade. Diz-se vontade porque a vontade mesma de cada um é o seu amor.
(480)
[II]. O homem, depois da morte, permanece na eternidade tal qual
ele é quanto à sua vontade ou ao seu amor reinante.
É também o que foi confirmado por experiências. Foi-me permitido
falar com alguns que vieram há mais de dois mil anos, cuja vida foi
descrita nos livros históricos e por conseguinte é conhecida;
reconheceu-se que eram ainda semelhantes a si próprios e absolutamente
como foram descritos, assim semelhantes quanto ao amor pelo qual
e segundo o qual foi dirigida a sua vida. Havia também outros
que viveram há mais de dezessete séculos e que também são
conhecidos pela história; e outros que viveram há mais de quatro
séculos, outros há mais de três séculos e assim por diante, com
os quais me foi concedido falar; e reconheceu-se que uma
semelhante afeição ainda reinava neles, sem outra diferença senão que
os prazeres de seu amor tinham sido mudados em coisas que
correspondem. Disseram-me os anjos que a vida do amor reinante
não é de forma alguma mudada na eternidade, porque cada um é seu
amor; porquanto mudar este amor no espírito é privá-lo de sua
vida ou extingui-la. Eles me disseram também a causa disto.
É que o homem depois da morte não pode mais, como no mundo,
ser reformado pela instrução, porque o último plano, que consiste
em conhecimentos e em afeições naturais, então repousa, e não
pode ser aberto porque não é espiritual (ver n.o 464); e que
os interiores que pertencem à sua mente ou ao seu espírito
repousam nesse plano como uma casa repousa em seus alicerces, e por
isso o homem permanece eternamente qual foi no mundo a vida
de seu amor. Os anjos muito se admiram de que o homem
não saiba que cada um é tal qual é seu amor reinante, e que muitos
creiam que podem ser salvos por misericórdia imediata e pela fé só,
quaisquer que sejam quanto à vida; e de que não saibam que
a misericórdia Divina é mediata e que consiste em ser
conduzido pelo Senhor não só no mundo, como também depois,
na eternidade; e que os que não vivem no mal são guiados
pela misericórdia; e finalmente, que não saibam que a fé é a afeição
da verdade procedente do amor celeste que vem do Senhor.
(481)
(III). O homem cujo amor é celeste e espiritual vem para
o céu; e o homem cujo amor é corporal e mundano, sem amor
celeste e espiritual vai para o inferno. É o que pude verificar
em todos os que vi elevados ao céu ou precipitados
no inferno. A vida dos que tinham sido elevados ao céu
ou precipitados no inferno. A vida do amor celeste e espiritual;
mas a vida dos que foram lançados no inferno fora uma vida que
procedia do amor corporal e mundano. O sincero e o justo,
e segundo este amor fazer estas coisas. Daí é que os que têm
esse amor têm uma vida do bem, do sincero e do justo, que
é a vida celeste. Aqueles que amam essas coisas por causa delas mesmas e
as praticam ou vivem de acordo com elas, amam também a Deus
acima de todas as coisas, porque elas procedem d'Ele, e também
amam o próximo, porque elas são o próximo que deve ser amado. Mas
o amor corporal é amar o bem, o sincero e o justo não
por causa deles, mas por causa de si mesmo, porque deles se auferem
fama, honras e lucros. Esses, no que é bem, sincero
e justo, não consideram o Senhor e o próximo, mas a
si próprios e ao mundo, e experimentam alegria na fraude.
E o bem, o sincero e o justo que provêm da fraude é o
mal, o insincero o injusto que eles aí amam.
[2] Como os amores determinam assim a vida de cada um, por isso todos os homens, logo que, depois da morte, vem ao mundo dos espíritos, são examinados sobre a sua qualidade e são consociados aos que estão em um amor semelhante. Os que estão no amor celeste aos que estão no céu, e os que estão no amor corporal aos que estão no inferno. E depois de passarem, o primeiro e o segundo estado são separados, de modo que não se vêem mais nem se conhecem, uma vez que cada um se torna seu amor não só quanto aos interiores que pertencem à face, ao corpo e à linguagem, porque cada um se torna a efígie de seu amor até mesmo nos externos. Os que são amores corporais celestes aparecem vivos, lúcidos, brancos e formosos. Eles diferem, também, completamente, pelos gênios e pensamento. Os que são amores corporais são estúpidos e fátuos.
[3] Quando é permitido examinar os interiores e os exteriores do pensamento e da afeição dos que estão no amor celeste, os interiores aparecem como a imagem da luz; em alguns como um escuro ígneo, como nos que estiveram interiormente em uma fraude maligna; e os exteriores aparecem em uma cor preta e de um aspecto triste. Os interiores e os exteriores que pertencem à mente e ao espírito se manifestam à vista, no mundo espiritual, todas as vezes que apraz ao Senhor.
[4] os que estão no amor corporal nada vêem à luz do céu. A luz do céu para eles é uma escuridão, mas a luz do inferno, que é qual a luz que procede dos carvões acesos, é para eles como a luz clara. Na luz do céu, também a sua vista interior é envolta em trevas de tal sorte, que eles se tornam insensatos. Por isso eles fogem dela e se escondem nos antros e cavernas em uma profundidade relativa às falsidades dos males neles. Ao contrário, quanto mais os que estão no amor celeste vêm interiormente ou para cima, para a luz do céu, mais vêem todas as coisas com clareza, e também mais belas; e percebem as verdades com mais inteligência e sabedoria.
[5] os que estão no amor corporal não podem de forma alguma viver no calor do céu, pois o calor do céu é o amor celeste, mas estão no calor do inferno, que é o amor de atormentar os que a si não favorecem. Os desprezos pelos outros, as inimizades, os ódios, as vinganças são os prazeres do seu amor; quando eles estão nestes prazeres do seu amor; quando eles estão nestes prazeres, estão em sua vida, não sabendo de forma alguma o que seja fazer bem aos outros pelo bem mesmo e por causa do bem, pois sabem somente fazer o bem segundo o mal e por causa do mal.
[6] Os que estão no amor corporal também não podem respirar no céu: quando algum mau espírito é levado para lá, sua respiração é como a do homem que está em agonia. Mas os que estão em um amor celeste respiram tanto mais livremente e vivem tanto mais plenamente, quanto mais estão interiormente no céu. Tudo isto mostra com evidência que o amor celeste e espiritual é o céu no homem, porque tudo que pertence ao céu está inscrito nesse amor; e que o amor corporal e o amor mundano, sem o amor celeste e espiritual, são o inferno no homem, porque todas as coisas do inferno estão inscritas nesses amores. Daí é evidente que o homem cujo amor é celeste e espiritual vem para o céu, e que aquele cujo amor é corporal e mundano, sem amor celeste e espiritual, vai para o inferno.
(482)
(IV) A fé não permanece no homem se ela não procede
de um amor celeste. Isto me foi manifesto por tantas
experiências, que se eu referisse tudo o que vi e ouvi sobre
este assunto, encheria um volume. Posso atestar que não há nem pode
haver absolutamente fé alguma naqueles que estão no amor corporal
e mundano sem amor celeste e espiritual; e que nele
há apenas uma ciência ou persuasão que tal coisa é verdadeira, porque
tal coisa serve ao seu amor. Muitos dos que imaginaram ter tido
fé foram também conduzidos para os que estavam na fé,
e então, pela comunicação dada, eles perceberam que neles não havia
fé alguma. Eles até confessaram depois que, somente crer nas verdades
da Palavra não é a fé, mas a fé consiste em amar
as verdades por um amor celeste em querê-las e fazê-las por
uma feição interior. Mostrou-se-me também que a sua persuasão, a qual
chamavam fé, era como a luz do inverno, que, não tendo calor, faz que
tudo na terra fique entorpecido pelo gelo e recoberto de neve.
Por isso, essa luz persuasiva da fé neles, quando é tocada pelos
raios da luz do céu, não só se extingue como também
se torna densa escuridão em que ninguém se vê. E então
ao mesmo tempo os interiores se enchem de trevas
de tal modo que eles não compreendem absolutamente coisa alguma,
e afinal se tornam insensatos por causa das falsidades. Por
conseguinte, nesses espíritos são retiradas todas as verdades que eles conheceram
pela Palavra e pela doutrina da Igreja e que disseram ser sua
fé, e em lugar dessas verdades eles recebem todo falso que concorda com
o mal da sua vida. Porque todos são imersos em suas verdades
e nos falsos que concordam com eles e, então, como as verdades opõem
resistência aos falsos do mal em que eles se acham, eles
as têm em aversão e por isso as rejeitam. Posso, pela
experiência que tenho das coisas do céu e do inferno, atestar que,
os que professaram a fé só segundo a doutrina e estiveram
no mal quanto à vida, estão todos no inferno; nele vi-os
lançados aos milhares, e deles se falará no opúsculo Do Juízo
Final e da Babilônia Destruída.
483 (V) O que permanece é o amor em ato, isto é, a vida do homem. Resulta isto como conclusão do que acaba de ser mostrado pela experiência, e do que acima se disse dos atos e das obras. O amor em ato é a obra e a ação.
(51)
OS PRAZERES DA VIDA
DE CADA UM SÃO MUDADOS,
DEPOIS DA MORTE,
EM PRAZERES CORRESPONDENTES
(485)
Que a afeição reinante ou o amor dominante permaneça em cada
um na eternidade, é o que se mostrou no artigo precedente.
Que, porém, os prazeres dessa afeição ou desse amor se mudem
em prazeres correspondentes, é o que se vai mostrar agora. Mudar
em prazeres correspondentes quer dizer em prazeres espirituais que
correspondem aos prazeres naturais. Que eles se mudem em prazeres
espirituais, é o que se torna evidente pelo fato do que
o homem, enquanto está em seu corpo terrestre, está no mundo
natural, mas, depois de haver deixado este corpo, vem para o mundo
espiritual e se reveste de um corpo espiritual. (Que os anjos
são uma perfeita forma humana, e também os homens depois
da morte, e que os corpos que os revestem são espirituais,
ver acima nos 73‑77 e 453-460. E quanto
à correspondência das coisas espirituais com as naturais, nos
87‑115).
(486)
Todos os prazeres que o homem sente pertencem ao seu amor
reinante, porque ele só experimenta prazer por aquilo que ama,
e principalmente pelo que ele ama acima de tudo. Quer se diga
amor reinante ou o que o homem ama acima de tudo, é a mesma
coisa. Esses prazeres são variados; em geral, há tantos quantos são
os amores reinantes, por conseguinte, tantos quantos são os homens,
espíritos e anjos porque o amor reinante de um não é,
absolutamente, semelhante ao de outro. Daí é que ninguém tem uma face
exatamente semelhante a de um outro, pois a face de cada um
é a imagem do seu espírito, e no mundo espiritual é a
imagem do seu amor reinante. Os prazeres de cada um em
particular são também de uma variedade infinita, e não há em uma
pessoa um prazer que seja absolutamente semelhante a um outro prazer,
ou o mesmo que um outro, não só os prazeres que se sucedem
um ao outro, como também os que existem simultaneamente uns com
os outros; nenhum é o mesmo que o outro. Contudo, esses prazeres
em cada um em particular se referem a um só amor, que
é o amor reinante, porque eles compõem esse amor e assim fazem
um com ele. Semelhantemente, todos os prazeres em geral
se referem a um amor universalmente reinante: no céu,
ao amor para com o Senhor; e no inferno, ao amor
de si.
(487)
Quais e de que qualidade são os prazeres espirituais em que são
mudados os prazeres naturais de cada um, depois da morte,
só pela ciência das correspondências é que se pode saber. Esta
ciência ensina, em geral, que nada existe no natural a que não
corresponda um espiritual; e também ensina, em particular, qual
e de que espécie é o que corresponde. Por isso, quem possui essa
ciência pode conhecer e saber seu estado depois da morte, contanto
que conheça seu amor, e saiba qual ele é no amor universalmente
reinante ao qual todos os amores se referem, como acima
se disse. Mas conhecer seu amor reinante é impossível aos que estão
no amor de si, porque eles amam o que lhes pertence
e chamam bens a seus males, e ao mesmo tempo chamam verdades os falsos
que favorecem e pelos quais confirmam os males. Contudo, se
o quiserem, eles podem sabê‑lo de outros que são sábios, visto
que estes vêem o que eles próprios não vêem. Isto, todavia,
é impossível aos que se acham tão repletos do amor de si
que rejeitam com desprezo toda doutrina dos sábios.
[2] Ao contrário, os que estão no amor celeste recebem a instrução e, pelas verdades, vêem os males em que nasceram, quando são levados a estes males, porque as verdades os põem em evidência. Cada um pode, de fato, pela verdade que provém do bem, ver o mal e o seu falso, mas ninguém pode, pelo mal, ver o bem e a verdade. A razão é que os falsos do mal são trevas, e também correspondem a elas. É por isso que os que estão nos falsos procedentes do mal são como cegos que não vêem os objetos que estão na luz, e também fogem dela como as aves noturnas. Mas as verdades do bem são luz, e também correspondem à luz (ver nos 126‑134), porquanto os que estão nas verdades do bem são videntes e têm os olhos abertos, e discernem o que pertence à luz e à sombra.
[3] Foi‑me dado também ter a confirmação disso por experiência. Os anjos que estão nos céus vêem e percebem os males e os falsos em que estão os espíritos que foram ligados aos infernos, no mundo dos espíritos; mas estes espíritos não podem ver seus males e falsos. Eles não compreendem o que é o bem do amor celeste nem o que é a consciência, o sincero e o justo, exceto se forem feitos para si; nem o que é ser conduzido pelo Senhor; eles dizem que tais coisas não existem e assim nada são. Tudo isso foi referido para que o homem se examine e, por intermédio de seus prazeres, conheça o seu amor; e assim, quanto mais o compreender pela ciência das correspondências, mais saberá do estado de sua vida depois da morte.
(488)
Pela ciência das correspondências, qualquer um pode saber de que modo
os prazeres da vida de cada homem são mudados depois
da morte em prazeres correspondentes. Mas, como tal ciência ainda não
foi divulgada, vou lançar alguma luz sobre o assunto por exemplos oriundos
da experiência. Todos os que estão no mal e se confirmam
nos falsos contra as verdades da igreja, principalmente os que
rejeitaram a Palavra, esses fogem da luz do céu e
se retiram para as cavernas que nas aberturas aparecem escuras,
em fendas dos rochedos, e aí se ocultam. E isto é assim
porque eles amaram os falsos e odiaram as verdades. Pois tais
cavernas e também tais fendas de rochedos, bem como as trevas,
correspondem aos falsos, como a luz corresponde às verdades.
O prazer deles é habitar ai, e seu desgosto é viver nos
campos ao ar livre.
[2] A mesma coisa fazem aqueles cujo prazer foi o de armar clandestinamente ciladas e de maquinar traições em segredo. Estes também estão em cavernas, e entram em câmaras tão escuras que eles próprios não se vêem mutuamente; e cochicham nos ouvidos, nos cantos. É nisto que consiste o prazer de seu amor. Os que estudaram as ciências somente com o intuito de serem tidos como sábios e não cultivaram por elas o seu racional, e puseram o seu prazer em coisas da memória, de que tiravam a vaidade, esses gostam dos lugares arenosos a que escolhem de preferência aos campos cultivados e aos jardins, porque os lugares arenosos correspondem a tais estudos.
[3] Aqueles que estiveram na ciência das doutrinas de sua igreja e de outras igrejas, sem de modo algum aplicá‑las à sua vida, escolhem os lugares pedregosos e habitam em montões de pedras. Esses fogem dos lugares cultivados porque lhes têm aversão. Os que atribuíram tudo à natureza, e também os que atribuíram tudo à própria prudência, e que, por vários artifícios, se elevaram às honras e adquiriram riquezas, entregam‑se na outra vida a artes mágicas que são abusos da ordem Divina, nas quais sentem o maior prazer da vida.
[4] Os que aplicaram as verdades Divinas aos seus amores, e assim às falsidades, gostam dos lugares onde há urina, porque a urina corresponde aos prazeres de tal amor. Os que foram sordidamente avaros habitam em celas e gostam das imundícies dos porcos e dos cheiros que se exalam dos alimentos não digeridos no estômago.
[5] Os que passaram a vida em meras voluptuosidades, e viveram no ócio, e se entregaram à gula e ao ventre, amando tais coisas como o maior bem da vida, esses na outra vida gostam das matérias excrementícias e das latrinas, que então para eles são deleites, pelo fato de essas volúpias serem imundícies espirituais. Eles fogem dos lugares limpos e sem sujidades, porque lhes causam tédio.
[6] Aqueles que acharam prazer nos adultérios vivem nos lupanares, onde tudo é imundo e sujo. Eles gostam desses lugares, e fogem das casas honradas. Desde que eles se aproximam dessas casas, perdem os sentidos. Para eles, nada há mais agradável do que dissolver os casamentos. Os que foram ávidos de vingança, e por aí contraíram uma natureza feroz e cruel, gostam das matérias cadaverosas, e também estão em tais infernos. E outros, de outro modo.
(489)
Mas os prazeres da vida daqueles que no mundo viveram
no amor celeste mudam‑se em prazeres correspondentes quais
os que existem nos céus, os quais procedem do Sol do céu e
da luz desse Sol, luz que apresenta à vista objetos que interiormente
em si encerram coisas Divinas. Estes objetos que assim aparecem afetam
os anjos nos interiores que pertencem à sua mente e, ao mesmo
tempo, os exteriores que pertencem ao seu corpo. E como
a Divina luz, que é a Divina verdade procedente do Senhor,
influi nas mentes deles, que foram abertas pelo amor celeste, por isso nos
externos ela apresenta objetos que correspondem aos prazeres do amor
deles. Já se mostrou que as coisas que aparecem à vista nos céus
correspondem aos interiores dos anjos, ou às coisas que pertencem
à sua fé e ao seu amor e, por conseguinte, à sua inteligência
e à sua sabedoria, como no artigo onde se tratou dos
representativos e das aparências no céu (Nos 170- 176), e
no artigo sobre a sabedoria dos anjos no céu (Nos
265- 275).
[2] Como comecei a confirmar esse assunto pelos exemplos da experiência, a fim de ilustrar o que já foi dito sobre as causas das coisas, vou apresentar alguns exemplos dos prazeres celestes em que são mudados os prazeres naturais nos que, no mundo, viveram no amor celeste. Os que amaram as Divinas verdades e a Palavra por uma afeição interior, ou pela afeição da verdade mesma, habitam na outra vida na luz, em lugares elevados que aparecem como montes, e aí estão continuamente na luz do céu. Eles não sabem o que são as trevas, quais as da noite no mundo, e também vivem em uma temperatura primaveril. À vista deles apresentam‑se como campos e searas e também vinhas. E em suas casas tudo brilha como com o fulgor das pedras preciosas. A sua vista através das janelas é como através de puros cristais. Tais são os prazeres de sua vista. Mas esses mesmos prazeres são mais interiormente prazeres pelas correspondências com as coisas Divinas celestes, porquanto as verdades tiradas da Palavra, que eles amaram, correspondem às searas, vinhas, pedras, pedras preciosas, janelas e cristais.
[3] Aqueles que imediatamente aplicaram à vida os doutrinais da igreja tirados da Palavra estão no céu intimo, e mais do que os outros no prazer da sabedoria. Eles vêem em cada um dos objetos coisas Divinas. Os objetos, eles vêem com os olhos, mas as coisas Divinas correspondentes influem logo em suas mentes e as enchem de uma bem‑aventurança pela qual todas as sensações são afetadas. Daí, todas as coisas diante de seus olhos parecem rir, brincar e viver (ver acima, no. 270).
[4] Os que amaram as ciências e por elas cultivaram o seu racional e daí adquiriram a inteligência, e ao mesmo tempo reconheceram o Divino, a delícia das ciências para eles, e o prazer racional, são mudados na outra vida em prazer espiritual que pertence aos conhecimentos do bem e da verdade. Eles habitam em jardins, onde aparecem canteiros de flores e de relva elegantemente distribuídos e cercados de renques de árvores com pórticos e galerias. As árvores e as flores variam todos os dias. O aspecto de todos esses objetos incute em suas mentes, no comum, prazeres que em particular as variedades renovam sem cessar. E como esses objetos correspondem a coisas Divinas, e esses espíritos estão na ciência das correspondências, eles são sempre repletos de conhecimentos novos, e por esses conhecimentos seu racional espiritual é aperfeiçoado. Tais coisas são prazeres para eles porque os jardins, os canteiros, as relvas e as árvores correspondem às ciências, aos conhecimentos e daí à inteligência.
[5] Os que atribuíram tudo ao Divino e consideraram a natureza como relativamente morta, somente servindo às coisas espirituais, e se confirmaram sobre este ponto, esses estão na luz celeste; e todos os objetos que aparecem perante seus olhos tiram dessa luz o que transparecem, e nessa transparência eles consideram inúmeras variações de luz, que sua vista interna haure, por assim dizer, imediatamente. Daí eles percebem prazeres interiores. As coisas que aparecem em suas casas são como diamantinas e oferecem semelhantes variações. Foi‑me dito que as paredes das casas deles são como cristalinas, e também como translúcidas, e nelas aparecem como formas fluidas representativas das coisas celestes, também com perpétua variedade; e isto porque tal transparência corresponde ao entendimento iluminado pelo Senhor, depois que foram afastadas as sombras que procedem de uma fé e de um amor naturais. É em referência a tais coisas e a uma infinidade de outras de que falaram os que estiveram no céu, que se diz que eles viram o que nunca os olhos viram, e que se diz em razão da percepção de coisas Divinas segundo esses objetos, percepção que lhes foi comunicada - que eles ouviram o que nunca ouvido ouviu.
[6] Os que não agiram clandestinamente, mas quiseram que tudo o que pensavam fosse conhecido tanto quanto a vida civil o permitia, esses, porque só pensaram pelo Divino, o sincero e o justo, têm no céu a face brilhante de luz, e sobre a face aparecem, por essa luz, todas as suas afeições e, em particular, os pensamentos como em uma forma. E quanto à linguagem e às ações eles são como efígies das suas afeições. Por isso eles são amados de preferência aos outros. Quando falam, sua face se escurece um pouco; mas depois de falarem, as mesmas coisas que pronunciaram aparecem simultaneamente na sua face, de modo pleno, à vista. Todas as coisas que existem ao redor deles, por corresponderem aos seus interiores, são em tal aparência, que os outros espíritos percebem claramente o que esses objetos representam e significam. Os espíritos cujo prazer foi de agir clandestinamente fogem deles, e a si mesmos parecem arrastar como serpentes.
[7] Os que consideraram os adultérios como abominações e viveram no casto amor conjugial, esses, mais do que os outros, estão na ordem e na forma do céu, e por isso em toda a beleza, e continuamente na flor da juventude. Os prazeres de seu amor são inefáveis e aumentam eternamente, porque nesse amor influem todos os prazeres e todas as alegrias do céu, pois este amor desce da conjunção do Senhor com o céu e com a igreja, e em geral da conjunção do bem e da verdade. Essa conjunção é o céu mesmo no geral e em cada anjo em particular (ver nos 366‑386). Os seus prazeres externos são tais que não podem ser descritos por palavras humanas. Mas é pouco o que acaba de ser referido sobre as correspondências dos prazeres nos que estão no amor celeste
(490)
Por estas coisas se pode saber que os prazeres de todos são
mudados, depois da morte, em prazeres correspondentes; mas
o amor mesmo permanece eternamente, como o amor conjugial,
o amor pelo justo, pelo sincero, pelo bem e pela verdade, o amor
pelas ciências e pelos conhecimentos, o amor pela inteligência e pela
sabedoria, e todos os outros. As coisas que derivam dele, quais
rios de suas nascentes, são prazeres que também permanecem, mas são
exaltados a um grau superior quando passam das coisas naturais para
as coisas espirituais.
(52)
DO PRIMEIRO ESTADO
DO HOMEM DEPOIS DA MORTE
(491)
Há três estados por que o homem passa depois da morte, antes
de entrar no céu ou no inferno. O primeiro estado é o
estado dos seus exteriores; o segundo é o estado dos seus interiores;
e o terceiro é o estado de sua preparação. O homem passa
por esses estados no mundo dos espíritos. Há, porém, alguns que não passam
por eles, mas são logo depois da morte elevados ao céu
ou precipitados no inferno. Os que são logo elevados ao céu
são os que foram regenerados e por conseguinte preparados
no mundo para o céu. Aqueles que foram regenerados e preparados
de tal sorte que somente têm de rejeitar as impurezas naturais
com o corpo, esses são logo elevados pelos anjos ao céu.
Vi alguns que foram elevados uma hora depois da morte. Aqueles,
porém, que foram interiormente maus e exteriormente bons
na aparência, de modo que encheram a sua malignidade com fraudes
e empregaram a bondade como meio para enganar, são logo lançados
no inferno. Vi alguns destes serem lançados no inferno logo
depois da morte. Um, que era excessivamente astucioso, foi lançado
de cabeça para baixo e pés para cima, e outros
de diferentes modos. Há também alguns que imediatamente após
a morte são precipitados em cavernas e assim separados dos que
estão no mundo dos espíritos, e são dali retirados e repostos
de vez em quando; são aqueles que, sob um pretexto civil, agiram
maldosamente com o próximo. Mas uns e outros são em pequeno
número relativamente aos que são retidos no mundo dos espíritos e
aí são preparados, segundo a ordem Divina, ou para o céu
ou para o inferno.
(492)
Quanto ao que se refere ao primeiro estado, que é o estado
dos exteriores, é aquele em que o homem vem logo depois
da morte. Cada homem, quanto a seu espírito, tem exteriores
e interiores. Os exteriores do espírito são aquilo pelo qual
este acomoda o corpo do homem no mundo, mormente a face,
a linguagem e os gestos, à consociação com os outros. Mas
os interiores do espírito são as coisas que pertencem à sua
própria vontade e por conseqüência ao seu pensamento, as quais
são raramente manifestas pela face, pela linguagem e pelo gesto, porque
desde a infância o homem se habitua a testemunhar amizade,
benevolência e sinceridade, e a ocultar os pensamentos
de sua própria vontade; por isso vive por hábito uma vida moral
e civil nos externos, seja ele qual for nos internos. Por esse hábito
resulta que o homem conhece com dificuldade seus interiores, e também
não lhes presta atenção.
(493)
O primeiro estado do homem depois da morte é semelhante
ao seu estado no mundo, porque então ele está igualmente nos
externos. Ele tem semelhante face, semelhante linguagem e semelhante
caráter; assim, uma semelhante vida moral e civil. Daí vem que então ele
não pode deixar de crer que ainda está no mundo, se não prestar
atenção aos objetos que o cercam e às coisas que foram ditas pelos
anjos quando ele foi ressuscitado, ou seja, que ele agora é
um espírito (no. 450). Assim uma vida é continuada
em outra vida, e a morte é apenas uma passagem.
(494)
Como tal é o espírito do homem noviço ao sair da vida
no mundo, resulta então que ele é reconhecido pelos amigos e por
aqueles que tinha conhecido no mundo, porque os espíritos percebem
isto não só pela sua face e linguagem, como também pela esfera
de sua vida, quando se aproximam. Na outra vida, quando alguém
pensa em um outro, também sua face é representada no pensamento
junto com muitas coisas que pertencem à sua vida; e quando isso
acontece, o outro se torna presente como se tivesse sido atraído
e chamado. Tal sucede no mundo espiritual porque os pensamentos
ali são comunicados, e porque não há espaço como no mundo
natural (ver nos. 191‑199). Daí é que todos, quando
entram na outra vida, são reconhecidos por seus amigos, parentes
e seus simples conhecidos, e também conversam entre si e
em seguida são consociados segundo as amizades no mundo. Ouvi,
várias vezes, muitos dos que vieram do mundo alegrarem‑se, vendo
outra vez seus amigos, e os seus amigos por sua vez se alegrarem
vendo‑os vir ao seu encontro. É coisa muito comum ver‑se
um cônjuge encontrar‑se com o outro e se congratularem
mutuamente. Eles ficam mesmo juntos, por mais ou menos tempo, conforme
o prazer da coabitação no mundo. Mas se não foram unidos
por um amor verdadeiramente conjugial, que é a conjunção das mentes
por um amor celeste, eles se separam depois de algum tempo. Mas
se as mentes dos cônjuges estiveram em oposição, e
se interiormente eles tinham tido aversão um pelo outro, eles rompem‑se
em inimizades abertas, e algumas vezes combatem entre si. Contudo,
eles não são separados antes de entrarem no segundo estado,
de que se tratará no artigo seguinte.
(53)
DO TERCEIRO ESTADO
DO HOMEM DEPOIS DA MORTE,
QUE É O ESTADO DE INSTRUÇÃO
DOS QUE VÊM PARA O CÉU
(512)
O terceiro estado do homem depois da morte, ou de seu espírito,
é o estado de instrução. Este estado é para aqueles que vêm para
o céu e se tornam anjos, mas não para aqueles que vão para
o inferno, porque estes não podem ser instruídos; por isso o seu
segundo estado é também o seu terceiro, terminando aí, porque eles
estão inteiramente voltados para o seu amor, assim, para a sociedade
infernal que está em semelhante amor. Quando isto se efetua, então
é por esse amor que eles querem e pensam. E como é um amor
infernal, eles somente querem o mal e só pensam o falso.
E esses são os seus prazeres, porque são os prazeres de seu
amor. Assim eles rejeitam todo o bem e toda a verdade que tinham
adotado antes por servirem de meios ao seu amor.
[2] Mas os bons espíritos são conduzidos para o céu pela instrução, porque ninguém pode ser preparado para o céu senão pelos conhecimentos do bem e da verdade, assim, só pela instrução. Pois ninguém pode saber o que é o bem e a verdade espirituais, e o que é o mal e o falso, que lhes são opostos, se não for instruído. No mundo pode-se saber o que são o bem e a verdade civis e morais, que se chamam o justo e o sincero, porque há leis civis que ensinam o que é o justo, e há também relações sociais pelas quais o homem aprende a viver segundo as leis morais, e todas se referem ao sincero e ao reto. Mas o bem e a verdade espirituais são aprendidos não pejo mundo, mas pelo céu. É verdade que podem ser conhecidos pela Palavra e pela doutrina da Igreja que é tirada da Palavra, contudo não podem influir na vida, se o homem não está no céu quanto aos interiores que pertencem à sua mente. O homem está no céu quando reconhece o Divino e ao mesmo tempo age justa e sinceramente porque assim se deve agir, por ser isto ordenado pela Palavra. Assim ele vive justa e sinceramente por causa do Divino e não por causa de si próprio e do mundo como fins.
[3] Mas ninguém pode assim agir se primeiro não for instruído, por exemplo, que há um Deus, um céu e um inferno, que há uma vida depois da morte; que se deve amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo; e que se deve crer as coisas que estão na Palavra porque a Palavra é Divina. Sem o conhecimento e o reconhecimento dessas coisas, o homem não pode pensar espiritualmente. E sem pensar nessas verdades, ele não as quer, porque as coisas que o homem ignora, nelas não pode pensar; e como não as tem no pensamento, não as pode querer. Mas desde quando o homem as quer, o céu influi, isto é, pelo céu o Senhor influi na vida do homem; e Ele influi na vontade e, por ela, no pensamento, e por ambos na vida, porque toda a vida do homem vem da vontade e do pensamento. Assim se torna evidente que o bem e a verdade não são aprendidos pelo mundo, mas pelo céu; e que ninguém pode ser preparado para o céu sem ser por meio da instrução. E quanto mais o Senhor influi na vida de alguém, mais o instrui, porque mais Ele inflama a vontade pelo amor de saber as verdades, e mais esclarece o pensamento para que as saiba; e quanto mais isto é feito, mais são abertos os interiores do homem e neles é implantado o céu.
[4] Além disso, quanto mais o Divino e o celeste influem nas coisas sinceras que pertencem à vida moral e nas coisas justas que pertencem à vida civil do homem, mais as faz espirituais, porque então o homem as pratica pelo Divino e por causa do Divino. Com efeito, as coisas sinceras e justas, que pertencem à vida moral e civil, que o homem faz por essa origem, são os efeitos mesmos da vida espiritual. E o efeito tira seu todo de sua causa eficiente, porque, qual é essa causa, tal é o efeito.
(513)
As instruções são feitas pelos anjos de muitas sociedades, principalmente
pelos que estão nas plagas do norte e do sul, porque essas sociedades
angélicas estão na inteligência e na sabedoria pelos conhecimentos
do bem e da verdade. Os lugares de instrução estão para
o norte e são variados, dispostos e distintos segundo os gêneros
e as espécies de bens celestes, a fim de que todos sejam
instruídos, cada um segundo a sua índole e faculdade
de recepção. Esses lugares, lá, se estendem de todos
os lados e por uma grande distância. Os bons espíritos que devem
ser instruídos, depois de haverem completado seu segundo estado
no mundo dos espíritos, são levados pelo Senhor para esses lugares. Mas
não todos, porque aqueles que foram instruídos no mundo, aí também
foram preparados pelo Senhor para o céu, e são elevados ao céu
por outro caminho; alguns, logo depois da morte, outros depois de uma
curta habitação com os bons espíritos, durante a qual as coisas
mais grosseiras dos seus pensamentos e das suas afeições, que tinham
contraído pelas honras e riquezas no mundo, são afastadas,
e assim eles são purificados. Outros são primeiramente devastados,
o que se faz nos lugares debaixo das plantas dos pés, lugares
denominados terra interior. Alguns deles ali padecem duros tormentos: são
aqueles que se confirmaram nos falsos e, contudo, tiveram uma boa vida,
porque os falsos confirmados aderem com força e, antes de serem
dissipados, as verdades não podem ser vistas nem, por conseguinte,
recebidas. Mas, quanto às vastações e aos modos por que elas
se fazem, ver nos Arcanos Celestes, onde se trata delas, nos
extratos (1).
(514)
Todos os que estão nos lugares de instrução habitam distintamente
entre si, porque estão associados, cada um quanto aos seus interiores, com
as sociedades do céu para as quais devem vir. Por isso, como
as sociedades do céu são dispostas segundo a forma celeste (ver
nos. 200-212), do mesmo modo o são também os lugares
onde se fazem as instruções. Daí vem que esses lugares, quando são
vistos do céu, aparecem como um céu em menor forma. Eles
se estendem, lá, em comprimento, do oriente ao ocidente, e
em largura, do sul ao norte; mas a largura
é aparentemente menor que o comprimento. Eis, em geral, quais
são as ordenações: para a frente estão aqueles que morreram crianças
e foram educados no céu até à primeira idade
da adolescência; estes, depois de terem passado o estado
de sua infância junto de suas educadoras, são transportados para ali
pelo Senhor e são instruídos. Depois destes, há lugares onde são
instruídos os que morreram adultos e que no mundo estiveram
na afeição da verdade pelo bem da vida. Depois deles,
os que pertenceram à religião maometana e que no mundo
tiveram uma vida moral e reconheceram um só Deus, e o Senhor
como o Profeta Mesmo. Quando estes se retiram de Maomé, porque
não lhes pode absolutamente valer, eles se aproximam
do Senhor e O adoram, e reconhecem Seu Divino, e então são
instruídos na religião cristã. Depois destes, mais para o norte,
há lugares de instrução de diferentes povos que no mundo
levaram uma vida boa de acordo com a sua religião, e que por
este modo adquiriram uma espécie de consciência, e praticaram
o justo e o reto não tanto por causa das leis de seu governo,
mas por causa das leis de sua religião, que eles julgaram que deviam
observar santamente e não violar de modo algum pelos atos. Todos estes,
quando são instruídos, são facilmente levados a reconhecer o Senhor,
porque têm gravado em seu coração que Deus não é invisível, mas
visível sob a forma humana. Eles são em maior número que
os outros; os melhores deles são da África.
(515)
Mas nem todos são instruídos do mesmo modo nem pelas mesmas sociedades
do céu. Aqueles que desde a infância foram educados no céu são
instruídos pelos anjos dos céus interiores, porque não foram imbuídos
de falsos procedentes de falsidades da religião, e não
mancharam a sua vida espiritual com as impurezas provenientes das
honras e das riquezas do mundo. Os que morreram adultos são
na maior parte instruídos por anjos do último céu, porque estes anjos
têm com eles mais conformidade do que os anjos dos céus mais
interiores, pois estes estão em uma sabedoria interior que não pode ainda
ser recebida. Os maometanos são instruídos por anjos que antes tinham
pertencido à mesmo religião e se converteram à religião cristã.
Os gentios também o são por seus anjos.
(516)
Lá, toda instrução se faz pela doutrina que é tirada da Palavra,
e não pela Palavra sem a doutrina. Os cristãos são instruídos
pela doutrina celeste que concorda inteiramente com o sentido interno
da Palavra. Os outros, como os maometanos e os gentios,
o são pelas doutrinas adequadas a sua compreensão, as quais
diferem da doutrina celeste somente no fato de a vida espiritual
ser ensinada por uma vida moral conforme os dogmas de sua religião,
segundo a qual eles dirigiram sua vida no mundo.
(517)
As instruções nos céus diferem das instruções nas terras, pois
os conhecimentos não são confiados à memória, mas à vida,
porquanto a memória dos espíritos está em sua vida. Porque eles
recebem todas as coisas que concordam com a sua vida e se impregnam
delas, e não recebem as que não concordam e ainda menos
se impregnam delas, pois os espíritos são em uma forma humana
semelhante às suas afeições.
[2] Como são tais, continuamente lhes é inspirada a afeição da verdade por causa dos usos da vida. Na verdade, o Senhor provê para que cada um ame os usos que convêm à sua índole. Esse amor é ainda exaltado pela esperança de que eles se tornarão anjos: e como todos os usos do céu se referem ao uso comum que é pelo reino do Senhor - reino que lá é a pátria deles - e como todos os usos especiais e singulares são tanto mais eminentes quanto mais eles consideram de perto o uso comum, é por isso que todos os usos especiais e singulares, que são inumeráveis, são bons e celestes. Por isso, em cada um a afeição da verdade é conjunta com a afeição do uso, a tal ponto que fazem um. Por este modo a verdade é implantada no uso, de sorte que as verdades que eles aprendem são verdades do uso. E assim que os espíritos são instruídos e preparados para o céu.
[3] Uma afeição da verdade que convém ao uso é insinuada por vários meios, muitos dos quais são desconhecidos no mundo. Assim, principalmente o é por representações dos usos, que no mundo espiritual são estabelecidas de mil modos, e com tais delícias e amenidades, que penetram o espírito a partir dos interiores que pertencem à mente; pelo que o espírito se torna como seu uso; por esse modo, quando o espírito vem à sua sociedade, na qual é iniciado por instrução, está em sua vida quando está em seu uso. Por estas coisas pode ser visto que os conhecimentos, que são verdades externas, não fazem que alguém venha ao céu, mas, sim, a própria vida, que é a vida do uso dada pelos conhecimentos.
(518)
Havia espíritos que, pelo seu pensamento no mundo, se persuadiram
de que viriam para o céu e aí seriam recebidos de preferência
aos outros, porque eram sábios e tinham conhecido muitas coisas pela
Palavra e pelas doutrinas das igrejas. Julgavam, assim, que eram sábios
e que seriam aqueles de quem se diz que eles
“resplandeceriam como esplendor do firmamento, e como as estrelas” (Dan. 12:3).
Todavia, foram examinados para se ver se os seus conhecimentos residiam em sua memória ou em sua vida. Os que estiveram na afeição real da verdade, isto é, dos usos separados das coisas corporais e mundanas, usos que em si mesmos são usos espirituais, foram recebidos no céu, depois de terem sido instruídos. E então deu-se-lhes a conhecer o que resplandece no céu, isto é, que é a Divina verdade que lá é a luz do céu no uso, e que o uso é o plano que recebe os raios dessa luz e a converte em esplendores variados. Ao contrário, aqueles em quem os conhecimentos residiam somente na memória, e que por este modo tinham adquirido a faculdade de raciocinar sobre as verdades e de confirmar as coisas que eles tinham admitido como princípios, e que viam, pela confirmação, como verdades, embora fossem falsidades, estes - porque não se achavam em luz alguma do céu, mas, pelo orgulho que se prende ordinariamente a uma tal inteligência, tinham estado na crença de que eram mais sábios do que os outros, que viriam ao céu e que os anjos os serviriam - estes, pois, para que fossem afastados de sua fé extravagante, foram arrebatados para o primeiro ou último céu, a fim de serem introduzidos em alguma sociedade angélica. Mas logo que chegaram à sua entrada, começaram a ter os olhos ofuscados pelo influxo da luz do céu, depois a ter o entendimento perturbado, e finalmente a respirar como os moribundos. E desde que sentiram o calor do céu, que é o amor celeste, começaram a experimentar interiormente torturas. Por isso foram precipitados desse lugar, e depois instruídos de que não são os conhecimentos que fazem o anjo, mas a vida mesma que se adquire pelos conhecimentos, visto que os conhecimentos, considerados em si mesmos, estão fora do céu, mas a vida pelos conhecimentos está dentro do céu.
(519)
Depois que os espíritos são, pelas instruções, preparados para o céu,
nos lugares acima mencionados - o que se faz em pouco tempo,
pela razão que eles estão nas idéias espirituais que compreendem um grande
número de coisas ao mesmo tempo - eles são revestidos
de vestimentas angélicas que são na maioria de um branco
brilhante, como de fino linho, e são assim conduzidos para
um caminho que tende para cima, ao céu, e são entregues aos
anjos que lá têm o ofício de guardas, e depois são
recebidos por outros anjos e introduzidos em sociedades e
em muitas felicidades que lá se fruem. Cada um é depois
transportado pelo Senhor para a sua sociedade, o que se faz
também por vários caminhos, algumas vezes por caminhos circulares. Os caminhos
pelos quais eles são conduzidos, nenhum anjo os conhece, mas o Senhor
Só. Quando eles vêm para a sua sociedade, seus interiores então
se abrem; e como seus interiores são conformes aos dos anjos que
estão nessa sociedade, eles são por conseguinte reconhecidos e recebidos
com alegria.
(520)
A isso vou acrescentar alguma coisa de memorável sobre os caminhos
que conduzem desses lugares para o céu e pelos quais são introduzidos
os anjos noviços. Há oito caminhos, dois de cada
lugar de instrução, dos quais um sobe para o oriente e o
outro para o ocidente. Aqueles que vão para o reino celeste
do Senhor são introduzidos pelo caminho oriental: mas os que vão para
o reino espiritual são introduzidos pelo caminho ocidental. Os quatro
caminhos que conduzem ao reino celeste do Senhor aparecem ornados
de oliveiras e de árvores frutíferas de diferentes gêneros, e
os que conduzem ao reino espiritual do Senhor aparecem ornados
de vinhas e de loureiros. E isto é por causa
da correspondência, porque as vinhas e os loureiros correspondem
à afeição da verdade e aos seus usos, e as oliveiras e
as árvores frutíferas correspondem à afeição do bem e aos
seus usos.
(54)
NINGUÉM VEM AO CÉU
POR IMEDIATA MISERICÓRDIA
(521)
Os que não foram instruídos a respeito do céu e do caminho que
conduz ao céu, nem a respeito da vida do céu no homem,
crêem que se é recebido no céu somente por uma misericórdia que
alcançam aqueles que estão na fé, e pelos quais o Senhor
intercede, e assim que é somente uma admissão pela graça; por
conseguinte, todos os homens, quaisquer que sejam, podem ser salvos por
mero favor. E ainda mais, alguns pensam que se pode dar o mesmo
com todos os que estão no inferno. Mas os que têm tais crenças
não têm conhecimento algum do homem; não sabem que ele é absolutamente
tal qual é a sua vida, e que sua vida é tal qual é seu
amor, não só quanto aos interiores que pertencem a sua vontade e
ao seu entendimento, como também quanto ao exteriores que pertencem
ao seu corpo. Eles não sabem que a forma corporal é apenas
a forma externa na qual os interiores se apresentam
em seu efeito, e que o amor de cada um constitui todo
o homem (ver no. 363). Eles também não sabem que
o corpo não vive por si, mas pelo seu espírito, e que o espírito
do homem é a sua afeição mesma, e que seu corpo espiritual não
é outra coisa mais do que a afeição do homem na forma
humana, na qual ele aparece também depois da morte, na outra
vida (ver nos. 453 a 460). Enquanto o homem ignorar essas
coisas, ele só pode ser induzido a crer que a salvação é um mero
favor Divino, que se chama misericórdia e graça.
(522)
Em primeiro lugar se dirá o que é Divina misericórdia.
A Divina misericórdia é a pura misericórdia para com todo
o gênero humano para salvá-lo. E essa misericórdia é contínua
em todo homem, e nunca se retira de pessoa alguma: por
isso, todo aquele que pode ser salvo, é salvo. Mas ninguém pode ser salvo
senão por meios Divinos, meios que foram revelados pelo Senhor na Palavra.
Os meios Divinos são denominados Divinas verdades. Estas verdades ensinam
como o homem deve viver para poder ser salvo. Por elas o Senhor
conduz o homem para o céu, e por elas introduz nele a vida
do céu. O Senhor faz isto em todos. Mas Ele não pode introduzir
a vida do céu em pessoa alguma se ela não se abstiver
do mal, porque o mal impede isso. Quanto mais o homem
se abstiver do mal, mais o Senhor o conduz por Seus Divinos
meios segundo a pura misericórdia, e isto desde a infância até
ao fim de sua vida no mundo, e depois, na eternidade.
Eis o que se entende pela Divina misericórdia. É pois evidente
que a misericórdia do Senhor é uma pura misericórdia, mas não
imediata, isto é, não tal que todos sejam salvos por mero favor, seja qual for
o modo pelo qual hajam vivido.
(523)
O Senhor nunca faz coisa alguma contra a ordem, porque Ele Mesmo é a
Ordem. A Divina verdade procedente do Senhor é o que faz
a ordem, e as Divinas verdades são as leis da ordem segundo
as quais o Senhor conduz o homem. Por isso é que salvar o homem
por imediata misericórdia é contra a ordem Divina, e o que é contra
a ordem Divina é contra o Divino. A ordem Divina é o
céu no homem. O homem perverteu essa ordem nele por uma vida
contrária às leis da ordem, que são as Divinas verdades:
o Senhor, por pura misericórdia, reconduz o homem a essa ordem
pelas leis da ordem; e quanto mais o homem for reconduzido
a ela, mais ele recebe em si o céu, e quem recebe
em si o céu, este vem para o céu. Daí, fica mais uma vez
evidente que a Divina misericórdia do Senhor é pura
misericórdia, mas não imediata (1).
(524)
Se os homens pudessem ser salvos por imediata misericórdia, todos eles
seriam salvos, até mesmo os que estivessem no inferno. Ainda mais,
nem haveria inferno, porque o Senhor é a Misericórdia mesma, e o
Amor mesmo e o Bem mesmo. Por isso, é falar contra o Divino do Senhor
dizer que Ele pode salvar imediatamente todos os homens e não
os salva. É sabido, pela Palavra, que o Senhor quer
a salvação de todos e não a condenação de pessoa
alguma.
(525)
A maioria dos que do mundo cristão vêm para a outra vida traz consigo
esta crença, que eles serão salvos por uma imediata misericórdia porque
a imploram; mas, quando examinados, descobriu-se que eles acreditavam que
vir ao céu é somente alcançar a admissão nele; e que
os que lá são introduzidos fruem as alegrias celestes; ignoravam
absolutamente o que é o céu e o que é a alegria celeste.
Por isso lhes foi dito que o Senhor não nega o céu a pessoa
alguma, e que é possível, se se desejar, lá ser introduzido
e até lá morar. Muitos daqueles que desejavam isso foram
lá admitidos; quando, porém, estavam na primeira entrada, pelo sopro
do calor celeste, que é o amor em que estão os anjos,
e pelo influxo da luz celeste, que é a Divina verdade, sentiram
em seus corações tal angústia, que percebiam em si mesmos
um tormento infernal em vez de alegria celeste. Cheios
de terror por esse sofrimento, precipitaram-se de lá para baixo.
Assim, por viva experiência eles foram instruídos que o céu não pode ser
dado a pessoa alguma por imediata misericórdia.
(526)
Conversei algumas vezes sobre este assunto com os anjos, e lhes disse
que, no mundo, a maior parte dos que vivem mal, e que falam com
os outros sobre o céu e sobre a vida eterna, dizem que
entrar no céu é somente ser admitido lá pela misericórdia só; e
os que crêem isso são principalmente aqueles que fazem da fé
o único meio de salvação, porque esses, pelo princípio
de sua religião, não consideram a vida nem as obras do amor
que fazem a vida nem, por conseguinte, os outros meios pelos quais
o Senhor introduz o céu no homem e o faz capaz de receber
o prazer celeste. E como eles rejeitam assim toda mediação efetiva,
estabelecem, por necessidade de princípio, que o homem vem
ao céu pela misericórdia só, à qual eles crêem que Deus Pai
é levado pela intercessão do Filho.
[2] A isso os anjos disseram que eles sabiam que um tal dogma vem necessariamente do princípio admitido da fé só, e que esse dogma é a cabeça de todos os outros, no qual, porque não é verdadeiro, nenhuma luz pode influir do céu. Disto resulta a ignorância em que está hoje a igreja a respeito do Senhor, do céu, da vida depois da morte, da alegria celeste, da essência do amor e da caridade, e em geral, do bem e da sua conjunção com a verdade. E daí, a respeito da vida do homem, de onde ela vem e qual ela é, ela que, entretanto, nunca está no homem pelo pensamento, mas pela vontade e pelos atos oriundos da vontade, e só está no pensamento tanto quanto o pensamento procede da vontade; e assim, só está nele pela fé tanto quanto a fé procede do amor. Os anjos lamentam que tais homens ignorem que a fé não pode existir só, em quem quer que seja, visto que a fé sem sua origem que é o amor, é somente uma ciência, e em alguns uma sorte de persuasivo que simula a fé (ver no. 482), persuasivo que está, não dentro, mas fora da vida do homem, porque é separado do homem se não é coerente com o seu amor.
[3] Disseram mais os anjos que, aqueles que estão em um tal princípio sobre o meio essencial da salvação no homem não podem deixar de crer em uma imediata misericórdia, porque eles percebem por uma luz natural e também peja experiência visual que a fé separada não faz a vida do homem, porque os que levam uma vida má podem pensar e se persuadir de modo semelhante. Daí resulta que se crê que os maus podem ser salvos como os bons, contanto que na hora da morte eles falem com confiança da intercessão e da misericórdia que ela proporciona. Os anjos declaravam que eles não tinham ainda visto ser recebido no céu, por imediata misericórdia, homem algum que tivesse vivido mal, fosse qual fosse o modo por que ele houvesse falado no mundo, segundo a segurança ou a confiança que se entende pela fé, no sentido eminente.
[4] À pergunta a respeito de Abrahão, Isaque, Jacó. Davi e os apóstolos, se eles não foram recebidos no céu por imediata misericórdia, eles responderam que nenhum deles o foi: que cada um fora tratado segundo sua vida no mundo; que sabiam onde eles estavam, e que lá não são mais estimados do que os outros. E que, se na Palavra eles foram mencionados com honra, disseram eles, é porque por eles, no sentido interno, se entende o Senhor: por Abrahão, Isaque e Jacó, o Senhor quanto ao Divino Humano; por Davi, o Senhor quanto à Divina realeza; e pelos apóstolos, o Senhor quanto as Divinas verdades; e que nada absolutamente do que lhes diz respeito é percebido no céu, quando a Palavra é lida pelo homem, visto que seus nomes não penetram no céu, mas, em vez desses nomes, como acaba de ser dito, percebe-se o Senhor. É por isso que na Palavra que está no céu, de que já se falou (no. 259), em parte alguma se faz menção deles, pela razão que essa Palavra é o sentido interno da Palavra que está no mundo (2),
(527)
Que seja impossível introduzir a vida do céu naqueles que
no mundo levaram uma vida oposta à do céu, é o que posso atestar
por uma grande número de experiências. Houve pessoas que creram que depois
da morte eles receberiam facilmente as verdades Divinas, quando
as ouvissem explicadas pelos anjos, e que creriam e assim
viveriam de outro modo, e então poderiam ser recebidos no céu.
Mas isso foi tentado com muitos, contudo somente aos que tinham estado
em uma semelhante fé, aos quais isto foi permitido para que soubessem que
a penitência não é possível depois da morte. Alguns daqueles
em quem a experiência foi feita compreenderam as verdades
e aparentaram recebê-las, mas logo que se voltaram para a vida
de seu amor, eles as rejeitaram e até falaram contra elas:
outros as rejeitaram imediatamente, não querendo ouvi-las. Outros quiseram
que se retirasse a vida do seu amor, que eles tinham contraído
no mundo, e em vez dela se introduzisse a vida angélica ou
a vida do céu: isso também foi-lhes concedido, mas, quando
a vida do seu amor lhes foi retirada, eles ficaram estendidos como
mortos, não gozando mais de faculdade alguma. Por estas experiências
e por muitas outras de diversos gêneros, os bons espíritos
simples foram instruídos que a vida de cada um não pode
de forma alguma ser mudada depois da morte, e que de modo
algum uma vida má pode ser transformada em uma vida boa, ou uma
vida infernal em uma vida angélica, visto que cada espírito é,
da cabeça aos pés, tal qual é seu amor, por conseguinte tal qual
é sua vida: e que mudar essa vida em uma vida oposta
é destruir inteiramente o espírito. Os anjos declaram que
é mais fácil mudar uma coruja em pomba, e um mocho em ave
do paraíso, do que um espírito infernal em anjo
do céu. Que o homem, depois da morte, permaneça tal qual fora
sua vida no mundo, é o que se viu (nos. 470-484).
Agora, segundo o que foi dito, é evidente que ninguém pode ser
recebido no céu por imediata misericórdia.
(55)
NÃO É TÃO DIFÍCIL COMO
SE CRÊ PRATICAR A VIDA
QUE LEVA AO CÉU
(528)
Crêem alguns que é difícil praticar a vida que leva ao céu, vida
que é denominada vida espiritual, porque ouviram dizer que o homem
deve renunciar ao mundo e privar-se do que se chama
concupiscência do corpo e da carne, e que deve viver homem
espiritual. expressão que eles só entendem neste sentido: que devem
rejeitar as coisas mundanas, que são principalmente as riquezas e as honras,
andar continuamente em uma pia meditação sobre Deus, sobre a salvação
e sobre a vida eterna, e passar sua vida em preces,
na leitura da Palavra e de livros de piedade. Eles crêem
que isto é renunciar ao mundo e viver pelo espírito e não
pela carne. Mas que assim não sucede, é o que me foi permitido saber
por numerosas experiências e por confabulações com os anjos. Ainda
mais, aqueles que renunciam ao mundo e vivem em espírito por
esse modo, adquirem para si uma vida triste que não é susceptível
de receber a alegria celeste, porque a vida de cada
um lhe fica. Mas, para que o homem receba a vida do céu
é necessário que ele viva inteiramente no mundo e, assim, nos
empregos e negócios, e então, pela vida moral e civil, receba
a vida espiritual, porquanto a vida espiritual não pode ser formada
de outro modo no homem, ou seu espírito ser preparado
de outro modo para o céu. Com efeito, viver uma vida interna
e não ao mesmo tempo uma vida externa é como habitar numa casa
sem alicerces, que em pouco ou se afunda ou se fende e
se arruína, ou estremece até desmoronar-se.
(530)
Que não é tão difícil como se crê praticar a vida que conduz
ao céu, pode-se ver pelo que vai seguir. Qual é o homem que não pode
ter uma vida civil e moral, quando desde criança cada um é iniciado
nela e a conhece pela vida no mundo ? Qualquer homem pratica
também essa vida, o bom como o mau, pois não há pessoa alguma
que não queira passar por sincera e justa. Quase todos exercem
a sinceridade e a justiça nos externos, até mesmo a parecer como
se de coração fossem sinceros e justos, ou como se agissem
pela sinceridade mesma e pela justiça mesma. O homem espiritual deve
viver do mesmo modo, o que ele pode fazer tão facilmente como
o homem natural, mas com esta única diferença: que o homem espiritual
creia no Divino e proceda sincera e justamente, não pelo motivo
único que isso é conforme às leis civis e morais, mas também por
que isso é conforme às leis Divinas, porque desde que esse homem,
quando age, pensa nas coisas Divinas, ele se comunica com
os anjos do céu; e enquanto o fizer está conjunto com eles,
e assim é aberto seu homem interno, que, considerado em si
mesmo, é o homem espiritual. Quando o homem é tal, ele
é adotado e guiado pelo Senhor sem que o saiba; e então,
o que ele faz de sincero e de justo, pertencente à vida
moral e civil, ele o faz segundo uma origem espiritual; e fazer
segundo uma origem espiritual o que é sincero e justo
é fazê-lo segundo o sincero mesmo e o justo mesmo,
ou fazê-lo de coração.
[2] Sua justiça e sinceridade na forma externa aparecem absolutamente semelhantes à justiça e à sinceridade nos homens naturais, e até nos infernais, mas na forma interna são absolutamente dessemelhantes, porque os maus procedem justa e sinceramente visando unicamente eles próprios e o mundo; por isso, se eles não temessem as leis e as penas, e também a perda da reputação, da honra, do lucro e da vida, eles procederiam absolutamente sem sinceridade e sem justiça, pois não temem a Deus nem lei alguma Divina, e assim não há vínculo interno algum que os detenha. Por isso é que, se lhes fosse possível, eles enganariam. saqueariam e despojariam os outros, e isto por prazer. Que eles sejam tais interiormente, é o que se manifesta principalmente pelos que lhes são semelhantes na outra vida, onde a cada um são tirados os externos e são abertos os internos em que eles vivem finalmente na eternidade (ver nos. 499-511); e como então eles agem sem os vínculos externos, que são, como acaba de ser dito, os temores da lei e da perda da reputação, da honra, do lucro e da vida, agem como insensatos e zombam da sinceridade e da justiça.
[3] Ao contrário, aqueles que agiram sincera e justamente por causa das leis Divinas, agem sensatamente quando os externos lhes são tirados e eles são deixados a seus internos, porque eles foram conjuntos aos anjos do céu pelos quais lhes é comunicada a sabedoria. Pelo que acaba de ser referido, pode-se ver agora que o homem espiritual pode agir absolutamente do mesmo modo que o homem natural, quanto à vida civil e moral, contanto que, quanto ao homem interno, ou quanto à vontade e ao pensamento, ele haja sido conjunto ao Divino (ver nos. 358-360).
(531)
As leis da vida espiritual, as leis da vida civil e as leis
da vida moral são também ensinadas nos dez preceitos do Decálogo. Nos
três primeiros preceitos, as leis da vida espiritual; nos quatro
seguintes, as leis da vida civil; e nos três últimos,
as leis da vida moral. O homem meramente natural vive
na forma externa segundo esses mesmos preceitos como o homem
espiritual, porque ele presta também um culto ao Divino, entra num
templo, ouve as prédicas, compõe seu rosto segundo a devoção; não
mata, não comete adultério, não furta, não pronuncia falsos testemunhos, não
tira os bens de seus companheiros; mas assim procede unicamente por
causa de si e do mundo, a fim de se mostrar. Mas esse mesmo
homem na forma interna é inteiramente o oposto do que
se mostra na forma externa, porque de coração nega
o Divino; no culto, esse homem age como um hipócrita; quando
entregue a si mesmo ele pensa, ri das coisas santas da igreja,
crendo que elas apenas servem de freio aos simples.
[2] Por isso ele foi absolutamente separado do céu. E porque ele não é um homem espiritual, também não é homem moral nem homem civil, porque, ainda que não mate, ele é contudo animado de ódio contra quem se lhe opuser, e por esse ódio se abrasa com um desejo de vingança. Por isso, se não fosse retido pelas leis civis e pelos vínculos externos, que são os temores, ele mataria; e porque o deseja, segue-se que ele mata continuamente. Ainda que não cometa adultérios, entretanto, pelo fato de os crer lícitos, ele é sempre adúltero, porque tanto quanto o pode, e todas as vezes que a ocasião se lhe depara, comete adultério. Ainda que esse mesmo homem não furte, entretanto, como deseja os bens dos outros e pensa que as fraudes e as astúcias desonestas não estão em oposição à observação das leis, ele furta continuamente em intenção. Sucede o mesmo quanto aos preceitos da vida moral, que consistem em não levantar falso testemunho e não desejar os bens alheios. Tal é todo homem que nega o Divino e que não tem consciência alguma proveniente da religião. Que esses homens sejam tais, é o que se torna evidente pelos seus semelhantes na outra vida, quando estes são postos em seus internos depois que os externos lhes foram tirados: então, porque foram separados do céu, eles fazem um com o inferno; eis porque eles são associados aos que lá estão.
[3] Não sucede o mesmo aos que de coração reconheceram o Divino e que nos atos de sua vida tiveram em consideração as leis Divinas, e agiram segundo os três primeiros preceitos do Decálogo do mesmo modo que segundo os outros preceitos. Quando estes são postos em seus internos, depois que os externos lhes foram tirados, eles são mais sábios do que no mundo; quando eles vêm aos seus internos é como se passassem da sombra à luz, da ignorância à sabedoria e de uma vida triste a uma vida bem-aventurada, porque eles estão no Divino e, assim, no céu. Tais coisas foram ditas para que se saiba qual é o homem natural e qual é o homem espiritual, posto que ambos tenham tido uma vida externa semelhante.
(532)
Cada um pode saber que os pensamentos são dirigidos e tendem
de acordo com as intenções, ou para o fim a que
o homem tende. Com efeito, o pensamento é a vista interna
do homem, e dá-se com essa vista o mesmo que com a vista
externa, pois ela se volta e se detém onde é dirigida
e fixada pela intenção. Se, pois, a vista interna ou
o pensamento se volta para o mundo e nele pára, si ou
para a honra referida a si, torna-se corporal; mas se se volta
para o céu, torna-se celeste. Por conseguinte, se é para o céu
que ela se volta, ela se eleva; se é para si, ela se afasta
do céu e mergulha no corporal; e se é para o mundo,
ela se afasta também do céu e se fixa nas coisas que estão
diante dos olhos.
[2] É o amor do homem que faz a intenção e que determina a vista interna do homem ou o pensamento para os objetos do amor; assim, o amor de si, para si e para o que é seu; o amor do mundo, para as coisas mundanas; e o amor do céu, para as coisas celestes. Por estas explicações pode-se saber em que estado se acham os interiores do homem, que pertencem à sua mente, quando se conhece seu amor, isto é, que, em quem ama o céu, os interiores foram elevados para o céu e abertos por cima; naquele que ama o mundo, e que se ama a si próprio, os interiores foram fechados por cima e abertos no exterior. Daí se pode concluir que, se os superiores que pertencem à mente foram fechados por cima, o homem não pode mais ver os objetos que pertencem ao céu e a igreja, e esses objetos estão nele na escuridão, e as coisas que estão na escuridão são negadas ou não são compreendidas. Daí vem que os que amam a si e ao mundo acima de todas as coisas, como neles as coisas superiores da mente foram fechadas, eles negam de coração as Divinas verdades; e se dizem alguma coisa a respeito, pela memória, a verdade é que não a compreendem; eles não a consideram também de outro modo senão como coisas mundanas e corporais. E por serem tais, eles só podem ocupar seu espírito com coisas que entram pelos sentidos do corpo, coisas que até são as únicas em que eles se deleitam, e entre as quais há muitas que são impuras, obscenas, profanas e criminosas, e que não podem ser desviadas, porque neles não há influxo do céu em suas mentes, porque essas mentes, como já disse, foram fechadas por cima.
[3] A intenção do homem, pela qual se fixa sua vista interna ou pensamento, é a sua vontade, porque aquilo que o homem quer, para isso tende, e naquilo a que tende, ele pensa. Se, pois, ele tende para o céu, aí se fixa seu pensamento e com ele toda a sua mente, que, assim, está no céu, de onde depois ele olha abaixo de si o que pertence ao mundo como aquilo que se olha de cima do telhado de uma casa. Daí vem que o homem cujos interiores pertencentes à sua mente foram abertos pode ver os males e os falsos que estão nele, porque eles estão por baixo da mente espiritual; e, por outro lado, o homem cujos interiores não foram abertos não pode ver seus males nem seus falsos, porque ele está neles e não por cima. Daí se pode concluir de onde vem ao homem a sabedoria e de onde lhe vem a loucura, e qual deve ser o homem depois da morte, quando ele é deixado a querer e a pensar, e também a agir e a falar segundo os seus interiores. Estas explicações foram dadas para que se saiba o que é o homem interiormente, embora pareça semelhante a um outro exteriormente.
(533)
Que não é tão difícil quanto se crê praticar a vida do céu,
é o que se torna agora evidente, pois basta que o homem, quando
seu espírito for dirigido sobre alguma coisa que se lhe apresente
e que ele sabe ser insincera e injusta, pense que isso não deve ser
feito porque é contra os preceitos Divinos. Se o homem
se acostumar a pensar assim e por conseguinte contrair
o hábito, então pouco a pouco ele é conjungido ao céu;
e quanto mais ele for conjungido ao céu, mais os superiores que
pertencem à sua mente se abrem; e quanto mais se abrem,
mais ele vê o que é o insincero e o injusto; e quanto mais
ele vê tais males, mais eles podem ser dissipados, porque um mal não
pode ser dissipado senão quando é visto. Este é o estado em que
o homem pode entrar pela liberdade, porque, quem não pode pela liberdade
pensar assim ? Ora, quando o homem foi iniciado, o Senhor então
opera todos os bens nele, e faz que não só ele veja
os males, mas também que os não queira, e finalmente
os tenha em aversão. É isso que se entende por estas
palavras do Senhor:
"O Meu jugo é fácil e o Meu fardo é leve" (Mat. 11:30).
Contudo, é necessário saber que a dificuldade de pensar assim, e também de resistir aos males, cresce na proporção que o homem por sua vontade faz os males. Porquanto ele se habitua a eles de tal forma que finalmente não Os vê, e depois os ama, e pelo prazer de seu amor os desculpa, e por ilusões de todo gênero os confirma, e diz que eles são permitidos e que são bens. Mas isto se dá com aqueles que na idade da adolescência se precipitam nos males como sem freio, e ao mesmo tempo rejeitam, de coração, as coisas Divinas.
(534)
Um dia, foram-me representados o caminho que conduz ao céu e o
que conduz ao inferno. Havia um caminho largo dirigindo-se para
a esquerda ou para o norte. Nele apareciam muitos espíritos que
o seguiam. Mas, a uma certa distância, viu-se uma pedra bastante
grande, em lugar onde terminava esse caminho largo. Dessa pedra partiam
depois dois caminhos, um para a esquerda e outro, do lado
oposto, para a direita. O caminho que ia para a esquerda
era apertado ou estreito, conduzindo pelo ocidente ao sul,
e assim na luz do céu; o caminho que ia para
a direita era largo e espaçoso, conduzindo obliquamente de cima
para baixo, para o inferno. Todos aqueles espíritos foram vistos andando
no mesmo caminho até à grande pedra, onde havia a bifurcação;
mas, quando aí chegavam, eles se separavam: os bons voltavam
à esquerda e entravam no caminho estreito que conduzia
ao céu, mas os maus não viam a pedra que estava
na bifurcação, e caiam sobre ela, e se feriam; e, quando
se erguiam, corriam à direita no caminho largo que ia para
o inferno.
[2] Depois foi-me explicado o que tudo isso significava, a saber: pelo primeiro caminho, que era largo, onde um grande número de espíritos, tanto bons como maus, andavam juntos e conversavam entre si como amigos - porque entre si não se manifestava à vista diferença alguma - eram representados aqueles que nos externos vivem de modo semelhante, sincera e justamente, e que não são discernidos à vista. Pela pedra da bifurcação ou do ângulo, sobre a qual caíam os maus, que depois corriam para o caminho que conduzia ao inferno, era representada a Divina verdade, a qual é negada pelos que olham - para o inferno. No sentido supremo, por essa mesma pedra era significado o Divino Humano do Senhor. Aqueles, porém, que reconheciam a verdade e ao mesmo tempo o Divino do Senhor, entravam no caminho que levava ao céu. Por esse modo pude ver ainda que os maus como os bons vivem semelhantemente nos externos, ou seguem um mesmo caminho, por conseguinte uns tão facilmente com os outros; e que, entretanto, aqueles que de coração reconhecem o Divino do Senhor, principalmente dentro da igreja, são conduzidos para o céu, e os que O não conhecem são levados para o inferno.
[3] Os pensamentos do homem, que procedem da intenção ou da vontade, são representados na outra vida por caminhos. Lá se apresentam também à aparência caminhos absolutamente segundo seus pensamentos que procedem de sua intenção. Dai vem que pelos caminhos se conhecem quais são os espíritos e os seus pensamentos. Por este modo vi também o que se entende por estas palavras do Senhor:
Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e muitos são os que andam por ele; estreito é o caminho e apertada a porta que conduz à vida, e poucos são os que o encontram" (Mat. 7:13,14).
Se estreito é o caminho que conduz à vida, não é porque ele seja difícil, mas é porque há poucos que o acham, como acima se disse. Por essa pedra que se viu no ângulo onde terminava o caminho largo e comum, e de onde partiam os dois caminhos, e que eu via dirigir-se para direções opostas, compreendi claramente o que é significado por estas palavras do Senhor:
"Não lestes o que escrito está ? A pedra que os edificadores rejeitaram foi feita cabeça de ângulo; quem cair sobre essa pedra será quebrado" (Luc. 20:17,18).
A "pedra" significa a Divina verdade, e a "Pedra de Israel", o Senhor quanto ao Divino Humano; os "edificadores" são os que eram da igreja; e "cabeça de ângulo" é onde começam os dois caminhos; cair e ser quebrado" é negar e perecer.
(535)
Foi-me permitido falar, na outra vida, com alguns que se tinham afastado
dos negócios do mundo a fim de viverem pia e santamente,
e também com alguns que se tinham infligido diversos castigos, por
terem acreditado que era isso renunciar ao mundo e domar
as concupiscências da carne. Mas a maior parte dentre eles,
tendo contraído por esse modo uma vida triste, e se tendo afastado
da vida de caridade - vida que somente no mundo pode ser
efetuada - não podem ser consociados com os anjos, porque a vida dos
anjos é alegre por bem-aventurança e consiste em fazer bens, que
são as obras de caridade. E, além disso, aqueles que passaram sua
vida fora das coisas do mundo abrasam-se com a idéia do mérito
e, por conseguinte, desejam continuamente o céu, e pensam
na alegria celeste como uma recompensa, ignorando absolutamente o que
é a alegria celeste. E quando eles são introduzidos entre
os anjos, e na alegria angélica, que rejeita o mérito
e consiste em trabalhos ativos e em serviços práticos e
na bem-aventurança procedente do bem que se faz pelo cumprimento
desses deveres, eles se admiram tal como pessoas que vêem coisas estranhas
à sua fé; e como não têm a faculdade de receber essa
alegria, eles se retiram e se unem aos seus, isto é, aos que tiveram
no mundo uma vida semelhante.
[2] Mas os que viveram santamente nos externos, continuamente nos templos e aí em preces, e que afligiram suas almas, e ao mesmo tempo pensaram continuamente que seriam assim mais estimados e mais honrados do que os outros, e finalmente considerados como santos depois de sua morte, eles não estão, na outra vida, no céu, porque agiram assim para si próprios. E como eles mancharam as Divinas verdades pelo amor de si próprios em que as mergulharam, alguns deles são tão insensatos que se julgam deuses; por isso estão no inferno com seus semelhantes. Alguns outros são astuciosos e falsos, e estão nos infernos dos pérfidos: são os que agiram semelhantemente na forma externa por meio de artifícios e astúcias pelos quais eles induziram o vulgo a crer que havia neles uma santidade Divina.
[3] Tais são muitos santos da religião papal. Foi-me também permitido falar com alguns deles, e então sua vida me foi claramente descrita qual fora no mundo e qual ele o foi depois. Tais coisas foram referidas para que se saiba que a vida que conduz ao céu não é uma vida separada do mundo, mas no mundo; e que uma vida de piedade sem a vida de caridade, que só pode ser exercida no mundo, não leva ao céu, mas o que leva ao céu é uma vida de caridade que consiste em agir sincera e justamente em toda função, em todo negócio e em toda obra, segundo o interno, daí por uma origem celeste, origem que está nesta vida quando o homem age sincera e justamente porque é segundo as leis Divinas. Esta vida não é difícil, mas a vida de piedade separada da vida de caridade é difícil, e ainda mais afasta do céu tanto quanto se crê que ela conduz ao céu.
(III)
DO
INFERNO
(56)
O SENHOR GOVERNA OS INFERNOS
(536)
Acima, quando se tratou do céu mostrou se em toda parte que
o Deus do céu é o Senhor e, assim todo governo dos céus pertence
ao Senhor. E como a relação do céu com o inferno e
do inferno com o céu é tal qual a entre dois opostos que
atuam mutuamente uni contra o outro, e cuja ação e reação
produzem um equilíbrio em que todas as coisas subsistem por
isso, para que todas as coisas, em geral e em particular sejam
mantidas em equilíbrio, é necessário que aquele que governa
um governe também o outro, porque se o mesmo Senhor não
repelisse os ataques da parte dos infernos, e lá não reprimisse
as insânias, o equilíbrio seria destruído, e a sua destruição
acarretaria a ruína do todo.
(537)
Mas, em primeiro lugar, deve-se dizer alguma coisa sobre
o equilíbrio. Sabe-se que quando dois opostos atuam mutua mente uni contra
o outro, e que um reage e resiste tanto quanto o outro
age e impele, a força é nula em um como em outro,
porque há, de uma e de outra parte, poder igual, e então,
um como e outro pode á vontade ser posto em ação por
um terceiro. Porque, quando a força dos dois é neutralizada por
igual oposição, a força do terceiro faz tudo e tão facilmente
como se não houvesse oposição alguma 2 Tal é o equilíbrio entre
o inferno e o céu.- contudo, não é um equilíbrio como entre dois
que combatem com o corpo, dos quais a força de um eqüivalesse
a força do outro, mas é um equilíbrio espiritual, a saber.
da falsidade contra a verdade e do mal contra o bem.
Do inferno exala continuamente a falsidade procedente do mal, e
do céu dimana continuamente a verdade do bem. ~ este
equilíbrio que faz o homem estar na liberdade de pensar e
de querer,- por isso, tudo o que o homem pensa e quer
se refere ou ao mal e por conseguinte ao falso, ou ao
bem e por conseguinte à verdade. Daí, quando ele está nesse
equilíbrio, está na liberdade ou de admitir e receber o mal
e por conseguinte o falso proveniente do inferno, ou de
admitir e receber o bem e por conseguinte a verdade
proveniente do céu. Cada homem e' mantido nesse equilíbrio pelo Senhor,
porque o Senhor governa um e outro, tanto o céu como
o inferno - Mas a razão porque o homem é conservado pelo
equilíbrio nessa liberdade e porque, pelo Divino poder, o mal
e o falso não lhe são tirados e substituídos pelo bem e a
verdade, é o que se dirá depois, em um artigo especial.
(538)
Foi-me concedido perceber, algumas vezes, a esfera do falso
proveniente do mal emanado do inferno; era como um contínuo
esforço para destruir todo bem e toda verdade, esforço combinado com ira
e com uma sorte de furor por não poder conseguir isso. Esse esforço
tende principalmente a aniquilar e a destruir o Divino
do Senhor, e isto porque é d'Ele que procedem todo bem
e toda verdade. Mas do céu emanava, de modo perceptível,
a esfera de verdade procedente do bem, pela qual era reprimido
o furor do esforço que se elevava do inferno.
O resultado era o equilíbrio. Essa esfera do céu era percebida
como emanando do Senhor só, se bem que parecesse proceder dos anjos
do céu. Se ela era percebida procedendo do Senhor só e não
dos anjos, era porque cada anjo no céu reconhece que nada do bem e
da verdade vem de si mesmo, mas tudo vem do Senhor.
(539)
Todo poder no mundo espiritual pertence à verdade do bem,
e a falsidade do mal não tem absolutamente poder algum. Se todo
poder pertence à verdade do bem, é porque o Divino mesmo
no céu é o Divino bem e a Divina verdade, e ao Divino
pertence todo poder. Se o falso do mal não tem poder algum,
é porque todo poder pertence à verdade do bem, e
na falsidade do mal não há coisa alguma da verdade e
do bem. Dai vem que todo poder pertence ao céu e nenhum
ao inferno, visto que cada um no céu está nas verdades do bem,
e cada um no inferno está nas falsidades do mal; porque ninguém
é admitido no céu antes de estar nas verdades do bem,
e ninguém é lançado no inferno antes de estar nas
falsidades do mal. Que isso assim seja, é o que se vê nos
artigos onde se trata do primeiro, do segundo e do terceiro
estado do homem, depois da morte (n.0s 491-520);
e que todo poder pertence à verdade do bem, vê-se no artigo
sobre o poder dos anjos do céu (n.0s 228-233).
(540)
Tal é, pois, o equilíbrio entre o céu e o inferno. Os que
estão no mundo dos espíritos estão no equilíbrio, porque o mundo
dos espíritos está no meio entre o céu e o inferno; e, por
conseguinte, também todos os homens no mundo se acham em um
semelhante equilíbrio, porque os homens no mundo são governados pelos
espíritos que estão no mundo dos espíritos, assunto que será tratado
no artigo competente. Tal equilíbrio não poderia existir se o Senhor
não governasse um e outro, tanto o céu como o inferno,
e não os regulasse; de outro modo, os falsos do mal
preponderariam e afetariam os bons espíritos simples que estão nos
últimos do céu e que podem ser pervertidos mais facilmente
do que os anjos mesmos, e assim pereceria o equilíbrio,
e com este a liberdade dos homens.
(541)
O inferno foi dividido em sociedades do mesmo modo que o céu,
e também em tantas sociedades quantas há no céu; porque cada
sociedade no céu tem uma sociedade que lhe é oposta no inferno,
e isto é por causa do equilíbrio. Mas as sociedades
no inferno foram repartidas segundo os males e portanto segundo
os falsos, porque as sociedades no céu são distintas segundo
os bens e, portanto, segundo as verdades. Se há um mal
oposto a cada bem e um falso oposto a cada verdade, é o que
se pode saber pelo fato de não haver coisa alguma que não tenha
relação com um oposto; pelo oposto se conhece a qualidade
de uma coisa e em que grau ela está, e dai resulta toda
percepção e toda sensação. Por isso é que o Senhor providencia
continuamente para que toda sociedade no céu tenha seu oposto em uma
sociedade do inferno, e para que entre elas haja equilíbrio.
(542)
Como o inferno foi repartido em tantas sociedades quantas há no
céu, há por conseguinte tantos infernos quantas são as sociedades
do céu, porque cada sociedade do céu é um céu em forma
menor (ver n.0s 51-58), e assim cada sociedade do inferno
é um inferno em uma forma menor. Como em geral há três
céus, por isso há também em geral três infernos: o ínfimo, que
é oposto ao céu íntimo ou terceiro; o médio, que
é oposto ao céu médio ou segundo, e o superior, que
é oposto ao céu último ou primeiro.
(543)
Dir-se-á também em poucas palavras de que modo os infernos são
governados pelo Senhor. Os infernos são governados em geral por
um afluxo geral do Divino bem e da Divina verdade, procedendo
dos céus, pelo qual é moderado e reprimido o esforço geral
efluindo dos infernos, e também por um afluxo especial de cada
céu e de cada sociedade do céu. Os infernos são governados
em particular por anjos, aos quais é dado vigiar os infernos
e reprimir-lhes as insânias e os tumultos. Algumas vezes, anjos
são lá enviados e por sua presença aplacam tais insânias
e tumultos. Mas, em geral, todos os que estão nos infernos são
governados pelos temores; alguns por temores implantados desde o mundo
e que neles ficaram gravados; como, porém, esses temores não bastam e
se dissipam pouco a pouco, eles são governados pelo temor das penas,
pelas quais principalmente eles são desviados de cometer males. Lá as
penas são múltiplas, umas mais brandas outras mais severas, conforme
os males. No maior número de casos são prepostos aos outros
os mais malvados, que excedem os outros em habilidade e
em artifício, e podem, pelas penas e pelos terrores que eles
inspiram, mantê-los na obediência e na servidão; esses chefes não
ousam ir além dos limites que lhes são prescritos. E bom saber que
o único meio de reprimir as violências e os furores dos que
estão nos infernos é o temor da pena; não existe Outro meio.
(544)
Até aqui se pensou, no mundo, que há um certo diabo que está
à frente dos infernos, e que esse diabo tinha sido criado anjo
de luz, mas depois se tornou rebelde e foi com sua tropa
precipitado no inferno. Tal crença vem do fato de que
na Palavra fala-se do diabo e de Satanás, e também
de Lúcifer, e porque nessas passagens a Palavra foi entendida
segundo o sentido da letra, quando a verdade é que pelo
"diabo" e "Satanás" se entende o inferno; pelo
"diabo", esse inferno que está para trás e onde estão
os piores, denominados maus gênios; e por
"Satanás", esse inferno que está na frente, onde estão
os que não são tão maus, denominados maus espíritos; por
"Lúcifer" se entendem os que são de Babel ou de
Babilônia, os que estendem seus domínios até ao céu. Que não
há diabo algum ao qual estejam sujeitos os infernos,
é também o que é evidente pelo fato de que todos
os que estão nos infernos, como todos os que estão nos céus, vêm
do gênero humano (ver n.08 311-317), e que lá há
miríades de miríades desde o princípio da criação até hoje,
e que cada um deles é diabo no mesmo grau segundo
o qual, no mundo, ele foi oposto ao Divino (ver n.0s
311-3123.
(57)
NINGUÉM É LANÇADO
NO INFERNO PELO SENHOR.
O PRÓPRIO ESPÍRITO É
QUE NELE SE PRECIPITA
(545)
Em algumas pessoas há prevalecido a opinião que Deus desvia Sua face
do homem, o rejeita de Si e o precipita no inferno,
e que Ele Se irrita contra o homem por causa do mal. Outros
vão ainda mais longe e crêem que Deus pune o homem e lhe faz
mal. Eles se confirmam nessa opinião pelo sentido literal da Palavra,
onde se acham semelhantes expressões. Não sabem que o sentido
espiritual da Palavra, que explica o sentido da letra,
é inteiramente diferente, e que, conseqüentemente, a doutrina
genuína da igreja, que vem do sentido espiritual da Palavra,
ensina outra coisa, a saber, que Deus nunca desvia Sua face do homem
e não o rejeita de Si; nunca lança alguém no inferno
e não Se encoleriza (1). E também o que percebe todo homem
cuja mente está na iluminação, quando lê a Palavra, pelo simples fato
de que Deus é o Bem mesmo, o Amor mesmo e a Misericórdia
mesma; e que o Bem mesmo não pode fazer mal a alguém, e o
Amor mesmo e a Misericórdia mesma não podem rejeitar o homem
de Si, porque é contra a essência mesma da misericórdia e
do amor, e assim, contra o Divino Mesmo. Por isso, aqueles que
pensam por uma mente iluminada quando lêem a Palavra, claramente percebem
que Deus nunca Se desvia do homem, e que, não Se desviando
dele, age com ele segundo o bem, o amor e a misericórdia, isto
é, Ele quer seu bem, ama-o e tem compaixão dele. Daí também eles vêem que
o sentido da letra da Palavra, no qual se acham tais
expressões, encerra em si um sentido espiritual segundo o qual
devem ser explicadas essas expressões, que foram, no sentido
da letra, acomodadas à concepção do homem e pronunciadas
segundo as suas idéias primeiras e comuns.
(546)
Os que estão na iluminação vêem, além disso, que o bem e o mal
são dois opostos, e que eles são tão opostos como o céu e o
inferno; e que todo bem vem do céu e todo mal vem
do inferno; e como o Divino do Senhor faz o céu
(n. 7-12), do Senhor eflui somente o bem no homem, e
do inferno somente o mal. E assim, continuamente o Senhor
desvia o homem do mal e o conduz ao bem; e o inferno
continuamente induz o homem ao mal. Se o homem não estivesse
entre um e outro, ele não teria pensamento algum nem vontade alguma, nem,
com mais forte razão, liberdade alguma nem escolha, porque o homem possui
essas coisas por causa do equilíbrio entre o bem e o mal. Se,
pois, o Senhor Se desviasse do homem e o homem fosse
deixado só no mal, ele não mais seria homem. Tudo isto mostra claramente
que o Senhor influi com o bem em todo homem, no mau como
no bom, mas com esta diferença, que continuamente Ele desvia do mal
o homem mau e continuamente conduz ao bem o homem bom,
e que a causa de uma tal diferença está no homem, porque
ele é o recipiente.
(547)
De tudo isto se vê que o homem faz o mal por influxo
do inferno e faz o bem por influxo do Senhor; mas, porque
o homem crê que tudo aquilo que faz ele o faz por si mesmo, por
isso o mal que ele faz lhe é aderente como seu. Disto resulta que
é o homem que é a causa de seu mal e de forma alguma
o Senhor. O mal no homem é o inferno nele. Por isso, dizer
mal ou inferno, é a mesma coisa. Ora, como o homem é a
causa de seu mal, é pois ele próprio que se induz ao inferno
e não o Senhor que o induz. O Senhor, em vez
de induzir o homem ao inferno, o liberta do inferno
tanto quanto o homem não quiser e não desejar estar em seu mal.
O todo da vontade e do amor do homem permanece nele depois
da morte (n.% 470-484); aquele que quer e ama um mal
no mundo, quer e ama o mesmo mal na outra vida: ele não
tolera então que se separe dele. Daí vem que o homem que está
no mal está ligado ao inferno e também está realmente quanto
ao seu espírito no inferno; e depois da morte não deseja
outra coisa senão estar onde está seu mal. Por isso, é o homem que, depois
da morte, se precipita no inferno por si mesmo e não
o Senhor que o precipita.
(548)
Dir-se-á também como isso se dá. Quando o homem entra na outra
vida, ele é primeiramente recebido pelos anjos, que lhe prestam todos
os serviços possíveis e que lhe falam do Senhor, do céu,
da vida angélica, e o instruem nas verdades e bens. Mas se
o homem, então espírito, é tal que no mundo - ele haja
de fato recebido instruções sobre semelhantes coisas, mas de coração
as haja negado ou desprezado, então, depois de algumas conversas
com eles, ele deseja e também procura separar-se deles. Ora, quando
os anjos percebem isso, eles o deixam; e ele, depois
de algumas ligações com outros, se associa finalmente aos que estão
em um mal semelhante ao seu (ver n.0s 445-452). Quando
isso se dá, ele se desvia do Senhor e volta sua face para
o inferno ao qual ele tinha sido associado quando estivera
no mundo, e onde residem os que estão em um semelhante amor
do mal. Tudo isso mostra com evidência que o Senhor atrai a
Si todo espírito, através de seus anjos e também pelo influxo
do céu, mas os espíritos que estão no mal resistem veementemente
e se desprendem, por assim dizer, do Senhor, e são arrastados
por seu mal como por uma corda, assim pelo inferno; e como são arrastados,
e pelo amor do mal querem ser arrastados, é evidente que eles
se precipitam no inferno por sua livre vontade. Que isso seja assim,
ninguém pode crê-lo no mundo, por causa da idéia que se faz
do inferno; e mesmo na outra vida, isso só aparece aos
olhos daqueles que estão fora do inferno, mas não aos que nele
se lançam. Porque eles nele entram por sua livre vontade, e os que
entram por um ardente amor do mal aparecem como se se tivessem
precipitado com a cabeça para baixo e os pés para cima. E por
esta aparência que parece que eles são lançados por uma força Divina (ver
os pormenores a este respeito no n.0 574).
De tudo isso pode-se ver por que o Senhor não precipita pessoa alguma
no inferno, mas cada um é que se precipita nele por
si próprio, não só enquanto vive no mundo, como também depois
da morte, quando vem entre os espíritos.
(549)
Se o Senhor não pode, por Sua Divina essência, que é o Bem,
o Amor e a Misericórdia, agir do mesmo modo com todo homem,
é porque os males e por conseguinte os falsos obstam
e não só enfraquecem mas até rejeitam Seu influxo Divino.
Os males, e por conseguinte os falsos, são como nuvens negras
que se interpõem entre o sol e os olhos do homem,
e arrebatam o brilho e a serenidade da luz. Persistindo
o sol em um contínuo esforço para dissipar as nuvens que fazem
obstáculo, porque ele está por trás, opera, e, durante esse tempo, ele também
envia, por diversas passagens aqui e ali, alguma luz mesclada
de sombra aos olhos do homem. No mundo espiritual dá-se o mesmo:
lá, o Sol é o Senhor e o Divino amor (ver n.0s
116-140); a luz é a Divina verdade (n.0s 126-140);
as nuvens negras são os falsos do mal; os olhos são
o entendimento. Lá, quanto mais alguém está nos falsos do mal, mais
há ao redor dele uma tal nuvem, negra e condensada segundo o grau
do mal. Por esta comparação se pode ver que a presença
do Senhor é perpétua em cada um, mas é recebida
de diversos modos.
(550)
Os maus espíritos são punidos severamente no mundo dos espíritos, para
que, pelos castigos, sejam desviados de praticar males. Também parece que
eles são punidos pelo Senhor, mas a verdade é que nenhuma coisa
da pena vem do Senhor, mas do próprio mal, porque o mal foi
de tal modo unido à sua pena que eles não podem ser separados. Pois a turba
infernal só deseja e só ama fazer o mal, e principalmente
infligir penas e tormentos; por isso ela faz mal e inflige penas
a quem quer que não se acha sob a tutela do Senhor. Quando
pois um mal é feito de mau coração, como esse mal repele
de si toda a tutela do Senhor, os espíritos infernais
se precipitam sobre aquele que fez tal mal e o punem. Isto pode ser
ilustrado, de algum modo, pelos males e pelas penas dos males
no mundo, onde os males e as penas também foram conjuntos,
porquanto as leis prescrevem uma pena para cada mal. Por isso, aquele que
se precipita no mal, se precipita também na pena
do mal. A diferença consiste unicamente em que o mal
no mundo pode estar oculto, enquanto não o pode na outra vida.
Tudo isso mostra que o Senhor não faz mal a pessoa alguma, e que
dá-se o mesmo no mundo, onde o rei, o juiz e a lei não
são a causa pela qual o réu é punido, porque eles não são
a causa do mal do malfeitor.
(58)
TODOS OS QUE ESTÃO NOS INFERNOS
ESTÃO NOS MALES E, POR CONSEGUINTE,
NOS FALSOS DERIVADOS DOS AMORES DE SI
E DO MUNDO
(551)
Todos os que estão nos infernos estão nos males e, por conseguinte, nos
falsos, e nenhum, lá, está nos males e ao mesmo tempo nas verdades.
A maioria dos maus que estão no mundo conhece as verdades
espirituais, que são as verdades da igreja, porque as aprendeu
desde a infância e depois pela prédica e leitura da Palavra
e, finalmente, falou segundo essas verdades. Alguns até induziram
os outros a crer que eles eram cristãos de coração, porque
sabiam falar por meio dessas verdades com uma afeição simulada, e também
agir sinceramente como segundo uma fé espiritual. Mas, os dentre eles
que em si mesmos pensaram contra essas verdades, e se abstiveram
de fazer males segundo seus pensamentos unicamente por causa das leis
civis, e por causa de reputação, das honras e dos lucros, todos
esses são maus de coração, e estão nas verdades e nos bens
somente quanto ao corpo e não quanto ao espírito. Por isso,
na outra vida, quando lhes são tirados os externos, e
os internos que pertenceram ao seu espírito são desvendados, eles
estão inteiramente nos males e nos falsos, e não têm verdade alguma
nem bem algum. E evidente que as verdades e os bens tinham
residido apenas em sua memória, simplesmente como conhecimentos,
e daí é que eles as tiravam, quando falavam e simulavam
os bens como se fosse por um amor e uma
fé espirituais. Quando tais espíritos são postos em seus internos,
por conseqüência em seus males, eles não podem mais pronunciar verdades,
mas pronunciam somente falsidades, pois falam conforme seus males, e é
impossível segundo os males pronunciar verdades, porque então
o espírito não é outra coisa senão seu mal, e do mal procede
a falsidade. Cada espírito mau é reduzido a esse estado antes
de ser lançado no inferno (ver n.0s 499-512]. Chama-se
a isso ser vastado quanto às verdades e aos bens (1) E a
vastação é simplesmente a imersão nos internos, assim no próprio
do espírito, ou no espírito mesmo (ver, sobre esse assunto, o n.0
425).
(552)
Quando o homem é tal depois da morte, ele não é mais
um homem-espírito, como em seu primeiro estado (de que
se falou nos n.0s 491-498), mas é verdadeiramente
um espírito, porquanto é verdadeiramente espírito na face e
no corpo correspondentes aos seus internos que pertencem ao seu
espírito, assim, na forma externa que é o tipo ou a efígie
de seus internos. Tal é o espírito depois do primeiro e
do segundo estados de que se falou acima. Se pois ele
é visto é logo conhecido tal qual é, não apenas pela face como também
pelo corpo, e, além disso, pela linguagem e pelos gestos. E como
então ele está em si mesmo, só pode estar onde estão os seus
semelhantes.
[2] Há, com efeito, comunicação das afeições, e daí dos pensamentos, de todos os modos no mundo espiritual; é por isso que o espírito é levado para seus semelhantes como por si mesmo, porque é levado por sua afeição e pelo prazer dessa afeição. Ainda mais, ele se volta também para o lado onde eles estão, porque assim ele aspira sua vida, ou tira livremente sua respiração, mas não quando se volta para um outro lado. E necessário que se saiba que a comunicação com os outros, no mundo espiritual, se faz segundo a conversão da face, e os que estão com alguém em um semelhante amor, estão continuamente diante de sua face, e isto seja qual for a posição de seu corpo (ver n.0 151).
[3] Daí vem que todos os espíritos infernais se voltam para o lado oposto ao Senhor, para o escuro e o tenebroso que lá substituem o sol e a lua do mundo, e que todos os anjos do céu se voltam para o Senhor como Sol do céu e como Lua do céu (ver n.0s 123, 143,144 e 151). Disto, agora se pode ver que todos os que estão nos infernos estão nos males e daí nos falsos, e também estão voltados para seu amores.
(553)
Todos os espíritos nos infernos, examinados em alguma luz
do céu, aparecem na forma de seu mal, porque cada um é a
efígie de seu mal, pois em cada um os interiores e
os exteriores fazem um, e os interiores se tornam visíveis nos
exteriores que são a face, o corpo, a linguagem e
os gestos. Assim, à primeira vista eles são reconhecidos quais são:
são, em geral, formas de desprezo para com os outros,
de ameaças contra os que não lhes têm veneração: formas de ódios
de vários gêneros e também formas de vinganças de vários
gêneros. Atrocidades e crueldades aparecem de seus interiores por
essas formas. No entanto, quando os outros os louvam, veneram
e adoram, a face deles se contrai e nela se manifesta
como uma alegria produzida pelo prazer.
[2] Todas essas formas, tais como aparecem, não podem ser descritas em poucas palavras, porque não há uma semelhante à outra. Somente entre os que estão no mesmo mal e, por conseguinte, na mesma sociedade infernal, há uma semelhança comum pela qual, como plano de derivação, as faces de cada um lá aparecem em uma certa semelhança. Em geral, suas faces são medonhas e privadas de vida, como a dos cadáveres; em alguns elas são pretas; em outros, abrasadas como tochas; em outros, desfiguradas por pústulas, varizes e úlceras; em muitos não se vê a face, mas, em vez disso, alguma coisa de cabeluda e óssea; em alguns só se vêem os dentes. Seus corpos são também de uma forma monstruosa, e sua linguagem é como ditada pela ira ou pelo ódio ou pela vingança, porque cada um lá fala conforme seu falso, e o som de sua voz está em relação ao seu mal. Em uma palavra, eles são todos imagens de seu inferno.
[3] Não foi permitido ver qual é a forma do inferno mesmo, em geral: foi dito unicamente que, do mesmo modo que o céu inteiro em um só complexo representa um só Homem (ver n.0 59-67), do mesmo modo o inferno inteiro em um só complexo representa um só diabo, e também se apresenta sob a efígie de um só diabo (ver n.0 544). Mas, muitas vezes foi concedido ver as formas dos infernos em particular, ou das sociedades infernais, porquanto nas aberturas desses infernos, denominadas portas do inferno, aparece normalmente um monstro que representa no geral a forma dos que lá estão. As atrocidades dos que lá residem são também representadas ao mesmo tempo por atos cruéis e atrozes que deixo de referir.
[4] Todavia, cumpre saber que os espíritos infernais aparecem assim na luz do céu, mas entre si aparecem como homens: isto é pela misericórdia do Senhor, a fim de que essas horríveis deformidades não se manifestem entre eles como diante dos anjos. Mas essa aparência é uma ilusão, porque, desde que alguma luz do céu penetra neles, suas formas humanas são mudadas em formas monstruosas quais são em si mesmas, como acima se disse, pois na luz do céu tudo se mostra tal qual é em si. E dai também que eles fogem da luz do céu e se precipitam na sua luz, que é como a luz dos carvões em brasa, e, em alguns lugares, como uma luz de enxofre inflamado; mas essa luz é também mudada em escuridão completa quando alguma luz do céu lá penetra. E por isso que se diz que os infernos estão na escuridão e nas trevas, e que a "escuridão" e as "trevas" significam os falsos do mal quais são nos infernos.
(554)
Pela inspeção dessas formas monstruosas dos espíritos nos infernos, formas que,
como se disse, são todas formas de desprezo pelos outros,
de ameaças contra os que os não honram e veneram, e,
também, formas de ódios e de vinganças contra os que lhes não
são favoráveis, vi claramente que elas todas eram, em geral, formas
do amor de si e do amor do mundo, e que os males,
de que elas são formas especiais, tiram suas origens desses dois amores.
Foi-me dito também do céu - e também eu próprio tive
a prova disso por muitas experiências - que esses dois amores,
a saber, o amor de si e o amor do mundo, reinam nos
infernos e constituem também os infernos; que o amor para com
o Senhor e o amor para com o próximo reinam nos céus
e também constituem os céus: e que os dois amores que são
os do inferno, e os dois amores que são os do céu, são
diametralmente opostos entre si.
(555)
A princípio fiquei admirado de que o amor de si e o amor
do mundo fossem tão diabólicos, e de que os que estão nesses
amores fossem tais monstros à vista. Pois no mundo pouco
se reflete no amor de si, mas sim sobre essa exaltação
do espírito nos externos, que se chama soberba, que, pelo fato de manifestar-se
à vista, crê-se que ela é o amor de si. Além disso, o amor
de si, que não se manifesta assim, é considerado no mundo
como o fogo da vida pelo qual o homem é levado
a ambicionar empregos e prestar usos. visto que, se o homem não
visse neles honra e glória, seu espírito se entorpeceria. Pois
o que se diz é: "Quem fez alguma coisa de digno,
de útil e de memorável, senão para ser celebrado e honrado pelos
outros, ou nos espíritos dos outros ?" e: "Por que
se fez isso senão pelo fogo do amor pela glória e honra, por
conseguinte para si ?" Daí resulta que não se sabe no mundo
que o amor de si, considerado em si mesmo, é o amor que
reina no inferno e faz o inferno no homem. Sendo assim, vou
primeiramente descrever o que é o amor de si, e mostrar
depois que desse amor jorram, como de uma fonte, todos os males e,
por conseqüência, todos os falsos.
(556)
O amor de si é querer bem a si só e não aos outros, exceto
em consideração a si mesmo; assim, é não querer bem
à igreja, nem à pátria, nem a sociedade humana alguma, como
também não lhes fazer bem senão tendo em vista a própria reputação,
honra e glória, e, se não vir tais vantagens nos usos que
se lhes presta, dizer de coração: "Que me importa ?
por que faria eu isso ? que lucraria com isso ?" e,
em conseqüência, se omitir. Daí é evidente que, aquele que está
no amor de si não ama a igreja, nem a pátria, nem
a sociedade, nem uso algum, mas a si só. Seu prazer
é simplesmente o prazer do amor de si; e como
o prazer que provém desse amor faz a vida do homem, por isso sua
vida é a vida de si mesmo, e a vida de si mesmo é a
vida proveniente do próprio do homem, e o próprio do homem,
considerado em si mesmo, é somente o mal. Quem ama a si,
ama também os seus, que são em particular seus filhos e seus
netos, e, em geral, todos os que fazem um com ele e que ele
chama seus; amar estes e aqueles é também amar a si, porque ele
os considera como em si próprio e se considera neles. Entre
os que ele chama seus também estão todos os que o louvam, honram
e veneram
(557)
Pela comparação com o amor celeste pode-se ver qual é o amor
de si. O amor celeste é amar os usos pelos usos, ou os
bens pelos bens, que o homem presta à igreja, à pátria,
à sociedade humana e ao concidadão. É isso amar a Deus
e amar ao próximo, porque todos os usos e todos
os bens procedem de Deus e também são o próximo que
se deve amar. Mas quem os ama por causa de si, só os ama
como servos, porque estão ao seu serviço. Daí é que, aquele que está
no amor de si quer que a igreja, a pátria, as sociedades
humanas e seus concidadãos o sirvam, e não ele a eles. Esse
se coloca acima deles e os põe por baixo de si. Daí é que,
quanto mais alguém está no amor de si, mais se afasta
do céu, porque mais se afasta do amor celeste.
(558)
[a]. Além disso, quanto mais alguém está no amor celeste - que
é amar os usos e os bens, e ser afetado por um prazer
do coração quando os presta à igreja, à pátria,
à sociedade humana e ao concidadão - mais ele é conduzido pelo
Senhor, porque o Senhor Mesmo está nesse amor e esse amor vem
do Senhor. Mas ! quanto mais alguém está no amor de si,
qual amor é prestar usos e bens por causa de si, mais
é conduzido por si mesmo, e quanto mais alguém é conduzido
por si mesmo, mais não é conduzido pelo Senhor. Daí resulta também
que, quanto mais alguém se ama, mais se afasta do Divino e, por
conseguinte, do céu. Ser conduzido por si mesmo é sê-lo por seu
próprio, e o próprio do homem nada é senão o mal, porque
é seu mal hereditário, que consiste em amar a si de preferência
a Deus, e em amar ao mundo de preferência ao céu (2)
O homem se coloca em seu próprio e, assim, em seus males
hereditários, tantas vezes quantas ele visa a si mesmo nos bens que faz,
porque ele volta a sua vista dos bens para si e não de si para
os bens; por isso é que ele põe nos bens a sua imagem e não
alguma imagem do Divino. Que assim aconteça, é também o que
me foi confirmado pela experiência. Há maus espíritos, cujas
habitações estão na plaga média entre o norte e o ocidente por
baixo dos céus, que excedem na arte de colocar os espíritos
probos nos próprios deles e, desse modo, em males de diversos
gêneros. Isto eles fazem levando-os a pensamentos sobre si próprios,
quer abertamente por elogios e honras, quer clandestinamente, por
determinações de suas afeições para si mesmos; e quanto mais
eles agem assim, mais desviam dos céus as faces dos espíritos probos,
e tanto mais também obscurecem o entendimento deles, e fazem
sair os males de seu próprio.
(558)
[b]. Que o amor de si seja oposto ao amor para com
o próximo, é o que se pode ver pela origem e essência
de um e de outro. O amor ao próximo, naquele que está
no amor de si, principia por si, porque esse diz que cada um é o
próximo para consigo mesmo; e de si, como centro, ele caminha para aqueles
que fazem um consigo, diminuindo segundo os graus da conjunção
pelo amor para consigo. Os que estão fora dessa consociação são
considerados como nada, e os que são contra eles e contra seus males,
como inimigos, quaisquer que sejam, sábios ou probos, sinceros
ou justos. Ao contrário, o amor espiritual para com
o próximo principia do Senhor e caminha do Senhor, como
centro, para todos os que estão conjuntos ao Senhor pelo amor
e pela fé, e progride segundo a qualidade do amor e
da fé neles (~). Daí é evidente que o amor ao próximo
começando pelo homem é oposto ao amor ao próximo que começa pelo
Senhor; e que aquele procede do mal, porque provém do próprio
do homem, enquanto este procede do bem, porque procede
do Senhor, que é o Bem mesmo. E ainda evidente que o amor
ao próximo que procede do homem e de seu próprio
é corporal, enquanto o amor ao próximo que procede
do Senhor á celeste. Em uma palavra, o amor de si
constitui a cabeça do homem em que está, e o amor celeste
em que se apoia faz os pés: e se não está a seu
serviço, ele o calca com os pés. E por isso que aqueles que
se precipitam no inferno são vistos como se precipitando com
a cabeça para baixo, para o inferno, e os pés para cima, para
o céu (ver n. 548).
(559)
O amor de si á também tal, que, quanto mais se lhe soltam
os freios - isto é, mais se lhe tiram os vínculos externos, que
são o temor da lei e das penas que ela inflige, e o temor
de perder a reputação, a honra, o lucro, a função
e a vida - tanto mais se arremessa, até querer, enfim, dominar, não
só sobre todo o globo, mas também sobre todo o céu e sobre
o Divino mesmo. Para ele, nunca há limite ou fim. Eis o que
jaz latente em quem quer que esteja no amor de si, ainda que
isso não se manifeste diante do mundo, onde o homem
é retido pelos vínculos de que acima se falou. Que assim suceda,
cada um o vê claramente nos poderosos e reis, que, não sendo retidos
por esses freios nem por esses vínculos, arruinam e subjugam províncias
e remos, tanto quanto o êxito os favorece, e aspiram
um poder e uma glória sem limites. Que assim seja, á o que ainda
se vê pela Babilônia de hoje. que estendeu seu domínio até
ao céu e transferiu para si todo o poder Divino
do Senhor, e continuamente cobiça mais. Que tais homens são
absolutamente contra o Divino e o céu, e a favor
do inferno, quando vêm para a outra vida depois da morte,
é o que se vê no opúsculo Do Juízo Final e
da Babilônia Destruída.
(560)
Imagine-se alguma sociedade composta de semelhantes homens, cada
um dos quais se ama exclusivamente a si próprio, e não ama
a outrem senão tanto quanto fizer um consigo, e ver-se-á que seu
amor não é diferente do que reina entre salteadores. Esses
se abraçam e chamam-se amigos enquanto agem conjuntamente, mas
se precipitam uns contra os outros e se trucidam desde que não
agem juntamente e ficam livres da dominação de seus chefes.
Se seus interiores ou seus espíritos forem examinados, ver-se-á que
eles zombam em seu coração de tudo o que é justo
e sincero, e até do Divino, que eles rejeitam como coisa sem
valor. ~ o que se torna ainda mais evidente por suas sociedades nos
infernos, das quais se falará abaixo.
(561)
Os interiores que pertencem aos pensamentos e às afeições dos que
se amam acima de todas as coisas, são voltados para
si próprios e para o mundo, e assim avessos ao Senhor
e ao céu. Daí resulta que elos estão tomados por males de todo
gênero, e que o Divino não pode influir, porque desde que influi,
o influxo é imerso nos pensamentos sobre si próprio e é
manchado. e também introduzido em males que procedem de seu
próprio. Daí é que todos eles, na outra vida. olham para o lado
oposto ao Senhor e para o objeto escuro que lá substitui
o sol do mundo, e que é diametralmente oposto ao Sol
do céu, que é o Senhor (ver n0 i23). A
"escuridão" significa o mal, e o "sol
do mundo" o amor de si (4)
(562)
Os males, nos que estão no amor de si, são, em geral.
o desprezo pelos outros, a inveja, a inimizade contra todos
os que não lhes são favoráveis, a hostilidade que daí resulta,
os ódios de todo gênero, as vinganças, as astúcias,
as fraudes, a desumanidade e a crueldade. E quanto
às coisas da religião é não só o desprezo pelo Divino
e pelas coisas Divinas, que são as verdades e os bens
da igreja, mas ainda uma cólera contra elas, a qual se converte
também em ódio quando o homem se torna espírito; então, não só ele
não tolera ouvi-las, como até se abrasa de ódio contra todos
os que reconhecem e adoram o Divino. Falei com um certo
espírito que no mundo tinha sido poderoso e se amara a um grau
superior. Quando ele apenas ouviu nomear o Divino, e principalmente,
quando ouviu nomear o Senhor, o ódio se apoderou dele com tal
ímpeto de cólera que ele se abrasava com o desejo de matar.
Esse mesmo espírito, quando os freios de seu amor eram soltos,
desejava ser diabo, a fim de poder, pelo amor de si, infestar
continuamente o céu. É também isso o que desejam muitos dos que
são da religião papal, quando na outra vida eles percebem que todo
o poder pertence ao Senhor, e que eles não têm poder algum.
(563)
Vi alguns espíritos, na plaga ocidental do lado do sul, que
diziam que, no mundo, eles tinham sido constituídos em grande
dignidade, e mereciam ser preferidos aos outros e mandá-los.
Os anjos examinaram quais eles eram interiormente, e descobriram que,
em suas funções no mundo, eles tinham visado não os usos, mas
a sua própria pessoa, e assim se tinham preferido aos usos. Entretanto,
como eles ambicionavam e desejavam com veemência mandar nos outros,
foi-lhes concedido ficar entre espíritos que se ocupavam com negócios
de alta importância. Mas percebeu-se que eles não podiam prestar atenção
alguma aos negócios de que se incumbiam nem ver as coisas
interiormente em si mesmas, e que eles falavam não pelo uso das
coisas, mas por seu próprio; e que, além disso, queriam agir a seu
bel-prazer segundo o favor. Por isso foram demitidos dessa função e despedidos
para procurarem empregos em outra parte. Eles seguiram pois seu caminho
mais para frente, na plaga ocidental, onde foram aqui e ali
recebidos; mas em toda parte lhes foi dito que eles só pensavam
em si, e não pensavam em coisa alguma a não ser
em relação a Si; e que por isso eles eram estúpidos, e não
passavam de espíritos sensuais e corporais. Por isso foram banidos
de toda parte aonde vinham. Algum tempo depois, viu-se que estavam
reduzidos a uma extrema miséria, e pediam esmola. Assim tornou-se evidente
que, aqueles que estão no amor de si, ainda que pelo fogo de seu
amor pareçam falar com sabedoria no mundo, contudo assim falam por sua
memória e não por alguma luz racional Por isso, na outra vida, quando
não é mais permitida a reprodução das coisas da memória natural,
eles são mais estúpidos do que os outros, e isto porque eles
foram separados do Divino.
(564)
Há dois gêneros de dominação: um pertence ao amor para com
o próximo, e o outro ao amor de si. Estas duas dominações
são, em sua essência, absolutamente opostas uma à outra. Aquele que
domina pelo amor para com o próximo quer bem a todos, e nada ama
mais do que os usos; assim, o que mais ama é servir
a outrem, e por servir a outrem entende-se querer bem
a outrem e prestar-lhe usos, seja à igreja, seja à pátria,
seja à sociedade ou a um cidadão); é esse o seu amor
e esse o prazer de seu coração. Por isso, também, quanto mais
ele for elevado às dignidades acima dos outros, mais se alegra, não
por causa das dignidades, mas por causa dos usos que ele pode então exercer
em maior quantidade e em mais alto grau. Tal é a dominação dos
céus. Ao contrário, aquele que domina pelo amor de si quer bem
unicamente a si. Os usos que ele exerce visam sua honra e sua
glória, que são para ele os únicos usos. Ele serve aos outros para ser
servido, honrado e para dominar; ambiciona as dignidades, não pelos
bens que ele deve fazer à pátria e à igreja, mas para estar
na eminência e na glória e, conseqüentemente, no prazer
de seu coração. O amor de dominar também permanece em cada
um depois da vida no mundo; mas os que dominaram pelo amor
para com o próximo recebem também uma dominação nos céus. Todavia, não são
eles que então dominam, mas os usos que eles amam; e quando
os usos dominam é o Senhor que domina. Ao contrário, aqueles
que, no mundo, dominaram pelo amor de si estão, depois da vida
no mundo, no inferno, e lá exercem os empregos mais vis.
Vi homens poderosos que no mundo tinham dominado pelo amor
de si, postos entre os mais vis, e alguns deles entre
os que lá estão em latrinas.
(565)
Mas, quanto ao que diz respeito ao amor do mundo, este amor não
é oposto ao amor celeste em tal grau, porque não encerra
em si tão grandes males. O amor do mundo é querer, por
um artifício qualquer, chamar a si os bens dos outros, pôr seu
coração nas riquezas e tolerar que o mundo o retire e o
desvie do amor espiritual, que é o amor pelo próximo, e o
separe, por conseguinte, do céu e do Divino. Esse amor do mundo
é, contudo, múltiplo. Há o amor das riquezas a fim de ser
elevado às honras, que são as únicas amadas; há o amor das
honras e das dignidades a fim de se adquirir riquezas; há
o amor das riquezas para diversos usos que proporcionam prazer
no mundo; há o amor das riquezas somente pelas riquezas, como
é o amor dos avarentos, e assim por diante. O fim pelo qual
o homem ama as riquezas é denominado uso. E é o fim ou
o uso que dá ao amor sua qualidade, porque o amor é tal
qual é o fim pelo qual se age; tudo mais lhe serve apenas como meios.
(59)
O QUE É O FOGO INFERNAL
E O QUE É O RANGER DE DENTES
(566)
O que é o fogo eterno e o ranger de dentes, de que
se fala na Palavra a respeito dos que estão no inferno, mal
há alguém que hoje o saiba. Isto é assim porque se têm
pensado materialmente a respeito das coisas que estão na Palavra, sem
se saber o seu sentido espiritual. E por isso que, pelo
"fogo", uns entenderam um fogo material, outros
um tormento em geral, outros um remorso de consciência,
e outros creram que só se falou desse fogo a fim de se incutir
o terror nos maus. E pelo "ranger de dentes" uns
entenderam um tal estridor e outros somente um horror qual
o que se experimenta ouvindo-se um ranger de dentes. Mas
quem conhece o sentido espiritual da Palavra pode saber o que
é o "fogo eterno" e o que é o ranger
de dentes", porque na Palavra há um sentido espiritual
em cada vocábulo e em cada sentido das palavras, porque
a Palavra em seu seio é espiritual, e o espiritual diante
do homem só pode ser expresso naturalmente, pois o homem
se acha no mundo natural e pensa pelas coisas que estão neste
mundo. Por isso, vai ser explicado agora o que é o "fogo
eterno" e o que é o "ranger de dentes" para
os quais os homens maus vêm, quanto aos seus espíritos, depois
da morte, ou em que padecem seus espíritos que então se acham
no mundo espiritual.
(567)
Há duas origens do calor: uma do Sol do céu, que é o
Senhor, e outra do sol do mundo. O calor que procede
do Sol do céu, ou do Senhor, é o calor espiritual, que
em sua essência é o amor (ver n.0s 126-i40); mas
o calor do sol do mundo é um calor natural, que em sua
essência não é O amor, mas serve de receptáculo ao calor
espiritual ou ao amor. Que o amor em sua essência é
um calor, é o que se pode ver pelo ardor do espírito
e sucessivamente do corpo, conforme o amor e segundo seu
grau e sua qualidade, e isso no homem tanto no inverno como
no verão; e também pelo calor do sangue. Que o calor
natural que provém do sol do mundo serve de receptáculo
ao calor espiritual, vê-se pelo calor do corpo, que é excitado
pelo calor de seu espírito e o auxilia, mormente pelo calor
da primavera e do estio nos animais de todo gênero, que então
voltam cada ano aos seus amores. L2j Não que esse calor produza esse efeito,
mas porque dispõe seus corpos a receber o calor que influi também
neles do mundo espiritual porque o mundo espiritual influi
no mundo natural como a causa no efeito. Quem crê que
o calor natural produz os amores dos animais, muito se engana,
porque há influxo do mundo espiritual no mundo natural
e não do mundo natural no espiritual. E todo amor, porque
pertence à vida mesma, é espiritual. L3j Além disso, quem crê que
existe alguma coisa no mundo natural sem o influxo do mundo
espiritual, se engana também, porque o natural só existe
e subsiste pelo espiritual. E também do influxo do mundo
espiritual que os seres do reino vegetal tiram suas germinações.
O calor natural, nas estações da primavera e do verão, dispõe
somente as sementes em suas formas naturais, expandindo-as
e abrindo-as, a fim de que o influxo procedente
do mundo espiritual possa agir como causa. Estes exemplos foram apresentados
para que se saiba que há dois calores, a saber, o calor
espiritual e o calor natural; e que o calor espiritual procede
do Sol do céu, e o calor natural do sol do mundo;
e que o influxo e, depois. a cooperação estabelecem
os efeitos que se manifestam diante dos olhos no mundo (').
(568)
O calor espiritual no homem é o calor da sua vida, porque, como
acima foi dito, em sua essência ele é o amor; é este calor que
se entende por "fogo", na Palavra. O amor para com
o Senhor e o amor para com o próximo se entendem pelo
"fogo celeste", e o amor de si e o amor do mundo
pelo "fogo infernal".
(569)
O fogo ou amor infernal existe por uma origem semelhante à do fogo
ou amor celeste, a saber, pelo Sol do céu ou o Senhor, mas
se torna infernal por aqueles que o recebem, porque todo influxo
proveniente do mundo espiritual é diversificado segundo
a recepção, ou segundo as formas em que ele influi. Dá-se
com isso o mesmo que se dá com o calor e a luz que procedem
do sol do mundo: este calor, influindo nos pomares e canteiros,
produz a vegetação e desprende aromas agradáveis e suaves; mas
o mesmo calor, influindo em matérias excrementícias
e cadaverosas, produz putrefações e faz desprender cheiros pútridos
e fétidos. Igualmente, a luz que provém desse mesmo sol produz
em um ser cores belas e atraentes, em outro, cores feias
e repelentes. Semelhantemente o calor e a luz que procedem
do Sol do céu, que é o amor: quando o calor ou o amor
influi de lá nos bons, como se dá nos homens e nos espíritos
bons e nos anjos, faz frutificar seus bens; mas quando influi nos maus
produz um efeito contrário, porque os males o abafam
ou pervertem. Igualmente a luz do céu: quando influi nas
verdades do bem dá a inteligência e a sabedoria, mas quando
influi nos falsos do mal é mudada em loucuras e
em fantasias de todo gênero. Assim se dá em toda
a parte segundo a recepção.
(570)
O fogo infernal, sendo o amor de si e do mundo, é, por
conseguinte, toda a cobiça que pertence a esses amores, porque
a cobiça é o amor em sua continuidade, pois o que o homem
ama é o que ele deseja continuamente. A cobiça é também
um prazer, porque, quando o indivíduo obtém o que ama
ou deseja, ele sente prazer, e não há para o homem outra
causa de prazer do coração. O fogo infernal é, pois, uma cobiça
e um prazer que derivam desses dois amores como de suas nascentes.
Esses males são o desprezo pelos outros, a inimizade e a
hostilidade contra os que não lhes são favoráveis; é a inveja,
o ódio e a vingança e, por conseqüência, a violência e a
crueldade; e, para com o Divino, é a negação e assim
o desprezo, a irrisão e a blasfêmia das coisas santas que
pertencem à igreja; depois da morte, quando o homem
se torna espírito, estes males se mudam em cólera contra
as coisas Divinas (ver n.0 562). E como esses males
aspiram continuamente a destruição e a matança daqueles que
os maus consideram inimigos, contra os quais eles ardem em ódio
e vingança, por isso o prazer de sua vida é querer destruir
e matar; e, quando o não podem, é querer causar dano, prejudicar
a maltratar.
[2] Eis o que se entende pelo "fogo", na Palavra, quando se trata dos maus e dos infernos. E, para confirmar isso, vou referir algumas passagens:
"Cada um [á] hipócrita e malicioso, e toda boca profere loucuras... porque abrasa como fogo a malícia, as urzes e os espinheiros ela devora, e acende os emaranhados da floresta, e se elevam ao alto os rolos de fumaça... e se tornou o povo alimento do fogo: o homem, irmão seu. eles não poupam" (Isa. 9:17-19).
"Darei prodígios no céu e na terra, sangue, e fogo, e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas" (Joel 2:30,31).
"Será a terra em pez ardente; de noite e de dia ela não se extinguirá; na eternidade subirá a sua fumaça" (Isa. 34:9,10).
"Eis... o dia vem ardente como forno, e serão todos os soberbos, e todo o que pratica a malícia, como palha, e inflama-los-á o dia que vem" (Mal. 4:1).
"Babilônia... tornou-se a morada dos demônios... gritavam vendo a fumaça de sua combustão... a fumaça sobe nos séculos dos séculos" (Apoc. 18:2, 18; 19:3).
"E abriu o poço do abismo, de onde subiu a fumaça do poço, como fumaça de fornalha grande, e foi escurecido o sol e o ar pela fumaça do poço" (Apoc. 9:2).
"Da boca dos cavalos saiu fogo, fumaça e enxofre; por esses... foi morta a terça parte dos homens, pelo fogo, e pela fumaça, e pelo enxofre" (Apoc. 9:17,18).
"Quem adora a besta... beberá do vinho da ira de Deus, misturado ao [vinho] puro no cálice de Sua cólera, e será atormentado pelo fogo e enxofre" (Apoc. 14:9,10).
"O quarto anjo derramou a sua taça no sol, e lhe foi dado pelo calor queimar os homens pelo fogo; assim foram queimados os homens pelo calor grande" (Apoc. 16:8,9).
"Foram lançados no lago ardente em fogo e enxofre" (Apoc. 19:20; 20:14,15; 21:8).
"Toda a árvore que não produzir fruto bom será cortada, e no fogo será lançada" (Mat. 3:10; Luc. 3:9).
"Mandará o Filho do homem os Seus anjos, que arrebatarão de Seu reino todos os escândalos e os que fazem iniqüidade, e lançá-los-ão na fornalha de fogo" (Mat. 13:41,42.50).
O Rei "dirá aos que [estiverem] à esquerda: Retirai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e os seus anjos" (Mat. 25:41).
E serão enviados para o
"fogo eterno... para a gehena de fogo", "onde o verme deles não morrerá, e o fogo não se extinguirá" (Mat. 18:8,9; Marcos 9:43-49).
O rico no inferno disse a Abrahão que ele estava
"atormentado na chama" (Luc. 16:24).
Nestas passagens e em muitas outras, por "fogo" se entende a cobiça que pertence ao amor de si e do mundo, e pela "fumaça" que provém do fogo se entende o falso que procede do mal.
(571)
Como pelo "fogo infernal" se entende a cobiça
de praticar os males que procedem do amor de si e
do mundo, e como tal cobiça existe em todos os que estão
nos infernos (ver o artigo precedente), é por isso que, quando
os infernos são abertos, aparece como que um fogo com fumaça, qual
se vê nos incêndios; logo denso nos infernos onde reina o amor
de si, e com chama nos infernos onde reina o amor do mundo.
Mas, quando os infernos são fechados, esse fogo cessa, e, em seu
lugar, aparece uma sorte de escuridão condensada pela fumaça. Contudo, por
dentro esse fogo está sempre ardendo, o que é também sentido pelo
calor que daí se exala, calor que se assemelha ao de objetos
queimados, depois de um incêndio; em alguns lugares é como
o calor de uma fornalha ardente, e em outros como o vapor
quente de um banho. Quando este vapor quente influi no homem, excita
nele cobiças; e nos maus, ódios e vinganças; e nos doentes,
delírios. Tal fogo ou tal calor há nos que estão ligados, quanto
a seus espíritos, a esses infernos, mesmo quando vivem no corpo.
Cumpre saber, porém, que os que se acham nos infernos não estão
no fogo, mas o fogo é uma aparência. Com efeito, eles
lá não sentem queimadura alguma, mas experimentam somente um calor
como o que sentiam antes no mundo. Se aparece um fogo,
é pela correspondência, porque o amor corresponde ao fogo,
e todas as coisas que aparecem no mundo espiritual aparecem
segundo as correspondências.
(572)
Cumpre notar que esse fogo ou calor infernal se muda em um frio
intenso quando influi o calor do céu; então, os que
lá estão tiritam como os que são atacados pela febre, e são
também torturados por dentro. A causa disto é que eles são
absolutamente contra o Divino, e o calor do céu, que é o
amor Divino, extingue o calor do inferno, que é o amor
de si, e com ele o fogo da vida deles, o que produz
um tal frio e, por conseguinte, esse calafrio e também essas
torturas. Existe então, lá, uma profunda escuridão que ocasiona uma enfatuação
e escuridão nas idéias. Mas isto raras vezes acontece, e somente para
reprimir lá as sedições, quando elas ultrapassam os limites.
(573)
Como pelo "fogo infernal" se entende toda a cobiça
de fazer o mal, que vem do amor de si, pelo mesmo fogo
se entendem também as torturas quais as que existem nos
infernos. Porque, nos infernais, a cobiça produzida por esse amor é a
cobiça de causar dano a todos os que não os honram, veneram
e adoram. E quanto mais eles experimentam ira e se animam
de ódio e de vingança por causa dessa cólera, tanto maior é a
cobiça de os maltratar. E quando tal cobiça existe em cada
um em uma sociedade onde não se é retido pelos vínculos externos -
que são o temor da lei e o receio de perder
a reputação, a honra, o lucro e a vida - então cada qual
por seu mal se arremessa sobre o outro e, tanto quanto pode,
o subjuga, e sujeita os outros à sua dominação, e, por
prazer, trata com crueldade aqueles que não se lhe sujeitam. Este prazer
foi inteiramente ligado ao prazer de mandar, de modo que eles
estão no mesmo grau, pois o prazer de causar dano está
na inimizade, na inveja, no ódio e na vingança, que são
os males deste amor, como acima se disse. Todos os membros são
tais sociedades; por isso, cada um lá tem no coração ódio contra
os outros, e pelo ódio se entrega, tanto quanto pode,
à crueldade. Essas crueldades, e as torturas resultantes,
se entendem pelo fogo infernal, porque são os efeitos das cobiças.
(574)
Acima (n.0 548) mostrou-se que o espírito mau se precipita
por sua vontade no inferno. Vai-se dizer também, em poucas palavras,
como isto se dá e porque há tais tormentos no inferno.
De cada inferno se exala uma esfera de cobiças em que
lá todos estão. Quando esta esfera é percebida por alguém que está
em uma semelhante cobiça, ela afeta seu coração e o enche
de prazer, porque a cobiça e o seu prazer fazem um, uma vez que
o que alguém deseja é para ele um prazer. Daí vem que
o espírito se volta para esse inferno, e por prazer
de coração deseja estar nele, pois ainda não sabe que ali há tais
tormentos se bem que aquele que o sabe, ainda assim o deseja.
De fato, ninguém no mundo espiritual pode resistir à sua cobiça,
porque sua cobiça pertence a seu amor, e seu amor a sua vontade,
e sua vontade à sua natureza, e cada um, lá, age segundo a natureza.
[2] Quando pois o espírito, por sua vontade, ou por sua liberdade, chega a seu inferno e nele entra, é a princípio recebido como amigo, crendo assim que veio entre amigos. Mas isso dura somente algumas horas. Durante esse intervalo ele é examinado quanto à sua astúcia e, conseqüentemente, qual é o seu valor. Depois desse exame, começa-se a infestá-lo, e isto por diferentes modos, e sucessivamente com mais força e veemência, o que se faz introduzindo-o mais interior e mais profundamente no inferno, porque quanto mais interior e mais profundo for o inferno, mais perversos são os espíritos. Depois das infestações, eles começam a lhe infligir penas rigorosas, e isso até que lhe seja reduzido à servidão. Mas, por haver lá, continuamente, movimentos de rebelião - porque cada um lá quer ser o maior, e abrasa-se em ódio contra os outros - surgem novas sedições. Assim, uma cena se muda em outra, de sorte que os que tinham sido reduzidos à escravidão são libertos, a fim de prestarem auxílio a algum novo diabo para subjugar os outros. Então, os que não se sujeitam e não servem ao vencedor, são novamente atormentados por diversos modos, e assim continuamente Tais são os tormentos do inferno, denominados fogo infernal.
(575)
Quanto ao "ranger de dentes", é a contínua disputa
e o contínuo combate dos falsos entre si, por conseguinte dos que estão
nos falsos, consociados também com o desprezo pelos outros,
a inimizade, a irrisão, a zombaria, a blasfêmia, coisas que
também produzem dilacerações de vários gêneros, porque cada qual combate a favor
de seu falso e diz que é um vero. Essas disputas e esses
combates são ouvidos, fora desses infernos, como rangidos de dentes,
e são mesmo mudados em rangidos de dentes quando
as verdades lá influem do céu. Nesses infernos estão todos os que
reconheceram a natureza e negaram o Divino; e, nos mais
profundos, todos os que se confirmaram nisso. Como estes nada podem
receber da luz do céu, nem daí ver coisa alguma dentro de si,
são, pois, na maioria, sensuais e corporais, isto é, crêem unicamente
o que vêem com os olhos e tocam com as mãos. Daí, todas
as ilusões dos sentidos são para eles verdades pelas quais até disputam.
E por isso que essas disputas são ouvidas como rangidos de dentes,
porque todos os falsos no mundo espiritual fazem um ruído
de ranger, e os dentes correspondem às últimas coisas
na natureza e também às últimas coisas no homem, que são
as que pertencem ao sensual-corporal (2) Que nos infernos haja
um ranger de dentes, é o que se vê em Mateus 8:12:
13:42,50; 22:13; 24:51; 25:30 e Lucas 13:28.
(60)
MALÍCIA E ARTES ABOMINÁVEIS
DOS ESPÍRITOS INFERNAIS
(576)
Quem pensar interiormente e tiver algum conhecimento da operação
de sua mente pode ver e compreender qual é a superioridade dos
espíritos sobre os homens. Porque o homem pode em sua mente
examinar, desenvolver e concluir, em um minuto, mais coisas
do que pode exprimir em meia hora pela palavra ou pela escrita.
Vê-se, pois, quanto o homem é superior quando está em seu
espírito, e quanto é, por conseqüência, superior quando se torna
espírito, pois é o espírito que pensa, e é pelo corpo que
o espírito exprime seus pensamentos, falando ou escrevendo. Daí
é que o homem que se tornou anjo depois da morte está
em uma inteligência e em uma sabedoria inefáveis relativamente
à sua inteligência e sabedoria de quando vivia no mundo.
Porquanto seu espírito, quando ele vivia no mundo, estava preso a
um corpo e por este corpo estava em um mundo natural; por isso,
o que ele pensava estão espiritualmente influía em idéias naturais,
que são relativamente gerais, grosseiras e obscuras, e não recebem
as coisas inúmeras que pertencem ao pensamento espiritual,
e também as envolvem nas idéias espessas que procedem dos cuidados
do mundo. Não sucede o mesmo ao espírito quando foi desligado
do corpo e vem ao seu estado espiritual, o que acontece
quando ele passa do mundo natural para o mundo espiritual, que
é seu mundo próprio. Então, seu estado, quanto aos pensamentos e
às afeições, é imensamente superior ao seu estado precedente,
como é evidente pelo que acaba de ser dito. Daí resulta que
os anjos pensam coisas inefáveis e inexprimíveis, portanto coisas que
não podem entrar nos pensamentos naturais do homem. Entretanto, cada anjo
nasceu homem, viveu homem, e então não sabia que possuía mais sabedoria
do que um outro homem semelhante.
(577)
No mesmo grau em que se elevam a sabedoria e a inteligência
nos anjos, se elevam também a malícia e a astúcia nos espíritos
infernais. Realmente, a coisa é semelhante, pois o espírito
do homem, quando se desligou do corpo, está em seu bem
ou seu mal. Q espírito angélico em seu bem, e o espírito
infernal em seu mal, porque cada espírito é ou seu bem ou seu
mal, pois é seu amor, como já se disse e se mostrou muitas
vezes. Por isso é que, do mesmo modo que o espírito angélico
pensa, quer, fala e age por seu bem, do mesmo modo faz
o espírito infernal por seu mal. E pensar, querer, falar e agir
por seu mal é pensar, querer, falar e agir segundo cada uma das
coisas que estão no mal. L2j Não sucedia o mesmo quando ele vivia
no corpo: então o mal do espírito estava nos vínculos que, para
cada homem, procedem da lei, do lucro, da honra,
da reputação e do temor de perder essas vantagens; por isso
o mal de seu espírito não podia explodir e se manifestar qual
ele era em si. Além disso, o mal do espírito do homem jazia
então envolto e velado pelas aparências da probidade,
da sinceridade, da justiça e da afeição da verdade
do bem, que o homem manifestava de boca e fingia por causa
do mundo, e sob quais aparências o mal estava de tal modo
oculto e na escuridão que o homem mal sabia que em seu espírito
houvesse tanta malícia e astúcia, e que, por conseguinte, ele fosse
um diabo qual viria a sê-lo depois da morte, quando seu espírito
viesse a si e à sua natureza.
[3] Então se manifesta uma malícia tal que excede toda crença. Milhares são as coisas que então se precipitam do próprio mal, e entre essas coisas há algumas que são tais que não podem ser expressas pelas palavras de língua alguma. Foi-me dado saber e também perceber, por muitas experiências, quais elas são, porque o Senhor concedeu-me estar no mundo espiritual quanto ao espírito e, ao mesmo tempo, no mundo natural quanto ao corpo. Posso atestar que a malícia deles é tão grande, que apenas é possível descrever uma milésima parte dela; e que, se o Senhor não protegesse o homem, este não poderia de forma alguma ser liberto do inferno, porque em cada homem tanto há espíritos do inferno como há anjos do céu (ver n.0s 292, 293). E o Senhor não pode proteger o homem se este não reconhecer o Divino e não viver uma vida de fé e de caridade, porque de outro modo ele se desvia do Senhor e se volta para os espíritos infernais, e assim se enche, quanto a seu espírito, de uma semelhante malícia.
[4] O Senhor, porém, continuamente afasta o homem dos males a que o homem se afeiçoa e que atrai a si, por assim dizer, pela consociação com aqueles espíritos. Ele o afasta, se não pelos vínculos internos que pertencem à consciência - a qual o homem não recebe se nega o Divino - pelo menos pelos laços externos que são, como se disse acima, o temor da lei e das penas da lei, e o temor da perda do lucro e da privação da honra e da reputação. Um tal homem pode, na verdade, ser desviado dos males pelos prazeres do amor de si, e pelo temor de os perder e de ser deles privado, mas não pode ser conduzido aos bens espirituais, porque, quanto mais esse homem for conduzido a esses bens, tanto mais ele agita em si astúcias e dolos, simulando e fingindo o bem, o sincero e o justo, com o fim de persuadir e assim de enganar. Essa astúcia se ajunta ao mal de seu espírito e o forma, e faz que seja o mal tal qual é em sua natureza.
(578)
Os piores de todos são os que estiveram nos males pelo amor
de si e, ao mesmo tempo, agiram interiormente em si por dolo,
porque o dolo penetra mais profundamente nos pensamentos e nas
intenções e os impregna de veneno, e assim destrói toda
a vida espiritual do homem. Estes espíritos estão, na maior
parte, nos infernos situados atrás, nas costas, e são denominados gênios.
E lá o seu prazer consiste em se tornarem invisíveis, esvoaçar
ao redor dos outros como fantasmas e introduzir secretamente
os males, que eles espalham ao redor de si como veneno
de víboras. Estes são mais atormentados do que todos os outros.
Os que, porém, não foram pérfidos e não iludiram com malignas
astúcias, e, entretanto, estiveram nos males pelo amor de si, também estão
nos infernos situados atrás, nas costas, mas não tão profundos. Mas os que
estiveram nos males pelo amor do mundo estão nos infernos situados
na frente, e são denominados espíritos; estes não são tais formas
de males, isto é, de ódios e vinganças quais os que estão
nos males pelo amor de si; por conseguinte, também não há neles uma
tal malícia nem uma tal astúcia; por isso seus infernos são mais brandos.
(579)
Foi-me permitido conhecer, por experiência, de que malícia são os que
são denominados gênios. Os gênios não operam nem influem nos pensamentos,
mas nas afeições. Eles as percebem e as sentem como os cães
farejam a caça nos matos. Desde que percebem afeições boas, eles as convertem
logo em más, dirigindo-as e adaptando-as de um modo admirável,
por meio dos prazeres de Outrem, e isto tão secretamente, e com
uma arte tão maligna, que o outro nada sabe. Evitam com habilidade que
algo entre no pensamento, porque sem essa precaução eles seriam
descobertos. Esses têm a sua sede, no homem, sob o occipital.
No mundo, esses gênios foram desses homens que captaram artificiosamente
os espíritos dos outros, dirigindo-os e persuadindo-os por meio dos
prazeres de suas afeições ou de suas cobiças. Todavia, o Senhor
impede que esses gênios se aproximem do homem para quem
há alguma esperança de reforma. Porque eles são tais que não
só podem destruir as consciências, como até excitar no homem
seus males hereditários que de outro modo jazeriam ocultos. Para que,
pois, o homem não seja induzido nestes males, é providenciado pelo
Senhor que esses infernos sejam inteiramente fechados; e quando, depois
da morte, algum homem que é de um semelhante gênio vem à Outra
vida, ele é imediatamente lançado em seu inferno. Quando esses gênios
são examinados quanto às suas perfidias e astúcias, aparecem como
víboras.
(580)
Pode-se ver qual é a malícia dos espíritos infernais por meio de seus
artifícios abomináveis, que são em tão grande número que se encheria
um livro para enunciá-los e muitos livros para descrevê-los. Esses
artifícios são quase todos desconhecidos no mundo. Um gênero
se refere aos abusos das correspondências; um outro, aos abusos das
coisas últimas da ordem Divina; um terceiro, a uma comunicação
e a um influxo de pensamentos e de afeições, por conversões
e inspeções, por intermédio de outros espíritos, fora deles,
e por espíritos enviados por eles; um quarto, à Operação por
fantasias; um quinto, às projeções para fora de si próprios, e,
por conseguinte, à presença em Outros lugares em que seus corpos
não estão; um sexto, a fingimentos, persuasões e mentiras.
O espírito do homem mau vem por si próprio a esses
artifícios quando se desprende de seu corpo, porque eles estão na natureza
de seu mal, natureza em que então ele está. Por estes artifícios eles
se atormentam mutuamente nos infernos. Mas, como todos esses artifícios -
exceto os que se fazem por fingimentos, persuasões e mentiras -
são desconhecidos no mundo, não quero descrevê-los aqui em particular,
tanto porque eles não seriam compreendidos, como porque são abomináveis.
(581)
Se os tormentos nos infernos são permitidos pelo Senhor, é porque
os males não podem ser reprimidos e dominados de outro modo.
O único meio de os reprimir e domar, e de manter
a turba infernal nos vínculos, é o temor da pena. Não existe
outro meio, porque, sem o temor da pena e do tormento,
o mal se precipitaria em furores e dissiparia tudo, como
sucederia a um reino no mundo onde não houvesse leis nem penas.
(61)
DA APARÊNCIA,
DA SITUAÇÃO E DA PLURALIDADE
DOS INFERNOS
(582)
No mundo espiritual, ou no mundo onde estão os espíritos e
os anjos, aparecem coisas semelhantes às que estão no mundo
natural, ou no mundo onde estão os homens; e são de tal
sorte semelhantes que não há diferença alguma quanto à face externa.
Lá aparecem planícies e montanhas, colinas e rochedos, e,
em seus intervalos, vales; aparecem também águas e muitas outras
coisas que existem na terra. Contudo, todas essas coisas são
de origem espiritual; por isso aparecem diante dos olhos dos espíritos
e dos anjos e não diante dos olhos dos homens, porque estes estão
no mundo natural. Ora, os espirituais vêem as coisas que são
de origem espiritual, e os naturais as coisas que são
de origem natural. O homem não pode, pois, ver com seus olhos as coisas
que estão no mundo espiritual, salvo se lhe for permitido estar
em espírito, e também depois da morte, quando ele se torna
espírito. Reciprocamente, o anjo e o espírito também não podem ver
coisa alguma no mundo natural, exceto se estiverem em um homem
ao qual foi permitido falar com eles. Porque os olhos do homem
foram acomodados à recepção da luz do mundo natural, e
os olhos dos anjos e dos espíritos foram acomodados à recepção
da luz do mundo espiritual. E contudo, uns e outros têm
olhos inteiramente semelhantes quanto ao aspecto. Que o mundo
espiritual seja tal, é o que o homem natural não pode compreender,
nem, com mais forte razão, o homem 8en-sual, isto é, aquele que
só crê o que vê com os olhos de seu corpo e toca
com suas mãos, assim, o que ele alcança com a vista e o tato;
e é por este modo que ele pensa, e por isso seu pensamento
é material e não espiritual. Por ser tal a semelhança
do mundo espiritual com o mundo natural, por isso é que
o homem, depois da morte, não sabe outra coisa senão que está
no mundo onde nasceu e de onde saiu. ~ também por essa razão que
a morte é denominada simplesmente passagem de um mundo
a outro semelhante. (Que haja tal semelhança entre um e outro mundo,
é o que já se viu acima, quando se tratou dos representativos
e das aparências no céu, n.0s 170-176).
(583)
Lá, nos lugares mais elevados estão os céus; nos lugares mais baixos está
o mundo dos espíritos; debaixo de uns e outros estão
os infernos. Os céus não aparecem aos espíritos que estão
no mundo dos espíritos senão quando sua vista interior é aberta.
Entretanto, algumas vezes esses céus aparecem como nuvens densas ou como
nuvens brancas. A razão disto é que os anjos do céu
se acham em um estado interior quanto à inteligência e à
sabedoria, e por isso acima da vista dos que estão no mundo dos
espíritos. Quanto aos espíritos que estão nas planícies e nos vales, eles
se vêem mutuamente. Mas, quando lá eles foram separados, o que
sucede quando são introduzidos em seus interiores, os maus espíritos
não vêem os bons, mas os bons podem ver os maus, contudo
se desviam deles; e os espíritos que se desviam tornam-se
invisíveis. Os infernos também não aparecem, porque foram fechados:
vêem-se apenas as entradas, que se chamam portas, quando elas
se abrem para a introdução de outros espíritos semelhantes.
Todas as portas que conduzem aos infernos abrem-se do lado
do mundo dos espíritos, e nenhuma do lado do céu.
(584)
Os infernos estão por toda a parte, não só debaixo das montanhas,
colinas e rochedos, como sob as planícies e os vales.
As aberturas, ou portas, indo ter aos infernos que estão sob
as montanhas, colinas e rochedos, aparecem à vista como buracos
e fendas de rochedos, algumas vezes extensas em largura,
e amplas, outras vezes apertadas e estreitas, na maioria escabrosas.
Todas, quando vistas, aparecem escuras e sombrias, mas as espíritos
infernais que moram nesses infernos estão em uma luz semelhante à
de carvões em brasa; seus olhos foram conformados para
a recepção dessa luz, e isto se dá porque eles, quando viveram
no mundo, estiveram em trevas quanto às Divinas verdades, pela
negação dessas verdades, e em uma sorte de luz quanto aos falsos, por
sua afirmação. Daí vem que a vista de seus olhos foi assim formada.
Daí resulta, ainda, que a luz do céu é para eles uma escuridão;
por isso, quando eles saem de seus antros, nada vêem. Por tudo isso,
tornou-se claríssimo para mim que o homem vem à luz do céu
na proporção que reconhece o Divino e confirma em si
as coisas que pertencem ao céu e à igreja, e que ele vem
à escuridão do inferno na proporção que nega o Divino
e confirma em si as coisas opostas às que pertencem
ao céu e à igreja.
(585)
As aberturas ou portas conduzindo aos infernos que estão sob
as planícies e os vales, aparecem à vista de diversos
modos: umas, semelhantes às que estão sob as montanhas colinas
e rochedos; outras, como antros e cavernas; Outras, como grandes
abismos e sorvedouros; outras, como charcos; e outras, como tanques
de água estagnada. Todas estão cobertas, e só se abrem quando maus
espíritos nelas se precipitam do mundo dos espíritos; e, quando
se abrem, exala-se delas ou como um fogo com fumaça, qual
o que se vê nos incêndios, ou como uma chama sem fumaça,
ou como uma fuligem que sai de uma fornalha abrasada, ou como
uma névoa ou nuvem espessa. Soube que os espíritos infernais não vêem
e nem sentem tais coisas, porque, estando nelas, eles se acham como
em sua atmosfera e, por conseguinte, no prazer de sua vida.
E assim é, porque elas correspondem aos males e aos falsos
em que eles estão, a saber: o fogo, ao ódio e à
vingança; a fumaça e a fuligem, aos falsos segundo o ódio
e a vingança: a chama, aos males do amor de si; e a
névoa e a nuvem espessa, às falsidades que procedem desses males.
(586)
Foi-me permitido observar os infernos e ver quais eles são por
dentro. Pois, quando apraz ao Senhor, o espírito e o anjo, que
estão acima, podem pela vista penetrar nos mais profundos e examinar quais
eles são, apesar das cobertas. Assim, foi-me também concedido examiná-los por
dentro. Alguns infernos se apresentaram como cavernas e antros
em rochedos dirigindo-se para o interior, e de lá,
em profundidade, oblíqua ou perpendicularmente. Outros infernos
apareceram como covis e espeluncas, quais os das feras nas matas;
outros, semelhantes às cavernas das lagunas e grutas, quais
as das minas, com antros para as partes inferiores. Os infernos,
em sua maioria, são tríplices; os mais elevados aparecem escuros
no interior, porque ~á os infernais estão nos falsos do mal;
os mais baixos aparecem ígneos, porque ali os infernais estão nos
próprios males. Com efeito, a escuridão corresponde aos falsos
do mal, e o fogo aos próprios males, porque nos infernos mais
profundos estão aqueles que agiram interiormente pelo mal, e no menos
profundo estão os que agiram exteriormente, o que é agir pelos
fal505 do mal. Em alguns infernos aparecem como escombros
de casas e de cidades após incêndios, entre os quais habitam e
se escondem os espíritos infernais. Nos infernos menos rigorosos
aparecem rudes cabanas, em alguns lugares juntas, formando uma espécie
de cidade, com ruas e praças; dentro dessas casas habitam espíritos
infernais, continuamente em rixas, inimizades e contendas em que
eles se ferem e se dilaceram; nas praças e ruas só se vêem
roubos e saques. Em certos infernos só se vêem lupanares,
medonhos à vista, cheios de todo gênero de imundícies e
de excrementos. Há também matas sombrias, nas quais espíritos
infernais vagam como feras, e aí há também antros subterrâneos em que
se refugiam os que são perseguidos por outros. Há, também, desertos,
onde tudo é estéril e arenoso; e em alguns lugares se vêem
ásperos rochedos em que há cavernas, e em outros lugares
há também choças. E nesses lugares desertos que são rejeitados dos
infernos os que sofreram castigos extremos, principalmente aqueles que,
no mundo, excederam os outros na arte de tramar
e maquinar artifícios e dolos; tal é. por fim, a sua vida.
(587)
Quanto ao que diz respeito à situação dos infernos
em particular, ninguém pode conhecê-la, nem mesmo os anjos
do céu: só o Senhor a conhece. Mas sua situação em geral
é conhecida pelas plagas em que estão, pois os infernos
se distinguem em plagas, como os céus, e as plagas
no inundo espiritual são determinadas segundo os amores, porque todas
as plagas no céu começam do Senhor como Sol, que é o
Oriente; e como os infernos são opostos aos céus, suas plagas começam
no oposto, isto é, do ocidente (ver, a respeito, o capítulo
sobre as quatro plagas no céu, n.0s 141-153).
[2] Daí vem que os infernos da plaga ocidental são os mais cruéis e horrendos de todos, e tanto piores e horríveis quanto mais afastados do oriente, assim por graus sucessivos. Estão nos infernos ocidentais aqueles que, no mundo, estiveram no amor de si e, conseqüentemente, no desprezo pelos outros, na inimizade contra os que não lhe eram favoráveis e no ódio e vingança contra os que não lhes prestaram homenagem nem veneração. Lá, nos lugares mais remotos, estão os que foram de religiosidade católica, assim chamada, e que quiseram ser adorados como deuses, e portanto se abrasaram em ódio e vingança contra todos os que não reconheceram seu poder sobre as almas dos homens e sobre o céu. Estes são animados pelo mesmo espírito que tinham no mundo, isto é, pelo mesmo ódio e pelo mesmo ardor de vingança contra os que lhes são opostos. Seu maior prazer é fazer crueldade, mas na outra vida isto se volta contra eles próprios, porque em seus infernos, de que está repleta a plaga ocidental, cada qual se enfurece contra qualquer um que lhe nega o poder Divino. (Mas, a este respeito, mais coisas serão ditas no opúsculo Do Juízo Final e da Babilônia Destruída).
[3] Contudo, não se pode saber de que modo os infernos foram dispostos nessa plaga; sabe-se 50mente que os mais atrozes desse gênero se estendem para os lados em direção à plaga setentrional, e os menos atrozes para a plaga meridional. Assim, a atrocidade dos infernos decresce da plaga setentrional para a plaga meridional, e também gradualmente para o oriente. Dali para o oriente estão os que foram soberbos e não creram no Divino, mas também não estiveram em tal ódio e vingança nem nas fraudes, como os que estão no fundo da plaga ocidental.
[4] Hoje, na plaga oriental não há infernos; os que lá estavam foram transportados para a parte anterior da plaga ocidental. Os infernos nas plagas setentrional e meridional são em grande número; neles estão os que, enquanto viveram, estiveram no amor do mundo e, daí, nos males de vários gêneros, que são a inimizade, a hostilidade, os furtos, os latrocínios, a astúcia, a avareza e a desumanidade. Os infernos mais cruéis desse gênero estão na plaga setentrional, e os menos cruéis na plaga meridional. A crueldade deles cresce quanto mais eles se aproximam da plaga ocidental, e também quanto mais se afastam da plaga meridional; e decresce para a plaga oriental e também para a plaga meridional. Atrás dos infernos que estão na plaga ocidental há matas tenebrosas em que espíritos malignos vagam como feras: o mesmo sucede atrás dos infernos na plaga setentrional. Mas atrás dos infernos da plaga meridional estão os desertos de que se falou acima em último lugar. Isto quanto à situação dos internos.
(588)
Quanto ao que se refere à pluralidade dos infernos,
há tantos infernos quantas são as sociedades angélicas nos céus,
visto que a cada sociedade celeste corresponde no oposto uma
sociedade infernal. Que as sociedades celestes são inúmeras, e que
todas elas foram discriminadas segundo os bens do amor,
da caridade e do fé, é o que se viu no capítulo sobre as sociedades
de que o céu se compõe (n.0s 41-5O), e
no capítulo sobre a imensidade do céu fn.0s 415-4203.
Sucede, por conseguinte, o mesmo às sociedades infernais: elas foram
discriminadas segundo os males opostos aos bens.
[2] Cada mal é de uma variedade infinita, como cada bem. Que isto seja assim, é o que não compreendem aqueles que tão somente uma idéia simples sobre cada mal, por exemplo, sobre o desprezo, a inimizade, o ódio, a vingança, a fraude e outros semelhantes. Mas é bom saber que cada um destes males encerra um tão grande número de diferenças específicas, e, cada uma destas, tantas diferenças de novo específicas ou particulares, que não bastaria um volume para enumerá-las. Os infernos foram, segundo as diferenças de cada mal, distribuídos em ordem de tal sorte, que nada há que seja mais ordenado e mais distinto. Por este fato se pode reconhecer que eles são inúmeros, um perto do outro e um afastado do outro, segundo as diferenças dos males em gera', em espécie e em particular.
[3] Ha, também, infernos debaixo de infernos. Alguns têm entre si comunicações por passagens e muitos entre si por exalações, e isto inteiramente segundo as afinidades de um gênero e de uma espécie de mal com os outros. Que os infernos são em grande número, foi-me permitido saber pelo fato de que os há sob toda montanha, colina e rochedo, e também sob toda planície e todo vale, e que eles se estendem, por baixo, em comprimento, largura e profundidade. Em uma palavra, todo o céu e todo o mundo dos espíritos são, por assim dizer, minados, e ha por baixo deles um inferno contínuo. Isto quanto à pluralidade dos infernos.
(62)
DO EQUILÍBRIO ENTRE O CÉU E O INFERNO
(589)
Para que alguma coisa exista, é necessário que haja em todas
as coisas um equilíbrio. Sem equilíbrio não há ação nem reação,
porque o equilíbrio está entre duas forças, das quais uma age e outra
reage. O repouso resultante de uma ação e de uma reação iguais
chama-se equilíbrio. No mundo natural há equilíbrio em todas e
em cada uma das coisas; em geral, nas próprias atmosferas,
em que as inferiores reagem e resistem na proporção que
as superiores agem e fazem pressão. No mundo natural
há também equilíbrio entre o calor e o frio, entre a luz
e a sombra e entre o seco e o úmido; uma temperatura média
é um equilíbrio. Há equilíbrio também em todos os seres dos
três remos do mundo, que são o mineral, o vegetal e o
animal, porque sem equilíbrio neles nada existe nem subsiste. Há, em toda
a parte, como um esforço agindo de uma parte e reagindo
de outra.
[2] Toda existência ou todo efeito se realiza no equilíbrio, isto é, se realiza porque uma força atua e outra sofre a ação, ou, uma força influi, agindo, e outra recebe e cede de um modo conveniente. No mundo natural, o que age e o que reage chama-se força e também esforço, mas no mundo espiritual, o que age e o que reage chama-se vida e vontade. Lá, a vida é a força viva, e a vontade é o esforço vivo, e ao equilíbrio mesmo chama-se liberdade. Assim, o equilibro espiritual, ou liberdade, existe e subsiste entre o bem que age de uma parte e o mal que reage de outra parte, ou, entre o mal que age de uma parte e o bem que reage de outra parte.
[3] O equilíbrio entre o bem que age e o mal que reage se dá nos bons, mas o equilíbrio entre o mal que age e o bem que reage se dá nos maus. Se o equilíbrio espiritual se realiza entre o bem e o mal, é porque tudo que pertence à vida do homem se refere ao bem e ao mal, e a vontade é o receptáculo. Há, também, equilíbrio entre a verdade e a falsidade, mas este equilíbrio depende do equilíbrio entre o bem e o mal. O equilíbrio entre a verdade e a falsidade é como entre a luz e a sombra, que operam nos indivíduos do reino vegetal na proporção que houver, na luz e na sombra, calor e frio, porque a luz e a sombra nada operam por si próprios, mas é o calor que opera por elas, como se pode verificar no fato de haver uma luz semelhante e uma sombra semelhante no tempo do inverno e no tempo da primavera. A comparação da verdade e da falsidade com a luz e a sombra vem da correspondência, porque a verdade corresponde à luz, a falsidade à sombra e o calor ao bem do amor. E. também, a luz espiritual é a verdade, a sombra espiritual é a falsidade e o calor espiritual é o bem do amor. Sobre este assunto, ver o capítulo a respeito da luz e do calor no céu (n.0s 126-140).
(590)
Há um perpétuo equilíbrio entre o céu e o inferno.
Do inferno se exala e sobe continuamente um esforço
de fazer o mal, e do céu continuamente emana e desce
um esforço de fazer o bem. Neste equilíbrio está o mundo
dos espíritos, que constitui o meio entre o céu e o inferno (ver
os n.0s 421-431). Se o mundo dos espíritos está nesse
equilíbrio, é porque todo homem depois da morte entra, primeiramente,
no mundo dos espíritos e ali é conservado em um estado
semelhante ao em que estava no mundo, o que não poderia
acontecer se lá não houvesse um perfeito equilíbrio. Por este
equilíbrio todos os espíritos são examinados quanto à sua qualidade,
porque lá eles estão em sua liberdade, qual a que existia neles
no mundo. O equilíbrio espiritual é a liberdade no homem e
no espírito (como se disse no n.0 589).
A qualidade da liberdade de cada um é lá conhecida pelos
anjos do céu por meio da comunicação das afeições e dos
pensamentos provenientes delas, e essa qualidade se manifesta
à vista diante dos espíritos angélicos por caminhos que cada
um segue. Os que são bons espíritos seguem pelos caminhos que
se dirigem ao céu, mas os maus espíritos seguem os caminhos
que vão ter ao inferno. Aparecem efetivamente caminhos naquele mundo,
e é também a razão porque os "caminhos",
na Palavra, Significam as verdades que conduzem ao bem e,
em um sentido oposto, as falsidades que conduzem ao mal.
E é também por isso que "ir", "andar" e
"caminhar" significam, na Palavra, as progressões
da vida (1) Foi-me concedido muitas vezes ver tais caminhos,
e também ver espíritos andando e caminhando por esses caminhos,
segundo as afeições e segundo os pensamentos provenientes destas
afeições.
(591)
Se o mal se exala e sobe continuamente do inferno, e se
o bem emana e desce continuamente do céu, é porque cada um
é cercado por uma esfera espiritual, e esta esfera eflui e emana
da vida das afeições e dos pensamentos. E porque uma tal esfera
de vida eflui de cada um, resulta que uma tal esfera também eflui
de cada sociedade celeste e de cada sociedade infernal, e, por
conseqüência, de todas as sociedades simultaneamente, isto é,
de todo o céu e de todo o inferno. Se o bem eflui
do céu, é porque lá todos estão no bem; e se o mal
eflui do inferno, é porque lá todos estão no mal.
O bem que eflui do céu vem inteiramente do Senhor, porque
os anjos que estão nos céus são todos desviados de seu próprio
e mantidos no próprio do Senhor, que é o Bem Mesmo. Mas
os espíritos que estão nos infernos estão todos em seu próprio,
e o próprio de cada um é absolutamente o mal, e, por ser
mal, ele é um inferno. Assim pode-se ver que o equilíbrio em que
são conservados os anjos nos céus e os espíritos nos infernos, não
é como o equilíbrio no mundo dos espíritos. O equilíbrio
dos anjos nos céus é conforme eles quiseram estar no bem,
ou conforme no mundo eles viveram no bem, e dai também,
conforme eles tiveram aversão pelo mal. E o equilíbrio dos espíritos
no inferno é conforme eles quiseram estar no mal,
ou conforme no mundo eles viveram no mal, e daí também,
conforme eles foram de coração e de espírito contra o bem.
(592)
Se o Senhor não governasse tanto os céus como os infernos, não
haveria equilíbrio algum; e se não houvesse equilíbrio, não haveria céu
nem inferno, porquanto todas e cada uma das coisas no universo, isto
é, tanto no mundo natural como no mundo espiritual, sustentam-se por
um equilíbrio. Que assim aconteça, é coisa que pode ser percebida por
toda pessoa racional. Se houvesse preponderância de uma parte
e nenhuma resistência de outra parte, ambas não pereceriam ?
O mesmo sucederia no mundo espiritual se o bem não reagisse
contra o mal e não comprimisse continuamente a insurreição.
Se unicamente o Divino não fizesse isso, o céu e o inferno
pereceriam, e com eles todo o gênero humano. Foi dito "se unicamente
o Divino não fizesse isso' , porque o próprio de cada um,
tanto anjo como espírito e homem, é mero mal (ver n.0 591).
Por isso, nunca anjo algum nem espírito algum podem resistir aos males
continuamente exalados dos infernos, pois por seu próprio eles tendem todos
ao inferno. Assim, é evidente que se o Senhor Só não
governasse tanto os céus como os infernos, não haveria salvação para
quem quer que seja. Além disso, todos os infernos fazem um, porque
os males nos infernos são conexos como os bens o são nos céus;
e resistir a todos os infernos, que são inúmeros, e que
atuam conjuntamente contra o céu e contra todos os que
lá estão, só é possível ao Divino, que procede unicamente
do Senhor.
(593)
O equilíbrio entre os céus e os infernos diminui e aumenta
segundo o número dos que entram no céu e no inferno, e isso
se faz diariamente, pela entrada de muitos milhares. Ora, conhecer
e perceber essa diminuição ou esse aumento do equilíbrio,
moderar e igualar essa entrada, como uma balança, é o que não pode
fazer anjo algum, mas somente o Senhor, porque o Divino procedente
do Senhor é onipresente, e vê, em toda parte, seja onde
for, para onde se inclina alguma coisa. O anjo vê apenas
o que está perto de si, e não percebe em si sequer
o que sucede em sua sociedade.
(594)
O modo por que todas as coisas foram ordenadas nos céus e nos
infernos, para que lá todas em geral e cada uma
em particular estejam em seu equilíbrio, pode até certo ponto
tornar-se evidente pelo que já se disse e se mostrou a respeito
dos céus e dos infernos, a saber, que todas as sociedades
do céu foram distribuídas com a mais perfeita ordem segundo
os bens e segundo os gêneros e as espécies de bens,
e todas as sociedades do inferno segundo os males
e segundo os gêneros e as espécies de males; e que sob
cada sociedade do céu há uma sociedade do inferno correspondente
ao oposto, e dessa correspondência oposta resulta o equilíbrio.
Por isso, o Senhor continuamente providencia para que a sociedade
infernal que está sob urna sociedade celeste não prevaleça; e quando começa
a prevalecer, ela é contida por diversos meios e reduzida
a uma justa relação de equilíbrio Estes meios são muitos; vou apenas
mencionar alguns deles. Certos meios se referem a uma mais forte
presença do Senhor; outros, a uma comunicação e a uma conjunção
mais estreita de uma ou de muitas sociedades com outras sociedades;
outros, em lançar em desertos os espíritos infernais que estão
em superabundância; Outros, em transportar alguns infernais
de um inferno para outro; outros, em pôr em ordem os que
estão nos infernos, o que também se faz por vários modos; outros,
em esconder certos infernos sob envoltórios mais densos e espessos,
e também em aprofundá-los mais; além de Outros meios
e também dos meios empregados nos céus que estão por cima dos infernos. Esses
pormenores foram dados para que se compreenda de algum modo que Só
o Senhor é quem provê para que haja em toda a parte
um equilíbrio entre o bem e o mal, assim entre o céu
e o inferno, porque é em tal equilíbrio que se funda
a salvação de todos nos céus e de todos nas terras.
(595)
Deve-se saber que os infernos continuamente atacam o céu
e procuram destruí-lo, e que o Senhor continuamente protege
os céus, desviando os que estão lã dos males provenientes
de seu próprio e conservando-os no bem que procede d'Ele Mesmo.
Foi-me permitido muitas vezes perceber a esfera que efluía dos infernos.
Era toda uma esfera de esforços para destruir o Divino do Senhor
e daí o céu. Percebi, também, algumas vezes, as ebulições
de alguns dos infernos, que eram esforços para se escaparem deles
e para destruírem. Por sua vez, os céus nunca atacam
os infernos, porque a esfera Divina procedente do Senhor é
um esforço perpétuo para salvar a todos; e como os que
estão nos infernos não podem ser salvos, pois todos os que os habitam
estão no mal e são contra o Divino do Senhor, é por
isso que, tanto quanto é possível, as sedições nos infernos são
reprimidas e as crueldades suspensas, para que os espíritos
infernais, precipitando-se uns contra os outros, não ultrapassem os limites
de suas crueldades. Isto também é operado por inúmeros meios
do poder Divino.
(596)
Há dois remos em que foram repartidos os céus, a saber,
o reino celeste e o reino espiritual (ver n.0s 20-28j. Há,
igualmente, dois remos em que os infernos foram distintos:
um desses remos é oposto ao reino celeste, e o outro
é oposto ao reino espiritual. O que é oposto ao reino
celeste está na plaga ocidental, e os que lá estão são
denominados gênios; mas o que é oposto ao reino espiritual está na plaga
setentrional e meridional, e os que lá estão chamam-se
espíritos. Todos os que estão no reino celeste estão no amor
para com o Senhor, e todos os que estão nos infernos opostos
a este reino estão no amor de si; todos os que estão
no reino espiritual estão no amor para com o próximo,
e todos os que estão nos infernos opostos a este reino estão
no amor do mundo. Daí fica claro que o amor para com
o Senhor e o amor de si são opostos, e que o mesmo
acontece ao amor para com o próximo e o amor do mundo.
O Senhor continuamente provê a que nada eflua dos infernos opostos
ao reino celeste do Senhor nos que estão no reino espiritual,
porque se tal sucedesse o reino espiritual pereceria; acima
se disse a razão disso (n.0s 578-579). São estes
os dois equilíbrios gerais que são continuamente mantidos pelo Senhor.
(63)
O HOMEM ESTÁ NA LIBERDADE
PELO EQUILÍBRIO ENTRE
O CÉU E O INFERNO
(597)
Acima tratou-se do equilíbrio entre o céu e o inferno,
e mostrou-se que esse equilíbrio é o equilíbrio entre o bem que
provém do céu e o mal que procede do inferno. Assim, é o
equilíbrio espiritual, que em sua essência é a liberdade. Se
o equilíbrio espiritual em sua essência é a liberdade,
é porque é o equilíbrio entre o bem e o mal e entre
a verdade e a falsidade, coisas que são espirituais. Por isso, ter
a possibilidade de querer ou o bem ou o mal, e pensar
ou a verdade ou a falsidade, e escolher um de preferência
ao outro, é a liberdade de que se trata aqui. Esta
liberdade é dada pelo Senhor a todo homem e nunca lhe é tirada.
Na verdade, por sua origem ela pertence ao Senhor e não
ao homem, porque ela vem do Senhor: contudo, é dada
ao homem com a vida, como sendo dele; e assim é, para que
o homem possa ser reformado e salvo, porque sem liberdade não
há reforma alguma nem salvação alguma. Cada um pode ver, por uma
sorte de intuição racional, que a liberdade do homem está
no pensar mal ou bem, com sinceridade ou sem sinceridade,
justamente ou injustamente, e também que ele pode falar e agir
bem, sincera e justamente; mas não falar e agir mal, sem sinceridade
e injustamente por causa das leis espirituais, morais e civis, pelas
quais o seu externo é retido nos vínculos. Assim, pois,
é evidente que o espírito do homem, que é quem pensa
e quer, está na liberdade, mas não o externo do homem, que
fala e age, exceto se agir de acordo com as leis espirituais,
morais e civis, como acima se disse.
(598)
Que o homem não pode ser reformado se não tiver em si
a liberdade, é porque ele nasce nos males de todo gênero, que
devem, contudo, ser afastados a fim de que ele possa ser salvo.
E eles não podem ser afastados se ele os não vê e reconhece
em si, e depois cessa de os querer, e finalmente tem
aversão por eles; então eles começam a ser afastados. Isto não pode ser
feito se o homem não estiver tanto no bem como no mal. Com
efeito, pelo bem ele pode ver os males, mas não pode pelos males ver
os bens. Os bens espirituais que o homem pode pensar, ele
aprende desde a infância pela leitura da Palavra e pela prédica;
os bens morais e civis ele aprende pela vida no mundo. Eis
a primeira razão por que o homem deve estar na liberdade.
[2] Outra razão é que nada é apropriado ao homem exceto aquilo que é feito pela afeição que pertence ao amor. Todo o resto pode entrar, é verdade, mas não vai além do pensamento e não entra na vontade; e o que não entra até à vontade do homem não se torna propriedade sua, porque o pensamento tira o que lhe pertence da memória, mas a vontade tira o que lhe pertence da vida mesma. Nunca há liberdade alguma que não venha da vontade, ou, o que é o mesmo, da afeição que pertence ao amor. Porque tudo o que o homem quer ou ama, ele o faz livremente. Daí resulta que a liberdade do homem e a afeição que pertence ao seu amor ou à sua vontade são um; por isso é dada ao homem a liberdade para que ele possa ser afetado pela verdade e pelo bem, ou amá-los, e assim a verdade e o bem possam ser como coisa própria.
[3] Em uma palavra, tudo o que não entra no homem em liberdade não fica, porque não pertence ao seu amor ou à sua vontade; e as coisas que não pertencem ao amor ou à vontade do homem não pertencem ao seu espírito, pois o ser do espírito do homem é o amor ou a vontade. Diz-se amor ou vontade porque o que o homem ama ele o quer. Tal é, portanto, a razão pela qual o homem só pode ser reformado na liberdade. Mas, nos Arcanos Celestes encontram-se mais pormenores sobre a liberdade do homem, nas passagens citadas adiante.
(599)
Para que o homem esteja na liberdade, e a fim de ser
reformado, ele é ligado, quanto a seu espírito, ao céu e
ao inferno. Há, com efeito, em cada homem, espíritos do inferno
e anjos do céu; pelos espíritos do inferno o homem está
em seu mal, mas pelos anjos do céu o homem está no bem
do Senhor. Assim está no equilíbrio espiritual, isto é,
na liberdade. Que a cada homem estejam associados anjos do céu
e espíritos do inferno, é o que se vê no capítulo
sobre a conjunção do céu com o gênero humano (n. 291-302).
(600)
Deve-se saber que a conjunção do homem com o céu e com
o inferno não é imediata mas mediata, pelos espíritos que estão
no mundo dos espíritos. Estes espíritos estão no homem, mas não há espírito
algum do inferno mesmo nem do céu mesmo. O homem está ligado com
o inferno por espíritos maus que estão no mundo dos espíritos,
e com o céu por espíritos bons que estão naquele mesmo mundo. Como
assim acontece, por isso o mundo dos espíritos é o meio entre
o céu e o inferno, e é esse equilíbrio mesmo. Que o mundo
dos espíritos seja o meio entre o céu e o inferno, é o que
se viu no artigo sobre o mundo dos espíritos (n. 421-431);
e que aí esteja o equilíbrio entre o céu e o inferno,
é o que se viu no artigo imediatamente precedente (n.0s
589-596). De tudo isso torna-se evidente de onde vem a liberdade
ao homem.
(601)
Dir-se-á, ainda, alguma coisa sobre os espíritos adjuntos ao homem.
Uma sociedade inteira pode ter comunicação com outra sociedade, e também
com um só espírito, em qualquer parte que seja, por um espírito
enviado por ela. Este espírito é denominado o "sujeito"
de muitos. Dá-se o mesmo com a conjunção do homem com
as sociedades no céu e com as sociedades no inferno:
ela se faz por espíritos adjuntos ao homem e pertencentes
ao mundo dos espíritos. (Ver também, a este respeito, nos Arcanos
Celestes, as passagens citadas no fim do presente tratado).
(602)
Em último lugar, cumpre falar da intuição [insito] que vem
do influxo do céu no homem, a respeito de sua vida
depois da morte. Havia alguns espíritos do povo simples, que,
no mundo, viveram no bem da fé. Eles foram repostos em um
estado semelhante àquele em que tinham estado no mundo - o que
pode suceder a qualquer um, quando o Senhor o concede -
e então mostrou-se qual idéia eles tiveram a respeito do estado
do homem depois da morte. Eles disseram que alguns inteligentes
no mundo lhes tinham perguntado o que pensavam eles a respeito
de sua alma depois da vida no mundo: tinham respondido que não
sabiam o que era a alma; perguntaram-lhes o que eles acreditavam
a respeito de seu estado depois da morte: responderam que
acreditavam que viveriam espíritos. Perguntaram-lhes, então, que idéia eles
tinham de um espírito, e eles responderam que o espírito é
um homem. Finalmente, interrogados de onde sabiam isso, disseram que
o sabiam porque assim é. Aqueles inteligentes ficaram atônitos de que
homens simples tivessem uma tal fé e que eles não a tivessem.
E isto uma prova de que em todo homem que está em conjunção
com o céu há um ínsito ou intuição a respeito de sua
vida depois da morte. Essa intuição não vem de outra parte senão
do influxo do céu, isto é, do Senhor pelo céu, por meio dos
espíritos que, do mundo dos espíritos, foram adjuntos ao homem.
E ela está naqueles em quem a liberdade de pensar não foi
extinta por princípios adotados e depois confirmados a respeito
da alma do homem, que dizem ser ou puro pensamento ou algum
princípio animado cuja sede eles procuram no corpo, quando a verdade
é que a alma é a vida do homem, enquanto o espírito
é o homem mesmo, e o corpo terrestre que o envolve no mundo
é apenas um instrumento pelo qual o espírito, que é o homem
mesmo, atua no mundo natural do modo que convém a este mundo.
(603)
As coisas que foram ditas nesta obra a respeito do céu, do mundo
dos espíritos e do inferno, serão obscuras para os que não estão
no prazer de saber as verdades espirituais, mas claras para
aqueles que estão neste prazer, principalmente para aqueles que estão
na afeição da verdade pela verdade, isto é, que amam a verdade
porque é a verdade. Pois tudo que é amado entra com luz na idéia
da mente, mormente quando a verdade é amada, porque toda verdade
está na luz.
(64)
Extratos
dos arcanos celestes
sobre a liberdade do homem,
sobre o influxo e sobre os espíritos
pelos Quais se fazem as comunicações
Da Liberdade
Toda liberdade pertence ao amor ou à afeição, porque aquilo que o homem ama, é o que ele faz livremente (n.0s 2870, 3158, 8987, 8990, 9585, 9591). Gomo a liberdade pertence ao amor, ela é a vida de cada um (n.0 2873). Só aquilo que procede da liberdade é que aparece como próprio (n.0s 2880). Há uma liberdade celeste e uma liberdade infernal (n.0s 2870, 2873, 2874, 9589, 9590].
[2] A liberdade celeste pertence ao amor celeste ou ao amor do bem e da verdade (n.0s 1947, 2870, 2872), e como o amor do bem e de verdade vem do Senhor, a liberdade mesma consiste em ser conduzido pelo Senhor (n.0s 892, 905, 2872, 2886, 2890 a 2892, 9096, 9586. 9587, 9589 a 9591). O homem é introduzido pelo Senhor na liberdade celeste pela regeneração (n.0s 2874, 2875, 2882, 2892). O homem deve ter a liberdade para poder ser regenerado (n.0s 1937, 1947, 2876, 2881, 3145, 3146, 3158, 4031, 8700]. De outro modo, o amor do bem e da verdade não pode ser implantado no homem nem lhe ser apropriado em aparência como seu (n.0s 2877, 2879, 2880, 2888). Nada é conjunto ao homem em um estado de constrangimento (n.0s 2875, 8700). Se o homem pudesse ser reformado por constrangimento, todos os homens seriam salvos (n.0s 2881). O constrangimento na reforma é perigoso (n.0s 4031). Todo culto proveniente da liberdade é um culto, mas não sucede o mesmo ao que provém de um constrangimento (n.0s 1947, 2880. 7349, 10097). O arrependimento deve efetuar-se em um estado livre, e o que se efetua em um estado de constrangimento é sem valor (n.0 8392). Estados de constrangimento, quais eles são (n.0s 8392).
[3] Foi permitido ao homem agir pela liberdade da razão a fim de que o bem lhe seja provido, e por isso é que o homem está na liberdade de pensar e de querer até o mal, e também de o fazer, tanto quanto as leis isto não lhe proíbam (n.0 10777). O homem é retido pelo Senhor entre o céu e o inferno, e assim no equilíbrio, a fim de que ele esteja na liberdade para a reforma (n.0s 5982, 6477, 8209, 8987). O que foi semeado na liberdade permanece, mas não o que foi semeado no constrangimento (n.0s 9588); é por isso que a liberdade nunca é retirada a pessoa alguma (n.0s 2876, 2881). Ninguém é constrangido pelo Senhor (n.0s 1937, 1947). Constranger-se é um ato de liberdade, mas ser constrangido não o e (n.0s 1937, 1947). O homem deve constranger-se para resistir ao mal (n.0s 1937, 1947,.914) e também para fazer o bem como por si próprio, mas reconhecer contudo que é pelo Senhor (n.0s 2883, 2891, 2892, 7194). A liberdade é mais forte no homem nos combates das tentações em que ele é vencedor, contanto que então o homem se constranja interiormente para resistir aos meles, ainda que apareça de outro modo (n.0s 1937, 1947, 2881)
[4] A liberdade infernal consiste em ser conduzido pelos amores de si e do mundo, e pelas concupiscências desses amores (n.0s 2870, 2873). Os que estão no inferno não conhecem outra liberdade (n.0 2871). A liberdade celeste é tão afastada da liberdade infernal como o céu é afastado do inferno (n.0s 2873, 2874). A liberdade infernal, que consiste em ser conduzido pelos amores de si e do mundo, não é uma liberdade. mas uma escravidão (n.0s 2884, 2890), visto como é uma escravidão o ser conduzido pelo inferno (n.0s 9586, 9589, 9591).
Do Influxo
[5] Tudo que o homem pensa e quer lhe vem pelo influxo; provado pela experiência (n.0s 904, 2886 a 2888, 4151, 4319, 4320, 5846, 5848, 6189, 6191, 6194, 6197-6199, 6213, 7147, 10219). E pelo influxo que o homem pode considerar as coisas, pensar e concluir analiticamente (n.0s 5288, 4319, 4320). O homem não poderia viver um só momento, se o influxo proveniente do mundo espiritual lhe fosse retirado; provado pela experiência (n.0s 2887, 5849, 5854, 6321). A vida que influi do Senhor é variada segundo o estado do homem, e segundo a recepção (n.0s 2069, 5986, 6472, 7343). Nos maus, o bem que influi do Senhor é mudado em mal, e a verdade em falsidade; provado pela experiência (n.0s 3642, 4632). O bem e a verdade que influem continuamente do Senhor, são recebidos enquanto o mal e o falso não fizerem obstáculo à recepção (n.0s 2411, 3142, 3147, 5828).
[6] Todo bem influi do Senhor e todo mal influi do inferno (n.0s 904, 4151). O homem crê hoje que o bem e o mal estão nele e vem dele, quando a verdade é que eles influem, e isto ele o sabe pela doutrina da igreja, que ensina que todo bem vem de Deus e que todo mal vem do diabo (n.0s 4249, 6193, 6206). Ora, se o homem acreditasse segundo a doutrina, ele não se apropriaria o mal e não faria seu o bem (n.0s 6206, 6324, 6325). Quanto seria feliz o estado do homem se ele cresse que todo bem influi do Senhor, e que todo mal influi do inferno (n.0s 6325). Os que negam o céu, ou nada sabem do céu, ignoram que haja algum influxo que venha dele (n.0s 4322, 5649, 6193, 6479). O que é o efluxo ilustrado por comparações (n.0s 6128, 6190, 9407).
[7] Tudo que pertence à vida influi de um Primeiro, que é a fonte da vida, porque o todo dai vem e influi continuamente desse Primeiro, isto é, do Senhor (n.0s 3001, 3318, 3337, 3338, 3344, 3484, 3619, 3741-3743, 4318-4320, 4417. 4524, 4882, 5847, 5986, 6325, 6468-6470, 6479, 9276, 10196). Há influxo espiritual e não influxo físico; assim, há influxo do mundo espiritual no mundo natural, e não do mundo natural no mundo espiritual (n.0s 3219, 5119, 5259, 5428, 5477, 6322, 9110). Há influxo pelo homem interno no homem externo, ou pelo espírito no corpo, e não vice-versa, porque o espírito do homem está no mundo espiritual, e o corpo no mundo natural (n.0s 1702, 1707, 1940, 1954, 5119, 5259, 5779, 6322, 9380). O homem interno está no mundo espiritual, e o homem externo no mundo natural (n.0s 978, 1015, 3638, 4523, 4459, 4524, 6057, 6309, 9701 a 9709, 10156, 10472). Parece que no homem o influxo vem dos externos para os internos, mas isto é uma ilusão (n.0s 3721). No homem, o influxo está em seus racionais, e pelos racionais nos científicos, e não vice-versa (n.0s 1495, 1707, 1940). Qual é a ordem do influxo (n.0s 775, 880, 1096, 1495, 7270). O Influxo vem imediatamente do Senhor, e também mediatamente pelo mundo espiritual ou o céu (n.0s 6063. 6307, 6472, 9682, 9683). O influxo do Senhor é no bem no homem e pelo bem na verdade, mas não vice-versa (n.0s 5482, 5649, 6027, 8685, 8701, 10153). O bem da a faculdade de receber do Senhor o influxo, mas a verdade sem o bem não o dá (n.0 8321). O que influi no pensamento em nada é prejudicial, mas o que influi na vontade pode ser prejudicial, porque o homem disso se apropria (n.0 6308).
[8] Ha um influxo geral (n.0s 5850). É um esforço contínuo de agir segundo a ordem (n.0 6211). Este influxo esta nas vidas doa animais (n.0 5850) e também nos indivíduos do reino vegetal (n.0 3648). É também segundo o influxo comum que o pensamento cai na linguagem, e a vontade nas ações e nos gestos no homem (n.0s 5862,5990, 6192, 6211).
Dos Sujeitos
[9] Os espíritos enviados por sociedades de espíritos, e também para alguns espíritos, são denominados "sujeitos" (n.0s 4403, 5856). As comunicações na outra vida se fazem por tais espíritos emissários (n.0s 4403, 5856, 5983). O espírito que é enviado para servir de sujeito pensa não por si próprio, mas pelos que o enviaram (n.0s 5985 a 5987). Muitas particularidades sobre esses espíritos (n.0s 5988, 5989).
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